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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof v.5 n.2 São Paulo dez. 2004
ARTIGOS
Relações entre estilos cognitivos e interesses vocacionais
Relationships between cognitive styles and vocational interests
Relaciones entre estilos cognitivos e intereses vocacionales
Mauro de Oliveira MagalhãesI 1 *; Verônica MartinuzziII **; Marco Antônio P. TeixeiraII ***
I Universidade Luterana do Brasil, Canoas
II Universidade Federal de Santa Maria, Santa Maria
RESUMO
Esta pesquisa investigou relações entre a teoria das personalidades vocacionais de J. Holland e a teoria da independência de campo de H. Witkin. Um teste de independência de campo e uma escala de interesses vocacionais foram aplicados a 186 estudantes (116 mulheres e 70 homens), com idades entre 16 e 18 anos. Os resultados mostraram diferenças entre os tipos de personalidade de Holland de acordo com a teoria da independência de campo. Sujeitos predominantemente investigativos obtiveram escores mais elevados em independência de campo do que os tipos artístico, social e convencional. Análises complementares indicaram que o grupo de sujeitos: realistas, investigativos e artísticos, obtiveram escores de independência de campo superiores ao do grupo de sujeitos sociais, empreendedores e convencionais. Estes resultados estão de acordo com a literatura, mostrando que as pessoas mais independentes de campo tendem a se interessar por áreas profissionais que exigem competências analíticas com ênfase no abstrato e no teórico, e baixo envolvimento interpessoal. Novas pesquisas fazem-se necessárias para replicar e expandir estes resultados.
Palavras-chave: Interesses vocacionais, Estilos cognitivos, Independência de campo.
ABSTRACT
This research investigated relationships between the theory of vocational personalities of J. Holland and the theory of field independence of H. Witkin. An instrument used to assess field independence and a scale of vocational interests were applied to 186 students (116 women and 70 men), with ages ranging from 16 to 18 years. Results showed differences between the Holland types according to the field independence theory. Predominantly investigative subjects showed higher scores in field independence than the artistic, social and conventional types. Additional analysis indicated that the group composed of realistic, investigative and artistic types exhibited higher scores in field independence as compared to the group composed of social, enterprising and conventional types. These results are in accordance with the literature, and show that more field independent people tend to be more interested in professional fields which require analytical competence with emphasis on abstract and theoretical aspects, and low interpersonal involvement. More researches are necessary to replicate and expand those findings.
Keywords: Vocational interests, Cognitive styles, Field independence.
RESUMEN
Esta investigación estudió las relaciones entre la teoría de las personalidades vocacionales de J. Holland y la teoría de independencia de campo de H. Witkin. Un instrumento de evaluación de independencia de campo y una escala de intereses vocacionales fueron aplicados a 186 estudiantes (116 mujeres y 70 hombres), entre 16 y 18 años. Los resultados mostraron diferencias entre los tipos de Holland de acuerdo con la teoría de independencia de campo. Sujetos predominantemente investigativos obtuvieron escores más elevados que los de tipo artístico, social y convencional. Análisis complementarios mostraron que sujetos realistas, investigativos e artísticos lograron escores más altos en independencia de campo que los sujetos clasificados como sociales, emprendedores o convencionales. Estos resultados están de acuerdo con la literatura y muestran que las personas más independientes de campo tienden a interesarse por áreas profesionales que exigen competencias analíticas con énfasis en lo abstracto y en lo teórico, y bajo envolvimiento interpersonal. Nuevas pesquisas son necesarias para replicar y expandir estos resultados.
Palabras clave: Intereses vocacionales, Estilos cognitivos, Independencia de campo.
Os estilos cognitivos são variáveis importantes na identificação de diferenças individuais (Messick, 1994; Endler, 2000). Especificamente, a dimensão estilística dependência-independência de campo tem sido associada a diversos aspectos da personalidade, tais como o uso de determinados tipos de mecanismos de defesa, comportamentos sociais, preferências por determinadas atividades e ambientes, entre outros (Witkin & Goodenough, 1985; Endler, 2000). Por outro lado, a tipologia dos interesses vocacionais de Holland (1997) tem demonstrado sua consistência e comprovação empírica através dos anos (Gottfredson, Jones & Holland, 1995). Holland (1997) considerou que os inventários de interesse são na realidade inventários de personalidade, e que indivíduos que possuem interesses vocacionais comuns apresentam similaridades importantes em suas personalidades. Nesta pesquisa, foram investigadas as relações entre estes dois modelos de diferenças individuais.
