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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) v.5 n.2 São Paulo  2007

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Inclusão digital: ferramenta de promoção para envelhecimento cognitivo, social e emocional saudável?

 

Digital inclusion: promoting tool for active cognitive, social and emotional health

 

 

Eliane Ferreira Carvalho Banhato; Kelly Cristina Atalaia da Silva; Neide Cordeiro de Magalhães; Márcia Elia da Mota; Danielle V. Guedes; Natália N. Scoralick

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O aumento quantitativo de idosos brasileiros, desacompanhado de qualidade para esses anos transforma o envelhecimento em desafio para o século XXI. Uma questão importante refere-se às mudanças no padrão de morbidades, com o aumento na incidência de doenças crônico-degenerativas, como as demências. A inclusão digital de idosos poderia funcionar como ferramenta de prevenção no declínio cognitivo. Esse estudo investigou a influência da inclusão digital no desempenho cognitivo dos idosos. A amostra constituiu-se de 51 idosos com idades entre 60 e 88 anos (M=67,71; DP=6,57) e escolaridade média de 10,14 (DP=3,92) anos. Os resultados apontaram melhora na velocidade de processamento (t=3,939; p=0,001) e na capacidade de planejamento de tarefas (t=3,504; p=0,001). Concluiu-se que a implementação de programas públicos que viabilizem a apropriação desse saber por idosos é de grande relevância.

Palavras-chave:  Envelhecimento; Aprendizagem digital; Cognição; Suporte social.


ABSTRACT

The increase in number of the Brazilian elderly, in the absence of quality of life during these years, turns the aging into a challenge for the XXI century. An important issue is related to changes on the death patterns, such as the dementia.  The digital inclusion of elderly people could work as a tool of prevetion of the cognitive decline. This work studied the influence of the digital inclusion on the cognitive performance of elderly peolple. The sample was composed of 51 elderly people with ages ranging from 60 to 88 years (M=67.71; DP=6.57) and average education level of 10.14 (DP=3.92) years. The results showed improvement on the processing speed (t=3.939; p=0.001) and on the task-planning ability (t=3.504; p=0.001). The study concluded that the  implementation of public programs that make the acquiring of such knowledge by elderly people possible is of great importance.

Keywords: Aging; Digital learning; Cognition; Social support.


 

 

O avanço científico e tecnológico ocorrido nas últimas décadas tem transformado profundamente o modo de vida da população mundial. A área biomédica, apoiada pela pesquisa e pela indústria farmacológica, contribui significativamente para o aumento progressivo não só do número de idosos, mas também dos anos que esses irão viver como tais.

No Brasil, 15 milhões de pessoas &– 8,6% da população &– são idosas. E as estimativas indicam que, em 2025, será o dobro do número atual, colocando o país em sexto lugar em população idosa no mundo (ONU, 2002). O aumento quantitativo do grupo de pessoas com mais de 60 anos, desacompanhado de qualidade de vida transformam o envelhecimento numa questão social e um dos principais desafios para o século XXI (Paschoal, 2002a).

Dentre as inúmeras questões que se inter-relacionam com o envelhecimento ressaltamos as repercussões sobre a saúde. Assiste-se atualmente a uma transição epidemiológica, com mudanças importantes no padrão de morbidades e de mortalidade.  Segundo a Organização Mundial de Saúde, 40% das mortes no Brasil ocorrem na velhice.

A principal causa de mortalidade em idosos é de origem cardiovascular, seguida das neoplasias e problemas respiratórios. Com relação à saúde mental, é crescente o aumento de incidência de doenças crônico-degenerativas como, por exemplo, a Demência de Alzheimer (Paschoal, 2002b). Essas últimas, antes de representar risco de vida, representam perdas importantes na autonomia e independência dos indivíduos.

Garrido (2002) aponta para o fato de que os idosos apresentam mais problemas de saúde do que o resto da população. Mas chama a atenção para o fato de que os dados obtidos por esses estudos são de amostras clínicas, com muito pouca ênfase nos estudos de comunidade.

Embora com o avançar da idade ocorram alterações funcionais inevitáveis, não se pode considerar o envelhecimento como ‘estado de doença’. Ao longo da vida podem ocorrer, simultaneamente, aumento, diminuição e manutenção da capacidade adaptativa nos domínios físico, cognitivo, social e afetivo-emocional, possibilitando diferentes trajetórias no curso da vida (Staudinger, Marsiske & Baltes, 1995).

