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Psicologia Hospitalar

versão On-line ISSN 2175-3547

Psicol. hosp. (São Paulo) vol.8 no.1 São Paulo jan. 2010

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Depressão em gestantes cardiopatas e sua influência no vínculo materno-fetal

 

Depression on pregnant woman with heart disease and it's influence on maternal-fetal bonding

 

 

Fabiola Luciana de Paula FurlanI, II,1; Gláucia Rosana Guerra BenuteI, II,2; Roseli Yamamoto Mieko NomuraII,3; Renério FráguasIII,4; Mara Cristina Souza de LuciaI,5; Marcelo ZugaibII,6

IDivisão de Psicologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIDivisão de Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
IIIFaculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

 

 


RESUMO

Objetivo: Avaliar a presença ou não de depressão em gestantes cardiopatas; avaliar o vínculo materno-fetal existente entre gestantes cardiopatas e verificar se o vínculo materno-fetal pode ser fator de risco para depressão. Método: foram entrevistadas 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 de ambulatório e 10 internadas na enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica - HCFM USP, através da aplicação de entrevista semi-dirigida e Prime-MD. Resultados: 75% do total das pacientes entrevistadas relataram aspectos positivos em relação aos sentimentos associados ao momento em que o bebê se mexe, o que provavelmente demonstra um bom vínculo mãe-bebê. Com relação ao diagnóstico de depressão, a avaliação do Prime-MD mostrou que 90% das mulheres não apresentaram sintomas suficientes para caracterizar a doença. Conclusão: Não foi diagnosticada depressão entre as gestantes cardiopatas, o que possivelmente se relacione ao desenvolvimento de um bom vínculo mãe-bebê. Desta forma, conclui-se que o vínculo afetivo mãe-bebê pode estar associado à depressão.

Palavras-chave: Gestação; Cardiopatia; Depressão; Vínculo materno-fetal.


ABSTRACT

Objective: To evaluate the presence or not of depression, the existent of maternal-fetal bond and to verify if the maternal-fetal bond can be a risk factor for depression in pregnant women with heart disease. Method: We interviewed 20 pregnant women with heart disease, being 10 of clinic and 10 hospitalized in the nursery of the Obstetric Clinic Division - HCFMUSP, through the application of semi-driven interview and Prime-MD. Results: 75% of the patients interviewed reported positive aspects in relation to the feelings associated to the moment that the baby moves, what probably demonstrates a good mother-baby bond. Regarding the depression diagnosis, the evaluation of Prime-MD showed that 90% of the women didn't present enough symptoms to characterize the disease. Conclusion: Depression was not diagnosed among the pregnant woman with heart disease, what possibly links to a good mother-baby bond's development. This way, it was concluded that the affection bond between mother and can be associated to the depression.

Keywords: Cardiac disease; Depression; Pregnancy; Maternal-fetal bond.


 

 

I. INTRODUÇÃO

A gestação é tradicionalmente considerada como momento em que a mulher desfruta de bem estar emocional e baixo risco para doenças psiquiátricas (Nonacs, Cohen, 2002). No entanto, dados atuais demonstram a existência de evidências para afirmar que a gravidez não protege as pacientes da doença mental. Segundo Ryan, Mileis e Misri, (2005), as taxas de depressão durante a gravidez estão acima de 20% e mostram que a depressão pós-parto pode ser a continuação de uma doença com começo durante a gestação. Para Botega e Dias, (2006), até 70% das pacientes apresentam sintomas depressivos durante a gestação, sendo que 10 a 16% dessas acabam realmente desenvolvendo a doença. Nonacs e Cohen, (2002), também concordam que cerca de 10% das mulheres sofrem significativamente de sintomas depressivos durante a gestação.

