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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof v.9 n.2 São Paulo dez. 2008
ARTIGOS ORIGINAIS
Generatividade e vínculos com a carreira e a organização: problematizando as bases do comprometimento organizacional1
Generativity and attachment to career and organization: discussing the bases of organizational commitment
Capacidad de generación y vínculos con la carrera y la organización: problematizando las bases del comprometimiento organizativo
Mauro de Oliveira Magalhães* 2
Universidade Federal da Bahia, Salvador - Bahia, Brasil
RESUMO
A pesquisa sobre os vínculos do indivíduo com o trabalho possui um histórico caracterizado pela diversidade de conceitos e medidas. O modelo tridimensional do comprometimento organizacional de Meyer e Allen representa as três principais tradições de pesquisa sobre as bases psicológicas deste vínculo, a saber: afetiva, instrumental e normativa. Pesquisas têm encontrado que a base instrumental relaciona-se de modo distinto das demais no que tange a comportamentos desejáveis para a organização e para o indivíduo. Para abordar esta questão, foram investigadas as relações entre as bases do comprometimento com a organização e os construtos comprometimento com a carreira, entrincheiramento na carreira e generatividade. Uma amostra de 190 profissionais com graduação superior, 119 homens e 71 mulheres, participaram da pesquisa. As correlações encontradas sugerem a revisão do modelo tridimensional do comprometimento organizacional em termos da pertinência da base instrumental como uma forma de comprometimento com a organização.
Palavras-chave: Comprometimento organizacional, Entrincheiramento de carreira, Generatividade, Comprometimento com a carreira.
ABSTRACT
The research on individual’s connections to work has a history of diversity of concepts and measures. The Meyer and Allen’s three-dimensional model of organizational commitment represents the three major research traditions on the psychological basis of this connection: affective, normative and instrumental. Research has found that the instrumental basis relates in a different way with desirable behaviors for the organization and the individual than the other bases. To tackle this question were investigated the relationships between the bases of organizational commitment and the constructs: career commitment, career entrenchment, and generativity. A sample of 190 graduated professionals, 119 men and 71 women, participated in the study. The correlations found suggest that the three-dimensional model of the bases of organizational commitment in terms of the adequacy of the instrumental basis should be reviewed as a way of organizational commitment.
Keywords: Organizational commitment, Career entrenchment, Generativity, Career commitment.
RESUMEN
La investigación sobre los vínculos del individuo con el trabajo tiene un histórico caracterizado por la diversidad de conceptos y medidas. El modelo tridimensional del comprometimiento organizativo de Meyer y Allen representa las tres principales tradiciones de investigación sobre las bases psicológicas de este vínculo, a saber: afectiva, instrumental y normativa. Se ha encontrado en investigaciones que la base instrumental se relaciona de modo distinto que las demás en lo que concierne a comportamientos deseables para la organización y para el individuo. Para abordar esta cuestión, fueron investigadas las relaciones entre las bases del comprometimiento con la organización y los conceptos comprometimiento con la carrera, atrincheramiento en la carrera y capacidad de generación. La investigación se realizó sobre una muestra de 190 profesionales con graduación superior, 119 hombres y 71 mujeres. Las correlaciones encontradas sugieren la revisión del modelo tridimensional del comprometimiento organizativo en términos de la pertinencia de la base instrumental como una forma de comprometimiento con la organización.
Palabras clave: Comprometimiento organizativo, Atrincheramiento en la carrera, Capacidad de generación, Comprometimiento con la carrera.
A aceleração e globalização da concorrência, o aumento do trabalho informal e sazonal, a incerteza sobre o futuro e o ritmo frenético dos avanços tecnológicos são aspectos marcantes do mundo do trabalho contemporâneo. A instabilidade e a velocidade dos tempos atuais impõem desafios que significam, para empresas e profissionais, a capacidade de antecipar, compreender e gerenciar mudanças. As organizações cada vez mais reconhecem que precisam de colaboradores mais motivados, participativos e envolvidos com o trabalho. Neste sentido, estão sendo levadas a investir em modelos de gestão que favoreçam estas atitudes no trabalhador. Por outro lado, para os trabalhadores, o conceito de lealdade à empresa cede espaço à preocupação do indivíduo com a sua carreira e sua empregabilidade dentro e fora da ocupação e da organização em que trabalha.
