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Revista da SPAGESP

versão impressa ISSN 1677-2970

Rev. SPAGESP vol.14 no.2 Ribeirão Preto  2013

 

ARTIGOS

 

Planos para o futuro: percepções de filhos adultos coabitantes com os pais

 

Plans for the future: perceptions of adults that live with their parents

 

Planes para el futuro: la percepción de hijos adultos cohabitantes con los padres

 

 

Iris Massena Gallagher1; Terezinha Féres-Carneiro2; Celia Regina Henriques3

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro-RJ, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

A fragilidade dos vínculos humanos da pós-modernidade é inspiradora da insegurança nos sujeitos. Assim, o jovem contemporâneo convive com o medo do futuro, investindo apenas no momento presente. Este estudo investiga o prolongamento da convivência familiar, enfocando os planos para o futuro dos filhos adultos que moram com os pais. Entrevistamos oito sujeitos pertencentes às camadas médias do Rio de Janeiro, com idades entre 26 e 35 anos. Utilizamos metodologia qualitativa, entrevista semiestruturada e análise de conteúdo. Constatamos que os sujeitos desenvolvem diferentes táticas para lidar com a instabilidade contemporânea. Enquanto alguns almejam alcançar a segurança nas esferas profissional e afetiva, outros se voltam para experiências de curto prazo. Destacamos que os sujeitos que evitam realizar planos para o futuro buscam se proteger de possíveis frustrações. Estes jovens, diante de um contexto sem garantias, optam por planos mais imediatos e por viver descompromissadamente.

Palavras-chave: convivência familiar, filhos adultos, planos para o futuro


ABSTRACT

The fragility of human bonds in the post-modern world as a cause of insecurity in subjects is undeniable. Thereby, contemporary young people cope with fears of the future by investing only in the present. This study investigates the extension of family life, focusing on the future plans of adults living with their parents. We interviewed 8 middle class adults living with their parents in Rio de Janeiro, between the ages of 26 and 35.The study uses qualitative methodology, semi-structured interviews, and content analysis. It was found that the subjects developed different coping strategies when faced with the instability of the contemporary world. While some subjects aimed to achieve stability in their professional and love lives, others turned to short-term experiences. We emphasize that subjects that avoided making plans for the future sought to protect themselves from possible frustrations. These young people, faced with a context without guarantees, opted for short-term plans and to live without commitments.

Keywords: family coexistence, adult offspring, plans for the future


RESUMEN

La fragilidad de los enlaces humanos en la posmodernidad como inspiradora de la inseguridad en los sujetos. De este modo, el joven contemporáneo convive con miedo al futuro, invirtiendo apenas en el presente. Este estudio investiga la extensión de la vida familiar, centrándose en los planes futuros de adultos que viven con sus padres. Entrevistamos a 8 sujetos de clase media viviendo con sus padres en Rio de Janeiro, con edad entre 26 y 35 años. Se utilizó la metodología cualitativa: la entrevista semi-estructurada y el análisis de contenido. Constatamos que los sujetos desarrollan diferentes tácticas para lidiar con la inestabilidad contemporánea. Mientras algunos pretenden alcanzar la seguridad en las esferas: profesional y afectiva, otros se vuelven a experiencias de corto plazo. Destacamos que los sujetos que evitan realizar planes para el futuro buscan protegerse de posibles frustraciones. Estos jóvenes, ante un contexto sin garantías, optan por los planes a corto plazo y por vivir sin compromisos.

Palabras clave: convivencia familiar, hijos adultos, planes para el futuro


 

 

O fenômeno do prolongamento da convivência familiar, pano de fundo do presente estudo, é compreendido como uma construção da sociedade ocidental contemporânea. Esta noção tem como fundamento a ideia de que tal fenômeno é forjado na conjugação de fatores intrafamiliares e extrafamiliares, estes últimos, frutos de um contexto social fortemente marcado por instabilidade e incerteza.

Desta visão do alongamento da convivência, parte-se para um estudo direcionado aos planos para o futuro dos filhos adultos que moram com os pais. Tal percurso foi delineado a partir de reflexões sobre a forma como a organização familiar responde à instabilidade do contexto atual (Bauman, 2003). O jovem contemporâneo convive com a constante sensação de insegurança em relação à carreira profissional, à vida amorosa e ao futuro.