Enquanto as formas mais graves da doença afetiva podem facilmente ser diagnosticada, o início da depressão durante a gravidez acaba sendo muitas vezes negligenciado devido à sobreposição de sintomas gestacionais com depressivos. Ê comum sentimento de fadiga, alterações do sono, de peso e da libido, tanto na depressão quanto na gestação. Ressalta-se que diagnóstico de depressão durante a gestação também fica prejudicado por não haver ferramentas específicas para realizar essa avaliação. Há grande número de pesquisas e escalas que avaliam a depressão no período pós-natal, porém, somente nos últimos quatro anos iniciaram-se estudos a respeito da depressão durante a gestação (Ryan, et al, 2005).

Não há definição precisa de como a depressão afeta os mecanismos fisiológicos, mas já se sabe que o desenvolvimento fetal pode ser alterado quando a doença não é tratada. A mãe acaba apresentando uma função diminuída do ego e baixa tendência ao tratamento pré-natal. Freqüentemente a mulher com depressão apresenta diminuição do apetite e conseqüentemente o ganho de peso materno fica abaixo do esperado, acarretando, entre outras coisas, baixo peso fetal ao nascimento e baixos índices de Apgar. Esses fatores foram associados a resultados negativos com a gravidez (Nonacs, Cohen, 2002).

Além do enfoque da depressão, outros fatores também devem ser levados em conta durante o período gestacional, como por exemplo, as doenças orgânicas associadas, o que muitas vezes acarretam uma gestação de alto risco. A gestação é, por si só, um momento delicado em que a mulher fica exposta a alterações biológicas, fisiológicas e psicológicas (Kaplan, 2003), e, por isso, os cuidados se tornam tão importantes. Quando a gestante tem uma doença orgânica e/ou sistêmica prévia, as alterações fisiológicas da gravidez podem exacerbar, muitas vezes, o quadro clínico prévio, tornando necessário um acompanhamento pré-natal especializado para maior atenção tanto à mãe quanto ao feto. Nesses casos, muitas vezes são necessárias internações durante a gestação e consultas de pré-natal mais freqüentes que o habitual - para que haja melhor monitoramento da doença e avaliação do bem estar mãe-bebê - ocasionando, muitas vezes, apreensão e insegurança ainda maiores nessas pacientes (Oliveira, Ismael, 2001).

Dentre as doenças que causam a gestação de alto risco, as cardiopatias são as que mais levam a morte materna (Bhatla, Behera, Kriplani, Mittal, Agarwal, Talwar, 2003). Muitas vezes, o diagnóstico de cardiopatia é feito durante a gestação, o que pode se tornar difícil, uma vez que sintomas depressivos se sobrepõem. Fadiga, dispnéia, astenia, síncope e palpitações, também podem estar presentes em uma gestação normal. Edema de membros inferiores e estase jugular podem estar presentes durante a gravidez, secundários ao aumento da volemia. A grávida cardiopata, conseqüentemente, tem maior suscetibilidade a arritmias, sintoma que aumenta durante o trabalho de parto (Coelho, Cirillo e Almeida, 2006).

Diante de tantas alterações hemodinâmicas, é esperado encontrar certa instabilidade emocional nessas pacientes. As principais características psicológicas são as preocupações com alterações orgânicas, medo do coração não agüentar o trabalho de parto e morrer, além da apreensão com o desenvolvimento do bebê e possível risco deste também apresentar a cardiopatia (Oliveira, Ismael, 2001).

Frente aos achados, o objetivo desse trabalho é verificar se ocorre uma ligação entre a depressão e o período gestacional, e qual sua influência para o vínculo mãe - bebê.

 

II. OBJETIVOS

1. Objetivo Geral
- Identificar transtornos depressivos em gestantes cardiopatas

2. Objetivos Específicos
- Avaliar a presença ou não de depressão entre gestantes cardiopatas;
- Avaliar o vínculo materno-fetal existente entre gestantes cardiopatas;
- Verificar se o vínculo materno-fetal pode ser fator de risco para depressão.