Na verdade, a realidade do mundo do trabalho atual, com suas características de insegurança, alta competitividade, exigências elevadas de desempenho e estresse elevado, tem modificado a hierarquia de prioridades de vida de muitas pessoas que não encontram no papel de trabalhador o meio mais adequado de realização pessoal. Observa-se uma transformação nos valores dos trabalhadores, que, no momento de tomar decisões importantes em suas vidas, cada vez mais, relatam que necessidades de convívio familiar, atividades no âmbito da comunidade e o seu próprio bem-estar, importam tanto quanto a vida profissional (Gottlieb & Conklin, 1995; Magalhães & Gomes, 2005a; Simonsen, 1997). Sendo assim, é lógico supor que a incerteza e a insegurança dos tempos atuais tenham impactado na intensidade e na natureza dos vínculos que o trabalhador desenvolve com a sua carreira e com a sua organização de trabalho.
Neste cenário, o conceito de comprometimento assumiu relevância como um descritor de comportamentos desejáveis de um profissional tanto em relação a sua carreira quanto em relação a sua organização. O comprometimento no trabalho tem sido investigado em suas diversas formas. Este campo de estudo pode ser organizado em termos dos focos (organização, carreira, sindicato, dentre outros) e bases (afetiva, normativa, instrumental, dentre outras) do comprometimento. Os focos se referem ao objeto do vínculo e as bases aos processos psicológicos que o sustentam. Em relação à organização, o comprometimento tem sido definido por gestores e pesquisadores como a dedicação, o engajamento e, principalmente, uma pró-atividade do trabalhador associada ao desejo de contribuir para o alcance das metas organizacionais (Brito & Bastos, 2001). Esta definição contrasta com conceitos vigentes em tempos passados, quando, por exemplo, Porter, Steers e Mowday (1974) apontavam o comprometimento como o antídoto contra a rotatividade de trabalhadores. O indivíduo comprometido era aquele que permanecia na organização. Hoje não se compartilha mais a noção de que um trabalhador que apenas permanece na organização possa ser considerado comprometido. O “ser comprometido” atualmente significa contribuir ativamente para os objetivos organizacionais.
De acordo com Bastos (2008), existem dois grandes desafios para a pesquisa sobre comprometimento no trabalho: (a) como os indivíduos articulam seus comprometimentos com as diversas unidades sociais (focos) a que pertencem?; e (b) em que medida há redundância conceitual, sobreposição ou limites pouco claros entre estes comprometimentos? Inúmeras pesquisas já foram realizadas em atenção ao primeiro desafio (Bastos, 2008 ; Bastos, Correa & Lira, 1998). Não obstante, a presente investigação pretende contribuir para esta linha de investigação ao propor o construto generatividade como um correlato do comprometimento no trabalho. Este conceito é oriundo da psicologia do desenvolvimento e quer significar o grau de comprometimento do indivíduo em contribuir para a comunidade humana em geral (Erikson & Erikson, 1998). Para Erikson (1950) e Erikson e Erikson (1998) a generatividade se refere ao grau de engajamento do indivíduo em ideais e metas pró-sociais direcionadas à sociedade como um todo. Sobre este aspecto, a presente pesquisa pergunta em que medida o comprometimento com a organização está associado ao desejo de contribuir para o desenvolvimento da coletividade ou é apenas o resultado de motivações instrumentais e de sobrevivência em tempos de escassez e competição acentuada. Ainda nesta primeira vertente, outras pesquisas mostraram, de forma sistemática, que o comprometimento com a organização é menor em trabalhadores com maior nível de escolarização (Mathieu & Zajac, 1990). Este dado tem sido interpretado como resultado do maior investimento destes trabalhadores no foco carreira (Bastos, 2008). Neste sentido, a presente pesquisa utilizará uma amostra de trabalhadores com escolaridade mínima de graduação superior, para investigar associações entre comprometimento com a carreira e com a organização, examinando a compatibilidade destes dois focos de comprometimento nestes profissionais.