Bauman (2000) ressalta que o mundo do trabalho sofreu transformações consideráveis ao tornar-se mais flexível. O capitalismo pesado dá lugar ao capitalismo leve, caracterizado pela inconstância e imprevisibilidade. O emprego estável é substituído pelo trabalho por contratos de curto prazo, ou sem contratos e posições sem cobertura previdenciária. A vida do trabalhador está repleta de incertezas. Assim, a família assume a função de oferecer um lugar seguro para os filhos que se defrontam com a dura realidade fora dos muros da família.

Da mesma forma, as relações amorosas do momento atual são caracterizadas pela formação de vínculos efêmeros. O jovem adulto que mora com os pais está inserido nesse contexto fugaz e imprevisível, que afeta suas relações amorosas e suas perspectivas de sair de casa para casar-se. Zordan, Falcke e Wagner (2009) postulam que o casamento não está entre os principais projetos de vida dos adultos jovens solteiros, sendo prioritário o sucesso profissional e a realização pessoal. Atualmente o casamento é concebido mais como algo que pode vir a acontecer do que como uma finalidade a ser alcançada e pela qual os jovens estejam dispostos a lutar.

Pais (2006) destaca que alguns jovens reagem a tal instabilidade investindo no presente e evitando fazer planos para o futuro, já que eles não veem possibilidades de realização dos seus desejos. Os projetos futuros, quando existentes, são de curto prazo, pois é mais seguro viver somente o dia-a-dia. O autor salienta ainda que os jovens se diferenciam das gerações mais velhas, pois enquanto estas orientam seus planos por caminhos seguros, eles optam, muitas vezes, pelo caminho da ruptura e do desvio.

O prolongamento da convivência familiar é uma tendência em perspectiva crescente na atualidade. De acordo com dados do IBGE (2011), desde 2009 o número de jovens residindo com os pais na faixa dos 25 aos 30 anos, cresceu de 3,3 para 4,7 milhões. A porcentagem dos lares que contam com a presença de um filho nessa faixa etária, em 2011, subiu 42% em relação ao ano de 2009. Diante de tais considerações, o presente estudo focaliza a compreensão do fenômeno da convivência familiar estendida, ressaltando os planos para o futuro dos jovens adultos que moram com os pais.

A instabilidade do mundo do trabalho e dos laços afetivos na contemporaneidade

A independência emocional e financeira é vista em nossa cultura como uma condição que favorece a entrada no mundo adulto. Guimarães (2006) ressalta que a inserção no mercado de trabalho facilita a passagem da adolescência à vida adulta. O trabalho proporciona a autonomia, que é um fator importante nesse processo de passagem. Entretanto, a autora assinala que há mais chances de os filhos permanecerem em casa quando a renda dos pais é maior do que a deles.

Podemos postular que adquirir uma identidade profissional é importante para a formação do sujeito, pois sua autoestima aumenta de acordo com a valorização de seu trabalho pela sociedade. Entretanto, Henriques, Féres-Carneiro e Magalhães (2006) observam que a instabilidade e a incerteza se apresentam como aspectos constitutivos do mundo contemporâneo, tornando a inserção no mundo do trabalho cada vez mais complexa.

Pais (2006) destaca que diante dessa instabilidade, os jovens convivem com flutuações e descontinuidades relacionadas ao mundo do trabalho. Eles saem da casa dos pais para um dia qualquer retornarem, abandonam os estudos para futuramente os retomar, começam um emprego para logo depois se verem sem ele. As "voltas e mais voltas" (p.8) representam, então, o dia-a-dia do jovem atual. Como consequência, é comum que o jovem tenha a tendência a relativizar desde o valor dos diplomas até a segurança de emprego.

Lipovetsky (2004) aponta para um dos desdobramentos da impermanência dos tempos atuais: o medo do sujeito diante do futuro. Com a precarização do emprego e o desemprego persistente, o sujeito convive com a insegurança profissional e material, além do medo da desvalorização dos diplomas, as atividades subqualificadas e a degradação da vida social. Assim, entende-se que os jovens temem não encontrar um bom lugar no mercado de trabalho. Ao se defrontarem com esse cenário, alguns buscam a segurança do emprego público para se protegerem de frustrações, enquanto outros se aventuram no trabalho privado e freelancer.