 

III. MÊTODO

Este estudo faz parte de um projeto maior denominado "Morbidade depressiva em gestantes de alto risco" desenvolvido pela Divisão de Psicologia do Instituto Central do Hospital das Clínicas-FMUSP, com 720 sujeitos. Trata-se de um estudo prospectivo que foi desenvolvido na Divisão de Clínica Obstétrica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

1 Sujeitos

Foram convidadas a participar desse estudo 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 mulheres que se encontravam no ambulatório aguardando para a consulta do pré-natal e 10 gestantes internadas na Enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica do ICHCFMUSP. Critérios de exclusão - Foram excluídos as pacientes que apresentavam diagnóstico de anomalia fetal e óbito fetal.

2 Instrumentos

Para este estudo foram utilizados os seguintes instrumentos:

- Entrevista semi-dirigida

A entrevista semi-dirigida com protocolo previamente elaborado permite certa liberdade para que o sujeito exponha suas questões (Ocampo,1984). O pesquisador pode interromper para fazer perguntas que esclareçam lacunas e que orientem o assunto para uma ou outra direção. Para este estudo, as questões foram respectivas à: crença de que a situação financeira poderia ser um fator importante para o estabelecimento do vínculo entre mãe e bebê; se essa gravidez foi planejada; quais as sensações quando soube que estava grávida; se atualmente a paciente apresenta medos ou preocupações relacionados a gestação; se já sente o bebê mexer, o que acha desta sensação e como imagina que será seu filho.

- PRIME-MD

PRIME-MD proporciona reconhecimento rápido e acurado dos diagnósticos de transtornos mentais. Ê composto por 05 módulos (transtornos de humor, transtornos ansiosos, transtornos alimentares, transtornos somatoformes e abuso de álcool ou transtornos de dependência) que podem ser utilizados todos os módulos ou escolher o módulo de particular interesse. Para este estudo interessa utilizar o Guia de Avaliação Clínica, módulo para avaliar transtornos de humor. O Prime-MD foi traduzido para o português por Fráguas Junior e Henriques Junior, retraduzido para o inglês e sua revisão foi realizada pelo autor do Prime-MD, Dr. Spitzer. O Prime-MD demonstrou boa acurácia (sensibilidade e especificidade) para os grupos diagnósticos maiores quando aplicado por médicos de serviços de atenção primária.

3 Procedimentos

Foram convidadas a participar deste estudo 20 gestantes, sendo 10 que estavam em acompanhamento pré-natal no ambulatório e 10 internadas na Enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica do HCFMUSP.

Inicialmente foi lido o termo de consentimento livre. Ao consentir a participação no estudo foi realizada, individualmente, uma entrevista semi-dirigida, com um roteiro de questões, para norteá-la. Em seguida foi aplicado o inventário de sintomatologia depressiva versão para auto-avaliação e versão de avaliação clínica. Posteriormente será realizado o Prime-MD módulo para transtorno do humor, com intuito de rastrear depressão maior.

No Prime-MD, Guia de avaliação clínica, o pesquisador anotou em campo específico para tal fim, às respostas do paciente utilizando-se do critério etiológico do critério inclusivo.

Foram computados os números relativos a recusas na participação deste estudo. Estimou-se em aproximadamente 1 hora e 30 minutos, o tempo despendido para a realização do protocolo. O serviço de Psicologia foi colocado à disposição de todas as pacientes, se verificado a demanda de atendimento. Esses atendimentos foram realizados pelas psicólogas que atuam na Divisão de Clínica Obstétrica e não fizeram parte deste estudo.

4 Análise dos Dados

Trata-se de uma pesquisa qualitativa e quantitativa. A entrevista semi-dirigida foi analisada com a técnica de Análise de Conteúdo. Trata-se de uma avaliação qualitativa que pressupõe a análise quantitativa dos resultados, possibilitando interpretar a comunicação de forma objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto nas entrevistas. Ê um instrumento que visa descrever, interpretar e compreender os dados.