A segunda vertente de investigação apontada por Bastos (2008) preocupa-se com a precisão conceitual e a diferenciação entre tipos de comprometimento. Estas preocupações têm sido particularmente intensas no que se refere às bases do comprometimento organizacional. Sobre este tema, o modelo de Meyer e Allen (1997) tornou-se dominante ao delimitar três bases principais: afetiva, normativa e instrumental. Esta estrutura tridimensional das bases do comprometimento organizacional tem sido questionada nas pesquisas brasileiras e internacionais, devido ao fato de que as bases afetiva e normativa têm sido estreitamente associadas entre si, sugerindo ser uma única dimensão, enquanto a base instrumental parece ser um construto distinto. Nesta segunda perspectiva de investigação, a presente pesquisa irá investigar a relação entre as bases do comprometimento organizacional, o comprometimento com a carreira, o entrincheiramento na carreira e a generatividade. Estas relações serão examinadas a fim de verificar se as bases do comprometimento organizacional apresentam associações diferenciadas relativamente aos citados aspectos do vínculo com a carreira e a generatividade.
Comprometimento e entrincheiramento na carreira: definição e medida
De acordo com Schein (1993), do ponto de vista do trabalhador, a carreira significa o modo particular de cada indivíduo perceber o seu desenvolvimento profissional ao longo do tempo. Bastos (1995) esclarece que a “carreira (...) envolve a noção de seqüência de trabalhos correlacionados a um determinado campo, ao longo de uma dimensão temporal” (p. 53). Aryee e Tan (1992), por sua vez, afirmam que o comprometimento com a carreira “é um conceito afetivo (...) expresso na habilidade de lidar com decepções ao buscar os objetivos da carreira” (p. 289). Portanto, o construto comprometimento com a carreira deve incluir a atitude do indivíduo não somente em relação a sua permanência numa ocupação mas, principalmente, em relação ao processo contínuo de desenvolvimento profissional que justificará dizer que alguém tem uma carreira. Estes aspectos estão contemplados na medida de comprometimento com a carreira desenvolvida por Carson e Bedeian (1994), composta dos fatores identidade, resiliência e planejamento de carreira. A importância pessoal da ocupação está presente no componente identidade; o caráter dinâmico e longitudinal associado à busca de objetivos está contemplado no componente planejamento; e a resistência à ruptura da carreira em face de adversidades está representada no componente resiliência.
Bastos e cols. (1998) assinalaram a possibilidade de o trabalhador fortalecer o comprometimento com a carreira sem, necessariamente, ligar-se a um único emprego. De acordo com Gottlieb e Conklin (1995), o trabalhador apresentará qualidades de lealdade e comprometimento organizacional na medida em que seus anseios por reconhecimento, realização profissional e pessoal são satisfeitos na organização. Porém, sabe-se que a crise do emprego demove muitos trabalhadores de assumir os riscos inerentes à busca de novas oportunidades ou opções de carreira, uma vez empregados e supostamente estabilizados como funcionários de determinada organização. A situação de trabalhadores que permanecem ligados a uma área de trabalho por receio de perdas materiais, custos emocionais e/ou por dificuldades percebidas para encontrar alternativas de carreira, foi denominada de entrincheiramento na carreira (Carson, Carson & Bedeian, 1995). O indivíduo entrincheirado encontra-se numa posição fixa e defensiva, como sugere o significado da palavra.
De acordo com Carson e cols. (1995), muitos profissionais se entrincheiram numa carreira devido a três categorias de fatores: investimentos na carreira, custos emocionais e limitações nas alternativas de carreira. A noção de investimentos de carreira está baseada nas idéias de Becker (1960) sobre os fatores, denominados side-bets, que compelem os indivíduos a manter um curso de ação a fim de não perder os investimentos e benefícios associados ao mesmo. No caso do entrincheiramento na carreira, estes fatores incluem o tempo, o dinheiro e o esforço necessários à obtenção de habilidades específicas e credenciais educacionais pertinentes a determinado campo de carreira, assim como o salário, a posição social e outros aspectos.