A teoria da escolha ocupacional de Holland
Holland (1997) propôs o conceito de personalidade vocacional para designar o que considera a variável mais importante para entendermos a escolha vocacional de um indivíduo. Essa personalidade vocacional se desenvolve como o produto da hereditariedade do sujeito, em interação com o ambiente em que vive e suas experiências singulares de reforçamento. Essa combinação de eventos resulta num estilo particular de lidar com as situações da vida, sendo que o sujeito procura exprimir esse estilo no meio físico e social que lhe é conveniente. Holland (1997) postula que as pessoas e os ambientes de nossa cultura podem ser caracterizados de acordo com seis tipos pessoais e ambientais, a saber: o realista (R), o investigativo (I), o artístico (A), o social (S), o empreendedor (E) e o convencional (C). As pessoas buscam ambientes e profissões adequados à expressão de sua personalidade vocacional. Os indivíduos expressam uma ordem de preferência pelos seis tipos de ambiente, e deste modo apresentam um perfil tipológico particular.
Holland (1997) afirma que sua teoria refere-se à explicação de como as pessoas fazem suas escolhas ocupacionais, o que as leva a mudar de trabalho e quais fatores pessoais e ambientais são mais importantes para a satisfação e realização profissional. De acordo com o modelo, a congruência entre o tipo pessoal e o ambiental irá influenciar a estabilidade, o sucesso e perseverança na escolha vocacional. Portanto, os seguintes conceitos são fundamentais em sua teoria:
a) A escolha de uma profissão é uma expressão da personalidade.
b) Os inventários de interesses são inventários de personalidade.
c) Os estereótipos profissionais têm significados pessoais e sociais importantes, servindo como guias para tomadas de decisão relacionadas à carreira.
d) Os membros de uma profissão têm personalidades similares e possivelmente histórias similares de desenvolvimento pessoal.
e) As pessoas de um grupo profissional respondem de modo similar a muitas situações e problemas e criam ambientes interpessoais característicos.
f) A satisfação, a estabilidade e a realização profissional dependem da congruência entre a personalidade do indivíduo e o ambiente físico e social no qual trabalha.
Os seis tipos de personalidades vocacionais postulados por Holland (1997) são brevemente descritos a seguir. Note-se que as descrições apresentadas tratam de tipos extremos; na verdade, cada indivíduo possui características de todos os seis tipos em maior ou menor grau, ainda que os atributos de um dado tipo possam predominar. A caracterização tipológica de um sujeito particular, portanto, não exige que ele apresente todos os traços usados para descrever o tipo extremo ou ideal.
a) O tipo realista (R): características de pouca sociabilidade e baixa desenvoltura interpessoal, com tendência a deter-se nos aspectos práticos das situações, utilizando coordenação manual e destreza física. Portanto, está mais interessado em resolver problemas concretos que abstratos. Concentra-se mais no todo do que nas partes, busca uma visão ampla e simples dos fenômenos. Aprecia a objetividade de ações e decisões. Elege metas, valores e atividades que implicam manipulação objetiva. Em geral evita sobressair-se no ambiente.
b) O tipo investigador (I): concentrado em seu trabalho, introvertido e sentindo-se pouco à vontade com emoções mais intensas, ele tende a ser reflexivo, ponderado e comedido em suas ações; com extrema curiosidade procura conhecer todos os detalhes dos problemas. Aprecia tarefas que lhe possibilitam liberdade de pensar e agir, ou seja, não estruturadas e não rotineiras. Independente com relação a vínculos grupais, preocupa-se mais consigo mesmo. Aprecia situações que trazem desafios à sua capacidade de pensar e refletir, sem exigências de destrezas físicas. Busca a compreensão dos fenômenos por meio da observação, do estudo metódico e rigoroso, embora evite tarefas repetitivas. Prefere tarefas teóricas com pouco contato com as demais pessoas.