Essa técnica permite acessar os significados atribuídos aos sentimentos mais intensos e profundos vivenciados em dada situação. Revela o modo do indivíduo ser e agir, possibilitando reflexão acerca dos eventos e de seus significados. A experiência é apresentada da forma como o indivíduo a percebeu. Essa técnica amplia a liberdade de expressão e cabe ao narrador escolher o que contar sobre sua vivência, atribuindo seus próprios significados. A unidade de análise é o discurso, o relato. O Prime-MD foi avaliado conforme proposta dos autores.

 

IV. RESULTADOS

Esta sessão foi dividida em caracterização dos sujeitos, resultados da entrevista, resultado do Prime-MD e resultado de e planejamento da gestação, para facilitar a compreensão dos dados.

1 Caracterização dos sujeitos:

A tabela 1 apresenta os resultados das características gerais das pacientes entrevistadas. Dentre esses estão, idade materna, estado civil, escolaridade, número de filhos e se a gestante exercia atividade remunerada.

Tabela 1 - Distribuição dos dados de acordo com a idade, estado civil, escolaridade, número de filhos e trabalho em 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 de ambulatório e 10 internadas na enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica - HCFMUSP - 2006.

 

 

2 Resultados da entrevista:

Foi indagado sobre a crença de que a situação financeira poderia ser um fator importante para o estabelecimento do vínculo entre mãe e bebê. O gráfico 1 apresenta os resultados.

 

 

Gráfico 1 - Distribuição dos casos de acordo com a crença a respeito da influência da situação financeira no vínculo mãe-bebê entre 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 mulheres do ambulatório e 10 mulheres internadas na enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica - HCFMUSP - 2006.

Questionadas quanto ao planejamento da gestação, o gráfico 2 apresenta os resultados das gestantes do ambulatório e das gestantes internadas na enfermaria. Para a avaliação dos resultados positivos foram consideradas as respostas em que as gestantes relatavam que a gravidez havia sido planejada por ela ou pelo casal. Para os resultados negativos foram analisadas as respostas em que nenhum dos dois havia planejado a gestação.

 

 

Gráfico 2 - Distribuição dos casos de acordo com o planejamento da gestação entre 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 mulheres do ambulatório e 10 mulheres internadas na enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica - HCFMUSP - 2006.

Com relação aos sentimentos no momento em que souberam da gravidez, tem-se que 35% das gestantes da amostra total afirmaram ter vivenciado sentimentos positivos, conforme dados da tabela 2.

Tabela 2 - Distribuição dos casos de acordo com os sentimentos despertados ao saber da gravidez em 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 de ambulatório e 10 internadas na enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica - HCFMUSP - 2006.

 

 

A categoria sentimentos positivos foi determinada a partir das respostas: me senti a pessoa mais feliz do mundo; muito feliz.

Denominaram-se por sentimentos negativos respostas: fiquei apavorada, não podia ter filhos; perdida. Por sentimentos ambivalentes foram incluídas respostas: medo e feliz; nervosa e feliz; não sabia se chorava, ficava feliz ou pensava agora não.

Denominou-se por evasiva as respostas que não correspondiam à pergunta formulada: não me arrependo dos meus filhos. Se puder terei cinco filhos, adoro criança.

Foram avaliados os medos e preocupações relacionadas à gestação. Observou-se que houve concordância entre as pacientes do ambulatório e da enfermaria quanto ao medo de morrer. A tabela 3 apresenta os resultados.

Tabela 3 - Apresentação dos resultados relativos aos medos e preocupações relacionados com a gestação em 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 do ambulatório e 10 internadas na enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica - HCFMUSP - 2006.

 

 

Determinou-se por morrer as respostas: medo de morrer e deixar meu filho; medo de morrer por causa do coração. A categoria bebê morrer foi estabelecida a partir das respostas: muito medo se o bebê vai vir bem com os remédios que eu tomo. Bebê cardiopata foi a denominação referente às respostas: medo de o bebê nascer com o problema igual ao meu. As respostas: medo de sair algo errado na hora do parto; fico preocupada com o parto; entraram na categoria parto. As gestantes que não apresentavam preocupações ou medo relacionados à gestação foram agrupadas no item sem preocupação.

