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Revista da SPAGESP
versão impressa ISSN 1677-2970
Rev. SPAGESP vol.14 no.2 Ribeirão Preto 2013
ARTIGOS
Carta aos pais: uma estratégia de comunicação dos filhos sobre a escolha da carreira
Letters to parents: a communication strategy on teenagers about career choice
Carta dirigida a los padres: una estratégia de comunicacion en la eleccion de la carrera de sus hijos
Maria Manuela da Costa Manaia1; Ana Paula Medeiros2; Gabriel Aparecido Gonçalves-dos-Santos3; Lucy Leal Melo-Silva4
Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil
RESUMO
Este estudo descreve uma experiência de Orientação Profissional realizada em um serviço-escola. A intervenção foi realizada em grupo, com 22 adolescentes e dois coordenadores, tendo como objetivo facilitar as decisões de carreira e a discussão sobre a influência parental no processo de escolha profissional. O objetivo deste estudo consistiu em realizar a análise de "cartas aos pais" redigidas pelos participantes e uma carta fictícia elaborada pelos coordenados de grupo a partir dos conteúdos explicitados nas narrativas dos jovens em suas cartas. Esta atividade objetivou aprofundar, na situação de grupo operativo, as questões pertinentes ao diálogo com os pais. A análise do conteúdo das cartas possibilitou observar que os jovens puderam identificar as influências familiares às quais estão sujeitos, facilitando a realização de uma escolha consciente e adaptada às próprias exigências e às exigências externas.
Palavras-chave: orientação profissional, influência dos pais, grupo de adolescente, carta aos pais
ABSTRACT
This study describes a Professional Orientation experience offered at a clinical school. An intervention was conducted in a group composed of 22 teenagers and two coordinators, with the purpose of facilitating their career decisions and discussing about parental influence over professional career decision process. The goal of this study was to perform an analysis of ''letters to parents'' written by the participants and a fiction letter developed by the group coordinators based on the explicit narrative contents of the participants in their letters. This activity aimed to explore, in the operative group situation, the issues concerning dialogue with parents. Through the analysis of letters content, participants could perceive family influences to which they are exposed, thus facilitating the accomplishment of a conscious and suitable decision, that is, adapted to their own demands and external ones.
Keywords: career guidance, parental influence, adolescent groups, career guidance
RESUMEN
Este estudio describe una experiencia de Orientación Vocacional realizada en una clínica escuela. Este estudio fue realizado en un grupo, compuesto por 22 adolecentes y 2 coordinadores, teniendo como objetivo ayudar a los jóvenes en su elección de la carrera profesional. El estudio consistió en realizar un análisis de las "cartas dirigidas a los padres", escritas por los participantes y de una carta ficticia elaborada por los coordinadores a partir del texto presentado por los adolescentes en sus cartas. Esta actividad permitió profundizar en aspectos del grupo en estudio, referidos al diálogo con los padres. El análisis del contenido de las cartas permitió observar que los jóvenes pudieron identificar las influencias familiares a las que están sujetos, facilitando una toma de decisión consiente y adaptada a las exigencias propias y externas.
Palabras clave: orientación profesional, relaciones familiares, grupo de adolescentes, carta a los padres
ESCOLHA PROFISSIONAL: UM CAMINHO TRAÇADO AO LONGO DA VIDA
A Orientação Profissional e de Carreira, a partir de mudanças históricas, sociais e econômicas, é fundamentada principalmente em três fatores: (a) mudança do modo de produção manual e mecânico para um trabalho especializado e mais complexo; (b) surgimento de um modelo social que possibilitou a ascensão social decorrente do esforço pessoal do indivíduo em relação ao seu trabalho; (c) surgimento da Psicologia como ciência, que permitiu que se estudassem as capacidades dos indivíduos, auxiliando no processo de inserção destes no mercado de trabalho (Ribeiro, 2011a). Como campo teórico e prático do conhecimento registra-se o final do século XIX e início do século XX, quando o norte-americano Frank Parsons, considerado o pai da Orientação Profissional, propõe um modelo de intervenção. Desde então, muitas mudanças sociais e econômicas aconteceram, o que ocasionou também em alterações no desenvolvimento da própria Orientação Profissional, em relação às suas bases epistemológicas, teóricas e práticas (Ribeiro, 2011a).
Segundo Duarte (2009), o início da Orientação Profissional com Frank Parsons apresentava um enfoque do tipo traço-e-fator, ou seja: "colocar o homem certo no lugar certo" (p. 5). Dessa maneira, a escolha da carreira era vista como algo determinista e imutável. A partir da segunda metade do século XX ocorre uma mudança na forma de compreender a escolha de carreira, com os autores do chamado enfoque Desenvolvimentista Evolutivo. De acordo com Lassance, Paradiso e Silva (2011), a grande contribuição dada pelos autores desta abordagem é a visão de que a escolha profissional é fruto da experiência passada, de circunstâncias presentes e da visão de futuro que cada indivíduo possui. A partir destas ideias, acredita-se que as pessoas têm a capacidade de desempenhar múltiplos papéis e, neste sentido, a Orientação Profissional e de Carreira passa a trabalhar com conceitos como desenvolvimento da carreira e autoconceito.
Um dos principais autores do enfoque desenvolvimentista evolutivo no mundo, com o maior número de publicações e artigos citados, foi Donald Super. Ao longo de mais de 60 anos de carreira, Super desenvolveu várias pesquisas e aprimorou seus estudos a partir de dados empíricos. Segundo Lassance et al. (2011), Super partia da ideia de que o autoconceito das pessoas se transforma com o tempo e com a experiência, alegando que o processo de desenvolvimento é algo contínuo ao longo de toda a vida, ocorrendo de acordo com as condições do indivíduo, influenciado pelas suas competências, bem estar, produtividade e capacidade física. Assim, as ideias de Super colocam o indivíduo em outra posição em relação ao trabalho, devendo este se ajustar à vida da pessoa e não o oposto.
