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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.11 no.1 Ribeirão Preto jun. 2010

 

ARTIGOS

 

Etnopsicanálise: embasamento crítico sobre teoria e prática terapêutica 1

 

Ethnopsychoanalysis: critical foundations on theory and psychotherapeutic practice

 

Etnopsicoanálisis: fundamentación crítica sobre la teoría y la práctica psicoterapéutica

 

 

Mariana Leal de Barros 2; José Francisco Miguel Henriques Bairrão 3

Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho busca apresentar a etnopsicanálise, disciplina científica que conjuga antropologia e psicanálise. O artigo contextualiza o desenvolvimento da etnopsicanálise ao longo do século XX, com teóricos como Géza Róheim e Georges Devereux, que transitavam entre ambas as disciplinas e propuseram-se a aprofundar o debate na teoria e na prática terapêutica. Em seguida, apresenta-se o atual contexto da etnopsicanálise, abordando os principais teóricos que trabalham na área e contribuem para elucidar e possibilitar o diálogo multidisciplinar. Ressalta-se a importância de se discutir sobre o alicerce teórico no qual surgiu a etnopsicanálise e a sua prática atual para refletirmos e contextualizarmos a aplicabilidade da mesma no Brasil.

Palavras-chave: Cultura; Antropologia; Etnopsicanálise; Psicologia cultural; Etnopsicologia.


ABSTRACT

This research aims to present ethnopsychoanalysis, a scientific area that joins anthropology and psychoanalysis. The paper provides the context for the development of ethnopsychoanalysis throughout the twentieth century, with theoreticians like Géza Róheim and Georges Devereux, who moved between both areas and intended to deepen the debate in theory and therapeutic practice. After that, the current context of ethnopsychoanalysis is presented, addressing the main theoreticians working in this area who contribute to clarify and permit a multidisciplinary dialogue. Furthermore, the importance of discussing the theoretical framework in which ethnopsychoanalysis emerged is highlighted and its current practice, in order to reflect on and provide a context for its applicability in Brazil.

Keywords: Culture; Anthropology; Ethnopsychoanalysis; Cultural Psychology; Ethnopsychology.


RESUMEN

La finalidad de este trabajo es presentar la etnopsicoanálisis, disciplina científica que conjuga antropología y psicoanálisis. El artículo contextualiza el desarrollo de la etnopsicoanálisis a lo largo del siglo XX, con teóricos como Géza Róheim y Georges Devereux, que transitaban entre ambas disciplinas e intentaron ahondar el debate en la teoría y en la práctica terapéutica. A seguir, se presenta el contexto actual de la etnopsicoanálisis, tratando los principales teóricos que trabajan en el área y contribuyen para elucidar y posibilitar el diálogo multidisciplinario. También se destaca la importancia de discutir sobre las bases teóricas que surgió la etnopsicoanálisis y su práctica actual para reflejar y contextualizar su aplicabilidad en Brasil.

Palabras clave: Cultura; Antropología; Etnopsicoanálisis; Psicología cultural; Etnopsicología.


 

 

Pode soar estranho para quem ouve a palavra pela primeira vez, mas apesar de ser pouco difundida no Brasil, a etnopsicanálise, disciplina que conjuga antropologia e psicanálise na teoria e na prática terapêutica, é progressivamente explorada e praticada sobretudo no contexto europeu 4.

Apesar de se restringir demasiadamente à clínica individual, desde o seu início a psicanálise nos convida a pensar o nosso lugar na cultura e nossa responsabilidade face a ela (ASSOUN, 1993). Ao escrever grandes textos como Totem e tabu (1913/1993), Mal-Estar na Civilização (1930/2002), O Futuro de uma ilusão (1927/2001) e Moisés e o Monoteísmo (1939/1986), Freud tinha o desejo de descobrir uma “clínica da cultura” para além dos estudos de casos e destacou ao longo de sua vida que estes lhes eram seus mais caros trabalhos (ASSOUN, 1993; ZAFIROPOULOS, 2006).

No entanto, o diálogo entre a psicanálise e disciplinas das ciências sociais, como a antropologia, foi bastante atravancado ao longo do século XX e ainda o é. Para pensar esta dificuldade, há inúmeras vias, mas podemos citar dentre elas, uma querela que se iniciou com a crítica de Bronislaw Malinowski à teoria freudiana.