Por evasiva denominaram-se as respostas que não correspondiam à pergunta formulada: sim, está chegando perto, estou ansiosa para o que pode acontecer, melhor ou pior; sim, é de risco. As gestantes que responderam estar preocupadas com os riscos referentes á própria saúde categorizou-se por saúde própria: medo de alterar alguma coisa do meu coração, da minha saúde. Foram avaliados os sentimentos despertados ao sentir o bebê mexer. A tabela 4 mostra que enquanto 40% das gestantes entrevistadas na enfermaria apresentaram sentimentos ambivalentes, 90% das entrevistadas no ambulatório vivenciaram sentimentos positivos.

Tabela 4 - Apresentação dos resultados relativos aos sentimentos associados ao momento em que o bebê se mexe em 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 do ambulatório e 10 internadas na enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica - HCFMUSP - 2006.

 

 

Por aspectos positivos caracterizaram-se as respostas: muito gostoso; eu adoro.

As respostas que continham sentimentos positivos e negativos ao mesmo tempo denominaram-se por aspectos ambivalentes: as vezes incomoda, mas é bom; muito bom apesar de dar uma dorzinha.

A tabela 5 mostra os resultados que avaliaram como as pacientes imaginavam seus bebês. Observou-se que 55% do total imaginavam seus bebês a partir de características físicas.

Tabela 5 - Os resultados mostram as características atribuídas aos bebês em 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 do ambulatório e 10 internadas na enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica - HCFMUSP - 2006.

 

 

A categoria características físicas foi determinada para as respostas: moreninho; bonitinha e saudável.

Denominaram-se por características emocionais as respostas: agitada, bem danada, bem esperta.

O item características físicas e emocionais foi determinado a partir da resposta: branquinha azeda.

3 Resultado do Prime- MD

O gráfico 3 apresenta os resultados do Prime-MD, com intuito de avaliar a presença de depressão maior, a partir dos critérios etiológico e inclusivo.

 

 

Gráfico 3 - Distribuição dos casos de acordo com a presença ou ausência de depressão a partir dos critérios etiológico e inclusivo entre 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 de ambulatório e 10 internadas na enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica - HCFMUSP - 2006.

4 Resultado de depressão e planejamento da gestação

A tabela 6 mostra os resultados do cruzamento dos dados de presença e ausência de depressão, com os de planejamento da gestação. Percebeu-se que 60% das pacientes do ambulatório a da enfermaria não apresentaram depressão mesmo diante de uma gravidez não planejada.

Tabela 6 - Distribuição dos dados de acordo com o cruzamento dos resultados de depressão com os de planejamento da gestação, em 20 gestantes cardiopatas, sendo 10 de ambulatório e 10 internadas na enfermaria da Divisão de Clínica Obstétrica - HCFMUSP - 2006.

 

 

V. DISCUSSÃO

A maior parte das cardiopatias faz com que os pacientes tenham que conviver com o tratamento de uma doença crônica, que contribuem para minimizar os sintomas e as crises, porém não acabam por completo com a doença (Romano, 2001). Quando a doença crônica, no caso a cardiopatia, se associa à gestação, é preciso olhar com mais cuidado para alguns fatores.

O percurso que a paciente segue da descoberta da cardiopatia até a adequação e adaptação ao tratamento, muitas vezes da infância até o final da adolescência, pode ser o fator que levou a maioria das pacientes entrevistadas terem a média de idade acima dos vinte e seis anos e estarem na primeira gestação. Provavelmente outro fator associado a cronicidade da doença cardíaca, foi o fato da grande maioria das pacientes não exercerem atividade remunerada. Muitas vezes, a necessidade de internações constantes para tratamento e estabilização do quadro cardíaco, obriga essas pacientes a se afastarem do trabalho ou adiar cada vez mais os planos de começar a se dedicar a isso (Romano, 2001).