Neste sentido, no modelo adotado por Super, considera-se que a maturidade vocacional, no caso de jovens, e a adaptabilidade, no caso de adultos, constituem elementos determinantes para a maior ou menor facilidade de o indivíduo tomar decisões de carreira. Estes modelos colocaram como aspecto crucial a avaliação do grau de preparação para a medida das aptidões e dos interesses e para a realização de escolhas vocacionais, o que implicou na avaliação da saliência de papéis, incluindo o de trabalhador e a medida da maturidade vocacional (Super, 1983).
Ainda que o desenvolvimento da carreira aconteça ao longo da vida, ele ocorre de forma diferente dadas as circunstâncias sociais e históricas do indivíduo. Por essa razão, Super, Savikas e Super (1996), didaticamente, organizaram as etapas de desenvolvimento vocacional ao longo do ciclo vital de forma a explicitar as tarefas de desenvolvimento pertinentes a cada uma delas. Na infância, o indivíduo está desenvolvendo a consciência em torno do futuro, explorando, muitas vezes de forma lúdica, as diferentes atividades profissionais. A criança, quando brinca 'de vir a ser', consegue perceber seus interesses, questões sociais, de status e de gênero que permeiam cada uma das profissões. Já na adolescência o indivíduo passa por situações nas quais deve fazer uma escolha mais direcionada em relação a sua profissão, devendo tomar decisões concretas quanto à carreira que pretende seguir. Essa escolha gera, muitas vezes, incerteza, insegurança e angústia, sendo um momento particularmente delicado, que envolve a transição do mundo da criança para o mundo adulto. De acordo com Ribeiro (2011b), nesse período, os pares e os pais têm a função de servir como base e suporte emocional para o adolescente. Por sua vez, a fase adulta é considerada por Super (1983) um período de maior estabilização, na qual o jovem adulto é capaz de se fixar e estabilizar-se profissionalmente, consolidando e progredindo na sua situação profissional até o envelhecimento, quando o processo de desaceleração culmina com a aposentadoria para muitas pessoas, ou iniciam-se novos projetos.
Considerando toda a problemática, entende-se que os questionamentos em relação à escolha profissional vão além de como o indivíduo pode progredir e desenvolver a sua carreira, envolvendo também discussões e reflexões de como eles constroem suas vidas e quais processos envolvem a construção de si mesmo. Tais mudanças desdobram-se em novas teorias, a da Construção de Si, de Guichard (2005) e da Construção da Carreira, de Savickas (2005), alicerce de um novo paradigma, o denominado Life Design (traduzido para o português como Construção da vida), que reúne vários pesquisadores de diversos países, como aponta Duarte (2006). Nesse paradigma, propõe-se uma mudança de perspectiva, em que o foco da Orientação Profissional deixa de ser centrado na escolha da carreira e no autoconhecimento, passando a destacar-se a importância de aspectos socioculturais e econômicos que interferem na escolha e no desenvolvimento profissional de cada um.
A carreira do indivíduo é entendida, agora, como consequência da maneira como ocorreu o processo de sua vida, derivando da maneira como ele vivencia e se adapta à realidade. Contudo, não são desconsiderados os traços essenciais da sua personalidade e as linhas estruturantes da sua história pessoal: há uma combinação de todos os fatores de vida da pessoa, o que acaba por tornar a orientação profissional um processo complexo e essencial (Duarte, 2009) que se desdobra na construção da vida.
O novo paradigma, life design, objetiva com as intervenções promover nos clientes o desenvolvimento de capacidades, por meio da adaptabilidade, narrabilidade e atividade. Desta forma, este estudo centra-se em uma atividade denominada "Carta aos pais", por meio da qual busca-se analisar a influência dos pais e as possibilidades de conversações entre filhos e pais nessa etapa do desenvolvimento.
A influência dos pais na escolha profissional dos filhos
O processo da escolha profissional encontra-se imbricado em uma complexa rede de fatores, que comportam tanto uma dimensão social quanto individual. Dentro da esfera familiar, de forma consciente ou inconsciente, os pais e demais familiares exercem poder de influência sobre as decisões de carreira de seus filhos. Valores, significados, crenças e expectativas são transmitidos cotidianamente nas relações interpessoais, de forma que os jovens lidam com maior ou menor dificuldade com tais influências, reconhecendo-as ou não, de acordo com suas características e capacidades individuais.
Nos últimos anos tem sido dada importância cada vez maior à influência da família nos processos de desenvolvimento vocacional entre jovens e adultos. Segundo Santos (2005), autores clássicos da área da Orientação Profissional e de Carreira, como Super e Roe, abordaram em suas obras a influência familiar na escolha do jovem por uma profissão. Entretanto, esse não era o enfoque do trabalho, sendo que o tema era discutido de uma maneira pouco visível e com um predomínio de pesquisas centradas nos resultados em detrimento dos processos. Outra limitação significativa, ainda segundo Santos (2005), refere-se ao fato de a maioria das pesquisas não abordar o contexto familiar como uma totalidade funcional, além de muitos estudos não levar em conta a influência do contexto socioeconômico no comportamento das famílias.
Todavia, atualmente tem se visto um número cada vez maior de estudos na área, que apontam as diferentes relações familiares e as maneiras como essas influenciam no processo de escolha profissional de um de seus membros. A partir de uma visão construtivista, segundo Savickas (2002), há um foco em trabalhar tanto as questões individuais quanto as influências sociais. Dessa maneira, o indivíduo é visto como um sistema complexo de processos auto-organizativos de atividade e interatividade dentro dos contextos sociais e simbólicos. Assim, a pessoa se desenvolve a partir da e na interação com o outro, influenciando e sendo influenciado a todo o momento. Com isso, a relação entre os membros da família ganha um destaque cada vez maior, já que é nela que o indivíduo passa grande parte de seu tempo e, muitas vezes, estabelece relações de maior intimidade.