Para corroborar essa observação, destacamos a constatação de Cavalcanti (2009), que mostra que atualmente o trabalho autônomo, voluntário e a prestação de serviços vêm se intensificando. Na contemporaneidade, a sociedade industrial deu lugar à sociedade do conhecimento, sendo este o principal fator de riqueza. Torna-se cada vez mais necessária a qualificação dos jovens para o mercado de trabalho, o que contribui para que estes permaneçam na casa da família enquanto se especializam. Para Tittoni, Andreazza e Spohr (2009), os sujeitos atribuem à flexibilização significados como estar preparado para o novo, para os desafios, para a polivalência e a multifuncionalidade do trabalho. Um dos efeitos da flexibilização é a necessidade constante de busca de conhecimento para inserção no mercado de trabalho e para manter-se nele.

Munhoz (2012), ao entrevistar adultos que coabitam com a família, constatou que seus entrevistados possuíam uma situação financeira precária para possibilitar a saída da casa da família. A autora assinala que aqueles que não alcançaram exercer um trabalho com vínculo empregatício ou que possuem um trabalho distante das expectativas familiares "são considerados portando uma espécie de desajuste" (p. 93). Isto acontece principalmente nas famílias que consideram que não trabalhar ou trabalhar sem vínculo empregatício é sinônimo de problema. A autora assinala, também, que os entrevistados se sentem frustrados com o retorno financeiro das carreiras que escolheram. Todos indicam que precisariam de maior remuneração pelo trabalho que exercem, pois o salário que recebem não é o bastante para garantir a autonomia financeira. Dessa forma, apesar de os entrevistados trabalharem, eles não ganham dinheiro suficiente para assegurar a própria sobrevivência e adquirir a autonomia esperada tanto por eles, como por seus familiares.

Sennett (2006) ressalta o efeito desamparador do novo capitalismo, afirmando que as pessoas estão sujeitas ao sentimento de fracasso, pois cobra-se que o sujeito seja constantemente flexível às rápidas mudanças. Neste contexto, os estilos de vida, as crenças e as convicções, mudam antes que tenham tempo de se solidificar. Também, as relações humanas são afetadas por este fenômeno, tornando-se frágeis. O compromisso com outras pessoas, em particular o compromisso incondicional, parece cada vez mais uma armadilha que se deve evitar a todo custo. Trata-se da compreensão de um livre compromisso com outrem, mas corroído pela insegurança.

Nesse contexto, Bauman (2003) pontua que as relações não são mais construídas para durar, e em vez de utilizar termos como "relacionar-se" e "relacionamentos" para relatar suas expectativas e experiências, o homem contemporâneo fala cada vez mais em conexões, ou "conectar-se" e "ser conectado". Em vez de parceiros, prefere falar em "redes", que serviriam tanto para conectar, quanto para desconectar. Nela, as conexões são estabelecidas e cortadas por escolha.

Assim, uma forma de relacionamento amoroso vem se tornando cada vez mais comum: o "ficar". Chaves (2010) define o "ficar" como um tipo de relação que não depende do conhecimento prévio da outra pessoa para estabelecer-se. Ele se caracteriza pelo desenvolvimento de um contato relativamente íntimo, em um determinado momento, não havendo a necessidade de que os "ficantes" se encontrem novamente. Desse modo, no "ficar" prevalece a falta de compromisso entre os parceiros.

Conforme podemos perceber, a exaltação da liberdade e a abertura dos relacionamentos livram os jovens das expectativas afetivas pré-determinadas. Como ressaltado por Pais (2006), os jovens sentem a sua vida amorosa marcada por crescentes inconstâncias. Suas paixões são como "voos de borboleta, sem pouso certo" (p. 8). A maneira como esses jovens se relacionam e suas expectativas em relação ao casamento representam, assim, as necessidades psicológicas contemporâneas.

A competição do mundo do trabalho e a fluidez dos relacionamentos afetivos parecem ser complicadores, não só para o alcance da estabilidade financeira e afetiva, como para que o casamento possa ser realizado. No âmbito das relações amorosas, Giddens (1993) sublinha que o casamento não é mais uma "condição natural". A premissa pós-moderna do individualismo produz uma forma de se relacionar em que o compromisso com o outro é evitado, contribuindo para o adiamento do casamento.