Rowe e Khan (1998) descrevem três possibilidades para o envelhecimento: normal, patológico e bem-sucedido. O envelhecimento normal é marcado pelos eventos físicos, cognitivos e sociais esperados para essa fase da vida, tais como os déficits visuais e auditivos, mudanças nas relações e desempenho de papéis sociais, diminuição na velocidade das tarefas, dentre outros. O patológico seria resultante de alterações globais com presença de síndromes e doenças crônicas (Woodruff-Pak, 1997). Finalmente, o envelhecimento saudável ou bem-sucedido seria aquele onde as alterações ocorressem lentamente, de tal forma que o funcionamento físico, social e cognitivo fossem melhores de que o da maioria das pessoas de mesma faixa etária.

Nesse contexto, a velhice pode ser analisada como processo de ganhos e perdas e influenciada tanto por fatores genético-biológicos quanto pelo contexto histórico cultural no qual o indivíduo está inserido. No entanto, nem sempre é fácil determinar os limites entre senescência e senilidade em decorrência da grande variabilidade de comportamento individual perante a idade.

Ramos (2003), em estudo longitudinal com amostra comunitária, investigou os fatores associados ao envelhecimento saudável e os fatores de risco para a mortalidade. Os resultados desse projeto identificaram, até o momento, como fatores de risco de morte: ser do sexo masculino, ter idade avançada, ter tido hospitalização prévia, ser dependente em atividades de vida diária e ter sido rastreado para déficit cognitivo. Desses, os únicos fatores que poderiam sofrer intervenção com objetivo de diminuir o risco seriam o grau de dependência no dia-a-dia e o estado cognitivo.

Nessa perspectiva, fazem-se imprescindíveis os estudos que avaliem o perfil de saúde cognitiva dos idosos brasileiros. Através deles será possível identificar precocemente os déficits e ainda estabelecer critérios de envelhecimento cognitivo normal.

 

Envelhecimento cognitivo

Durante muitos anos, o envelhecimento humano foi considerado um período exclusivo de declínios e perdas. No que se refere às funções cognitivas, os déficits observados com o avançar dos anos acabariam por interferir na possibilidade do idoso manter vida independente e ajustada às demandas diárias (Neri, 2002).

As explicações para o declínio cognitivo fundamentavam-se, até recentemente, nas mudanças cerebrais em nível estrutural (Schacter, 2003) já que, do ponto de vista anátomo-fisiológico, o sistema nervoso central, com o passar do tempo, sofreria mudanças, tais como: perdas neuronais, diminuição na quantidade de neurotransmissores nas fendas sinápticas e progressiva redução da massa cerebral (Woodruff-Pak, 1997).

Porém, hoje já se reconhece que a relação entre as mudanças cerebrais típicas do envelhecimento e o declínio cognitivo patológico é muito mais complexa do que anteriormente pensada. Estudos têm mostrado que nem sempre os declínios observados comprometem a autonomia e qualidade de vida dos idosos (Schaie, Willis, Jay & Chipur, 1989). Ainda mais, as alterações cognitivas não são gerais, podendo haver déficit em uma função específica e preservação de outras (Salthouse, 1984).

Dentre as funções que tendem a estar preservadas no processo de envelhecimento cita-se a inteligência cristalizada, ou a quantidade de conhecimento que a pessoa adquiriu durante a vida (Kaufman, 2001); a memória não-declarativa ou implícita, adquirida em geral, por meio de estímulos subliminares; o priming, as habilidades motoras e o aprendizado não-associativo (habituação e sensibilização) (Shacter, 2003).

Por outro lado, algumas funções parecem declinar com a idade, como as funções executivas, a memória de trabalho, as habilidades visuo-espaciais e as funções atentivas (Damasceno, 1999; Diciovanna, 1994). Vários são os fatores apontados como responsáveis por essas alterações, dentre elas, as diferenças nos níveis de saúde, a dieta, as atividades diárias, a motivação, os aspectos psicológicos, sociais e econômicos.