De acordo com Bronfenbrenner (1994), as ações conjuntas realizadas entre pais e filhos são construídas socialmente, ou seja, é no contexto social, que está impregnado pelo conjunto de valores, normas, afetos, significados, crenças culturais e estabelecimentos históricos, que se constitui a sociedade e que, direta e indiretamente, influencia na construção de projetos pessoais e familiares. Segundo Bauman (1998), o homem contemporâneo vive em um hiato entre seguir seus desejos ou então ser seduzido pelo mercado e ser impossibilitado assim de satisfazer estes desejos. O mundo atual, segundo Bauman, vem provocando um despedaçamento das redes sociais, como a família. As relações interpessoais, de forma geral, têm se transformado e tornado-se mais efêmeras e fugazes, passando por sensíveis alterações, tanto em sua estrutura (famílias rearranjadas, monoparentais, nucleares), como no papel de cada um dentro do grupo familiar.
Atualmente, a adolescência foi prolongada e não tem uma transição para a vida adulta tão delimitada como já ocorreu em outros períodos da história. Desta forma, apesar do ingresso na universidade ser considerado um rito de passagem na vida dos jovens, ele não é considerado um delimitador entre a adolescência e a vida adulta. Outra mudança expressiva nas relações familiares contemporâneas é a forma como os pais se relacionam com os filhos. De acordo com Almeida (2009), muitas vezes os pais, por diversos motivos, tendem a se desligar da figura de autoridade e a se colocar em uma posição de pares dos filhos, estruturando assim uma confusão de papéis.
Outros autores também relatam como a influência da família pode ser demonstrada. Saavedra (2005) indica, em um de seus trabalhos, como a escolha de mulheres por profissões tipicamente masculinas tem uma estreita ligação com a relação delas com seus pais. Este estudo afirma que estas mulheres tiveram muito apoio na escolha da profissão por parte da figura paterna. Para além das questões de gênero, é relevante destacar a influência de outros fatores na escolha profissional dos filhos, como o nível socioeconômico e o grau de escolarização dos pais. Além disso, segundo Trusty (1996), os pais influenciam mais no desenvolvimento educacional e na escolha de carreia de suas filhas do que de seus filhos.
Outro estudo (Duarte, Melo-Silva, Santos, & Bonfim, 2005) concluiu que os adolescentes que passam pelo momento de escolha profissional já apresentam uma bagagem anterior a este período da vida, que envolve expectativas e desejos familiares. Embora essa bagagem esteja presente, muitas vezes os próprios adolescentes e seus pais não têm consciência do quanto essa influência ocorreu. Assim, esta pesquisa demonstra, por meio de entrevistas, que muitas mães de adolescentes que passaram por um processo de orientação profissional não percebem de modo consciente a presença da influência familiar, embora haja evidências para crer que ela ocorre.
Taveira (2009) realizou um trabalho que envolvia alunos, pais, professores e orientadores vocacionais e que investigava a influência dos pais na escolha profissional dos filhos. De um modo geral, todos os participantes reconheceram o papel dos pais na escolha profissional dos filhos, tanto através das relações com eles estabelecidas, quanto na relação dos pais com a escola e com a comunidade. Algumas das influências descritas por Taveira (2009) estão nos âmbitos do prazer pelos estudos, sucesso na área escolhida e autonomia.
Umas das possibilidades citadas por Taveira (2009) como contribuintes do desenvolvimento vocacional dos filhos é a presença da comunicação de forma efetiva, sendo esta vista como um processo que pode ser potencialmente esclarecedor quanto a questões escolares e profissionais para o filho. Além disso, por meio da comunicação, os pais podem incentivar seus filhos na participação de experiências que explorem o universo vocacional, podendo auxiliar também na resolução de problemas e no alerta às dificuldades. Para Sampaio (1995), a identidade e a autonomia são as principais questões inerentes à vivência da adolescência. A questão da autonomia em relação aos pais é complexa, visto que abarca vários âmbitos, como, por exemplo, o afetivo, o econômico, e questões práticas como a organização da própria casa. A escolha profissional, portanto, tem um caráter reforçador do momento de instabilidade no adolescente, visto que também remete diretamente à todas as implicações futuras acerca da concretização da entrada do indivíduo para o mundo adulto, onde são exercitados em maior escala a sua autonomia e sua responsabilidade (Fierro, 1995; Levenfus, 1997).
Almeida e Pinho (2008) afirmam que a identidade ocupacional contribui significativamente para a construção da personalidade do indivíduo, caracterizando-se como uma das principais tarefas desenvolvimentais da adolescência. Sendo assim, a identidade ocupacional forma-se através da autopercepção que o indivíduo tem dos papéis profissionais com os quais tem contato ao longo de sua existência, principalmente no que diz respeito a figuras significativas, como pais, familiares e professores.
Escolher uma carreira também envolve uma dimensão temporal, visto que o momento da escolha é o momento presente e, como afirma Soares (2002), é nesse presente que o adolescente definirá um futuro, por sua vez baseado em suas referências passadas e na percepção que o indivíduo construiu – relacionalmente com seus próximos – dos papéis profissionais. Além disto, segundo Müller (1988), a escolha de uma profissão supõe que o indivíduo precisa conscientizar-se a respeito de si, de suas possibilidades e da capacidade de se imaginar cumprindo aquele papel, que envolve não apenas questões ocupacionais, mas também, sociais.
