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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.9 n.2 São Paulo dez. 2008

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Exploração e decisão de carreira numa transição escolar: diferenças individuais1

 

Career exploration and decision in an academic transition: individual differences

 

Exploración y decisión de carrera en una transición escolar: diferencias individuales

 

 

Liliana da Costa Faria* 2; Maria do Céu Taveira**; Luísa Maria Saavedra***

Universidade do Minho, Braga, Portugal

 

 


RESUMO

A investigação da exploração e indecisão de carreira, em momentos de transição escolar, contribui para o desenho das intervenções vocacionais. Neste estudo, analisam-se diferenças individuais naquelas dimensões, a partir da avaliação de 178 estudantes do 9º ano de escolaridade de ambos os sexos (120 alunas, 58 alunos), com uma média de idades de 14 anos, a frequentar escolas do noroeste de Portugal. Os resultados evidenciam diferenças entre alunos e alunas, em desfavor destas, apenas em duas crenças associadas à exploração: a visão sobre o mercado de emprego e a importância relativa atribuída aos objectivos de carreira. Retiram-se implicações práticas dos resultados para o desenho das intervenções vocacionais na adolescência.

Palavras-chave: Exploração de carreira, Indecisão de carreira, Diferenças individuais.


ABSTRACT

The study of career exploration and indecision in moments of academic transition, contributes to the design of career interventions. In this study, we analyze gender differences, based on the assessment of 178 ninth-grade students (120 girls, 58 boys), with an average age of 14 years, attending schools in the northwest of Portugal. The results showed differences between boys and girls, with girls doing worse than boys in relation to two beliefs about exploration: notions about job market and relative importance attributed to career goals. Practical implications of the results for career intervention design are discussed.

Keywords: Career exploration, Career indecision, Individual differences.


RESUMEN

La investigación de la exploración e indecisión sobre la carrera, en momentos de transición escolar, contribuye al diseño de las intervenciones vocacionales. En este estudio, se analizan diferencias individuales en esas dimensiones, a partir de la evaluación de 178 estudiantes de 9º año de escolaridad, de ambos sexos (120 alumnas y 58 alumnos), con una edad media de 14 años, que frecuentan escuelas del noroeste de Portugal. Los resultados evidencian diferencias entre alumnos y alumnas en disfavor de éstas sólo en dos creencias asociadas a la exploración: la visión sobre el mercado de empleo y la importancia relativa atribuida a los objetivos de carrera. Se retiran implicaciones prácticas de los resultados para el diseño de las intervenciones vocacionales en la adolescencia.

Palabras clave: Exploración de carrera, Indecisión sobre la carrera, Diferencias individuales.


 

 

A Psicologia Vocacional desempenha um papel importante, ao apoiar as pessoas a explorar e a comprometerem-se de modo satisfatório e com êxito nos contextos de trabalho (Ribeiro, 2003). Neste âmbito, a consideração das diferenças individuais tem ajudado os investigadores e profissionais da orientação, bem como os clientes da intervenção vocacional, a prever resultados e acontecimentos de carreira valorizados pelos indivíduos e pela sociedade (Armstrong & Rounds, 2008). No contexto da intervenção vocacional, porém, para além da previsão, a avaliação das diferenças individuais dá suporte a outros objectivos, tão ou mais importantes, como a expansão do leque de oportunidades consideradas pelos clientes da orientação, e o aumento das suas potencialidades e bem-estar.

Estes aspectos relacionam-se, por sua vez, com o avanço na tomada de decisão vocacional e com o sucesso e satisfação ao longo da carreira. Seguindo esta linha de pensamento, este estudo tem como objectivo principal, avaliar diferenças de género no conteúdo e processo de exploração da carreira e no nível de indecisão de estudantes finalistas do ensino básico, para compreender melhor as especificidades da intervenção psicológica naquelas dimensões. A exploração da carreira designa aqui o processo psicológico que sustenta as actividades de procura e processamento de informação, ou o teste de hipóteses acerca de si própria/o e do meio circundante, com vista à prossecução de objectivos vocacionais (Taveira, 2000). Por sua vez, a indecisão designa a incerteza ou ausência de formulação de uma escolha de carreira (Dosnon, 1996).