As funções executivas, predominantemente de origem frontal são responsáveis pelo planejamento e organização do pensamento, inibição de estímulos distratores e auto-monitoramento. No envelhecimento, tanto normal quanto patológico, costumam estar prejudicadas, sendo que no primeiro caso, as alterações são lentas e graduais, enquanto nos processos patológicos ocorrem de forma mais acelerada, em estágios mais precoces e quantitativamente mais intensas. Mittenberg et al. (1989, citado por Woodruff-Pak, 1997) em estudo com adultos residentes na comunidade e com faixa etária entre 20 a 75 anos, verificaram que os testes de lobo frontal foram os melhores preditores para idade.

A memória de trabalho também tende a declinar com o envelhecimento, principalmente se a tarefa exigir reorganização e elaboração complexas. Dessa forma, um idoso pode ser capaz de repetir com facilidade uma seqüência de dígitos, porém seu desempenho tende a diminuir quando a tarefa requer que repita a seqüência em ordem inversa, ou seja, quando se exige a manipulação das informações recebidas.

As funções vísuo-espaciais podem ser definidas como a habilidade de mover-se adequadamente no espaço e manipular objetos de modo eficiente, e tendem a estar alteradas no envelhecimento. Geralmente nota-se uma dificuldade de orientação dos idosos quando eles são solicitados a utilizarem mapas ou indicar alguma direção (Blanchard-Fields & Hess, 1996).

Quanto à atenção, termo utilizado para definir uma ampla gama de processos, é comum observar-se declínio. Com o decorrer do tempo, a capacidade de manipulação das informações que chegam ao indivíduo (atenção dividida) parece diminuir. Também a habilidade de mudar de um estímulo para o outro (atenção alternada) e a capacidade de selecionar estímulos relevantes (atenção seletiva) tendem a declinar. Esse déficit atencional é maior quanto mais complexa for a tarefa, já que nesses casos mais estímulos estão envolvidos. Finalmente, a atenção automática, ou seja, aquela que não depende da atenção direta, também parece declinar. Apesar de não haver uma teoria consensual para as mudanças que ocorrem no processo atencional, acredita-se que o declínio seja devido a uma lentificação global das operações cognitivas, bem como pela diminuição na velocidade de transmissão sináptica (Guerreiro & Caldas, 2001).

De acordo com o nível de gravidade das alterações cognitivas elas podem acarretar demências ou comprometimento cognitivo leve (CCL). A demência é uma doença neurodegenerativa progressiva e, até o momento, inexorável. Seu diagnóstico, segundo o DSM-IV, é feito na presença de déficit de memória e de outra função cognitiva, associada a um comprometimento do funcionamento social e ocupacional (Associação Americana de Psiquiatria [APA], 1984). O tipo mais prevalente é a demência de Alzheimer cuja taxa de incidência praticamente dobra a cada cinco anos de idade (Lopes, Bottino & Hototian, 2006).

Por outro lado, o comprometimento cognitivo leve (CCL) é um estado intermediário entre o envelhecimento normal e a demência e se caracteriza pela queixa e déficit de memória, porém sem dificuldades nas atividades de vida diária e com funcionamento intelectual geral normal. Apesar de não estar diretamente ligado a doença, verifica-se que as pessoas com CCL apresentam alto risco de desenvolver demência (Bottino & Moreno, 2006).

Descobertas recentes têm, entretanto, lançado luzes na adequação de estratégias de prevenção e promoção da saúde cognitiva no envelhecimento (Mattson, 2000). Apesar do cérebro perder, ao longo da vida e diariamente, milhares de neurônios e massa cerebral, o potencial para a aquisição de conhecimento e desempenho cognitivo continua praticamente durante toda a vida.

Uma hipótese para tal possibilidade decorre dos fenômenos de sinaptogênese e do neurotrofismo (Gage, 2003). Após descobrir a neurogênese (nascimento de novos neurônios) em animais, o autor e seus colegas verificaram que esses novos neurônios só se tornavam inteiramente funcionais e capazes de produzir informações cerca de um mês mais tarde.  Esse espaço de tempo necessário em que o neurônio adquire funcionalidade fez com que esses pesquisadores hipotetizassem que a ação desses novos neurônios no comportamento estaria mais relacionada com a sinaptogênese, ou seja, o desenvolvimento e fortalecimento das conexões sinápticas, constituindo-se na base para o aprendizado, raciocínio e a memória. O neurotrofismo é decorrente dos fatores de crescimento neuronal (NGF) e dos fatores neurotróficos (BNDF) que atuam estimulando e aumentando a estrutura celular do neurônio.