Ao fazer uma escolha profissional o adolescente está também escolhendo um estilo de vida, uma rotina, um ambiente para viver, sendo duas escolhas imbricadas: o que ele quer fazer e o que ele quer ser. Diante de tantas implicações da escolha profissional, é esperado o surgimento de conflitos, ansiedade, além da necessidade da elaboração de lutos, pois, segundo Filomeno (2005), a escolha é algo que implica em renunciar a outras escolhas não realizadas, como apontado por Bohoslavsky (1991). O processo de autoconhecimento e de tomada de consciência de limites e possibilidades pode ser facilitado em processos de intervenção. Assim, de acordo com Melo-Silva e Guarnieri (2005), o atendimento em Orientação Profissional e de Carreira pode possibilitar o acompanhamento de um processo mais amplo, no qual o adolescente faz uma busca por se tornar sujeito das suas próprias escolhas em um âmbito geral de sua vida.
A partir dessas ideias, é relevante avaliar a inserção dos pais nos serviços de orientação profissional frequentado por seus filhos. Uma das pesquisas realizadas no Serviço de Orientação Profissional (SOP) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), da Universidade de São Paulo, investigou a opinião dos familiares de ex-clientes a respeito do serviço oferecido e dos resultados que foram obtidos. Como resultados principais da pesquisa, obteve-se que 58,1% dos familiares avaliaram como boas ou excelentes as condições oferecidas pelos serviços, enquanto que 62,5% consideraram que a orientação profissional auxiliou muito ou totalmente na escolha profissional (Yokoyama, 2009).
Além destas informações, a pesquisa avaliou a participação dos pais no processo de orientação profissional. Assim, 89,29% dos pais relataram que conversam com os filhos sobre esse momento de suas vidas, o que ressalta a importância dos familiares no processo de escolha da carreira. É ainda essencial destacar que os pais têm a percepção de que a conversa sobre essa temática era proveitosa não apenas para os filhos, mas também para eles, uma vez que aumentavam o conhecimento e se aproximavam dos adolescentes. No entanto, a ausência de respostas de alguns familiares demonstra que, ainda assim, há um distanciamento para lidar com esses assuntos, uma vez que estes podem ser complexos e angustiantes (Yokoyama, 2009). Muitas vezes, esses comportamentos distantes dos pais podem ser decorrentes das (re)vivências que a orientação profissional traz a eles, evocando sonhos, perdas e frustrações passadas, conforme aponta Andrade (1997).
Diante destas considerações, entende-se a necessidade de se realizar um trabalho com os adolescentes para auxiliá-los na vivência deste período e para aprofundar a compreensão a respeito desta fase e de sua importância a partir da comunicação com os pais. De acordo com Lassance, Bardagi e Teixeira (2009), a Orientação Profissional tem mostrado inúmeros resultados positivos, sendo que os benefícios mais evidentes estão relacionados à maior facilidade para lidar com a indecisão, além de aumento da determinação, do conhecimento da realidade e da capacidade de explorar o ambiente. Entende-se, então, a necessidade de avaliar a forma como a orientação profissional tem sido realizada, bem como divulgar os resultados de procedimentos que puderam auxiliar os adolescentes, de forma a difundir e aprimorar as experiências.
No presente estudo, focaliza-se a comunicação por meio da técnica "Carta aos Pais". Esta técnica, desenvolvida pelos membros do Serviço de Orientação Profissional (SOP) da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP) é descrita no Livreto "Escolha da carreira: conversa na cozinha" (Melo-Silva & Pereira, 2002), uma publicação em formato de gibi, cuja finalidade prática, no trabalho em Orientação Profissional com os clientes do SOP, é a de servir como disparadora temática para discussões sobre as diversas influências externas atuantes sobre a decisão profissional do adolescente (Duarte, Melo-Silva, Santos, & Bonfim, 2005; Duarte, 2006). Os personagens apresentam diálogos comuns a jovens na situação de escolha profissional, expressando, de forma clara, entre outras coisas, suas ansiedades frente ao vestibular, dúvidas sobre carreiras e, também, questionamentos acerca de suas percepções de influências externas sobre suas decisões profissionais.
O livreto conta como anexo uma "Carta aos pais" e uma "Carta aos filhos". A "Carta aos pais", de autoria de um jovem hipotético, é a síntese de inúmeras cartas redigidas pelos jovens durante o processo de atendimento de adolescentes no SOP no ano da publicação, relatando os mesmos tipos de conteúdos das falas dos personagens da história anterior. "A carta aos filhos", por sua vez, também é uma síntese de cartas preparadas, em uma outra atividade, em separado, pelos pais dos mesmos jovens. A posterior leitura dessas cartas-síntese para os respectivos familiares dos jovens ou adultos serve como facilitadora da comunicação entre pais e filhos em um processo de Orientação Profissional, visto que permite de forma direta e intuitiva, o exercício do diálogo e da alteridade entre os mesmos (Melo-Silva, Silva, & Venturini, 2005).
O objetivo deste estudo é descrever o uso de um procedimento (Técnica da Carta aos Pais) e analisar as implicações desta atividade na comunicação familiar, de forma a verificar a influência dos pais nas decisões destes jovens e analisar como o grupo de Orientação Profissional pode trabalhar as influências familiares por meio das reflexões dos conteúdos das cartas.
MÉTODO
Caracterização do serviço de orientação profissional
Para atingir o objetivo deste trabalho foram utilizados dados obtidos em um grupo de orientação profissional. Este grupo é oferecido no Serviço de Orientação Profissional (SOP), do Centro de Pesquisa e Psicologia Aplicada (CPA), da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP) da Universidade de São Paulo. O SOP é coordenado por uma docente responsável e as atividades são desenvolvidas pelos estagiários do quinto ano do curso de Psicologia. São realizados entre 10 e 12 encontros com cada grupo de orientação profissional, sendo o número de participantes, em cada grupo, variável entre 10 e 25 adolescentes. Nesses encontros são trabalhadas diferentes questões que envolvem a orientação profissional, a saber: autoconhecimento, escolha da carreira, interesses, autoeficácia, reflexões sobre o significado do trabalho e mercado de trabalho, pesquisa sobre as profissões e a influência dos pais (Melo-Silva, 2000).