Além da perda de investimentos, há determinados custos emocionais que podem estar associados a mudanças de carreira e, deste modo, contribuir para o entrincheiramento. Os custos emocionais incluem a perda dos vínculos interpessoais do papel de trabalhador e o impacto da mudança de carreira na vida pessoal. Além disto, a escolha profissional representa uma declaração pública da intenção de sucesso numa área de carreira determinada, o que pode levar o indivíduo a permanecer na mesma ocupação para não sofrer o desconforto psicológico e de exposição social associado à apresentação de atitudes e comportamentos inconsistentes. Muitas vezes, a percepção de insatisfação pode mesmo conduzir a mais investimentos, tempo e esforço, na esperança de superar este desconforto. Neste caso, o indivíduo tenta provar para si mesmo e para o seu entorno social que fez a escolha certa. Esta preocupação pode prejudicar a capacidade do sujeito para explorar o seu ambiente e identificar alternativas de carreira (Carson & Carson, 1997; Carson, Carson, Philips & Roe, 1996). Isto é, instala-se um processo de preservação psicológica que evolui à medida que os investimentos se acumulam.
Comprometimento organizacional: definição e bases psicológicas
A pesquisa sobre comprometimento organizacional possui um histórico caracterizado pela diversidade de conceitos e medidas. Nos trabalhos seminais de Mowday, Steers e Porter (1979) e Mowday, Porter e Steers (1982) o comprometimento organizacional foi definido, segundo uma perspectiva atitudinal, a partir de três aspectos: (a) uma forte crença e aceitação dos valores e objetivos da organização; (b) estar disposto a exercer um esforço considerável em benefício da organização; e (c) um forte desejo de se manter como membro da organização. A partir desta conceituação, os autores propuseram uma medida de comprometimento organizacional que elevou o interesse de outros pesquisadores sobre o tema. A seguir, os trabalhos de Morrow (1983), Reichers (1985) e Meyer e Allen (1984) diversificaram este campo de pesquisa em desdobramentos associados aos denominados focos (organização, carreira, trabalho, profissão, sindicato, dentre outros) e bases (afetiva, instrumental, calculativa, normativa, dentre outras) do comprometimento. Porém, mais recentemente, a literatura da área tem sido criticada por suas características de redundância e sobreposição conceitual (Bastos, 2008; Cohen, 2003).
O modelo de comprometimento organizacional de três dimensões de Meyer e Allen (1991) representa as três principais tradições de pesquisa sobre o tema: (a) afetiva/atitudinal (que enfatiza a identificação do indivíduo com objetivos e valores da organização); (b) instrumental/ site-bets (em que o comprometimento é produto das recompensas e custos associados à permanência na organização); e (c) normativa (em que o comprometimento resulta de pressões normativas internalizadas para que o indivíduo se conforme aos objetivos da organização). Os autores caracterizam os indivíduos nas três dimensões da seguinte forma: “empregados com forte comprometimento afetivo permanecem na organização porque assim o querem. (...) aqueles cuja ligação está baseada no comprometimento instrumental continuam empregados porque precisam. (...) Empregados com alto grau de comprometimento normativo sentem que eles devem permanecer na organização” (Meyer & Allen, 1991, p. 67).
Assim, o comprometimento afetivo apóia-se no orgulho pelo trabalho, no desejo de filiação e no prazer de ser membro da organização, ligado ao sentimento de pertencer, de sentir-se bem no ambiente, de assumir os problemas da organização como seus. O comprometimento instrumental se caracteriza pela passividade, resultado da percepção da impossibilidade de mudança, em que o indivíduo percebe-se imobilizado pelos altos custos associados ao abandono da organização e pela crença de não ter condições de conseguir algo melhor. O comprometimento normativo deve-se a um sentimento de obrigação de retribuir o que a organização fez ou faz, bem como a idéia de que todo empregado deve ser leal a sua organização. Meyer e Allen (1997) consideram estas três dimensões como componentes de comprometimento, e não tipos de comprometimento, pois o relacionamento entre trabalhador e organização pode se refletir em vários graus nas três bases.