Para Gage (2003), ambos os processos são fortalecidos pela atividade cognitiva. O autor verificou que, quando transportou ratos de uma gaiola despojada e simples para outra maior, com rodas de corrida e brinquedos, os animais apresentaram aumento significativo tanto no número de novos neurônios como também de novas conexões sinápticas. Henriette Van Praag (citado por Gage, 2003) descobriu que basta que ratos se exercitem em uma roda de corrida para quase duplicar o número de células que se dividem no hipocampo, estrutura crucial para assimilação de novas informações.

Assim, quanto mais exercícios mentais, mais conexões são criadas e, conseqüentemente, haverá um funcionamento mental mais favorável (Gage, 2003). Estratégias psicológicas como grupos de socialização, trabalhos literários ou artísticos, ou pensar em temas abstratos são, então, muito importantes, na medida em que podem melhorar a função intelectual e permitir ao idoso desfrutar de uma mente saudável. Uma tarefa que talvez contribua nesse sentido é a inclusão digital de idosos.

 

A Inclusão Digital como ferramenta de prevenção de declínio cognitivo

Conhecida como “sociedade da informação”, o período atual da história tem como ponto principal a globalização, isto é, o processo de alongamento das modalidades de conexão entre os diferentes contextos sociais com  grande qualidade na veiculação da informação (Freire & Sommerhalder, 2000).

A utilização das ferramentas digitais, como os computadores, por exemplo, oferece grande potencial para melhorar a qualidade de vida das pessoas na medida em que estimulam o processamento cognitivo, provêem informações em tempo real e disponibilizam serviços externos sem a necessidade de se sair de casa. No entanto, a apropriação dessa nova linguagem, também conhecida como “alfabetização tecnológica”, não se reduz apenas ao domínio operacional, mas tem exigido dos indivíduos a criação de novos padrões de comportamento a fim de que desenvolvam as habilidades e conhecimentos necessários (Pretto, 1996).

Enquanto os jovens e crianças, imersos nesse contexto desde o nascimento, transitam com intimidade e desenvoltura entre os ícones, botões, teclas e imagens, o mesmo não é verdade entre a população idosa. A geração com idade igual ou superior a 60 anos tem demonstrado certo afastamento ou alguma dificuldade no manuseio de microcomputadores, celulares, caixas eletrônicos de bancos e outros equipamentos, o que pode se constituir em mais um elemento de exclusão social dessa parcela da população (Kachar, 2003).

Alguns fatores podem contribuir para essa realidade. Dentre eles, cita-se a resistência frente ao novo e desconhecido e, por isso, percebido como objeto de grande complexidade. Outra dificuldade estaria relacionada à precariedade do acesso às máquinas, devido ao alto custo das mesmas em contraste com o baixo poder aquisitivo da população mais idosa, que muitas vezes sobrevive da aposentadoria. Finalmente, mas não menos importante, encontra-se a dificuldade decorrente da presença de estereótipos e crenças distorcidas em relação à capacidade intelectual do idoso. Isso porque, durante muitos anos, as patologias foram associadas ao envelhecimento, o que difundiu uma idéia negativa acerca da velhice com a conseqüente apropriação desse estereótipo pelos próprios idosos.

No entanto, desenvolver estratégias que assegurem o bem-estar das pessoas idosas e promovam o acesso ao conhecimento, a garantia na igualdade de oportunidades e ao treinamento são fundamentais. A educação permanente no caso dos idosos em particular favorece, além da possibilidade educativa, também uma possibilidade de inserção social.

E a inclusão digital constitui recurso suplementar importante nesse processo. O domínio da tecnologia de informação digital pode ser tarefa que estimula as atividades mentais, promovendo a preservação de habilidades cognitivas e emocionais. Além disso, a interação em sala de aula, com indivíduos da mesma geração, pode favorecer o convívio social, muitas vezes prejudicado nessa fase da vida (Sá, 2004).