Malinowski, pioneiro da antropologia contemporânea, fundamentou-se principalmente no combate às afirmações de Totem e Tabu (1913/1993). Para o antropólogo, Freud não havia levado em consideração a diversidade entre as configurações familiares e sociais, tendo construído suas teorias baseado em famílias burguesas de cidades modernas como Viena, Londres ou Nova York. Para fundamentar seu argumento, Malinowski vale-se dos célebres dados colhidos em trabalho de campo realizado na Nova Guiné para refutar a existência do complexo de Édipo entre os trobriandeses (MALINOWSKI, 1929/2000).

Tomando conhecimento das críticas dirigidas à sua obra, Freud convidou seu colega etnólogo e psicanalista Géza Róheim a reagir às análises de Malinowski. Financiado por Marie Bonaparte, Róheim segue à Nova Guiné e contesta in loco as afirmações que Malinowski proferiu contra a teoria freudiana (LIOGER, 2002), apontando o profundo desconhecimento do autor em relação à psicanálise, a começar pelo fato de que Malinowski se valia do discurso manifesto dos indígenas para atestar a inexistência de complexo de Édipo entre os trobriandeses, por exemplo.

No entanto, esta discussão não foi levada adiante nem pelos antropólogos, que parece não terem lido ou se pronunciado sobre elas, nem pelos psicanalistas da época. Freud, por sua vez, deu-se por satisfeito ao perceber que os argumentos de Malinowski foram facilmente contestados. Mas é a partir desse contexto confuso e sem diálogo explícito e direto que se elabora um ranço negativo e dificultoso no diálogo entre as disciplinas. Por um lado, os cientistas sociais e, mais especificamente os antropólogos, continuam a criticar o veio “universalizante” da psicanálise e os psicanalistas parecem se resguardar dos seus limites nas análises da cultura e se restringem progressivamente à clínica individual (PULMAN, 2002) 5.

 

POSSIBILIDADES DE UM DIÁLOGO: AS “ETNOPSIS" 6

No entanto, apesar de não ser eloquente, o diálogo entre a psicanálise e as ciências sociais nunca cessou, a começar por Géza Róheim, que segue no estudo psicanalítico de diferentes culturas pelo mundo. Portanto, é reconhecido como um pioneiro da etnopsicanálise (ROUDINESCO; PLON, 1998) ou de uma “antropologia psicanalítica”, pois etnólogo que era, possuía simultaneamente o conhecimento da psicanálise, bem como da experiência etnográfica direta. Seu diferencial era que buscava analisar os dados etnológicos colhidos a partir de uma compreensão analítica, mas não ousava realizar grandes sínteses como o fazia Freud (LIOGER, 2002).

Mais cauteloso no sentido de não generalizar precipitadamente, Róheim (RÓHEIM, 1950/1967) perdurou na análise das diferentes culturas e progressivamente dedicou-se às práticas religiosas dos nativos, geralmente “mágicas” e terapêuticas. A partir de então, os estudos de xamanismo e possessão passam a se configurar como os “pratos principais” dos estudos etnopsicanalíticos.

Mas apesar de ser reconhecido por alguns como um “etnopsicanalista”, Róheim não chegou a se valer deste termo. O consenso é que o termo “etnopsicanálise” foi empregado primeiramente por Georges Devereux (1972), que a partir da década de 1960 contribuiu para o desenvolvimento desta disciplina, que tem como característica principal conjugar psicanálise e antropologia.

Ao longo de sua obra, Devereux (1977) também utilizou o termo “etnopsiquiatria”, remetendo-se mais especificamente às diferentes compreensões e conformações a respeito dos distúrbios psiquiátricos de acordo com as culturas em que se desenvolvem. Destacamos, ainda, que Devereux discutiu a questão tanto teoricamente quanto na prática, por meio de uma “psicoterapia transcultural” ou “etnopsicanálise transcultural” (LIOGER, 2002).

Como visto, a ele são dirigidas diferentes nomenclaturas para designar seu campo disciplinar, mas o mais relevante a ressaltar é que, de maneira geral, sua obra consiste de um lado em uma etnologia clássica, e de outro, numa prática terapêutica (LIOGER, 2002). Etnólogo e psicanalista, Devereux (1972) desenvolveu o que chama de “complementarismo”, ressaltando que:

(…) se um fenômeno admite uma explicação, ele admitirá também um certo número de outras explicações também capazes de elucidar a natureza do fenômeno em questão tanto quanto a primeira. O fato é que um fenômeno humano explicado apenas de uma maneira não é nem um pouco explicado (DEVEREUX, 1972, p. 9, tradução dos autores).