A comparação das Estatísticas do Registro Civil entre 1997 e 2007 revela que ocorreu um adiamento dos casamentos e também uma diminuição no número de casamentos entre solteiros, tanto para homens quanto para mulheres entre 15 e 24 anos de idade. Contudo, as mulheres casam mais cedo do que os homens. Em dez anos, entre 1997 e 2007, a idade em que os homens solteiros se casaram passou de 20-24 anos para 25-29 anos, enquanto a das mulheres continuou na faixa de 20-24 anos de idade.

De acordo com Zordan, Falcke e Wagner (2009), o casamento está ocorrendo mais tarde no ciclo evolutivo vital, pois se prioriza o investimento na formação profissional, tanto para os homens como para as mulheres. Além disso, há uma maior liberdade sexual para ambos os membros do casal, não sendo necessário se casar para ter uma vida sexual ativa. Torna-se cada vez mais comum, por exemplo, conviver com o namorado ou a namorada na casa paterna e ter várias experiências conjugais antes de optar pelo casamento.

A pesquisa de Chaves (2010) constata que a percepção do jovem sobre os relacionamentos amorosos que mais se destaca é a da prorrogação na consumação de um casamento. Segundo seus entrevistados, isso se deve ao fato de ocorrer um prolongamento ou uma estagnação em determinado estágio da vida amorosa, tal como o "ficar" e o namoro. Eles entendem esse adiamento como o resultado de um significativo processo de individualização, no qual a liberdade do indivíduo é valorizada. Em busca de obter mais prazer e manter a própria liberdade, o jovem segue um estilo de vida livre de quaisquer limitações que possam ser impostas por um parceiro fixo.

Além disso, os jovens compreendem esse adiamento também em razão da busca pela realização em outras esferas da vida, como a profissional. Esse fato aparece ainda na pesquisa de Féres-Carneiro e Magalhães (2005), cujos resultados mostram que os projetos profissionais estão mais presentes nos planos e preocupações dos jovens do que a vida conjugal. Tanto os homens como as mulheres consideram a conjugalidade mais como uma fase posterior à aquisição da estabilidade financeira e profissional, apesar de nas mulheres também estar presente o desejo de ser mãe. A entrada das mulheres no mercado de trabalho e a conquista da liberdade sexual contribuíram muito para essa mudança na percepção sobre o casamento.

Assim, nesse mundo de sobrevivência (Bauman, 2003), o casamento é adiado por não ser mais uma prioridade na vida do indivíduo. Antes de casar-se é preciso alcançar a estabilidade financeira a fim de enfrentar a imprevisibilidade dos fenômenos. Conforme a pesquisa de Zordan, Falcke e Wagner (2009) sobre os projetos vitais dos adultos jovens, o lugar do casamento ocupa, em uma relação de 21 metas de vida, a décima nona posição. É possível que essa constatação evidencie o quanto a vida conjugal cede espaço para o desenvolvimento de outras esferas, na mentalidade desses jovens.

 

MÉTODO

Participantes

Participaram do estudo oito jovens adultos das camadas médias cariocas, quatro do sexo feminino e quatro do sexo masculino, com idades entre 26 e 35 anos. Todos os sujeitos estavam coabitando com os pais no momento da entrevista e possuíam ensino superior completo. Os nomes dos jovens aqui expostos são fictícios. O grupo de participantes ficou constituído da seguinte forma: Luana tem 28 anos, é engenheira e coabita com os pais e dois irmãos; Clarice tem 28 anos, é arqueóloga e mora com ambos os pais; João tem 28 anos, é jornalista e publicitário e mora com a mãe; Gabriel tem 26 anos, é analista de sistemas / funcionário público e mora com o pai e dois irmãos; Eduardo tem 31 anos, é analista de sistemas / funcionário público e mora com a mãe e a irmã; Antonio tem 29 anos, é músico e mora com ambos os pais; Larissa tem 28 anos, é técnica judiciária / funcionária pública e mora com ambos os pais; Carla tem 28 anos, é cineasta e mora com ambos os pais.

Procedimento

Após a aprovação do projeto intitulado "Geração canguru: Projetos de vida de adultos que moram com os pais" pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, os participantes de nosso estudo foram recrutados. A fim de chegar até aos jovens entramos em contato com amigos e colegas que pudessem indicar alguém disposto a participar da pesquisa. Aqueles que nos indicaram os sujeitos enviaram um e-mail para estes, explicando o objetivo da pesquisa e perguntando se aceitavam ser entrevistados. O telefone daqueles que aceitavam participar nos era passado e, assim, o contato era feito.