Echt, Merrell e Park (1998) compararam idosos jovens (60-74 anos) e idosos-idosos (75-89 anos) quanto às condições para adquirir e reter habilidades computacionais básicas após treinamento especializado. Os resultados foram favoráveis aos mais jovens no que refere a: 1) menos erros no desempenho das tarefas; 2) menor necessidade de assistência e; 3) menos tempo no treinamento.

Laguna e Babcock (1997), em revisão da literatura sobre o tema, encontraram resultados de estudos em que os adultos mais idosos têm atitude menos positiva frente às tecnologias do computador de que os mais jovens. Por outro lado, também detectaram pesquisas em que os idosos apresentavam atitudes positivas com relação ao computador. Mostraram ainda que os idosos podem aprender a usar o computador apesar de ainda se evidenciar atitudes de distanciamento decorrente do desconhecimento natural em relação à máquina e ao seu manuseio (Baldi, 1997).

Apesar dos estudos citados serem relevantes na busca de conhecimentos sobre a relação entre o idoso e a aprendizagem digital, verifica-se a necessidade de novas iniciativas que promovam a inclusão digital de fato. O desenvolvimento de pesquisas que avaliem a contribuição dessa aprendizagem na manutenção das habilidades cognitivas, emocionais e sociais é questão prioritária no que se refere às estratégias para um envelhecimento saudável. Nesse sentido, este estudo relata os resultados alcançados por uma oficina de inclusão digital para idosos residentes na comunidade.

 

OBJETIVO

O presente estudo investigou se a aprendizagem digital contribuiria para a manutenção e/ou melhoria de habilidades cognitivas, emocionais e sociais de idosos residentes na comunidade. Os questionamentos levantados foram: 1) o idoso, quando devidamente ‘apresentado’ aos instrumentos digitais, apresenta habilidades cognitivas para aprender e; 2) a apropriação da linguagem digital promove ganhos em suas habilidades cognitivas e sociais?

 

CASUÍSTICA E MÉTODO

Participantes

Participaram deste estudo transversal 51 sujeitos com idade igual ou superior a 60 anos pertencentes à comunidade de Juiz de Fora. A média de idade foi de 67,71 (DP= 6,57) anos e a média de escolaridade foi 10,14 (DP= 3,92) anos. Houve predomínio do gênero feminino (68,6%) na amostra. Estes idosos foram selecionados a partir de um banco de dados pertencente ao Estudo dos Processos de Envelhecimento Saudável &– PENSA, projeto desenvolvido pelo Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora e financiado pelo CNPq no período de 2002 a 2004. O critério de inclusão utilizado foi a obtenção de escore igual ou superior a 24 /20 - alta e baixa escolaridade, respectivamente - no Mini-exame do estado mental (MEEM), ter escore não compatível com comprometimento cognitivo no Teste do Relógio (Shulman, 1986); não ter contato prévio com computador.

Instrumentos

Foi utilizada uma entrevista semi-estruturada e baterias de testes psicológicos com os objetivos de coletar informações sobre:

1 - Dados sócio-demográficos: identificação pessoal, idade, gênero e escolaridade;

2 - Avaliação cognitiva:

2.1 - Mini-exame do Estado Mental (MEEM) (Folstein, Folstein & Hugh, 1975): Formado por 30 itens que avaliam cognição global. O ponto de corte sugerido para amostras escolarizadas é 23 (Almeida, 1998).

2.2- Teste do Desenho do Relógio (TDR) (Shulman, 1986): Consiste em desenhar um relógio completo, com todos os números. Com um escore total de 5 pontos, valores iguais ou menores que 2 refletem prejuízo cognitivo.

2.3- Subtestes escala WECHSLER-III (Nascimento, 2000)

2.3.1- Dígitos: consiste na repetição oral de seqüências numéricas em ordem direta (16 itens) e inversa (14 itens), perfazendo 30 pontos. Esse subteste investiga as habilidades de recordação e repetição imediata (memória de trabalho). A suspensão da tarefa é feita após 2 erros dentro de uma mesma série de repetição.

2.3.2- Subteste Procurar Símbolos: a tarefa consiste em identificar, num limite de 120 segundos, se os símbolos mostrados no grupo alvo estão presentes no grupo de busca. Constituído por 60 itens, esse subteste investiga a atenção e rapidez do processamento mental.