Portanto, buscava explicar os fenômenos humanos tanto por meio da etnologia quanto da psicanálise. Mas é importante notar que para Devereux (1972) não se trata de trabalhar “interdisciplinarmente”, fundindo ou sintetizando as disciplinas, mas de utilizá-las de maneira integral. Ou seja, o autor não defende uma nova metodologia “interdisciplinar”, mas convoca simultaneamente ambas as disciplinas para pensar o fenômeno.

A verdadeira etnopsicanálise não é «interdisciplinar», mas «pluridisciplinar», pois ela efetua uma dupla análise de certos fatos, no campo da etnologia de uma parte, no campo da psicanálise de outra parte; e enuncia assim a natureza da relação (de complementaridade) entre esses dois sistemas de explicação (DEVEREUX, 1972, p. 10, tradução dos autores).

Nesses termos, ao levar sua metodologia à prática, Devereux buscou nos nativos com os quais trabalhou, principalmente entre os índios mohave nos EUA, teorias psiquiátricas por eles mesmos elaboradas. Devereux reconhecia que estas práticas eram diferentes das europeias, mas testemunhavam um conhecimento da psique humana, que permitem, em seguida, associá-la à psiquiatria moderna (BASTIDE, em prefácio à DEVEREUX, 1977).

Para Devereux, seria necessário que o pesquisador, psiquiatra ou psicólogo, no contato com outras culturas, soubesse que o indivíduo “normal” não é aquele que está dentro dos padrões estipulados pela psiquiatria ocidental, mas aquele capaz de compreender e viver a cultura como um sistema que estrutura seu espaço vital, suas maneiras (“apropriadas”) de perceber e viver a realidade (DEVEREUX, 1977, p. 98).

Nesse sentido, Georges Devereux defendia que cabia aos profissionais a responsabilidade de um conhecimento aprofundado do sistema cultural de seus pacientes. Dever-se-ia considerar, por exemplo, que o mecanismo transferencial entre indígenas não se dá a partir dos sistemas de parentesco vivenciados pelo próprio psicanalista (ou antropólogo), mas a partir dos sistemas de relação das populações com as quais trabalha. Por exemplo, na escuta dos sonhos dos mohaves, deveria ser considerado o sistema mítico em que estão inseridos e, além disso, qual o uso cada mohave faz deste material.

Devereux (1977) acrescenta que jamais realizou uma análise com qualquer paciente de outra cultura que não a sua sem se informar previamente sobre seu meio cultural. Para isso, lia o que já havia sido produzido sobre a respectiva cultura, mas afirma que isso ainda não é suficiente, pois as etnografias nunca abarcam todos os aspectos necessários, além de que sempre haverá vivências significadas a partir do contexto cultural que escaparão ao psicanalista (DEVEREUX, 1977, p. 351): “(...) psiquiatras e psicanalistas deveriam se interessar pelo meio cultural específico do paciente e se esforçar para compreender suas produções em função do meio dele (paciente) e não do seu (psiquiatra)” (DEVEREUX, 1977, p. 344, tradução dos autores).

 

CONTRIBUIÇÕES CONTEMPORÂNEAS NO CONTEXTO FRANCÊS

Um dos “discípulos” de Georges Devereux, Tobie Nathan, fundou em Paris um centro de pesquisa e atendimento etnopsiquiátrico com o nome de seu mestre: “Centre Georges Devereux”, localizado em Paris e voltado sobretudo ao atendimento etnopsiquiátrico de populações imigrantes.

A maior contribuição de Nathan é ressaltar que existe no mundo uma infinidade de sistemas terapêuticos eficazes, os quais não são redutíveis ao saber “ocidental”, mas que, por sua vez, podem ser mais eficazes e menos agressivos para determinados pacientes. Portanto, deveríamos encará-los como “verdadeiros” sistemas conceituais e não como crenças vãs (STENGERS; NATHAN, 1995).

Valendo-se do termo “etnopsiquiatria”, Nathan afastou-se da psicanálise e passou a criticar o posicionamento de alguns psicanalistas que se referem a “terapias tradicionais” como técnicas de ilusão, sugestão ou placebo (sejam elas feitiçarias, rituais de possessão ou a fabricação de objetos “terapêuticos”): “Para mim, essas práticas são realmente o que seus usuários pensam que são: técnicas de influência, na maior parte das vezes eficazes e, consequentemente, dignas de séria investigação” (NATHAN, 1994, p. 37, tradução dos autores).