Utilizamos metodologia qualitativa, com entrevista semiestruturada, que contemplou temas relevantes, relativos ao prolongamento da convivência familiar. O roteiro abarcou as seguintes perguntas: Como é para você morar com os seus pais? Quais são as vantagens e desvantagens de morar com os seus pais? Como você vê as relações amorosas hoje? Breve descrição das suas relações amorosas. Como é a relação dos seus pais com o seu parceiro? Como você vê o mundo do trabalho hoje? Breve descrição dos trabalhos exercidos. Como é a relação dos seus pais com o seu trabalho? Como você se vê daqui a um tempo? Planos de casamento; Planos profissionais; Como se veem daqui a algum tempo.

Os sujeitos assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, no qual constavam os dados pertinentes ao estudo, bem como a garantia da possibilidade de desistência em qualquer etapa da pesquisa. Neste documento também estavam assegurados a ausência de risco para o participante e o sigilo das informações coletadas.

As entrevistas foram submetidas ao método de análise de conteúdo proposto por Bardin (2011). A partir do material obtido com as entrevistas, gravadas em áudio e transcritas na íntegra, os temas repetidos com frequência foram observados e destacados. A seguir, as categorias que emergiram do discurso dos entrevistados foram organizadas, visando à análise e discussão das mesmas.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Quanto aos planos de casamento, a metade dos sujeitos alegou não ter projetos. Em dois casos, o desejo de se casar está presente, porém a incerteza do futuro interfere nos planos da vida amorosa:

Com o passar dos anos, eu fui ficando meio 'pode ser que eu me case, pode ser que eu não me case'. Atualmente, eu acho que não casar é uma coisa perfeitamente possível de acontecer, mas eu ainda quero. Se eu encontrar alguém que eu realmente goste, eu gostaria de me casar. Acho que eu gostaria de ter uma família como eu tenho. Eu ainda acho legal casamento bonitinho, pai, mãe e filho". (Luana)

Como toda mulher, eu gostaria de casar e de ter filhos. Mas eu não tenho ideia de quando. Eu não tenho ninguém na minha vida agora e nem sei se ou quando vai rolar de eu conhecer alguém que eu queira me casar. (Carla)

Observa-se nos depoimentos que a ausência de um parceiro dificulta os projetos de casamento das entrevistadas. Assim, apesar de mostrarem-se favoráveis ao casamento, estão descrentes de que se casarão um dia. A incerteza diante do fato de que este desejo se realizará dificulta o planejamento do casamento. Conforme destacado por Bauman (2003), a falta de segurança e de garantias dos tempos atuais dificulta traçar um roteiro de vida minimamente confiável.

Apenas um sujeito do sexo feminino e um do sexo masculino relataram não desejar se casar. Observou-se certo pessimismo, em relação ao casamento, na fala desses entrevistados:

Eu não vejo o casamento como uma luz no fim do túnel. Se eu for me casar com alguém, tem que ser algo que valha muito a pena, porque matrimônio não tem nada a ver com romantismo. É um acordo que você faz com a pessoa, você vai ficar com ela não importa o quê. Eu não gostaria de me casar necessariamente. (Clarice)

Eu não planejo me casar. Eu não tenho essa exigência. É até possível que a vida me leve um dia a morar junto com alguém, mas não é uma coisa que eu desejo. (Antonio)

Esses relatos vão ao encontro das constatações de Chaves (2010) de que a maioria dos jovens se sente desorientada e cética em relação ao seu futuro amoroso. Ao lado disso, aqueles que acreditam que algo pode melhorar têm uma perspectiva de mudança confusa, como se, na verdade, pouco acreditassem nessa possibilidade.