Este estudo focaliza a influência dos pais, centrando-se na questão da comunicação entre pais e filhos. Estas questões são trabalhadas por meio de atividades e técnicas, em grupos de leitura de textos, utilização de instrumentos de avaliação da maturidade e de interesses, predominantemente. A intervenção baseia-se nos princípios de construção da vida (da carreira e de si), caracterizando-se este momento como um entre outros que requerem decisões, que continuarão a ser tomadas ao longo da vida. O grupo de pesquisa ligado a este serviço realiza pesquisas a fim de verificar a qualidade e funcionalidade da orientação profissional, de forma que o SOP passa por constantes atualizações, buscando aprimorar o serviço e atender à demanda dos clientes.
Participantes
O grupo de orientação profissional, objeto deste estudo, teve, ao todo, 11 encontros com duas horas de duração cada. O grupo contava com dois estagiários de Psicologia, que se alternavam no papel de coordenador e cocoordenador/observador. No início das atividades, além dos estagiários, havia 22 adolescentes participando, sendo todos de idade entre 15 e 18 anos. Ao todo, houve seis desistências, sendo que o grupo se encerrou com 16 participantes. O grupo inicial era composto por 17 mulheres (77%) e cinco homens (23%). A média de idade do grupo foi de 16,14 anos, sendo que havia seis participantes com 15 anos, oito com 16 anos, sete com 17 anos e apenas um com 18 anos. Com relação à distribuição entre as escolas, 17 participantes (77%) estudavam em escolas particulares (sendo 12 do sexo feminino e cinco do sexo masculino) e cinco participantes (23%) estudavam em escolas públicas (todas do sexo feminino).
Ao decorrer dos encontros foi possível perceber que os adolescentes apresentavam visível interesse e manifestavam vontade de conversar a respeito da família e de sua influência no processo de escolha por uma carreira. Dessa forma, os coordenadores do grupo deram uma importância especial a esta temática, realizando atividades que trabalhavam a questão da influência familiar.
Procedimentos com o grupo: formas de trabalhar a influência familiar
A temática da influência familiar foi trabalhada especificamente em dois encontros do grupo: no primeiro encontro foi pedido aos participantes que lessem e discutissem o capítulo "Influência dos pais", do livro "Faça vestibular com seu filho, faça vestibular com seus pais" (Levenfus, 1997). O capítulo foi escolhido para servir com disparador temático para o grupo operativo desenvolvido a seguir. O capítulo discute a ideia de que os pais influenciam na escolha profissional, mesmo que isso não ocorra de forma visivelmente manifesta ou clara. O capítulo traz também alguns depoimentos de jovens sobre o assunto. Após essa atividade, a discussão foi ampliada para todo o grupo, com o objetivo de que todos pudessem expressar o que pensaram e sentiram ao ler o texto, além de relatar qual a experiência pessoal deles com o tema.
Em seguida, foi pedido para que os participantes escrevessem uma carta para seus pais, de forma livre, contando o que quisessem sobre seu momento atual, enquanto jovens prestes a escolher uma carreira. As cartas foram recolhidas e analisadas pelos estagiários, para serem analisadas a fim de possibilitar a interpretação de conteúdos em comum (universais) e a identificação de conteúdos latentes ou emergentes. É importante ressaltar que o conteúdo da carta foi elaborado visando à preservação da identidade dos adolescentes, de forma que os conteúdos não pudessem ser identificados como singular a um participante, comprometendo a confidencialidade.
Após o processo de (re)leitura e discussão dos conteúdos das cartas escritas, os coordenadores do grupo elaboraram uma carta (de autoria de um adolescente hipotético), que abordava em primeira pessoa uma síntese dos dados significativamente presentes nos dados coletados de todas as cartas. Esta carta foi entregue aos participantes no encontro seguinte, sendo lida pelos coordenadores em voz alta ao grupo. Posteriormente, o grupo estabeleceu conversações entre os participantes, a fim de verificar as ideias, impressões e impactos que a atividade suscitou sobre a temática da influência dos pais sobre suas escolhas profissionais.
Análise dos dados
Como descrito anteriormente, foi realizada uma análise qualitativa das cartas escritas pelos adolescentes. Esta análise visou destacar as principais categorias, ou seja, quais temas eram recorrentes nas cartas, de forma a auxiliar os coordenadores na elaboração da carta final.
O presente trabalho faz uso desta carta elaborada para discutir as principais percepções dos adolescentes a respeito do processo de escolha profissional e da forma como essa escolha é influenciada pelas relações ao longo da vida, em especial, pelos anseios, desejos, cobranças e expectativas que os pais fazem em relação aos filhos. É a partir da análise desta carta, fazendo um entrelaçamento com a literatura disponível, que as informações são tratadas na seção subsequente.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Como primeiro resultado deste estudo, a seguir, apresenta-se a carta elaborada pelos estagiários que coordenaram a atividade grupal com os adolescentes. Esta carta dos estagiários foi redigida após repetidas leituras de todas as cartas dos participantes e um posterior levantamento temático dos principais conteúdos apresentados pelos adolescentes a respeito do momento que estão vivendo. Dessa forma, a carta elaborada pelos estagiários tinha como objetivo sintetizar em um material comum as experiências relatadas pelos integrantes do grupo, além de facilitar, assim, no momento de sua leitura, um processo de identificação dos adolescentes com o conteúdo desta.