Crítico também de uma ótica por ele considerada racionalista, Nathan (1994) diz que não há diferença alguma entre um teste de Rorschach e a adivinhação baseada em borras de café. O interessante não seriam os testes em si, mas a maneira de interpretá-los: “De qualquer maneira, não se trata de interpretar manchas produzidas por acaso?” (NATHAN, 1994, p. 17, tradução dos autores).

Mas é importante ressaltar que o etnopsiquiatra construiu todo o seu trabalho especialmente a partir de práticas psicoterapêuticas com imigrantes de países africanos residentes na França. Para ele, a psiquiatria e a psicanálise não seriam capazes de tratar este tipo de população com seus próprios instrumentos de trabalho, sejam eles medicamentos ou interpretações.

Assim, passou a realizar grupos terapêuticos em que, além dele e do paciente, estão presentes também uma equipe multidisciplinar formada por co-terapeutas de diversas origens (quando possível, da mesma do paciente), psicólogos, médicos, antropólogos, lingüistas e um tradutor da língua do paciente para que o mesmo possa se expressar em sua língua materna. O sujeito teria, assim, a possibilidade de se tratar dentro de seus próprios sistemas de crença, a partir de um discurso próprio e em respeito aos seus próprios saberes sobre corpo, saúde ou doença.

Na mesma linha da prática de Tobie Nathan, mas não buscando se diferenciar da psicanálise, e valendo-se das terminologias “etnopsicanálise” ou “clínica transcultural”, Marie Rose Moro defende a prática de uma “clínica transcultural” (MORO; DE LA NOE; MOUCHENIK, 2006), também destinada à população majoritariamente imigrante. Assim como Nathan, Moro também defende que seria preciso reconhecer que essas pessoas possuem outras formas de se cuidar e tratar que fazem parte de seus sistemas culturais de origem.

O trabalho de ambos é de fato bastante significativo para uma população que sofre no contato com a cultura francesa, marcada por forte racismo, principalmente contra as populações de origem árabe. Mas há que se considerar que se trata de uma prática pensada a partir de populações imigrantes em uma sociedade europeia. Ou seja, é importante ressaltar que estas práticas foram construídas em resposta a este contexto e, apesar de contribuírem para uma reflexão teórica e prática, não podem ser transpostas, tal como o são, à realidade brasileira.

 

ETNOPSICANÁLISE “À BRASILEIRA”: REFLEXÕES PARA UMA PRÁTICA CONTEXTUALIZADA

No Brasil, a discussão antropologia-psicanálise e mesmo as próprias disciplinas “etnopsis” (etnopsicanálise, etnopsiquiatria, antropologia psicanalítica, etnopsicologia) que nasceram da “complementaridade” de ambas, são pouco conhecidas.

Monique Augras (1995), uma das raras referências que trabalhou sobre o assunto na área de psicologia, aponta, entretanto, a importância de se pensar a questão: “Nada mais importante para o psicólogo do que apreender os modelos de representação da realidade elaborados pelas diversas culturas e subculturas que compõem o tão rico painel chamado Brasil” (AUGRAS, 1995, p. 47). A autora afirma que sendo isto possível, os estudos psicológicos poderiam até mesmo servir como recurso para os indivíduos terem um melhor conhecimento de si em relação aos laços sociais que os constituem, já que os estudos utilizariam os próprios discursos de saber dos sujeitos.

Bastide (1974) aponta que as dificuldades epistemológicas deste encontro por vezes tornam-se irreconciliáveis, mas acrescenta que não há psicanálise possível sem um conhecimento dos meios sociais e esta última, por sua vez, pode contribuir muito por meio de sua prática clínica. Para ele, autores como Malinowski ou Durkheim apegam-se à aparência, ao concreto. A possibilidade que a psicanálise nos oferece é de ir além do que se mostra e é justamente por isso que a psicanálise poderia contribuir para a antropologia (BASTIDE, 1974).

Enquanto a psicanálise pode contribuir com um olhar profundo e complexo sobre o outro (e do outro em nós), a antropologia auxilia a conhecer e reconhecer este outro em sua alteridade, bem como nos informando sobre o Brasil e as diferentes práticas culturais do país. Ao mesmo tempo, trata-se de buscar uma compreensão da cultura a partir das contribuições que a psicanálise nos oferece, apreendendo como os sujeitos se articulam, eles mesmos, para elaborar conceitos, formas de ser, de se curar, de compreender o mundo, enfim.

Mas qual a nomenclatura mais adequada a isso?