A outra metade dos entrevistados mencionou que pretende se casar, porém ressaltaram, sobretudo, que o alcance da estabilidade financeira deve ocorrer antes do casamento. Observa-se que eles priorizam o crescimento profissional, trilhando tanto o emprego autônomo quanto o público:

No meu mundo da fantasia, eu tenho planos de casar com o meu namorado depois de passar no concurso dos meus sonhos. Aí eu teria a estabilidade que eu preciso para casar. (Larissa)

Antes de ter filho eu quero conhecer o mundo todo e ter condições financeiras e psicológicas de poder cuidar de uma criança também. (...) Estou na minha segunda faculdade, tô [sic] fazendo monografia, peguei várias matérias, então estou me dando um tempo para pensar com o que eu quero trabalhar e quando eu tiver uma carreira mais sólida como jornalista, posso pensar em ter uma família. (João)

Os relatos dos entrevistados condizem com a constatação de Zordan, Falcke e Wagner (2009), de que o casamento está sendo adiado devido à priorização do investimento na formação profissional, tanto para os homens como para as mulheres. Féres-Carneiro e Magalhães (2005) também mostram que os projetos profissionais do jovem estão cada vez mais presentes nos seus planos para o futuro. Os projetos conjugais, assim, seriam uma consequência do alcance da estabilidade financeira e profissional.

Como destacado a seguir, os sujeitos planejam se casar com idades que variam entre os 33 e depois dos 40 anos:

Eu gostaria de estar casada daqui a alguns anos. (...). Acho que com trinta e três, trinta e cinco anos eu gostaria de estar tendo filhos. (Larissa)

Eu pretendo casar algum dia, sim. No máximo com uns 35 anos. Meu pai teve filhos muito velho, então eu vejo que é melhor ter filhos mais novo. (...) Mas antes de casar, eu quero conquistar meu espaço, morar um tempo sozinho. Também queria ter bastante estabilidade financeira. (Gabriel)

Não penso em me casar ou em ter filhos antes dos 40 anos. Primeiro eu quero conhecer o mundo todo e ter condições financeiras e psicológicas de poder cuidar de uma criança também. (João)

Em relação aos projetos profissionais, observamos que a maioria dos sujeitos acredita na possibilidade de crescer profissionalmente. No entanto, para três entrevistados, o futuro profissional parece não ser claro, o que faz com que eles não tenham um plano definido:

Eu já tive bastantes planos profissionais. Para mim era certo que eu ia fazer vestibular, entrar na faculdade, terminar a faculdade, fazer mestrado, doutorado. Mas eu já me desiludi tanto que ultimamente eu não tenho me planejado. É claro que um planejamento mínimo você tem que ter. Por exemplo, eu escolhi uma área dentro da arqueologia que eu quero me especializar. (...) Mas eu não tenho nenhum planejamento além desse, não sei como vai ser a minha vida. (Clarice)

Surgiu um convite para eu trabalhar em Portugal no final de julho, mas eu não sei se esse convite vai se manter. Mas eu gostaria de trabalhar lá, ter uma experiência no exterior. Se eu continuar no Rio, é bem capaz de eu continuar na casa da minha mãe. Na verdade, não tem nada muito certo. (João)

Eu gostaria de seguir o caminho das artes. Música, pintura, esse tipo de arte. Gostaria que a minha banda crescesse profissionalmente, mas eu sei que isso é muito difícil porque minha música não é do tipo comercial. Isso é o que eu gostaria, mas eu não sei se vai acontecer, então eu não fico me planejando. (Antonio)

Verificou-se que a incerteza interfere nos planos para o futuro desses entrevistados. Conforme descrito anteriormente, Pais (2006) assinala que esses jovens têm uma percepção do futuro como "desfuturizado". Eles reagem à incerteza dos tempos atuais investindo somente no presente e evitando investir no futuro. Da mesma forma, eles se sentem mais seguros vivendo somente o dia-a-dia e fazendo projetos de curto prazo, ao se depararem com o cenário instável da pós-modernidade.

Aqueles que possuem um plano mais definido apresentam projetos variados. Luana e Gabriel, por exemplo, ambicionam subir de cargo no trabalho:

Quando eu terminar o mestrado, eu quero trabalhar numa área de finanças mais abrangente. Então no momento eu quero me tornar uma boa profissional para entrar nessa área logo. Claro que a longo prazo, eu quero ser diretora. Eu tenho, assim, essa ambição. (Luana)

Vou tentar crescer no meu trabalho mesmo. Tem que fazer carreira lá. Não penso em fazer pós, não penso em fazer mestrado. (Gabriel)

Os depoimentos desses sujeitos reforçam a constatação de Lipovetsky (2004) de que somos impulsionados a nos mover continuamente devido à transitoriedade do mundo do trabalho. Dessa maneira, a tendência competitiva dos tempos atuais produz inquietação e correria, ao mesmo tempo em que aponta para diferentes posicionamentos diante do aspecto profissional.

