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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP v.1 n.1 Ribeirão Preto 2000
PARTE V - PERSPECTIVAS DO TRABALHO GRUPAL
Caminhando na contramão. Perspectivas do trabalho grupal
Ana Margarida T.R. da Cunha1
Sociedade Paulista de Psicoterapia Analítica de Grupo - SPPAG
RESUMO
Vivemos mudanças culturais que nos pressionam a desenvolver novos métodos e estratégias para atender às necessidades de contato que a demanda atual impõe e que tem provocado uma crise na clínica grupal e seu setting tradicional. Neste contexto, experimentar novas abordagens é importante para o desenvolvimento do nosso potencial o que nos coloca em uma situação precária, tendo em vista a necessidade de desenvolver estratégias e métodos, atentos para as reformulações que a experiência deverá significar e/ou ressignificar, apoiados no nosso referencial e na preocupação com a pesquisa e a ética.
ABSTRACT
We live a cultural changing moment that it is pressing us to develop new methods and strategies to attend a need of contact that only another human being can do. There is a crisis in Group Psychotherapy, in its traditional setting. In this context, trying new paths is a need to increase our work potential, without loosing our psychoanalytical identity. That leads us in a difficult position: to reformulate methods, objectives and strategies, supported by our traditional bases and a ethical preoccupation.
RESUMEN
Presionados por el momento cultural que vivimos, tenemos la tarea de desenvolvimiento de nuevos referenciales para hacer frente à la crisis del trabajo grupal en su forma tradicional y a la demanda de atendimientos mas sintonizados com el mondo actual. Eso trae la necesidad de enfrentar nos com reformulaciones de objetivos, métodos e estrategias y tener la capacidad para aprender de las experiencias, atendiendo al rigor de la ética e aportes tradicionales de nuestra identidad.
O título “Caminhando na Contramão” sugere de imediato algumas idéias:
- A idéia de transgressão
- A de precariedade… e insegurança
- A necessidade de cuidado, atenção e também, coragem.
Começo com a idéia de precariedade, focando o tema da jornada “Grupos Hoje”. Precariedade, devido ao esvaziamento da clínica grupal nos moldes tradicionais (e aqui me refiro aos grupos terapêuticos com 8 a 10 pessoas, duas vezes por semana, com possibilidade de reposição em caso de baixas, ou famílias, casais, disponíveis para um trabalho em longo prazo, podendo arcar com os custos emocionais, financeiros e de tempo para empreender um trabalho sem prazo determinado para terminar). É bem verdade que houve um aumento das terapias de grupo nas instituições de saúde mental, hospitais, ambulatórios, assim como um aumento da procura por terapia de casal e familiar. Estas novas demandas e novos contextos introduzem porém, uma precariedade em relação ao referencial clássico, dada a especificidade que implicam quanto aos objetivos, métodos e estratégias usados.
Esta precariedade tem seus desdobramentos:
1. Na prática clínica: que sustentada pelo referencial que dispomos, fica pressionada a reformular-se e adaptar-se, frente às demandas diferentes do futuro que já chegou.
2. No desenvolvimento teórico: cuja fonte é a experiência e a pesquisa.
3. Na pesquisa: intimamente relacionada à amostragem usada e que fica enviesada na medida em que restrita ao “possível”, muitas vezes inadequado para lançar luz sobre o que se quer pesquisar.
4. Na formação: que abarca a teoria, prática supervisionada e a própria terapia.
Todas essas questões nos remetem à ligação entre precariedade e transgressão. É assim que vemos muitos profissionais sem cumprir os requisitos básicos da formação; pesquisas impossibilitadas de caminhar ou caminhando “como se” e uma prática clínica que adapta referenciais sem preocupação com a coerência resultante. Às vezes, por exemplo, diminui-se o tempo de duração do processo mas continua-se a interpretar, como se o grupo tivesse a perspectiva para colher e elaborar… Outras vezes, a dificuldade de repor elementos no grupo, promove conluios ou até o desenvolvimento de “falsas” teorias que justifiquem o que se faz ou deixa de fazer.
Não é desta transgressão porém, que me interessa falar aqui hoje. No último congresso do Nesme, em Águas de São Pedro, Neusa, Catalina e eu, coordenamos uma Oficina cujo título era “Tempo de Transgressão: Traição e Transcendência X Tradição e Acomodação” cuja mola propulsora era a importância de se perceber que a transgressão está presente desde Adão e Eva, no episódio da maçã, como elemento constitutivo e inerente à passagem do conforto de “ser tutelado”, para a necessidade de “plantar o pão que se come”.