Mesmo Georges Devereux (1972, 1977) utilizou diferentes nomenclaturas ao longo de suas obras e, na verdade, por vezes essas diferenças são muito mais oriundas de dimensões políticas (acadêmicas) em defesa de “territórios”. O que é seguro dizer é que a psicanálise, entendida como uma prática rigorosa de dar ouvidos ao sujeito e a antropologia como disciplina de estudo científico do humano como ator simbólico, não obstante caminhem “às turras”, parecem faltar uma à outra.

O termo etnopsicanálise é requerido não por diferenciar-se da psicanálise, pois esta disciplina já deveria por si só posicionar-se em escuta à cultura. No entanto, como a prática dos psicanalistas muitas vezes se restringe a uma clínica individual, a nomenclatura “etnopsicanálise” é utilizada para marcar uma posição em diálogo com a antropologia.

Além disso, a etnopsicanálise se destaca no apelo para que psiquiatras, psicólogos e psicanalistas não pensem a cultura como algo externo, mas como parte integrante da estrutura e da economia psíquica. Deveríamos primeiramente conhecer o sujeito para pensarmos a melhor maneira de tratá-los, e isso implica em reconhecê-lo inserido em uma determinada cultura.

Por outro lado, não podemos simplesmente transpor os “modelos franceses” ao nosso contexto, pois há diferenças importantes que devem ser pensadas. Primeiramente, não nos referimos aos imigrantes de antigas colônias. Trataríamos de pessoas do nosso país que, entretanto, vivenciam elaborações de mundo, crenças e práticas terapêuticas desconhecidas pelos profissionais por quem são atendidas.

Costuma-se pensar que a mestiçagem brasileira tem o benefício de um acolhimento da alteridade e, assim, todos seriam iguais e deveriam ser tratados da mesma maneira. Essa “igualdade” que se pretende democrática, no entanto, é culturalmente “homogeneizante” e atento a modelos de pessoa restritos a uma psiquiatria e medicina ocidental. Não é novidade, no entanto, que há uma infinidade de sistemas culturais em nosso país, mas os profissionais não estão hábeis para acolher as necessidades e os discursos destas populações.

Nos trabalhos de Roger Bastide (1974), Bairrão (2001a, 2001b) e Mantovani e Bairrão (2005) há propostas que discutem como utilizar a psicanálise com a característica da interdisciplinaridade. Os autores sugerem incorporar as ciências sociais à psicanálise e, assim, encontrar uma metodologia rica para a investigação e análise social da cultura. Trata-se de o profissional reconhecer as especificidades dos sujeitos com os quais trabalha.

O debate é introdutório, mas o que se evoca é apresentar que por meio da etnopsicanálise temos um método prático e teórico útil para o desenvolvimento de um trabalho que respeita e acolhe a diversidade cultural brasileira. Quando os profissionais pouco conhecem sobre a cultura e os sistemas de crença praticados pelas populações que atendem, o resultado do seu trabalho é duvidoso e, muitas vezes, as suas boas intenções não encontram o eco esperado.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
Mariana Leal de Barros
E-mail: marianalealbarros@gmail.com

Recebido em 03/04/2011.
1ª Revisão em 10/05/2011.
Aceite Final em 07/06/2011.

 

 

1 Uma versão preliminar deste trabalho foi apresentando no IV Congresso da SPAGESP, em 2010. O presente artigo é derivado da Tese de Doutorado da primeira autora, orientada pelo segundo autor, com o título: “Labareda, teu nome é mulher”: análise etnopsicológica do feminino à luz de pombagiras. A tese foi apresentada em 2010 junto ao Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Os autores agradecem à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) e à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro.
2 Mariana Leal de Barros é Doutora em Antropologia (Université Lumière Lyon 2) e Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Email: marianalealbarros@gmail.com.
3 José Francisco Miguel Henriques Bairrão é Doutor em Filosofia pela Universidade Estadual de Campinas e docente da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
4 Ressaltamos que o trabalho aqui apresentado possui caráter introdutório sobre a temática da etnopsicanálise. Para uma leitura mais aprofundada, ver Devereux (1972, 1977), Laplantine (2007) e Lioger (2002).
5 Para maior detalhamento, ver Pulman (2002).
6 Para um histórico mais detalhado e aprofundado do desenvolvimento e diferenciações entre etnopsicanálise, etnopsicologia, etnopsiquiatria, antropologia psicanalítica e clínica transcultural, ver Laplantine (2007) e Lioger (2002).