Estes aspectos relacionam-se, por sua vez, com o avanço na tomada de decisão vocacional e com o sucesso e satisfação ao longo da carreira. Seguindo esta linha de pensamento, este estudo tem como objectivo principal, avaliar diferenças de género no conteúdo e processo de exploração da carreira e no nível de indecisão de estudantes finalistas do ensino básico, para compreender melhor as especificidades da intervenção psicológica naquelas dimensões. A exploração da carreira designa aqui o processo psicológico que sustenta as actividades de procura e processamento de informação, ou o teste de hipóteses acerca de si própria/o e do meio circundante, com vista à prossecução de objectivos vocacionais (Taveira, 2000). Por sua vez, a indecisão designa a incerteza ou ausência de formulação de uma escolha de carreira (Dosnon, 1996).

Por esse motivo, crenças e reacções menos favoráveis à exploração, como se verificam nas mulheres, podem comprometer os processos de decisão de carreira e, consequentemente, o alcance de resultados vocacionais desejáveis. Além disso, Taveira (1997) verificou que as alunas estudadas, quando comparadas com os alunos, são menos sistemáticas e intencionais na conduta exploratória, registram níveis mais elevados de ansiedade exploratória, e menos certeza vocacional. As alunas atribuem também mais valor instrumental à exploração do self (e.g., retrospecção de vida, consideração de interesses e capacidades) e, consistente com isto, utilizam mais o self e menos o meio ambiente, como fonte de informação na exploração de carreira (Faria & Taveira, 2006; Taveira, 1997, 2000).

A indecisão de carreira, por sua vez, tem sido considerada tanto um factor, como um resultado da exploração de carreira (Jordaan, 1963; Taveira, 1997). No primeiro caso, a indecisão pode estimular o envolvimento autónomo ou a aderência a actividades induzidas de exploração. No segundo caso, a indecisão pode ser desencadeada pelo confronto com informação demasiada, pouco significativa, ou inadequada em termos desenvolvimentais (Faria & Taveira 2006; Taveira, 1997, 2000). A indecisão pode surgir associada, sobretudo, à exploração orientada para o self, porque esta última pode suscitar estados de desconforto psicológico, como a incerteza e ansiedade (Jordaan, 1963).

O que poderá estar na base das diferenças de género nos processos de exploração e decisão de carreira? De acordo com autores como Gottfredson (2002), durante a adolescência, integra-se progressivamente no auto-conceito em desenvolvimento, conceitos mais abstractos, como a orientação sexual, o prestígio social das ocupações, e os interesses profissionais, desenrolando-se um processo de exploração orientado pela circunscrição de possibilidades aceitáveis de escolha vocacional, e o comprometimento com opções de vida. Este processo resulta também do balanço explorado entre a desejabilidade e a acessibilidade percebida das opções de carreira, em termos de nível de aspiração, podendo os estudantes prescindir de opções mais desejadas, se as menos desejadas forem realisticamente mais acessíveis. Assim, ao realizar escolhas, os jovens podem sacrificar o tipo sexual ou o prestígio social percebido das ocupações, ou mesmo os seus interesses, função da discrepância percebida entre uma visão ideal e uma visão realista do self de carreira. Quanto maior for essa discrepância, mais sacrificados podem ser os interesses, o tipo sexual e o prestígio percebido das ocupações. Mais recentemente, Blanchard e Lichtenberg (2003) verificam que os interesses são prioritários, seguidos do prestígio e do tipo sexual, quando o compromisso com as opções é baixo. Hartung, Portfeli e Vondracek (2005), ao reverem o papel dos estereótipos de género, do prestígio, do estatuto sócio-económico e dos interesses nas preferências de carreira de crianças, concluem, por sua vez, que todos aqueles aspectos influenciam o compromisso com opções vocacionais.

Porém, quando este compromisso é de intensidade elevada, então o prestígio e o tipo sexual parecem ser igualmente importantes e os interesses são os mais sacrificados (Betz, 2008). Ao mesmo tempo, as teorias do desenvolvimento da carreira sugerem-nos que o género influencia os modos como se tomam decisões ao longo da vida (Fitzgerald & Betz, 1994; Leong & Brown, 1995). Assim, compreender as questões e diferenças individuais associadas ao género poderá permitir reflexões e novas práticas, adequadas quer à definição de projectos de carreira de alunos, quer de alunas (Saavedra, Almeida, Gonçalves & Soares, 2004). Outros autores evidenciam que a concretização dos projectos vocacionais se relaciona com as aspirações e expectativas individuais. E que estas, por sua vez, são influenciadas pelas percepções de auto-eficácia, pela personalidade e pelo género (Hackett & Byars, 1996; Lent, Brown & Hackett, 1994). Segundo Hackett e Betz (1981), as percepções ou crenças de auto-eficácia, isto é, a avaliação que o sujeito faz da sua capacidade para realizar tarefas específicas, e com base na qual organiza e executa os seus comportamentos, pode exercer uma forte influência nas decisões e na realização da carreira das mulheres e dos homens, e funcionar como um recurso ou obstáculo ao desenvolvimento vocacional. Assim, por exemplo, relativamente às opções percebidas, em geral, as expectativas de auto-eficácia afectam mais as mulheres, limitando as suas aspirações, circunscrevendo o âmbito da exploração de carreira, a sua realização vocacional e o processo mais geral de desenvolvimento da carreira (Betz & Fitzgerald, 1987; Farmer, 1985; Fitzgerald & Betz, 1983; Gottfredson, 1981, 2002).