c) O tipo artístico (A): caracteriza-se por apreciar condições e oportunidades para expressar suas idéias e sentimentos. Utiliza-se da intuição e da criatividade para conciliar os diversos aspectos da realidade e conseguir um entendimento das situações. É sensível e emotivo, sendo capaz de perceber as reações das pessoas pela compreensão empática. Embora tenda a apreciar o contato com os demais, pode também apresentar características de introversão. Utiliza seus sentimentos, emoções, intuição e imaginação para resolver dificuldades. Com independência, confia nas suas capacidades para obter suas conquistas.
d) O tipo social (S): mostra-se como alguém sociável e interessado nas demais pessoas. Manifesta sensibilidade e responsabilidade na procura de auxiliar, orientar, tratar e resolver as dificuldades dos outros. Gosta de sentir-se aceito e respeitado em suas atividades. Deseja chamar a atenção para si pelo seu jeito expansivo e com desenvoltura verbal. Lida com as situações por meio de sentimentos e mediação interpessoal. Demonstra habilidade e interesse por interações sociais, a fim de auxiliar as pessoas, valorizando aspectos educacionais e terapêuticos na solução de problemas sociais.
e) O tipo empreendedor (E): uma pessoa decidida, interessada em dar resolução às dificuldades por meio de suas próprias capacidades. Neste processo, age com liderança e convicção, buscando persuadir os demais com suas idéias, a fim de alcançar seus objetivos. Extrovertido, inclina-se por situações novas e desafiadoras de cunho social, em que quer assumir a responsabilidade pelo empreendimento e a autoria de suas vitórias. Com destreza no trato com os demais, é hábil em resolver problemas que não envolvam reflexão intelectual. É ambicioso e otimista. Valoriza o sucesso na política, na liderança e nos negócios.
f) O tipo convencional (C): é um tipo consciencioso, aplicado, observante de regras, interessa-se por atividades que exijam precisão, organização e planejamento. Evita tarefas que não sejam bem definidas, pouco sistemáticas e de última hora. Apresenta capacidade de organizar e administrar diversas situações com prudência e cautela. Em atividades rotineiras pode expressar-se com desenvoltura em questões práticas e de relações interpessoais. Preocupa- se com reconhecimento, posição social e ganho material, valorizando o sucesso nos negócios.
Estilos cognitivos
A origem dos estilos cognitivos remonta ao trabalho pioneiro de Hermann A. Witkin iniciado no fim da década de 1940, quando ele investigou o modo como as pessoas percebem a dimensão vertical (Witkin & Goodenough, 1985). As pesquisas de Witkin levaram ao desenvolvimento de duas tarefas de laboratório, Rod and Frame Test e Body Adjustment Test, seguidos de um teste de administração individual chamado Teste de Figuras Mascaradas.
H. A. Witkin e seus colaboradores encontraram alta consistência no desempenho de seus sujeitos por meio das três tarefas. Foi constatado que a percepção de alguns indivíduos da dimensão vertical era bastante influenciada pelo campo visual externo, enquanto outros percebiam a verticalidade de modo independente do campo externo. Essa diferença também se revelou na capacidade dos indivíduos para descobrir figuras simples inseridas em outras mais complexas. Enquanto alguns apresentavam dificuldade para discriminar a figura “mascarada”, outros a encontravam imediatamente. Estes últimos foram denominados independentes de campo, por sua habilidade em analisar e restruturar o campo visual sem se deixarem influenciar pela estruturação oferecida pelo experimentador. E os anteriores foram denominados dependentes de campo, por sua tendência a experienciar o campo perceptivo de maneira global ou fusionada, e a se deixar influenciar pela configuração de estímulos que lhes é apresentada. Assim, a dependência ou independência de campo são, em primeiro lugar, estilos perceptivos. Por outro lado, esses estilos também se manifestaram quando se tratava de restruturar ou organizar representações simbólicas na forma de pensar e na resolução de problemas (Witkin & Goodenough, 1985).