Observa-se que a descrição do comprometimento organizacional de base instrumental apresenta semelhanças com a definição de entrincheiramento na carreira. Nesta perspectiva (instrumental) do comprometimento organizacional, também conhecida como calculativa, “de continuação” ou side-bets, o comprometimento é uma função das recompensas e custos associados à condição de integrante da organização. O trabalhador permanecerá na empresa enquanto perceber um saldo positivo de benefício pessoal em comparação aos custos associados a deixar a organização (Bastos, 1995). Ora, tanto o entrincheiramento na carreira quanto o comprometimento organizacional instrumental caracterizam-se por uma postura passiva e defensiva do profissional, que se apega a uma área de trabalho e/ou organização por dificuldades percebidas de recolocação no mercado. Esta similaridade assenta-se na base psicológica comum do entrincheiramento na carreira e do comprometimento instrumental. Embora estes construtos se refiram a dois focos diferentes do vínculo do indivíduo com o trabalho & carreira e organização & compartilham processos de preservação psicológica e comportamentos de evitação de perdas e danos.
A pertinência da base instrumental como uma forma desejável de comprometimento é questionável, uma vez que esta não se caracteriza pela identificação com os valores e objetivos organizacionais ou pelo desejo de contribuir e investir esforços em prol da organização, incluindo apenas o comportamento de permanência na mesma. Inúmeras pesquisas têm encontrado que a base instrumental se diferencia das bases normativas e afetivas em relação a comportamentos desejáveis para a organização e para o indivíduo (Cooper-Hakim & Viswesvaram, 2005; Meyer, Stanley, Herscovitch & Topolnytsky, 2002). Meyer e cols. (2002) conduziram procedimentos de meta-análise para examinar as associações das três bases do comprometimento organizacional entre si e com as variáveis anteriormente identificadas como seus antecedentes, correlatos e conseqüências (Meyer & Allen, 1991). A base afetiva obteve as correlações mais fortes e favoráveis com comportamentos positivos para a organização (assiduidade, desempenho, comportamentos de cidadania organizacional) e para o empregado (manejo do estresse e menor conflito trabalho-família). A base normativa também revelou correlações com aspectos desejáveis, mas não tão robustas.
O comprometimento instrumental mostrou ausência de correlação ou correlação negativa com estas mesmas variáveis. Este comportamento diferenciado da base instrumental também foi observado em outros estudos (Cooper-Hakim & Viswesvaram, 2005; Randall & O’Driscoll, 1997). A meta-análise conduzida por Cooper-Hakim e Viswesvaram (2005) examinou 995 artigos que investigaram as relações entre diversas bases de comprometimento organizacional e variáveis como satisfação no trabalho, desempenho e intenção de turnover. Os resultados revelaram uma forte associação entre comprometimento afetivo e normativo, e um comportamento distinto da base instrumental. Estes achados colocam em questão o modelo tridimensional dominante nas pesquisas sobre as bases do comprometimento organizacional, sugerindo que uma de suas bases não se correlaciona com as outras duas, e não tem o mesmo impacto em outras variáveis. No seu conjunto, estes dados sugerem que a base instrumental, embora seja uma forma de vínculo entre o trabalhador e a organização, não é representativa de uma forma desejável de comprometimento.
Meyer e Herscovitch (2001) revisaram as definições de comprometimento presentes na literatura e concluíram que todas, em geral, assumem que este é uma força estabilizadora resultante de um estado ou esquema mental que direciona e restringe o comportamento do indivíduo a determinado curso de ação relevante para um ou mais objetivos. Dentro deste arcabouço geral, a base instrumental encontra espaço como um entre outros estados psicológicos que vinculam o indivíduo à organização. Porém, em nome da clareza e da parcimônia conceituais, e em atenção à necessidade de um vocabulário técnico esclarecedor para os profissionais que buscam em dados de pesquisa apoios para sua prática, sugere-se a revisão da base instrumental como um estado psicológico qualificável como comprometimento. Neste sentido, Bastos (comunicação pessoal, 20 de setembro de 2007) sugeriu a expressão entrincheiramento na organização como substituto a comprometimento organizacional instrumental e, portanto, a diferenciação deste construto da idéia de comprometimento.