Pôde-se perceber, que apesar da maioria das pacientes não exercerem uma atividade remunerada, apenas uma pequena parcela das entrevistadas achavam que a situação financeira não influenciava no vínculo mãe-bebê. Todas as outras relatavam que com uma condição financeira mais estável a mãe consegue ter maior tranqüilidade para oferecer cuidados e até mesmo mais carinho ao filho. Segundo Winnicott (1944), para uma mãe ser "suficientemente boa", ela deve cumprir satisfatoriamente com algumas condições, dentre elas, ser provedora das necessidades básicas do filho - alimentos, agasalhos, calor e amor. A maternidade é uma experiência muito singular e única na vida de cada mulher. Além das mudanças físicas, hormonais e emocionais, esse período é cercado de grandes desafios, segredos e incertezas.

Pode-se pensar que o significado do desejo de ter um filho não pertence apenas às razões conscientes. Muitas vezes, a afirmação de se desejar um filho, mesmo que verdadeira, pode não se concretizar por significar uma proibição. Ou então, em outros casos, fazendo tudo para evitar a gravidez acaba-se gerando um bebê (Caron, 2000). Isso quer dizer que a gestação, mesmo que não desejada, pode ter um significado, na maioria das vezes inconsciente, na vida dessa mulher. A fecundação acaba por ser uma somatização dos desejos inconscientes (Chatel, 1995).

De acordo com a teoria psicanalítica, pode-se entender a gravidez não planejada como um sintoma, isto é, a manifestação no corpo de algo que não se consegue assumir conscientemente. Segundo Freud (1926), "Sintoma é um sinal e um substituto de uma satisfação instintual que permaneceu em estado jacente; é uma conseqüência do processo de repressão". Sendo assim, pensou-se que é possível que nestas mulheres o desejo de serem mães estava sendo reprimido pelo medo de se associar uma gestação à cardiopatia.

Diante de um fator de risco pré-existente à gestação, pode-se perceber que cada mulher irá atribuir um significado emocional diferente à gravidez. Pensou-se que aquelas que atribuíram sentimentos positivos ao saber da gravidez possivelmente tenham associado à gestação a uma nova chance de vida, um recomeçar a viver, como se representasse à derrota da doença (Wolreich, 1986). No entanto, aquelas que associaram a notícia a sentimentos negativos provavelmente apresentavam medo em relação à própria saúde, além de sentimentos de ansiedade e culpa pela possibilidade de transmitir a cardiopatia ao feto, ou, que seus medicamentos pudessem atingir de alguma forma seu filho (Tedesco, 1997).

Observou-se que as preocupações da maioria das mulheres estão relacionadas com o medo de morrer e do parto, ambos por complicações ligadas à cardiopatia. O aumento do volume sanguíneo, débito cardíaco, arritmias, dentre outras alterações hemodinâmicas normais no final da gravidez e no momento do parto, podem agravar o quadro de uma gestante cardiopata (Coelho, Cirillo, Almeida, 2006). Esses dados reais chamaram a atenção para que se pensasse o que levaria essas mulheres à não planejar e se submeter a uma gestação diante de tantos riscos para ela e para o bebê. Talvez, para elas o bebê signifique um renascimento, isto é, através da vida que estão gerando elas tentam "driblar" a morte para dar início a uma nova vida. Provavelmente, elas queiram também com a gestação, minimizar as diferenças com relação às outras mulheres, sentidas até então de forma acentuada pelas limitações da doença cardíaca. Analisou-se também, que todas as pacientes entrevistadas no ambulatório apresentavam algum tipo de preocupação relacionada com a gestação, enquanto na enfermaria, um número considerável de mulheres relatou que depois da internação estavam tranqüilas, pois sabiam que estavam sendo assistidas em tempo integral.