Os indivíduos caracterizados pela dependência de campo encontram dificuldades ao tratar de problemas cuja solução implica em separar algum elemento do contexto no qual se apresenta, e em restruturar os dados de forma tal que o citado elemento apareça utilizado num contexto diferente. Ambos estilos se diferenciam também na aptidão para impor estrutura ao material simples e ambíguo (não estruturado) e também a um material complexo do tipo verbal (agrupamento de conceitos, por exemplo). Os indivíduos caracterizados pela independência de campo tendem a perceber os elementos estimulantes de modo discreto, separados do seu contexto, quando o campo está organizado (análise) e tendem a impor estrutura sobre o campo e a percebê-lo organizado, quando este se apresenta com certa ambigüidade e escassa organização (estruturação). O contrário pode dizer-se das pessoas dependentes de campo. Esses conceitos aplicados ao processamento de informação, tanto a partir de uma configuração estimular imediatamente presente (percepção), quanto a partir de material simbólico (pensamento), apontam a presença de uma ampla dimensão das diferenças individuais no funcionamento cognitivo que Witkin e Goodenough (1985) denominaram articulação-globalidade.
Pesquisas subseqüentes sugeriram que essa dimensão do funcionamento cognitivo não perpassa somente os domínios cognitivos e perceptuais mas também outros domínios usualmente associados com a personalidade. De acordo com Messick (1994), os estilos cognitivos supõem hábitos generalizados no processamento da informação, mas estes se desenvolvem relacionados a traços de personalidade que lhes são subjacentes. Portanto, não são apenas hábitos, no sentido técnico da teoria da aprendizagem, já que não respondem diretamente aos princípios de aquisição e extinção, e não se mostram modificáveis pelo treinamento.
A estabilidade e a penetração dos estilos cognitivos em diversas esferas do comportamento indicam que eles são aspectos bastante fundamentais no funcionamento da personalidade. De fato, aparecem intimamente vinculados com variáveis ou estruturas afetivas, temperamentais e motivacionais, constituem uma parte da matriz determinante dos traços adaptativos, mecanismos de defesa e mesmo dos sintomas patológicos (Shapiro, 1985). Nesta perspectiva, se aceitamos em expressão metafórica que o núcleo da personalidade se manifesta nos diversos domínios do funcionamento psicológico (intelectual, afetivo, motivacional, etc.), o estilo cognitivo seria a manifestação dessa estrutura nuclear da pessoa na cognição ou, em outros termos, seria a expressão cognitiva da personalidade total (De La Orden, 1985; Endler, 2000).
Independentes e dependentes de campo são propensos a expressar diferentes comportamentos interpessoais de modo consistente com seu funcionamento cognitivo. Ou seja, pessoas dependentes de campo têm mais tendência a reconhecer e apoiarse nos esquemas dominantes de referência no seu ambiente social para definir suas atitudes, crenças e sentimentos, mais do que aqueles que são independentes de campo. Sendo assim, demonstram sensibilidade aos sentimentos dos outros e possuem mais habilidades interpessoais. Por sua parte, os independentes de campo tendem a separar mais nitidamente o eu do não-eu, e adequar suas condutas a referentes internos. Desse modo, em contraste aos dependentes de campo, desenvolvem uma orientação mais impessoal, com interesse no abstrato e no teórico (Witkin & Goodenough, 1985). Essa dimensão, que afeta tantos aspectos da personalidade, provavelmente deve manifestar-se na conduta de escolha e orientação acadêmico-profissional dos indivíduos. Este é o tema do próximo tópico.
Estilos cognitivos e interesses vocacionais
As relações entre independência de campo e preferências vocacionais têm sido objeto de estudo de algumas pesquisas (Alvi, Kahn, Hussain & Baig, 1988; Hammer, Hoffer & King, 1995; Tinajero & Páramo, 1998). Os resultados têm confirmado as expectativas logicamente deriváveis das características próprias de cada estilo. A independência de campo tem-se mostrado associada ao interesse por ocupações cujo domínio ou exercício exige competência em análise e estruturação de estímulos, e que não salientam a implicação pessoal com outras pessoas. Em contraste, a dependência de campo se mostrou associada ao interesse por ocupações de conteúdo social e que não exigem particulares dotes analíticos e reestruturadores (Hammer e colaboradores, 1995; Leo-Rhynie, 1985; Witkin, Moore, Goodenough, Friedman, Owen & Raskin, 1977).