3 - Avaliação emocional:

3.1- Escala Geriátrica de Depressão (GDS) (Yesavage, 1983): versão abreviada contendo 15 itens relacionados ao humor. Escores maiores que 5 são suspeitos de depressão.

3.2- Auto-avaliação da satisfação com a vida (escala variando de 0 a 10): consiste em pedir aos sujeitos da pesquisa que auto-avaliem sua vida numa escala de 1 a 10.

4- Avaliação para verificação de aprendizagem: composta de questões teóricas e práticas para ratificar a aprendizagem de conceitos básicos da linguagem digital e o manuseio com o computador. Esta prova foi realizada individualmente.

Procedimentos

Inicialmente, os idosos foram selecionados a partir dos critérios anteriormente descritos e contatados por telefone por um acadêmico treinado da faculdade de Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Os idosos que aceitaram participar foram avaliados por quatro acadêmicos do curso de Psicologia devidamente treinados.

A oficina, programa gratuito de inserção dos idosos na linguagem digital, foi ministrada por neuropsicólogos, com auxílio de acadêmicos da faculdade de Psicologia. A oficina de inclusão digital foi constituída por 14 encontros. Os encontros eram semanais com 2 horas de duração. Foram oferecidos horários extras de exercício dos conteúdos através de plantões semanais. Ao todo foram formadas cinco turmas, sendo duas no primeiro semestre de 2005 e 3 no primeiro semestre de 2006. Vários temas foram abordados, tais como: ambiente Windows, Office, Internet, Chat, MSN, jogos de estimulação cognitiva, fax, celular, caixa eletrônico, entre outros.

A entrevista final foi realizada individualmente a fim de estabelecer um ambiente mais tranqüilo e de liberdade para o idoso expressar suas opiniões. Ao final das oficinas realizou-se uma prova teórico-prática de verificação de aprendizagem, bem como uma nova bateria de testes cognitivo-sociais com o objetivo de comparar os resultados pré e pós-intervenção.

 

RESULTADOS

Análise descritiva

Cinqüenta e um idosos participaram do estudo, sendo 68,6% do sexo feminino, com idades variando entre 60 e 88 anos (M= 67,71; DP= 6,57) e mediana igual a 66 anos. Houve predomínio de idosos jovens, com 72,5% apresentando menos de 70 anos. Cerca de 55% dos idosos apresentaram dez ou mais anos de escolaridade.

 

 

Inclusão Digital e processamento cognitivo

A avaliação cognitiva dos participantes da oficina foi realizada em dois momentos: pré e pós-intervenção. Desse modo, e para fins didáticos, os resultados obtidos serão descritos separadamente.

Análise descritiva pré-intervenção:

O desempenho cognitivo global dos sujeitos da amostra foi avaliado pelo Mini-exame do estado mental (MEEM) e apresentou média de 28,12 (DP=1,63) e mediana de 28. Adotando o ponto de corte 23/24 para idosos com algum nível de escolaridade (Almeida,1998), verificou-se que a quase totalidade da amostra encontrava-se com as funções cognitivas preservadas. Apenas um sujeito apresentou escore total de 21 pontos.

Utilizando-se o TDR para avaliar as funções executivas e de atenção verificou-se médias de 3,67 (DP= 1,05) e mediana igual a 4. Apresentaram alguma dificuldade na atenção e funções executivas 15,4% dos idosos.

No subteste Dígitos, escala geral, onde o escore total é de 30 pontos, a média de desempenho foi 13,49 (DP= 3,85) e mediana igual a 13. Da amostra, 45,1% (n=23) apresentaram pontuação menor que a mediana nesse subteste. Na versão Dígitos Ordem Direta, cuja pontuação máxima é 16 pontos, a média obtida foi de 8,43 (DP= 2,39) e mediana igual a 8. Da amostra total, 60,8% obtiveram pontuação abaixo de 8 pontos. A média em Dígitos Ordem Inversa, cuja pontuação total é 14 pontos, foi de 5,06 (DP= 2,12) e mediana igual a 5. Da amostra, 41,2%  (n= 21) tiveram pontuação inferior à  da mediana.