Eduardo e Carla pretendem trabalhar como autônomos. Enquanto o primeiro demonstra interesse por montar empresa própria, o segundo almeja desenvolver seus próprios filmes:

Eu gosto muito de estudar. Agora eu faço direito na UFRJ, que não tem nada a ver com o que eu trabalho, mas eu tenho interesse. E eu tenho um projeto paralelo. Eu gostaria de montar uma empresa de tecnologia. (Eduardo)

Eu tenho o sonho de me tornar diretora de TV ou cinema e desenvolver meus filmes, entendeu? Então eu estou trabalhando nesse momento, escrevendo meus curtas e aí de pouquinho em pouquinho você vai criando um nome. (Carla)

Os relatos acima evidenciam a tendência à atitude empreendedora desses jovens. De acordo com Henriques, Féres-Carneiro e Magalhães (2006), a geração atual investe no empreendedorismo ao ser afetada pelo desemprego e ao se aliar aos recursos da informação, em tempo real. Tal geração pode representar o mundo do trabalho em uma perspectiva de curto prazo e da provisoriedade das experiências sociais, características do momento contemporâneo. A tática que se afigura como mais adequada para lidar com estas questões, como também com o imediatismo e a velocidade da informação, se converte na atitude empreendedora. O modelo de empresa tradicional – no qual existe hierarquia, controle, comando e metas que consistem em subir na estrutura empresarial – pode não se encaixar nas mentalidades destes jovens que buscam liberdade e ausência de hierarquia, ou apresentam atitudes reveladoras de ousadia e inovação, que contrastam com tal estrutura.

Por outro lado, Larissa anseia por passar em um concurso público que garanta mais estabilidade: "Minha grande perspectiva profissional é passar para o concurso que eu estou fazendo agora. E aí depois, quem sabe, eu vou tentar o mestrado? Não sei". (Larissa). Os sujeitos que buscam o emprego público apontam, principalmente, para a falta de segurança e a instabilidade do mercado privado. Devido ao medo provocado por tal instabilidade, eles optam pela garantia do setor público. De acordo com dados do IBGE (2010), a busca por cursos preparatórios para concurso público cresce cerca de 15% ao ano.

Quando perguntados sobre como se veem daqui a um tempo, cinco entrevistados revelaram o desejo de estarem morando fora da casa dos pais em um período que varia de quatro a dez anos. Nesse tempo, eles pretendem morar fora do país ou sozinhos, casar ou formar família. Destacamos três relatos:

Se eu pensar em uns cinco anos, assim, eu me vejo morando sozinha ou com o meu marido. De preferência, em algum lugar perto daqui, porque eu quero continuar morando perto dos meus pais, podendo participar da vida deles. Eu não gostaria de, por exemplo, me mudar pra São Paulo. Acho que em uns cinco anos, eu estaria juntando um dinheiro para comprar um apartamento. E nesse momento, não ter filhos ainda, estaria viajando bastante, mas ao mesmo tempo, pagando o apartamento... Filho, só daqui a uns 6 anos, com uns 34. (Luana)

Eu sempre tive muita vontade de estudar no exterior, então eu gostaria de fazer meu mestrado no exterior. Pode ser que dê, pode ser que não dê. Eu não sei, mas eu vou me esforçar. Eu não sei como eu vou estar no futuro. Não sei se eu vou estar com alguém, não sei. Eu queria só que daqui a seis anos eu já tivesse um mestrado para eu poder já pensar sobre filhos porque eu quero muito ser mãe. Então meu único planejamento é esse: daqui a seis anos ter o mínimo de estabilidade para poder ter filhos. (Clarice)

Daqui a uns dez anos, eu quero ter uns quatro filhos. É isso que eu penso por enquanto, não sei se vou conseguir concretizar. Pode ser que eu mude de ideia, enfim... Mas esse é o plano que eu tenho na minha vida pessoal. Também quero aprender a tocar música, aula de vela... coisas que eu sempre quis fazer e não fiz porque não tinha tempo. Basicamente é isso, é me deixar levar e ver no que vai dar. (Gabriel)

Observa-se que no que concerne aos projetos de saída da casa dos pais, os sujeitos traçam seus objetivos voltando-se para o médio e longo prazo, contradizendo a visão imediatista de curto prazo característica do mundo atual. Dessa forma, verificamos um paradoxo entre a vivência do mundo da rapidez "lá fora" e a criação de um espaço em outro ritmo dentro da casa da família.