Comprometimento, entrincheiramento e generatividade
O comprometimento como um comportamento desejável e construtivo deve partir da busca do indivíduo por um espaço de participação e contribuição na comunidade que lhe confira importância e reconhecimento social. A teoria do desenvolvimento de Erikson (1950) e Erikson e Erikson (1998) contempla este processo como a tarefa evolutiva crucial da vida adulta, denominada generatividade. A generatividade refere-se ao comprometimento do indivíduo com o mundo social mais amplo, revelando a sua preocupação com a continuidade e aperfeiçoamento da vida humana e o desejo de deixar um legado para as próximas gerações. Portanto, as atividades generativas podem se dar dentro ou fora do papel de trabalhador, pois incluem todas as ações significativas do indivíduo para a sua comunidade, tais como a participação em movimentos sociais, trabalho voluntário, associações civis, dentre outras. A ação generativa é guiada pelo comprometimento, pois não é um ato fortuito ou aleatório, mas reflexivo e proposital. O comprometimento generativo significa o estabelecimento de projetos pessoais, metas e investimentos necessários para a ação generativa (McAdams & Aubin, 1998). Segundo McAdams e Aubin (1998), o significado da generatividade revela dois aspectos interligados: (a) a criação, produção ou geração de algo; e (b) a doação deste algo como uma dádiva pessoal para a posteridade. Os autores elaboraram a Escala de Generatividade ou Loyola Generativity Scale a fim de mensurar a generatividade (McAdams & Aubin, 1998). Na pesquisa de McAdams, Diamond, Aubin e Mansfield (1997), adultos altamente generativos articularam número maior de metas pró-sociais direcionadas ao benefício da sociedade como um todo. Em contraste, adultos menos generativos articularam grande número de metas pessoais direcionadas ao benefício de si mesmos.
O trabalho, tradicionalmente entendido como o principal meio de contribuição do indivíduo à sociedade, é considerado fundamental para a experiência da generatividade. Magalhães e Gomes (2005a) encontraram correlação direta e importante entre comprometimento com a carreira e generatividade (r=.43; p<.01) e uma relação inversa entre entrincheiramento e generatividade (r=-.14; p<.01). Entre as dimensões de entrincheiramento, a denominada falta de alternativas mostrou a correlação mais importante com generatividade (r=-.36; p<.01). Os autores argumentaram que o indivíduo entrincheirado na carreira, ao contrário do comprometido, sente-se limitado em sua capacidade de contribuir para sua comunidade, afirmando a importância do desenvolvimento profissional para o sentimento de generatividade. Magalhães e Gomes (2005b) concluíram que o entrincheiramento está associado à carência de habilidades sociais e de criatividade, requisitos fundamentais tanto para a experiência generativa quanto para o desenvolvimento da carreira nos tempos atuais. A criatividade dota o indivíduo de condições para produzir contribuições únicas e as habilidades sociais são os recursos que precisa para comunicar e entregar esta contribuição à sua coletividade. Esta articulação entre criatividade e habilidades sociais parece estar presente nas concepções atuais do termo competência no contexto organizacional. O profissional competente precisa não somente dispor de um estoque de conhecimentos e habilidades, mas também estar atento às demandas de seu ambiente, sendo capaz de criar e oferecer contribuições relevantes (Fleury & Fleury, 2000). Sendo assim, é possível supor que o entrincheiramento esteja associado a menor engajamento e produtividade no ambiente de trabalho, entendimento condizente aos achados de Scheible, Bastos e Rodrigues (2007). Os autores encontraram relação negativa entre entrincheiramento na carreira e desempenho, tanto na auto-avaliação do trabalhador quanto na avaliação do superior imediato. Estes dados sugerem que o indivíduo entrincheirado não se relaciona com o seu trabalho de modo a buscar oferecer contribuições significativas, o que é congruente com os dados de Magalhães e Gomes (2005a).