Com efeito, as expectativas das alunas relativamente à carreira são tendencialmente mais baixas que as dos alunos (Farmer, Wardrop, Anderson & Risinger, 1995). Estudos sobre a relação entre as expectativas de auto-eficácia e as escolhas profissionais (Betz & Hackett, 1981; Stickel & Bonett, 1991) verificaram que as mulheres crêem ter mais capacidades de exercer profissões tradicionalmente femininas e mais dificuldades em desempenhar profissões não tradicionais. Por seu lado, os homens apresentam níveis equivalentes de auto-eficácia, no que diz respeito a ocupações tradicionais e não tradicionais. Esta estereotipia de género nas escolhas efectuadas tem reflexos e influências no modo como alunas e alunos se percepcionam e ao mundo (Hare-Mustin & Marecek, 1990). Afecta ainda os comportamentos e atitudes das pessoas e das instituições em geral (Silva & Neto, 2004). A maioria dos estudos considera que o género parece ter um efeito diferenciador na exploração e indecisão de carreira dos alunos e, consequentemente, na realização dos seus projectos de vida (Taveira, 1997, 2000), ainda que em relação à indecisão vocacional, a literatura seja menos consensual, dado o menor registo de diferenças de género (Silva, 1997).

Concluindo, quando os e as adolescentes chegam à escola, têm já um percurso diferenciado do ponto de vista do género que irá influenciar os percursos de carreira. Este percurso diferenciador tem-se mostrado prejudicial para as alunas, uma vez que apesar de estarem já em maioria no sistema de ensino, e investirem mais do que os alunos no trabalho escolar, obtendo níveis de formação superiores, não retiram daí benefícios em termos de efectiva correspondência no mercado de trabalho (Saavedra, 2004). Será importante prosseguir investigação que permita esclarecer melhor os modos como alunas e alunos exploram e se comprometem ao longo da escolaridade, para melhor conceber e avaliar formas de intervenção vocacional sensíveis às questões de género. Com este estudo, pretendemos analisar de que modo o género, ou seja, as consequências sociais e culturais de se pertencer a um determinado grupo sexual, contribui para explicar diferenças nos conteúdos e processo de exploração e no nível de indecisão de carreira de adolescentes num período de transição escolar, bem como traduzir teoria e dados da investigação empírica em recomendações práticas, com vista à criação de ambientes escolares mais sensíveis às questões de género3.

 

MÉTODO

Amostra

A amostra é constituída por 178 estudantes (120 alunas e 58 alunos &– 67.4% e 32.6%, respectivamente), com idades compreendidas entre os 13 e os 17 anos (Midade=14.1; D.Pidade=0.5; alunas Midade=14.1; D.Pidade=0.4; alunos Midade=14.2; D.Pidade=0.6), matriculados no último ano da escolaridade obrigatória de nove anos, em cinco escolas da região noroeste de Portugal, sendo três da rede privada (74.8% dos estudantes) e duas da rede pública (24.3% dos estudantes). A maioria dos/das estudantes da amostra (54.5%) é proveniente de famílias cujos pais e mães concluíram o ensino superior ou pós-graduado (30.34%) ou o ensino secundário ou equivalente (24.16%). Os/as restantes (45.5%) provêm de famílias cujos progenitores concluíram a escolaridade obrigatória de 9 anos (21.91%), o antigo ensino preparatório de 6 anos (12.36%), ou o antigo ensino primário de 4 anos (11.24%). Em termos socioprofissionais (IEFP, 2004), verifica-se que os progenitores de 21.35% dos jovens são quadros superiores da administração pública, dirigentes ou quadros superiores de empresas, enquanto em mais de 20.22% dos casos, são especialistas de profissões intelectuais e científicas. Para além destes, 18.54% dos estudantes possuem pais e mães a exercer funções técnico-profissionais de nível intermédio, 14.04% em actividades de pessoal dos serviços e vendedores, enquanto outros 14,4% são operários, artífices e trabalhadores similares. Em menor percentagem estão estudantes cujos progenitores exercem funções de pessoal administrativo e similares (6.18%) ou são operadores de instalações de máquinas e trabalhadores da montagem (2.25%), trabalhadores não qualificados (1.69%) ou estão inactivos (1.69%) no mercado de trabalho.