No subteste Procurar Símbolos da escala WAIS-III, a média de desempenho foi de 16,63 (DP=5,40) e mediana de 18. Uma vez que o valor máximo deste subteste é 60 pontos, constatou-se que as médias obtidas foram abaixo do ponto médio do subteste (30 pontos).

Análise descritiva pós-intervenção:

Ao final da oficina os resultados do MEEM apontaram média de 28,18 (DP= 1,54) e mediana 28. Nesse momento, todos os idosos obtiveram desempenho global dentro dos padrões da normalidade.

No Teste do Desenho do Relógio, a média foi de 4,33 (DP=0,81) e mediana igual a 5. Apenas um dos componentes da amostra obteve pontuação inferior ao ponto de corte (igual a 2).

No subteste Dígitos, a média de desempenho foi 13,59 (DP= 3,63) e mediana igual a 13. Em Dígitos Ordem Direta, a média obtida foi de 8,54 (DP= 2,23) e mediana igual a 8. Da amostra total, 12,8% obtiveram pontuação abaixo de 8 pontos. A média no subteste Dígitos Ordem Inversa foi de 5,05 (DP= 1,96) e mediana igual a cinco (5). Do total da amostra, 23,1% obtiveram desempenho abaixo da mediana.

No subteste Procurar Símbolos, a média foi de 19,12 (DP=6,33) e mediana de 19,50. Observou-se uma melhora no desempenho deste subteste em relação ao primeiro momento da oficina, apesar dos escores terem se mantido abaixo da pontuação média da escala (30 pontos).

A nota final obtida na prova de verificação dos conhecimentos adquiridos ao longo da oficina apresentou média de 7,92 (DP= 2,48) e mediana igual a 9,0. Interessante ressaltar que 91,3% dos idosos obtiveram nota acima de 5, enquanto 16,7% alcançaram nota máxima (10 pontos).

Análise bivariada

Para examinar uma possível diferença entre a performance cognitiva antes e depois da oficina realizou-se um Teste t para grupos pareados. A diferença entre as médias no subteste Procurar Símbolos foi estatisticamente significativa (t= 3,939; p= 0,001). Também o desempenho no TDR apresentou diferença significativa entre as médias (t= 3,504; p= 0,001), sendo que melhores desempenhos foram obtidos no momento pós-intervenção.

 

 

Inclusão Digital e aspectos sociais e emocionais

Análise descritiva pré-intervenção

A avaliação do suporte social antes do início da oficina mostrou bom nível de sociabilidade, sendo que 100% da amostra relataram possuir pelo menos sete amigos com quem contar. Quando solicitados a atribuírem uma nota para sua vida, 20,4% dos idosos (n= 10) deram nota inferior ou igual a sete, sendo a média igual a 8,41 (DP=1,31), no início dos trabalhos.

A análise da freqüência de sintomas depressivos, a partir da escala GDS, demonstrou, no início da oficina, média de 3,75 (DP= 2,06) e mediana de 3,0. Adotando o ponto de corte seis, sugerido pela literatura, verificou-se que 17,6% apresentaram sintomas depressivos.

Análise descritiva pós-intervenção

Na avaliação final, não foi observada diferença no percentual de sociabilidade. Na solicitação de uma nota entre 1 a 10 para a própria vida, a média observada foi de 8,54 (DP= 1,19), tendo-se verificado que 11,8% (n= 6) atribuíram valores iguais ou menores que sete. A investigação do humor deprimido apresentou média de 3,87 (DP=1,81). Da amostra total, 9,8% apresentavam sintomas depressivos.

Análise bivariada

Para investigar se houve diferença estatisticamente significativa na freqüência de idosos que modificaram sua percepção em relação à satisfação com a vida (nota para vida) durante a evolução da oficina de Inclusão Digital, realizou-se um teste qui-quadrado. Os resultados apontaram um valor de X2 = 5,654, grau de liberdade igual a 1 e probabilidade associada de 0,017, que permite avaliar a relevância da oficina na percepção de bem-estar pessoal e social. A investigação de associação entre as freqüências de sintomas depressivos pré e pós- intervenção revelaram X2 de 9,657, com 1 grau de liberdade e probabilidade associada de 0,002.

Dessa forma, pode-se concluir que a oficina teve papel importante na presença de sintomas depressivos antes e depois da realização da oficina de inclusão.