Os conteúdos mais presentes nas cartas escritas pelos adolescentes, que serviram de fonte de tópicos para a confecção da carta dos estagiários, foram: o receio de não serem aprovados no vestibular e isso gerar frustração tanto para eles como para a família, medo de se arrepender, futuramente, da escolha profissional que estão para realizar agora no momento presente e o receio de que a profissão escolhida não ofereça o retorno financeiro que imaginam, não lhes permitindo terem o padrão socioeconômico de vida que esperam. Além disso, outros conteúdos relatados com frequência nas cartas foram os possíveis medos e inseguranças oriundos de se cursar uma faculdade em outra cidade diferente da que residem atualmente, além da dificuldade de adaptação à distância da família e dos amigos. A carta síntese é apresentada a seguir.
"Oi, pai e mãe,
Estou escrevendo para falar um pouco deste momento que estou passando. Ultimamente, muitas coisas têm acontecido comigo. Tenho pensado bastante sobre meu futuro e isso às vezes me deixa confuso(a) e até um pouco preocupado(a). Estou em uma fase de mudanças e sei que daqui para frente as coisas vão ser bem diferentes.
Ando preocupado(a) com o curso que vou escolher. Tenho pensado em algumas opções, mas tenho medo de não tomar a decisão certa, pois acho que é muito difícil ter que escolher hoje a profissão que vou seguir pelo resto da minha vida. Tantas coisas estão envolvidas nesta escolha, né? Parece que eu tenho que escolher um curso que eu goste de fazer, que me identifique, mas que também me traga um retorno financeiro bom, que eu possa me manter e também ter algumas coisas que eu desejo.
Além disso, eu já pensei que talvez tenha que sair de Ribeirão para fazer faculdade. Como seria minha vida lá, hein? Deixar de morar em casa é uma grande mudança. Sei que assim eu não vou estar mais passando tanto tempo com vocês, e não vou ter tanto conforto, mas ao mesmo tempo vou estar aprendendo a me virar sozinho e também me preparando profissionalmente para ser um bom profissional no futuro.
Na escola, tenho me cobrado bastante em relação aos estudos, porque tenho medo de não passar no vestibular, mas também acho que essa cobrança às vezes me atrapalha e me dá um desânimo para estudar. Tem dias que parece que eu não estou muito confiante que vou conseguir. Às vezes, também acho que outras pessoas não estão acreditando no meu potencial.
Percebo que vocês se preocupam comigo, só que às vezes essa preocupação não vem na medida "certa" para mim. Às vezes é muita, às vezes é pouca, mas dos dois jeitos está me influenciando, já que a opinião de vocês é importante para mim. De qualquer forma, poder conversar com vocês me permite falar como eu me sinto e também ouvir o que vocês acham disso.
Eu gostaria de agradecer pelo o que já fizeram por mim até hoje e também pedir que continuem me apoiando nas minhas escolhas. Estou correndo atrás de um futuro bom para mim e acho que sou capaz de alcançar meus objetivos.
De seu filho(a)"
A partir deste momento, a carta apresentada foi tomada como uma genuína produção de um adolescente em processo de escolha profissional. Permitiu-se essa apropriação em consequência do texto corresponder a uma síntese de cartas escritas por diversos adolescentes, que estão inseridos em diferentes contextos e cujas escolhas estão permeadas por diversas relações. Desta forma, entende-se a possibilidade deste texto, tomado por base, ampliar a discussão a respeito das influências dos pais, por poder abarcar diversas relações entre eles e seus filhos.
Como apontado por diferentes autores (Erikson,1972; Rabello & Passos, 2009), o período da adolescência é permeado pelo construção da identidade do eu, sendo esta fase fundamental para a forma como o indivíduo se desenvolverá. Entende-se que esta fase destaca-se pela necessidade de se resolver crises de identidade, sendo que, para isso, é fundamental que o adolescente consiga estabelecer uma ligação entre o que foi vivido na infância e o que espera que seja realizado no seu futuro. Segundo Rabello e Passos (2009), a inovação desta teoria é considerar o contexto histórico e cultural na formação da identidade, sendo que Erikson (1972) faz uso do conceito de "ego grupal" para denominar essa ideia. Da mesma forma, os conceitos discutidos por Duarte (2009) estão relacionados às demandas que os adolescentes apresentam na carta, ou seja, a Orientação Profissional está ligada a outros fatores da vida, como a relação com os pares e os pais e a influência econômica das profissões.
Quando o adolescente depara-se com a importância da fase em que está vivendo, gera-se angústia e insegurança como resultado do receio pelas escolhas "erradas" e pelas mudanças. Pode-se perceber que há trechos da carta que expressam essa temática, como: "Tenho pensado bastante sobre meu futuro e isso às vezes me deixa confuso(a) e até um pouco preocupado(a). Estou em uma fase de mudanças e sei que daqui para frente as coisas vão ser bem diferentes". A partir do momento que os adolescentes procuram comunicar aos seus pais esses anseios, nota-se que eles esperam um ambiente acolhedor, demonstrando uma percepção que as figuras parentais podem ajudá-los a superar essa etapa (Taveira, 2009). Entretanto, conforme demonstrado na pesquisa de Yokoyama (2009), muitos pais acabam não conseguindo atender a essas expectativas dos filhos, uma vez que a temática representa um assunto angustiante também para eles.
Há, ainda, uma preocupação sobre o peso que a escolha profissional tem, de forma a influenciar diretamente outros âmbitos da vida do adolescente. Pode-se perceber estas questões no seguinte trecho da carta:
Ando preocupado(a) com o curso que vou escolher. Tenho pensado em algumas opções, mas tenho medo de não tomar a decisão certa, pois acho que é muito difícil ter que escolher hoje a profissão que vou seguir pelo resto da minha vida. Tantas coisas estão envolvidas nesta escolha, né? Parece que eu tenho que escolher um curso que eu goste de fazer, que me identifique, mas que também me traga um retorno financeiro bom, que eu possa me manter e também ter algumas coisas que eu desejo.