Além disso, a prorrogação dos planos de saída da casa dos pais pode se dever ao sentimento de desamparo causado pela insegurança do contexto contemporâneo, como ressalta Sennett (2006). Tal situação faz com que eles não se vejam com estabilidade suficiente para morar sem auxílio dos pais num futuro próximo. Nesse sentido, eles reagem à instabilidade do mundo atual prolongando o sentimento de segurança proporcionado pela família.

É importante destacar, também, que apesar desses entrevistados demonstrarem pouca certeza em relação a como estarão no futuro, eles mencionaram que se veem morando fora da casa dos pais. Assim, a maioria dos nossos entrevistados foi capaz de traçar um projeto para que a saída da casa dos pais seja possível.

Entretanto, dois entrevistados revelaram que não possuem uma perspectiva de quando sairão da casa dos pais:

Eu gostaria de ser uma pessoa saudável no futuro, de bem com a vida, jovem de espírito, com fôlego, com vontade de me mover. (...) O que importa para mim é ter saúde. Fora isso eu não faço nenhum plano para o futuro. (...) Eu não sei se vou estar morando sozinho. Se eu pudesse escolher, eu preferiria não estar morando com os meus pais, mas se eu estiver morando com eles, não vou me sentir mal. (Antonio)

Eu me preocupo bastante com o meu futuro. De vez em quando bate uns medos porque a minha carreira é muito difícil, muito incerta. Então pra combater isso eu tento valorizar muito o que eu estou vivendo agora, até porque isso vai evitar uma velhice com traumas e frustrações. Mas a verdade é que eu não sei como vou estar no futuro, não sei quando vou poder sair da casa dos meus pais. (Carla)

Novamente nos deparamos com relatos que revelam a tendência apontada por Pais (2006) de que os jovens busquem viver somente o momento presente, devido à instabilidade dos nossos tempos. É compreensível que os jovens se sintam amedrontados num mundo que não oferece a segurança necessária para que o indivíduo construa perspectivas sólidas.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A instabilidade e a incerteza do cenário contemporâneo provocam sentimentos de insegurança e medo nos entrevistados. Porém, eles possuem diferentes modos de lidar com esse quadro. Os entrevistados se dividem entre os que se sentem descrentes e não conseguem formular um plano de casamento e aqueles que acreditam que se casarão no futuro. Ao se defrontarem com tal instabilidade, eles tendem a priorizar o alcance da solidez e da segurança. Assim, o casamento é adiado na medida em que é percebido como consequência da conquista da estabilidade.

Além de interferir na vida amorosa dos sujeitos, a insegurança dos tempos atuais influencia também em seus planos profissionais. Alguns deles reagem à falta de estabilidade do mundo do trabalho buscando a segurança de uma carreira a seguir ou do emprego público, já outros se arriscam no mercado privado trabalhando como freelancers. Para estes, o medo do futuro é mais intenso. Entretanto, é importante ressaltar que a maioria dos sujeitos acredita na possibilidade de crescer profissionalmente.

Quanto aos entrevistados que não conseguem formular um plano profissional, podemos verificar a tendência de viver apenas o momento presente como estratégia de proteção contra possíveis frustrações. Esse comportamento pode ter se intensificado após terem vivenciado desilusões na vida profissional.

Assim, podemos observar que o sujeito contemporâneo desenvolve táticas para se adaptar a essa realidade, adotando um estilo de vida que melhor satisfaça suas necessidades emocionais. Ao se defrontar com um mundo sem garantias, é natural que se volte para os planos de curto prazo, optando por viver de forma descompromissada.

 

REFERÊNCIAS

Bardin, L. (2011). Análise de conteúdo. Lisboa: Editora 70.         [ Links ]

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Endereço para correspondência
Terezinha Féres-Carneiro
E-mail: teferca@puc-rio.br

Submetido: 18/09/2013
1ª revisão: 01/10/2013
Aceite final: 15/10/2013

 

1 Iris Massena Gallagher é Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
2 Terezinha Féres-Carneiro é Professora Titular do Departamento de Psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.
3 Celia Regina Henriques possui Pós-Doutorado em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Bolsista do CNPq.