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

A constatação de um alto percentual de mulheres na amostra corrobora a literatura especializada no que se refere à feminização da velhice.  Apesar da maioria dos idosos serem jovens (60-69 anos), é interessante observar que 21,6% (n= 11) eram idosos médios, enquanto 5,9% (n= 3) possuíam 80 ou mais anos de idade. Tal fato demonstra o interesse em adquirir novos conhecimentos em fases tardias do curso da vida.

Apesar de não se poder descartar a possibilidade de um viés de aprendizagem por parte dos idosos, já que foram submetidos duas vezes aos mesmos subtestes cognitivos, em curto espaço de tempo (cerca de 4 meses), as associações significativas entre as variáveis cognitivas de função executiva pré e pós-intervenção demonstraram que a oficina teve papel importante nas performances de velocidade de processamento da informação e na capacidade de planejamento de tarefas. Esse ganho é muito importante, pois se sabe que, com um lapso de tempo, o mais esperado seria uma constância ou piora na função cognitiva. Pode-se inferir daí a utilidade do computador e outros aparelhos eletrônicos na estimulação da atividade mental desse grupo etário.

Interessante perceber que a avaliação global pelo MEEM aponta para a preservação cognitiva dos participantes. No entanto, as médias de desempenho em habilidades específicas, como as avaliadas pelo subtestes da escala WAIS-III, escala padrão-ouro de referência em todo o mundo (Viana & Koenig, 2002), ficam abaixo do ponto médio do valor total do subteste. A falta de valores de referência específicos para idosos nessa escala dificulta uma avaliação mais ampla dessas funções. Tal fato aponta para a necessidade de se estabelecer pontos de corte adequados para esses subtestes como forma de se detectar precocemente possíveis comprometimentos cognitivos.

No que se refere aos aspectos sociais e emocionais, os resultados estatisticamente significativos em relação à satisfação com a vida e à presença de sintomas depressivos podem estar relacionados com a participação em alguma atividade intelectual desafiadora e, ao mesmo tempo, ao desenvolvimento de novas relações sociais. Desse modo, iniciativas dessa natureza devem ser incentivadas como tarefas relevantes na manutenção ou melhora de habilidades sociais e emocionais.

O bom desempenho dos idosos na avaliação de verificação de aprendizagem ao final da Oficina de Inclusão Digital demonstrou a capacidade de aprendizagem da linguagem digital e dos recursos computacionais básicos, apesar do tempo reduzido de intervenção. No entanto, as altas médias de escolaridade dos grupos, a maior freqüência de idosos jovens (60 - 69 anos) e residentes na comunidade podem ter se constituído em viés de boa performance.

A grande procura pela oficina de Inclusão Digital, a baixa desistência dos alunos matriculados e aquisição de computadores e celulares pelos alunos, ao longo do curso, variáveis qualitativas observadas durante a realização das oficinas, apontaram para a existência de uma demanda efetiva do público idoso por cursos que os capacitem no domínio básico dessas ferramentas. A possibilidade de freqüentarem um local específico para sua faixa etária talvez tenha propiciado maior liberdade de participação e convívio com seus pares.

A partir dos resultados obtidos, percebe-se a grande importância da captação de mais recursos junto aos órgãos governamentais com o objetivo de incentivar e ampliar programas similares em todo o Brasil. Futuros trabalhos devem reproduzir esse modelo de intervenção em amostras de diferentes faixas etárias e escolaridade.

 

 

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Endereço para correspondência
Eliane Ferreira Carvalho Banhato
Universidade Federal de Juiz de Fora &– Instituto de Ciências Humanas - Departamento de Psicologia  Juiz de Fora (MG)- Brasil
Av. Vasconcelos, 50/1400 - Bairro: Alto dos Passos- Juiz de Fora, MG &– Brasil.
CEP: 36026-480; Telefone: (32) 3232-1628; (32) 9979-0950
E-mail: ebanhato@powerline.com.br

 

 

Trabalho realizado a partir do Projeto “Um Estudo Longitudinal sobre as Implicações da Inclusão Digital no Envelhecimento Saudável em Juiz de Fora” financiado pelo CNPq no período de 2002 a 2004.

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