Nesse sentido, indivíduos com estilo cognitivo mais independente de campo mostraram interesse pela matemática, física, química, pelas ciências naturais e as profissões apoiadas em sua utilização, tais como a engenharia e a arquitetura. Também demonstraram interesse pelas profissões de médico, dentista e psiquiatra (mais nos estudos do que na prática), docência de matemática, ciências, e em escolas técnicas. Essas áreas exigem capacidade analítica e estruturadora. Outros exemplos de profissões pelas quais sentem interesse são: diretor ou gerente de produção, carpinteiro, agricultor e mecânico. A independência de campo está associada também com o interesse artístico. Em contraste, os mais dependentes de campo não mostram interesse pelas profissões e áreas citadas, dirigindo-se mais no sentido das profissões de serviço e ajuda: assistência social, sacerdócio, pedagogia, psicologia clínica, etc. Também se mostraram interessados na docência em nível elementar, no professorado de ciências sociais em todos os níveis e nos estudos de comércio, e profissões que implicam a persuasão, tais como vendas e publicidade; e atividades administrativas que supõem relação permanente com outras pessoas (Clar, 1971; Campos, Santacana & Nebot, 1988; Davis, 1990; Leo-Rhynie, 1985; Rupérez & Gómez, 1987; Tinajero & Páramo, 1998; Van-Blerkom, 1986). Pode-se considerar que os independentes de campo dirigem-se a atividades denominadas por Holland (1997) de investigativas, artísticas e realistas; enquanto os dependentes de campo dirigem-se a atividades sociais, empreendedoras e convencionais.
Osipow (1969) sugeriu que os estilos cognitivos podem estar relacionados à tipologia vocacional que Holland propõe. O autor obteve uma evidência limitada da relação entre independência de campo e as personalidades vocacionais de Holland, mas encontrou um suporte genérico para suas hipóteses sobre a relação entre medidas de preferência vocacional e estilos cognitivos.
Alvi e colaboradores (1988) investigaram a relação entre a tipologia de interesses vocacionais de Holland (1997) e independência de campo. Os autores agruparam os sujeitos de acordo com a predominância dos tipos de interesse vocacional de Holland nos escores do SDS - Self Directed Search (Holland, 1979). O nível de independência de campo foi mensurado pelo GEFT - Group Embedded Figures Test (Witkin, Oltman, Raskin, & Karp, 1987). Os tipos de interesses investigativo, realista e artístico mostraramse mais independentes de campo do que os tipos sociais, empreendedores e convencionais.
Usualmente considera-se que os interesses vocacionais desenvolvem-se a partir de experiências de vida que reforçam o gosto por determinados tipos de atividades mais do que outros. Com certeza, o ambiente físico e social tem um papel muito importante nesse sentido. Contudo, como se pode observar a partir da literatura, as preferências vocacionais parecem ser influenciadas também por uma característica fundamental do funcionamento cognitivo chamada dependência-independência de campo. As evidências sugerem que, por trás da simples expressão de um interesse, operam processos cognitivos básicos ligados à forma como cada sujeito percebe e integra os estímulos ambientais. Esse tipo de investigação, ainda que não produza resultados que possam ser aplicados diretamente à prática de orientação profissional, busca identificar variáveis que estão implicadas nos processos de tomada de decisão vocacional. O objetivo deste estudo foi, portanto, verificar, em uma amostra brasileira, se indivíduos com diferentes tipos de interesse profissional predominante (conforme o modelo de Holland, 1997) apresentariam diferenças no nível de independência de campo, replicando a pesquisa de Alvi e colaboradores (1988).
MÉTODO
Participantes
Participaram do estudo 186 estudantes do ensino médio, matriculados em escolas particulares e públicas de Porto Alegre e interior do estado do Rio Grande do Sul, sendo 116 mulheres e 70 homens, com idades entre 16 e 18 anos.
Instrumentos
GEFT - Teste de Figuras Mascaradas (Witkin e colaboradores 1987): este instrumento constituise de 18 figuras geométricas complexas construídas de modo a mascararem outras oito figuras simples. Os sujeitos são solicitados a encontrar e assinalar o contorno das figuras simples que estão apresentadas em nível de dificuldade crescente. Considera-se que a capacidade de desmascaramento significa que o sujeito possui habilidades de desestruturação e reestruturação perceptiva, isto é, possui um estilo cognitivo caracterizado por maior independência de campo. Cada figura desmascarada (isto é, corretamente identificada) corresponde a um ponto num escore máximo de 18. Considerando que o GEFT é um teste de rapidez, um método adequado para estimar a fidedignidade é a correlação entre formas paralelas com idênticos limites de tempo. A correlação entre os nove elementos da primeira parte os nove elementos da segunda parte foi calculada segundo a fórmula de Spearman-Brown, resultando numa fidedignidade de 0,82 para ambos os sexos (Witkin e colaboradores 1987).