Instrumentos de medida

Afonso e Taveira (2001) sugerem que o conteúdo ou resultados da exploração de carreira podem avaliar-se através da análise do conteúdo dos objectivos, aspirações, expectativas e interesses profissionais expressos em questionários. Tendo em conta estas recomendações, recorreu-se à aplicação do Questionário de Caracterização Pessoal e da Carreira - QCPC (Taveira & Faria, 2004), construído para o efeito, que permitiu recolher informação sobre os conteúdos ou resultados da exploração de carreira dos estudantes, em termos de aspirações e interesses profissionais expressos. As aspirações de carreira foram avaliadas através das questões “Se pudesse estudava até...” e “Tendo em conta o que conheço de mim próprio/a e as possibilidades que tenho, acho que vou estudar até…”, ambas com quatro alternativas de resposta (a) 9º ano, (b) 12º ano, (c) ensino superior, e (d) estudar pela vida fora. Os interesses profissionais expressos foram avaliados com a questão aberta “As profissões que mais gosto neste momento são…”, pedindo-se aos estudantes para listarem um máximo de três hipóteses.

O processo de exploração da carreira foi avaliado através da versão portuguesa do Career Exploration Survey (CES) (Taveira, 1997), originalmente desenvolvido por Stumpf e cols. (1983), para a investigação com universitários e, mais tarde, adaptado por Blustein (1988), para a investigação com adolescentes. Com base nesta última versão, foi desenvolvida por Taveira (1997), uma versão portuguesa do CES, com um total de 54 itens, destinados a avaliar cinco tipos de crenças (Estatuto de Emprego, Certeza nos Resultados da Exploração, Instrumentalidade Externa, Instrumentalidade Interna, Importância de Obter a Posição Preferida), quatro tipos de comportamentos (Exploração Orientada para o Meio, Exploração Orientada para Si Próprio/a, Exploração Intencional-Sistemática, Quantidade de Informação), e três tipos de reacções afectivas (Satisfação com a Informação, Stress na Exploração, Stress na Tomada de Decisão) relacionadas com a exploração de carreira.

O Estatuto de Emprego avalia até que ponto são favoráveis as possibilidades de emprego na área preferida; a Certeza nos Resultados da Exploração mede o grau de convicção para atingir uma posição favorável no mercado de trabalho; a Instrumentalidade Externa estima o valor instrumental atribuído à exploração do mundo profissional; a Instrumentalidade Interna avalia o valor instrumental da exploração orientada para si próprio/a; a Importância de Obter a Posição Preferida avalia o grau de importância atribuído à realização da preferência vocacional; a Exploração Orientada para o Meio mede o grau de exploração de profissões, empregos, e organizações, realizada nos últimos três meses; a Exploração Orientada para Si Próprio/a avalia o grau de exploração pessoal e de retrospecção realizada nos últimos três meses; a Exploração Intencional-Sistemática analisa em que medida a procura de informação sobre o meio e sobre si próprio/a se realizou de um modo intencional e sistemático; a Quantidade de Informação Obtida mede a quantidade de informação adquirida sobre as profissões, empregos e organizações e sobre si próprio/a; a Satisfação com a Informação Obtida estima em que medida a informação obtida sobre as profissões, os empregos e as organizações de trabalho mais relacionadas com os seus interesses, capacidades e necessidades proporciona satisfação; o Stress na Exploração analisa o grau de stress antecipado face a nova exploração, por comparação a outros acontecimentos de vida; o Stress na Tomada de Decisão analisa o stress antecipado face à tomada de decisão, por comparação a outros acontecimentos.

O estudo de análise factorial confirmatória do CES realizado por Taveira (1997) permite evidenciar a robustez deste modelo de doze dimensões consistentes de exploração vocacional, para ambos os sexos e dois anos de escolaridade (9º e 12º anos, N=1400), tendo sido demonstrada, também, quer a validade discriminante da medida (em relação com medidas de indecisão e identidade vocacional), quer a sua estabilidade temporal (dois meses), sobretudo na sub-amostra do 12º ano.