Este trecho traz claramente a ideia colocada por Bauman (1998) a respeito da dificuldade em que vive o homem contemporâneo entre as polaridades de ser genuíno em relação a seus desejos, como em: "curso que eu goste de fazer", e ao mesmo tempo ser seduzido pelo mercado de trabalho para garantir meu sustento, conforme demonstrado em: "me traga um retorno financeiro bom". Diante disso, há uma grande dificuldade em conciliar as diferentes necessidades, afetivas, econômicas e os interesses pessoais, como apontado por Filomeno (2005). Neste momento da carta, se torna clara a ideia de que a escolha profissional está acompanhada por um processo mais amplo e, como salientaram Melo-Silva e Guarnieri (2005), é um momento em que o adolescente percebe a necessidade de tornar-se sujeito de suas próprias ações. Assim, destaca-se a importância dos pais neste processo, que precisam dar espaço para os filhos expressarem suas angústias, procurando acolhê-las e podendo, inclusive, demonstrar que também passaram (ou ainda passam) por tais dificuldades. Trusty (1996) já salientava que o envolvimento positivo dos pais no processo de desenvolvimento de carreira de seus filhos potencializa a ocorrência de mais atitudes, percepções e comportamentos construtivos nesses jovens no que se refere a esta temática. "Resultados positivos como tomada de decisão profissional, notas escolares, atitudes e comportamentos positivos foram constatados a partir do envolvimento dos pais" (Trusty, 1996, p. 64).
Além destas preocupações, o momento de se preparar para o ingresso no ensino superior pode ser também uma etapa de saída de casa e mudança de cidade. Assim, outras modificações estão implicadas no processo de escolha profissional, como pode-se perceber:
Além disso, eu já pensei que talvez tenha que sair de Ribeirão para fazer faculdade. Como seria minha vida lá, hein? Deixar de morar em casa é uma grande mudança. Sei que assim eu não vou estar mais passando tanto tempo com vocês, e não vou ter tanto conforto, mas ao mesmo tempo vou estar aprendendo a me virar sozinho e também me preparando profissionalmente para ser um bom profissional no futuro.
A mudança de cidade implica também em outras mudanças, como a necessidade de tornar-se mais independente, o distanciamento dos pais e dos amigos e o estabelecimento de novas relações. Em várias cartas, os participantes fizeram referências à necessidade de apoio dos pais, demonstrando que precisam de um acompanhamento e aconselhamento presente e efetivo. Isto é coerente com os estudos empíricos que apontam o apoio e o encorajamento como uma variável significativa na tomada de decisão vocacional dos filhos, como os trabalhos de Gonçalves (2007), de Yokoyama (2009) e de Pinto e Soares (2002). Essa temática é abordada no seguinte trecho da carta:
Percebo que vocês se preocupam comigo, só que às vezes essa preocupação não vem na medida "certa" para mim. Às vezes é muita, às vezes é pouca, mas dos dois jeitos está me influenciando, já que a opinião de vocês é importante para mim. De qualquer forma, poder conversar com vocês me permite falar como eu me sinto e também ouvir o que vocês acham disso.
Esta necessidade de um equilibrado respaldo de caráter motivador, mas, sobretudo, afetivo dos pais, vai de acordo com o que propõe Fierro (1995) quando disserta que
o adolescente, de qualquer maneira, durante toda a etapa continua tendo uma enorme demanda de afeto e de carinho por parte dos pais, em um grau não inferior ao da infância", porém este rechaça apenas as demonstrações que considera 'exageradas' de seus pais, ou seja, as atitudes de superproteção e/ou cobrança excessiva, que podem ser prejudiciais ao exercício de sua autonomia tanto em questões afetivas, quanto na questão da escolha profissional (p. 301).
Há ainda, segundo Carvalho e Taveira (2009), diversos autores que apontam para a percepção de adolescentes de que há uma distinção entre o apoio afetivo e o apoio instrumental que é fornecido pelos pais. Esta distinção não apareceu de forma clara nas cartas entregues pelos participantes, mas ficou marcada nas discussões realizadas no decorrer do processo de orientação profissional. Algumas frases enunciadas por participantes podem servir de exemplo, como:
Meu pai paga escola particular para me dar um estudo melhor, então não tem nem conversa, eu estou tendo essa oportunidade, então eu preciso passar e ponto final!
Ah, meus pais sempre me deram apoio em tudo o que eu preciso, tudo mesmo, meu pai mais do que minha mãe ainda.
Lá em casa meus pais não interferem em quase nada na minha vida, qualquer coisa que eu escolha está bom e eles aceitam. Eles me sustentam, é claro, mas eu sou bem independente dos meus pais, já a minha irmã não faz nada sem eles. Até passou em uma faculdade no sul e não foi, pra não ter que sair de casa!
Assim, percebe-se que alguns participantes demonstram percepção de que o cuidado que os pais têm com eles está mais relacionado ao apoio financeiro do que afetivo, o que pode justificar a dificuldade em se comunicar com os pais e em demonstrar seus anseios.
Neste momento, pode-se observar, como mencionado anteriormente, que a influência e pressão familiar nem sempre ocorre de forma consciente, podendo até mesmo não ser percebida pelos pais (Duarte, Melo-Silva, Santos, & Bonfim, 2005). As questões trazidas pelos adolescentes, como o apoio financeiro, podem ser evidenciadas nesta ideia. Ou seja, os pais podem não perceber que o apoio dado aos filhos, mesmo que positivo e necessário, são percebidos também como uma forma de pressão para que acertem nas escolhas e sejam bem sucedidos.