Ao verificar os dados relativos aos sentimentos associados ao momento em que o bebê se mexe, percebeu-se que a maioria das pacientes apresentou sentimentos positivos, e que os sentimentos ambivalentes demonstrados também poderiam ser traduzidos como positivos, visto que, elas relatavam sensações reais de incômodo e dor, associados aos sentimentos bons. Com isso, percebeu-se que essas mulheres desenvolveram vínculo com seus bebês, o que possivelmente, mais uma vez, revele um desejo inconsciente de serem mães, uma vez que conscientemente essa decisão pudesse não ser tomada por levar em conta todas as dificuldades que seriam enfrentadas diante da cardiopatia.

Os sentimentos ambivalentes que permeiam esse período faz com que a mulher utilize mecanismos de negação, projeção e fantasias de um filho bonito e bom, que só trará felicidade, se permitindo assim, levar a gestação a diante. Os resultados mostraram que a maioria das mães atribuiu características físicas aos seus bebês de uma forma positiva - bonitinha; lindo e perfeito; olhinho azul ou verde, bonitinha - o que pareceu ser o que chama-se na psicanálise de tendência reparatória da imagem materna, aliviando inconscientemente possíveis sentimentos de culpa (Safer, 1980). Diante dos reais riscos que vão surgindo ao longo da gestação, possivelmente essas mulheres comecem a se questionar se deveriam realmente ter engravidado. Idealizar que seus filhos são bons, bonitos e perfeitos, podem dar a elas sensação de vitória.

A avaliação da depressão através da correção do Prime - MD, mostrou que o número de depressão foi menor no critério inclusivo, confirmando assim a afirmação de outros autores - Nonacs e Cohen, (2000) e Mileis e Misri, (2005) - de que se torna difícil a avaliação da depressão no período gestacional pela sobreposição dos sintomas.

Chamou a atenção verificar que os resultados confirmaram a ausência de depressão, mesmo se deparando com uma gravidez não planejada. Com isso, pode-se supor que realmente essas pacientes tinham um desejo velado de serem mães. Essa hipótese poderia ser confirmada com base no vínculo estabelecido com seus bebês, e pelo fato de que essas mulheres colocaram em risco suas próprias vidas, mesmo que inconscientemente, para gerar uma "nova vida". Esse termo, possivelmente esteja relacionado não só com a vida que se está gerando no ventre, mas também um renascer dessas mães como pessoa, provando para elas mesmas e para os outros, que mesmo sendo diferente da maioria das outras mulheres, pela cardiopatia e suas limitações, elas podem fazer tudo como qualquer outra.

 

VI. CONCLUSÃO

Não foi diagnosticada depressão entre as gestantes cardiopatas, o que possivelmente se relacione ao desenvolvimento de bom vínculo mãe-bebê. Desta forma, conclui-se que o vínculo afetivo mãe-bebê pode estar associado à depressão.

 

VII. REFERÊNCIAS

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1Especializanda do curso de Psicologia Hospitalar em Hospital Geral (2006), Divisão de Psicologia do ICHC/FMUSP e Divisão de Clínica Obstétrica do HCFMUSP, São Paulo, Brasil.
2Psicóloga da DIP/ICHC-FMUSP, doutora pela FMUSP, com atividades desenvolvidas na Divisão de Clínica Obstétrica do HCFMUSP, orientadora da monografia, São Paulo, Brasil.
3Livre docente, médica assistente da DCOHC/FMUSP, São Paulo, Brasil.
4Psiquiatra chefe do serviço de interconsulta do IPQHC/FMUSP, São Paulo, Brasil.
5Diretora da divisão de psicologia do ICHC/FMUSP. Supervisora do Programa de Aprimoramento em Psicologia Hospitalar - Hospital Geral, São Paulo, Brasil.
6Professor Titular da Divisão de Clínica Obstétrica do HCFMUSP, São Paulo, Brasil.