Diante das idéias apresentadas acima, esta pesquisa investigou relações entre as bases do comprometimento organizacional (afetiva, normativa e instrumental), o comprometimento com a carreira, o entrincheiramento na carreira e a generatividade. Portanto, o presente estudo examinará as relações entre dois focos de comprometimento associados ao papel de trabalhador (carreira e organização) e o foco da comunidade ou sociedade humana como um todo, associado ao papel generativo da vida adulta. Estas relações serão examinadas a fim de verificar se as bases do comprometimento organizacional apresentam associações diferenciadas relativamente aos citados aspectos do vínculo com a carreira e a generatividade. Tendo em vista o distanciamento teórico e empírico apontado entre as bases afetiva e instrumental do comprometimento, espera-se que a generatividade, o comprometimento com a carreira, e o comprometimento organizacional afetivo mostrem-se negativamente correlacionados com o comprometimento organizacional instrumental e com o entrincheiramento na carreira. As correlações esperadas seguem a hipótese de que a generatividade, o comprometimento com a carreira e o comprometimento organizacional afetivo são incompatíveis com a imobilidade e/ou defensividade representadas no entrincheiramento na carreira e no comprometimento organizacional instrumental.
As descrições das bases psicológicas dos processos de comprometimento apóiam algumas expectativas sobre as relações a serem encontradas entre as variáveis estudadas. Parte-se da premissa de que, por um lado, o comprometimento organizacional afetivo e o comprometimento com a carreira compartilham uma base psicológica afetiva orientada para a realização de metas e valores que é também presente na generatividade. Sendo assim, espera-se que o comprometimento com a carreira se mostre compatível com a dedicação e o esforço em prol da organização, e que o comprometimento afetivo com estes dois focos do papel de trabalhador (carreira e organização) se mostre positivamente associado com o comprometimento do indivíduo com o desenvolvimento da sociedade como um todo, isto é, com a generatividade. Por outro lado, acredita-se que o comprometimento organizacional instrumental e o entrincheiramento na carreira compartilham uma base instrumental preocupada com a preservação psicológica e a evitação de perdas e danos. Sendo assim, espera-se uma associação positiva entre (a) o entrincheiramento na carreira e o comprometimento instrumental e entre (b) o comprometimento organizacional afetivo, o comprometimento com a carreira e a generatividade.
MÉTODO
Sujeitos
Participaram do estudo 190 profissionais vinculados a empresas da iniciativa privada com sede na região metropolitana de Porto Alegre-RS, 119 homens e 71 mulheres, com idades entre 26 e 57 anos (M=42,7; DP=6,7), escolaridade mínima de graduação superior e mais de cinco anos de carreira (M=19,33; DP=7,17). Esta amostra foi selecionada de uma amostra maior de 824 trabalhadores participantes de um estudo sobre comportamentos de carreira na vida adulta. Os sujeitos da presente pesquisa são trabalhadores com graduação em várias áreas do conhecimento (ciências humanas, da saúde, engenharias, ciências sociais aplicadas) inseridos em ocupações adequadas ao seu nível de escolaridade e tipo de formação.
Instrumentos
Foram aplicadas quatro escalas respondidas no formato Likert de cinco pontos, correspondentes às variáveis comprometimento com a carreira, entrincheiramento na carreira, comprometimento organizacional e generatividade. A Escala de Comprometimento com a Carreira (Carson e cols., 1994) possui 12 itens e três fatores, a saber: identidade, resiliência e planejamento. Na amostra estudada, a escala apresentou consistência interna (alpha de Cronbach) de 0.82. Para os fatores identidade, resiliência e planejamento, os índices de consistência interna foram, respectivamente 0.75, 0.72 e 0.76. A escala de entrincheiramento na carreira (Carson, Carson & Bedeian, 1995) possui 12 itens e três fatores com quatro itens cada, a saber: investimentos de carreira, custos emocionais e falta de alternativas. Na amostra estudada, a escala apresentou consistência interna (alpha de Cronbach) de 0.84. Para os fatores investimentos, custos emocionais e falta de alternativas, os índices de consistência interna foram, respectivamente 0.75, 0.73 e 0.72. Nos estudos de Magalhães (2005, 2008), as análises fatoriais exploratórias destas versões brasileiras das escalas de comprometimento e entrincheiramento de carreira revelaram distribuição de itens e respectivas cargas fatoriais predominantes em fatores correspondentes à dimensionalidade proposta nos modelos originais. Um maior detalhamento das propriedades psicométricas da versão brasileira da escala de entrincheiramento na carreira pode ser encontrado no estudo de Magalhães (2008). A Escala de Comprometimento Organizacional desenvolvida por Meyer e Allen (1984, 1997) foi utilizada na versão brasileira de Medeiros e Enders (1997). Este instrumento inclui três subescalas referentes às bases afetiva, instrumental e normativa do comprometimento organizacional. Cada subescala é composta de seis itens. Os itens aparecem sobre a forma de afirmações que descrevem experiências do profissional na sua relação com a organização em que trabalha. A generatividade é um construto unidimensional e foi mensurada pela Loyola Generativity Scale (McAdams & Aubin, 1998). Este instrumento é composto de 20 itens com chave de respostas no formato Likert de cinco pontos. Na amostra estudada, a versão brasileira, elaborada por Magalhães (2005), obteve índice de consistência interna (alpha de Cronbach) de 0.83. Os participantes também informaram aspectos demográficos como idade, sexo, estado civil, escolaridade, ocupação, tempo de carreira, tempo na organização.