Penso que “a perspectiva do trabalho grupal”, está nesta passagem… na transição que estamos vivendo e que nos pressiona a reformular nosso referencial, a experimentar “novas aplicações” para o nosso saber, novas estratégias que dêem conta da demanda que aí está. O problema, não é de demanda. Ela se evidencia e se atualiza em cada dificuldade do conviver “experenciada” por nós, mesmo nos grupos que nos são mais caros como é a família, por exemplo, em cada violência estampada nos jornais ou vivida por nós, como foi a perda do amigo Querolim, ou na simples constatação do difícil que é trabalhar em equipe, nos agrupar, aceitar o diferente…
As experiências que temos feito com grupos de diferentes fisionomias, sempre buscaram atender a uma demanda. O andar na contra mão, fica por conta da consciência que temos, de não estarmos tutelados pelas teorias que dispomos e portanto necessitamos caminhar com cuidado e atenção para dar conta deste “fazer diferente”, que precisa ser não apenas reconhecido como diferente, mas ressignificado e aí então, conceitualizado a partir da experiência.
Na aplicação do referencial analítico, ocorre uma modificação dos objetivos e métodos que não podem ser confundidos com os do grupo terapêutico. Por isso, quando começamos a experimentar, discutíamos muito, tínhamos supervisão após cada grupo, cônscios da necessidade de atenção e cuidado… Geralmente, vamos ao encontro da cultura do rápido, eficiente e sem dor em que vivemos… A idéia é driblar as resistências ao trabalho em longo prazo, sem data para terminar, ao aprofundamento da compreensão do inconsciente. Aceitamos por exemplo que a compreensão seja sobre um personagem externo, de um filme ou de um texto; cuidamos para que o encontro seja prazeroso, continente para tudo…Apesar disso, a leitura que fazemos dos pontos de urgência a serem trabalhados, da dinâmica grupal, é sustentada pelo referencial analítico. Mas isso não é Psicanálise, não é grupo terapêutico pode-se objetar… E não é mesmo. Não será porém que a demanda justificareformular o referencial analítico e fazer aliança com o que pode ser considerado resistência?… Acredito que sim.
A cultura do eficiente, rápido e sem dor, tem privilegiado a técnica e colocado o computador, sua memória, rapidez e potência, no centro das transformações a serem incorporadas pelos profissionais das mais diferentes áreas. O resultado são as discussões sobre terapias via Internet, os grupos de “chats” e aqui novamente caminhamos na contra mão dessa tendência. Nada contra as relações mediadas pelo computador e a necessidade de pensarmos a especificidade da linguagem que ele propicia. No entanto, é ali onde há a necessidade de um outro ser humano sensível, criativo, capaz de aprender o não programado, que reside a especificidade do nosso trabalho. Procuramos privilegiar, nos grupos que temos feito, esse contato. Ha uma carência em relação ao não programado, ao inesperado, do feito sob medida e sobretudo do acolhimento do que não está codificado na linguagem binária e que possa expressar o que não tem cheiro, não tem cor, nem forma, mas pode ser significado no contato, na qualidade do vínculo. Justamente a convicção no valor do referencial é que permite esse experimentar, a coragem de que eu falava no início; a coragem de arriscar, sabendo-se apoiado no confiável. A flexibilidade e seriedade da qual falava Neusa Oliveira (2000) em seu trabalho.
Ainda recentemente, lendo o jornal O Estado de São Paulo, deparei-me com um artigo de Joelmir Beting (2000) que cita Bill Gates e que transcrevo aqui… “Empresa nova, precisa ter gente que erra, que não tenha medo de errar e que saiba aprender com o erro”. Temos que continuar trabalhando com o único propósito de tornar nossos produtos obsoletos …antes que os outros o façam”. E aqui, voltamos para a necessidade de coragem, além do cuidado e atenção. Mas afinal do que é feita a coragem? Não será que ela se apóia no que já foi construído e portanto no referencial que temos, na formação que tivemos e que nos leva a estar permanentemente reolhando e revendo a nos próprios, a nossa prática e nossos pontos de apoio?
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
Beting, J. (2000) - “Volta por Cima?”, em O Estado de São Paulo - B2, 27/ 04/ 2000.
Oliveira, N. M. F. M. de (2000) - “Flexibilidade e Seriedade” trabalho apresentado na IV Jornada da SPAGESP, Ribeirão Preto & SP, em abril de 2000.
Endereço para correspondência
Ana Margarida Tischler R. da Cunha
R. Capote Valente 1403- São Paulo .CEP 05409 003
Fone Comercial: ( 0xx11)3862-8727
E-mail: anamargc@yahoo.com
1 Psicóloga, Psicoterapeuta de Grupo pela SPPAG, Membro e docente do NESME, Coordenadora da área Família e Casal, docente da SPAGESP.