A indecisão de carreira foi avaliada através da versão portuguesa da Career Decision Scale (CDS) (Taveira, 1997), desenvolvida originalmente por Osipow, Carney, Winer, Yanico e Koschier (1976). A versão original é composta por 19 itens, com os primeiros dois a avaliar a certeza da escolha vocacional e os restantes dezesseis, antecedentes da indecisão, cotados numa escala de resposta tipo Likert, com 4 categorias, em que 1 corresponde a “Nada parecido comigo” e 4 “Exactamente como eu”. O item 19 é uma questão aberta, de descrição de circunstâncias únicas de indecisão vocacional. Taveira (1997) demonstrou a robustez da validade de constructo da estrutura unidimensional da versão portuguesa da subescala de indecisão, composta por 12 itens, junto da mesma amostra do estudo psicométrico do CES, bem como a consistência interna do modelo (Cronbach a=.90 para o total da amostra, com a=.88 no 9ºano e a= .91 no 12º ano).

Procedimentos

A recolha de dados decorreu entre Dezembro e Fevereiro do ano lectivo de 2004/05, no âmbito da intervenção vocacional realizada em escolas básicas do noroeste de Portugal, por técnicos de um serviço de consulta psicológica universitário. As escalas de exploração e de indecisão vocacional integraram o pré-teste de avaliação de resultados da intervenção e foram administradas colectivamente, em sala de aula, no tempo da disciplina de Área de Projecto, autorizado e cedido pelos professores. O QCPC e a pergunta relativa aos interesses profissionais expressos foram preenchidos na primeira sessão de consulta psicológica vocacional, em ambiente de pequeno grupo (seis/oito alunos). A participação dos alunos foi voluntária, após garantidas a confidencialidade e abordagem especializada no tratamento e divulgação dos resultados, para efeitos de investigação.

Análises

Foram realizadas análises de estatística descritiva (análise de frequências, cálculo de médias e desvios-padrão) e de variância, com base no uso do programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS, versão 14.0).

 

RESULTADOS

A Tabela 1 apresenta a distribuição da frequência e as percentagens do nível de aspiração escolar ideal e realista dos alunos por sexo.

Tabela 1
Nível de aspirações e expectativas de carreira

 

 

Em termos da visão idealista do self de carreira, é de registar, na amostra global, a percentagem elevada de estudantes que deseja prosseguir estudos no ensino superior. A comparação destes resultados com os obtidos nas respostas que reflectem uma visão mais realista do self de carreira, indica um aumento no número de estudantes que prevê estudar apenas até ao 12º ano, diminuindo o número dos que prevêem estudar até ao ensino superior, ou pela vida fora. Quando comparadas alunas e alunos, regista-se ausência de diferenças estatisticamente significativas nos resultados das aspirações escolares, quer na visão ideal (=5.367, p>.05), quer na visão mais realista (=1.287, p>.05) do self de carreira. Quanto à quantidade e âmbito das preferências profissionais exploradas até ao momento, na amostra total de estudantes, as três preferências profissionais exploradas até ao momento, distribuem-se por um total de 56 profissões distintas. No grupo das alunas, as preferências distribuem-se por um total de 45 profissões e, no grupo dos alunos, por um leque de apenas 35 profissões.

As preferências das alunas incluem profissões da Saúde (47.5%), Direito, Ciências Sociais e Serviços (48.3%), Ciências da Educação e Formação de Professores (33.3%), Agricultura e Recursos Naturais (21.7%), Arquitectura, Artes Plásticas e Design (18.3%), e Humanidades, Secretariado e Tradução (17.5%). Os alunos parecem preferir profissões das áreas da Educação Física, Desporto e Artes do Espectáculo (55.17%), Tecnologias (43.1%), Saúde (24.14%) e Arquitectura, Artes Plásticas e Design (22.41%). Ou seja, regista-se uma predominância de preferências das alunas pelos cursos de Saúde, Serviços e Ensino, e dos alunos, pelos cursos de Desporto e Engenharia.

Na Tabela 2 apresentam-se os resultados das análises de estatística descritiva e de variância da exploração e indecisão de carreira, em função do género.

Tabela 2
Exploração e indecisão de carreira em função do sexo

 

 

A leitura da Tabela 2 permite verificar que os jovens estudados estão a viver um período de questionamento de si próprios no âmbito da carreira e têm ainda alguma incerteza quanto ao prosseguimento de estudos. Este padrão de resultados permite realizar um diagnóstico do ponto de partida e das necessidades de intervenção vocacional específicas destes alunos e é favorável à intervenção vocacional deliberada, facilitadora de processos e resultados de exploração mais construtivos, sobretudo no que respeita os aspectos associados ao género. Regista-se a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os valores dos participantes dos dois sexos, nas crenças de exploração, Estatuto de Emprego (F=10.922, p<.05) e Importância de Obter a Posição Preferida (F=5.256, p<.05). Mais especificamente, os alunos, quando comparados com as alunas, exibem uma visão mais positiva do mercado de trabalho, acreditando mais na probabilidade de existência de emprego na sua área profissional preferida (Estatuto de Emprego), um factor importante da exploração e decisão de carreira mais efectivas (Taveira, 1997).