Foram trabalhadas no grupo as diferentes concepções sobre o que é e como pode acontecer o processo de "influenciar". Alguns adolescentes afirmaram que não há nenhuma pressão por parte dos pais sobre a escolha profissional, contudo afirmam que os pais (e parentes próximos) realizam comentários do tipo "Sua tia já tem um consultório de dentista, você poderia trabalhar com ela, quando formasse...". Exemplos como este, trazidos pelos adolescentes, serviram de mote para se abordar as múltiplas formas de manifestação de desejos dos pais, seja expressando abertamente a opinião (por vezes exercendo pressão para o filho seguir determinadas profissões), ou seja, de maneira mais sutil ou indireta.
Bohoslavsky (1991) ressalta que a família, enquanto transmissora ativa de valores culturais, econômicos e sociais, constitui uma base significativa na orientação dos jovens, podendo atuar tanto como grupo positivo quanto negativo de referência. Ainda segundo o autor, "as satisfações ou insatisfações dos pais e de outros familiares significativos, em função de seus respectivos ideais de ego e a vivência das mesmas, exercem um papel importante quanto às influências que, desde criança, recebe o adolescente em seu lar" (p. 58). Para Trusty (1996), a influência positiva dos pais favorece atividades e comportamentos positivos nos filhos em relação à escolha profissional. Já a influência negativa pode gerar problemas de comportamento e de uso de drogas nos filhos.
Estimulando os jovens ao diálogo com seus pais sobre os mais diversos temas dentro do processo de Orientação Profissional (necessidade de estudar, mercado de trabalho, aptidões pessoais, interesses, entre outros), entende-se que ambas as partes possam desenvolver mais liberdade para expor seus sentimentos, expectativas e frustrações, propiciando e estabelecendo práticas de cuidado provedoras de motivação, autoconfiança e capacidade de reflexão. Assim, envolvendo todos esses aspectos, entende-se que a tomada de decisão profissional será mais consciente por parte dos adolescentes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante da análise realizada, foi possível dar suporte às ideias trazidas por outros estudos, como o de Lisboa (1997), em que está implicada a discussão de que a construção da identidade ocupacional está diretamente vinculada à identidade pessoal, pois ambas incluem todas as identificações feitas pelo indivíduo ao longo da vida.
Entende-se então que a família tem um papel fundamental nestas construções, visto que a identidade relaciona-se intimamente com as relações que o indivíduo estabelece ao longo da vida e com o contexto no qual o indivíduo está inserido. Tendo em vista esta conjectura, para uma escolha autônoma e consciente da carreira, é necessário, além de autoconhecimento, o conhecimento do projeto e das expectativas dos pais, para que se reconheça e compreenda o processo de identificação aos valores familiares ali vigentes e constituintes de subjetividade.
Dessa forma, a intervenção em Orientação Profissional e de Carreira, em geral, pode auxiliar os membros do grupo de adolescentes a reconhecerem possíveis influências familiares às quais estão sujeitos, facilitando a realização de uma escolha mais consciente e adaptada às suas exigências externas e internas, seus anseios pessoais, seus dilemas e seus sonhos. A modalidade de intervenção em grupo mostrou-se como uma configuração adequada para as conversações.
Por sua vez, a atividade "Carta aos pais", combinada à situação grupal, foi considerada uma estratégia apropriada, um caminho facilitador para a comunicação geracional, uma vez que possibilitou ao adolescente, além da organização de seu pensamento a respeito de sua percepção íntima desse momento presente de escolha de carreira, a iniciativa de buscar ativamente o (re)estabelecimento de vínculos efetivos de diálogo com seus pais. Assim, esta técnica tem um caráter positivo, visto que permite a expansão da intervenção para além do setting de Orientação Profissional e de Carreira. A posterior elaboração da carta devolutiva, realizada pelos coordenadores do grupo, por sua vez, é importante por proporcionar aos participantes uma percepção de que eles têm dificuldades singulares, mas que podem ser compartilhadas e, inclusive, percebidas como comuns entre eles, diluindo, assim, as crenças de que estão sozinhos ao enfrentar determinados conflitos.
Os participantes foram instruídos em três possibilidades de sequência desta atividade: (a) entregarem a carta original aos seus familiares, (b) redigirem outra carta, depois da reflexão em grupo, ou (c) entregarem a carta do adolescente fictício. Como se trata de atividade livre, na qual cada participante dá sequência, se assim desejar, além de como e quando puder, os coordenadores finalizam o processo da aplicação da Carta aos pais sem saber dos resultados, a médio e longo prazo, específicos desta atividade, o que é considerado uma limitação da técnica, dentro das especificações de aplicação utilizadas nesta atividade relatada.
É importante destacar a necessidade de se dar continuidade a trabalhos que relatem as experiências relacionadas à orientação profissional, especialmente no que se refere ao uso de determinadas técnicas, de modo a aperfeiçoar este conhecimento e a promover novas estratégias de intervenção que possam auxiliar não apenas os adolescentes, mas também seus pais, as escolas e outras pessoas que estejam diretamente envolvidas com a temática.
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Endereço para correspondência
Lucy Leal Melo-Silva
E-mail: lucileal@ffclrp.usp.br
Recebido: 03/09/2013
1ª revisão: 13/10/2013
Aceite final: 18/10/2013
1 Maria Manuela da Costa Manaia é psicóloga pela Universidade de São Paulo e aluna do Aperfeiçoamento em Orientação Profissional do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.
2 Ana Paula Medeiros é psicóloga e mestranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
3 Gabriel Aparecido Gonçalves-dos-Santos é psicólogo e bolsista de Apoio Técnico à Pesquisa do CNPq pelo Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo.
4 Lucy Leal Melo-Silva é Professora Associada do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo. Bolsista de Produtividade do CNPq.