Chave Profissional: este instrumento foi elaborado por Jones (1996) baseado na teoria de personalidades e ambientes ocupacionais de J. L. Holland (1997). Os sujeitos são solicitados a pontuar numa escala de três pontos a sua autopercepção de características pessoais e interesses por determinadas profissões. O instrumento fornece escores para cada tipo de interesse ocupacional e possibilita verificar a hierarquia de interesses dos sujeitos. Neste estudo, os índices de consistência interna (alfa de Cronbach) para as escalas da chave profissional mostraram- se satisfatórios, a saber: R (0,78), I (0,80), A (0,84), S (0,78), E (0,76) e C (0,81).
Procedimentos
Coleta de dados: o pesquisador visitou as escolas a fim de apresentar o projeto e solicitou autorização para a coleta de dados. As escolas disponibilizaram um período de aula para a aplicação dos instrumentos, em data e horário definidos previamente. Os sujeitos assinaram termo de consentimento livre e esclarecido para a realização da pesquisa.
Análise dos dados: inicialmente, os sujeitos foram designados a grupos de acordo com o tipo de interesse vocacional predominante na tipologia de Holland (1997), ou seja, com o escore mais alto na escala de interesses. Sendo assim, constituíram- se grupos com indivíduos de interesses predominantes realistas, investigativos, artísticos, sociais, empreendedores e convencionais. Foram realizadas análises de variância para comparação dos escores de independência de campo em função dos tipos predominantes de interesses vocacionais.
RESULTADOS
Inicialmente, os sujeitos foram classificados em algum dos seis tipos de Holland, conforme o tipo predominante de cada indivíduo (ou seja, o tipo com escore mais alto no instrumento de interesses utilizado). A fim de verificar a existência de diferenças entre os seis grupos de tipos predominantes quanto à independência de campo, foi realizada uma análise de variância que indicou a existência de diferenças significativas (p=0,047). Análises posteriores com o teste da menor diferença significativa revelaram que sujeitos com tipo predominante investigativo obtiveram escores significativamente mais altos em independência de campo do que os tipos artístico, social e convencional (p<0,05). Seguindo as sugestões de Alvi e colaboradores (1988), realizaram-se novas análises criando outros grupos a partir dos dois tipos predominantes em cada sujeito. Assim, os participantes foram agrupados de acordo com os dois tipos de interesses vocacionais predominantes (independente da ordem), e as comparações revelaram que os indivíduos RI apresentaram escores de independência de campo significativamente mais elevados do que os indivíduos ES e SC na prova de Tukey (p<0,05). As freqüências de sujeitos e as médias para cada grupo são mostradas na Tabela 1.
Tabela 1
Médias em independência de campo em função dos tipos de interesse vocacional
O sujeitos também foram agrupados em grupos RIA e SEC, ou seja, de acordo com os tipos de interesse teoricamente mais independentes e mais dependentes de campo, respectivamente. O grupo RIA foi formado pelos sujeitos com tipo predominante R, I e A, e o grupo SEC por indivíduos com tipo predominante S, E e C (Alvi e colaboradores, 1988). As freqüências de sujeitos em cada grupo e suas respectivas médias em independência de campo são exibidas na Tabela 2. A análise de variância mostrou que os sujeitos com interesses RIA obtiveram escores significativamente mais elevados em independência de campo do que os sujeitos SEC (p<0,01).