Os alunos, comparativamente às alunas, atribuem também maior importância à concretização das suas preferências de carreira (Importância de Obter a Posição Preferida), um precursor importante da quantidade e envolvimento sistemático e intencional na exploração. Assim, pode considerar-se que os alunos estão em melhores condições que as alunas para se envolverem de modo positivo na exploração e decisão mais iminentes de carreira. Verifica-se ausência de diferenças estatisticamente significativas nas restantes dimensões, ainda que os alunos registem valores superiores às alunas. Alunas e alunos apresentam resultados semelhantes quanto à confiança percebida para atingir uma posição favorável no mercado de trabalho, na área profissional preferida (Certeza nos Resultados de Exploração), e quanto à quantidade de exploração efectuada nos últimos três meses (Exploração Orientada para o Meio), carácter intencional e sistemático na procura de informação sobre o meio e sobre si próprios (Exploração Intencional-Sistemática), e satisfação com a informação obtida sobre as profissões, empregos e organizações mais relacionadas com os seus interesses, capacidades e necessidades (Satisfação com a Informação).

 

DISCUSSÃO E CONCLUSÃO

A análise dos conteúdos da exploração de carreira dos jovens estudados evidencia um nível elevado de aspirações e expectativas de carreira, em ambos os sexos. Quer alunos, quer alunas desejam prosseguir estudos no ensino superior ou até mesmo estudar pela vida fora, e têm a expectativa de o concretizar. Isto pode ficar a dever-se, quer às expectativas escolares elevadas dos mais velhos &– pais, docentes e outros significativos, em relação a estes estudantes, &– quer à formação de crenças, representações e motivações sobre o sucesso profissional, muito associadas à realização de uma formação superior (Afonso, 2000). Este facto pode ser reforçado actualmente, no país, pela constatação de maior dificuldade de integração no mercado de trabalho das pessoas que possuem apenas o diploma de estudos básicos (9º ano) ou secundário (12º ano), quando comparadas com as que possuem um diploma de estudos superiores e com trajectórias de emprego e de carreira mais efectivas.

O nível percentual mais elevado na opção “estudar pela vida fora” das alunas, pode estar relacionado com o facto de estas referirem mais frequentemente esses níveis de aspiração nas escolhas profissionais ideais, e não tanto nas opções de carreira que crêem ser mais realistas e acessíveis para si (Davey & Stoppard, 1993). Este padrão de resultados pode relacionar-se ainda com percepções de auto-eficácia baixas face à aprendizagem e ao desenvolvimento da carreira de algumas jovens (Taveira, 2000), o que desde logo diminui a probabilidade das mesmas se envolverem mais activamente na exploração (Betz, 2005; Betz & Hackett, 1981). Para além disso, alguns autores sugerem que o facto de algumas alunas baixarem as suas expectativas de auto-eficácia face à carreira deve-se à percepção de barreiras internas e externas e aos conflitos resultantes da difícil conjugação do trabalho com a vida familiar (Farmer e cols., 1995; Leung, Conely & Schell, 1994).

No que diz respeito às preferências profissionais, os resultados vão ao encontro de estudos anteriores (Afonso & Taveira, 2001; Saavedra, Taveira & Rosário, 2004) e evidenciam uma orientação tradicional de género, quer das alunas, quer dos alunos, para aquelas ocupações consideradas socialmente apropriadas ao respectivo sexo biológico (Betz & Fitzgerald, 1987; Gotfredson, 1981, 2002). No seu conjunto, estas preferências parecem evidenciar o peso dos estereótipos de género, com algumas profissões escolhidas quase exclusivamente por alunas, como é o caso de Professora, Veterinária e Psicóloga. E outras, pelo contrário, a ser preferidas quase só por alunos, como Engenheiro, Polícia e Desportista. Estes resultados podem explicar-se ainda pelo facto de o género ser um factor preponderante nas escolhas vocacionais, com as jovens e mulheres a apresentar níveis mais elevados de auto-eficácia em domínios tradicionalmente femininos e níveis de auto-eficácia menos elevados em ocupações tradicionalmente masculinas (Betz, 2005; Betz & Fitzgerald, 1987; Betz & Hackett, 1981). Em consequência deste tipo de resultados de exploração da carreira, e apesar da maior diferenciação profissional entre mulheres (Phillips, 1996), a investigação existente evidencia que deste modo as alunas tendem a escolher formações superiores menos rentáveis que as formações nas áreas científicas (Saavedra, 2004). Importa referir que esta tradição muitas vezes procede de modo invisível e subtil, limitando a exploração de carreira e conduzindo as opções vocacionais das alunas por domínios menos prestigiados e menos valorizados, social e economicamente, reproduzindo-se, dentro da escola, as desigualdades de acesso ao mercado de emprego. Tal pode ser explicado por variáveis como a discriminação sexual, a diferente percepção que homens e mulheres têm das suas capacidades, a sobreposição de papéis de vida, fenómenos de socialização familiar (Betz & Fitzgerald, 1987; Fitzgerald, Fassinger, & Betz, 1995), concepções de feminilidade e masculinidade associadas a determinadas disciplinas, e discursos e ideologias que reproduzem as desigualdades nas relações de género (Walkerdine, 1998).

No que respeita ao processo de exploração de carreira, este estudo permitiu concluir que alunos e alunas do último ano da escolaridade obrigatória variam nos modos como exploram as opções de carreira. Com efeito, verificamos que as alunas sentem-se menos confiantes no que respeita às possibilidades de conseguir emprego na área preferida, bem como no que respeita a atingir uma posição preferida no mercado de trabalho. Os alunos sentem-se menos indecisos que as alunas. Estes resultados podem estar relacionados com os diferentes estilos atribucionais de homens e mulheres, já que existe evidência para afirmar que estas últimas tendem a atribuir o seu sucesso mais ao esforço, e o seu fracasso à falta de esforço e de capacidade, enquanto os homens tendem a apontar a capacidade como causa para o seu sucesso, explicando o seu fracasso através de factores externos como a falta de sorte (Fernández, 2005; Saavedra e cols., 2004). Por outro lado, este tipo de resultados reforça a tese segundo a qual o género influencia a construção daquilo que se considera passível de ser explorado para efeitos vocacionais. O estilo atribucional dos alunos parece favorecê-los em termos de uma melhor auto-estima nas áreas académica e profissional, bem como uma maior persistência na realização de actividades difíceis, quando comparados com as alunas (Faria, 1997; Martini & Boruchovitch, 2004). No que respeita à indecisão de carreira, os resultados vão, por sua vez, de encontro à literatura na área, que evidencia a ausência de diferenças estatisticamente significativas de indecisão vocacional em função do género (Silva, 1997).

Apesar de se registarem diferenças estatisticamente significativas entre os dois sexos apenas no que respeita as crenças de exploração &– Estatuto de Emprego e Importância de Obter Posição Preferida &– devido à importância destes antecedentes da exploração, consideramos que os resultados obtidos evidenciam a necessidade de se recorrer, na intervenção vocacional, a meios de exploração do meio e a instrumentos de avaliação do self sensíveis às questões de género na exploração de carreira. Nesse sentido, tentamos traduzir, em seguida, algumas das ideias teóricas e dados da investigação empírica em recomendações para a prática dos profissionais de orientação e para os educadores em geral.

 

IMPLICAÇÕES PRÁTICAS

Em primeiro lugar gostaríamos de sublinhar que ser sensível às questões de género pode ser uma forma ou meio de promover a igualdade e a justiça social entre homens e mulheres. É assim fundamental que pais, professores, profissionais de orientação escolar e profissional evitem estereótipos culturais ou de género, encarando ou tratando as pessoas que pertencem a uma determinada categoria sexual como possuindo os mesmos objectivos, experiências de vida, valores e interesses (Ponterotto, Fuertes & Chen, 2000). Neste sentido, é necessário fomentar esta tomada de consciência, também, na sociedade em geral e na classe política, em especial, esclarecendo sobre os factores contextuais do desenvolvimento de carreira do indivíduo e dos problemas de tomada de decisão, tendo em conta o género. Seguidamente, será importante expor as alunas e os alunos a uma variedade de escolhas ocupacionais e profissionais, e evitar que eles/as se comprometam precocemente com uma única via ou opção de carreira (Araújo & Taveira, 2006). A informação sobre as carreiras durante a infância pode e deve ser trabalhada a partir de informação sobre os trabalhos que se realizam na escola, na família, na vizinhança e na comunidade mais próxima (Araújo & Taveira, 2006).