Tabela 2
Médias em independência de campo em função dos tipos de interesse vocacional
DISCUSSÃO
Os resultados sugerem que sujeitos com personalidades vocacionais predominantemente investigativas tendem a ser mais independentes de campo do que sujeitos com interesses do tipo social, artístico ou convencional. Desse modo, confirma-se a descrição feita por Holland (1997) do tipo investigativo, ou seja, pessoas que tendem a ser concentradas em seus trabalhos, introvertidas e reflexivas. Essa categoria de indivíduos aprecia tarefas não estruturadas que possibilitem processos de estruturação e restruturação cognitiva, associados à independência de campo. Nesse sentido, o tipo investigativo prefere situações que tragam desafios cognitivos, tende a ser independente com relação a vínculos grupais, preocupando-se mais com suas tarefas teóricas. Portanto, apresentam tendências marcadamente distintas dos tipos social e convencional que, por sua vez, evidenciam preferências associadas com a dependência de campo. Em relação ao primeiro, por este estar atento ao contexto e às relações interpessoais e, em relação ao segundo, por este preferir atividades estruturadas num ambiente estável. Sendo assim, justifica-se a maior independência de campo do tipo investigativo em comparação aos tipos social e convencional.
Holland (1997) referiu contrastes entre as características dos tipos realista, investigativo e artístico em comparação aos tipos: social, empreendedor e convencional, respectivamente. Observa-se que os primeiros são descritos como mais impessoais e voltados para tarefas analíticas ou criativas; enquanto os segundos como voltados para o entorno social e atividades estruturadas. Em estudos anteriores, os independentes de campo mostraram interesse pela matemática (Van-Blerkom, 1986), física, química e profissões apoiadas em sua utilização, tais como a engenharia e arquitetura (Campos e colaboradores, 1988). Essas atividades são classificadas por Holland como R, I e A . Os dependentes de campo revelaram interesse por profissões de serviço e ajuda tais como: assistência social, sacerdócio, pedagogia, psicologia clínica, etc., e também por estudos de comércio e profissões que implicam a persuasão, como vendas, publicidade e administração (Leo-Rhynie, 1985; Rupérez & Gómez, 1987; Tinajero & Páramo, 1998). Estas atividades são classificadas por Holland como S, E e C. Portanto, resultados deste e de outros estudos sugerem uma tendência à polarização entre independência de campo (RIA) e dependência de campo (SEC) na caracterização das personalidades vocacionais de Holland.
Neste contexto teórico que vincula os interesses vocacionais à personalidade do sujeito, mais do que a determinados traços ou características singulares, o conceito de estilo cognitivo pode ocupar uma posição-chave dado o seu caráter de dimensão geral descritiva do funcionamento intelectual do sujeito enquanto reflexo de sua personalidade. Ou seja, sugere- se a compatibilidade entre a teoria de H. Witkin sobre a diferenciação cognitiva (Witkin & Goodenough, 1985) e a teoria das personalidades vocacionais de Holland (1997).
É preciso reconhecer que resultados de pesquisas, como a aqui apresentada, são difíceis de transpor diretamente ao campo aplicado da orientação profissional. No contexto aplicado da orientação existem inúmeros fatores que afetam o processo de decisão vocacional, muitos deles de ordem social e econômica, além de outras variáveis presentes nos ambientes de socialização mais próximos que, através de reforçamentos diferenciais, vão modelando o perfil de interesses individuais ao longo da vida. Não obstante, o efeito que as variáveis externas têm sobre o sujeito depende do modo como o mesmo percebe o mundo e processa as informações que recebe.
O estilo cognitivo como dimensão da personalidade oferece uma alternativa válida ao enfoque usual da diferenciação educativa e profissional centrada em aptidões ou habilidades. Os estudos na área de preferências vocacionais têm focalizado preferencialmente as competências associadas aos diferentes tipos de interesses, e pouco se sabe sobre o funcionamento cognitivo subjacente a essas expressões de interesse. Novas pesquisas são necessárias para que se identifiquem outras variáveis individuais que possam estar envolvidas no desenvolvimento dos interesses vocacionais e nos processos de tomada de decisão vocacional.
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Recebido: 03/06/04
1ª revisão: 22/09/04
Aceite final: 18/10/04
1 Endereço para correspondência: Rua Sinimbú 78 / 303, 90470-470, Porto Alegre, RS. Fone: (51) 3388 6152, Cel: (51) 9841 0034. Email: mauro.m@terra.com.br
Sobre os autores
* Mauro de Oliveira Magalhães é psicólogo, orientador profissional, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e professor da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra).
** Verônica Martinuzzi é psicóloga.
*** Marco Antônio P. Teixeira é psicólogo, doutor em Psicologia do Desenvolvimento, professor da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).