Durante os últimos anos do Ensino Básico e Secundário4 é importante que essa informação possa ser mais diferenciada e organizada em grandes domínios e categorias. No contexto da orientação, junto das escolas, os profissionais de orientação devem assumir um papel activo e preventivo, envolvendo-se, por exemplo, no desenvolvimento de actividades de Educação para a Carreira e na promoção do uso de tecnologia de informação, como ferramenta indispensável à promoção da igualdade de género. Será importante, ainda, que incorporem os pais e as famílias nos programas de intervenção e na escola, uma vez que estes têm um papel importante na orientação dos filhos (Otto, 2000; Pinto & Soares, 2001; Saavedra, 2004). Junto dos empregadores, e através do seu conhecimento e ligações ao mercado de trabalho, os profissionais de orientação podem contribuir para alterar alguns dos mitos existentes e de falsos entendimentos face às questões de género, promovendo, por exemplo, o uso justo e apropriado de políticas e práticas de equidade nas políticas de emprego e na progressão nas carreiras. No contexto da consulta psicológica vocacional, os profissionais podem ter em conta, desde logo, a classe social de pertença do cliente, a sua percepção sobre a mesma, os desejos de mobilidade social a que o percurso de carreira pode conduzir, bem como os conflitos de identidade que pode gerar (Fouad & Brown, 2000).

É importante não esquecer que quer a orientação, quer a consulta psicológica vocacional ocorrem num contexto cultural (Hansen, 2003) e de género (Ponterotto e cols., 2000), e que por isso, os valores, atitudes, expectativas e percepções dos profissionais de orientação escolar e profissional, em relação às variáveis sociais e culturais do cliente não podem ser ignorados. Em segundo lugar, deve assegurar-se que os seus próprios materiais de informação, de avaliação psicológica e de apoio à tomada de decisão são justos e adequados, no que concerne o género. Especificamente com as alunas, deve intervir-se no sentido de impedir que estas evitem escolher determinados percursos exclusivamente porque ignoram que existem diferentes formas de se comportar durante esse caminho. Deve apoiar-se as alunas a tomar consciência que as expectativas de aprendizagem e de desenvolvimento das mulheres pode concorrer para o desenvolvimento de perfis de exploração menos desejáveis para elas próprias, ajudando-as a controlar a sua influência negativa na motivação e na competência para a exploração de carreira (Taveira, 2000). Pode ser importante ajudar as alunas a aumentar a sua auto-eficácia, através do apoio em actividades de auto-avaliação, revisão da sua história de sucessos, de modo a identificar possíveis fontes de baixa auto-eficácia e atribuições de causalidade inadequadas face à sua realização. E, apoiá-las em novas experiências de sucesso e na exploração de carreira, aprendendo estratégias para lidar com as barreiras internas e externas face à sua carreira relacionadas com as questões de género (Betz, 2005; Taveira, 2000).

 

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Recebido: 06/12/2007
1ª Revisão: 01/04/2008
Aceite final: 29/10/2008

 

 

1 Investigação financiada pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT) - SFRH/BD/18637/2004.
2 Endereço para correspondência: Universidade do Minho, campus de Gualtar. Departamento de Psicologia. 4710-057, Braga, Portugal. Fone: (00351) 253605262. Fax: (00351) 253604221. E-mail: ceuta@iep.uminho.pt.
3 O conceito de género surge no início dos anos 70, numa tentativa de separar as dimensões biológicas (sexo) e sócio-culturais (comportamentos, atitudes, sentimentos e crenças) do conceito (Hare-Mustin & Marecek, 1990; Maccoby & Jacklin, 1974). Apesar da evolução conceptual e diversidade de perspectivas, a literatura é consensual ao considerar que o género remete para um conjunto de princípios que organizam as relações entre homens e mulheres num determinado contexto social e cultural (Marecek, 1995; Saavedra & Nogueira, 2006). Ainda assim, neste artigo, género e sexo serão entendidos como equivalentes.

 

Sobre os autores
* Liliana da Costa Faria é doutorada em Psicologia Vocacional pela Universidade do Minho, e actualmente, psicóloga escolar em Lousada, Porto, Portugal.
** Maria do Céu Taveira é Doutorada em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho, Professora Auxiliar do Departamento de Psicologia do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.
*** Luísa Maria Saavedra é Doutorada em Psicologia da Educação pela Universidade do Minho, Professora Auxiliar do Departamento de Psicologia do Instituto de Educação e Psicologia da Universidade do Minho.

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