Procedimentos
A coleta de dados foi coletiva, realizada no local de trabalho ou de estudos de pós-graduação dos participantes com prévio consentimento das entidades responsáveis. A pesquisa foi realizada mediante aprovação do Comitê de Ética da instituição de afiliação do pesquisador. Foram atendidas as determinações éticas da resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde (CNS) sobre a pesquisa com seres humanos. Os dados se mostraram adequados à análise por estatística paramétrica. As relações entre as variáveis foram investigadas através de análises correlacionais (correlação de Pearson).
RESULTADOS
A Tabela 1 apresenta as correlações encontradas entre os escores parciais e totais de comprometimento com a carreira, entrincheiramento na carreira e comprometimento organizacional e generatividade. Observa-se que a base afetiva do comprometimento organizacional correlacionou positivamente com os escores parciais e totais da escala de comprometimento com a carreira e com a medida de generatividade. A base afetiva também mostrou associações significativas com duas dimensões da medida de entrincheiramento: correlação positiva com custos emocionais e negativa com falta de alternativas. A base normativa se mostrou associada positivamente com a escala total de comprometimento com a carreira e com suas dimensões de identidade e planejamento. Em contraste ao comportamento das bases afetiva e normativa, a base instrumental revelou correlação negativa com a escala total de comprometimento com a carreira e com suas dimensões de planejamento e resiliência, ao mesmo tempo em que se mostrou inversamente relacionada com a generatividade. Observa-se que a dimensão custos emocionais da escala de entrincheiramento correlacionou positivamente com as três bases do comprometimento organizacional.
Tabela 1
Correlações entre os escores de comprometimento e entrincheiramento com/na carreira, generatividade e as três bases do comprometimento organizacional
** p<0.01; * p<0.05
A Tabela 2 apresenta as correlações encontradas entre os escores parciais e totais de comprometimento com a carreira, entrincheiramento na carreira e generatividade. Observa-se que a generatividade correlacionou positivamente com os escores totais de comprometimento com a carreira, e parciais de identidade e planejamento, e negativamente com os escores totais e parciais de entrincheiramento. Houve correlação entre custos emocionais, dimensão de entrincheiramento, e identidade, uma dimensão do comprometimento com a carreira.
Tabela 2
Correlações entre os escores de comprometimento e entrincheiramento com/na carreira e generatividade
** p< 0.01; * p< 0.05
As análises de correlação entre as bases do comprometimento organizacional revelaram que as bases afetiva e normativa estão positiva e fortemente correlacionadas (r=0.54; p<.001), e que as bases afetiva e instrumental estão fraca e negativamente correlacionadas (r=- 0.13; p<.05).
DISCUSSÃO
As correlações obtidas confirmam as expectativas criadas pela revisão da literatura. Sobre a articulação entre os focos do comprometimento no trabalho, houve associação positiva entre o comprometimento organizacional afetivo e o comprometimento com a carreira. Pesquisas anteriores mostraram que o comprometimento com a organização é menor em trabalhadores com maior nível de escolarização (Mathieu & Zajac, 1990). Não obstante, este resultado indica que, mesmo em trabalhadores com maior nível de escolarização e diante da incerteza e instabilidade do mundo do trabalho atual, é possível compatibilidade entre metas de desenvolvimento individuais e organizacionais. Também houve associação positiva entre o comprometimento organizacional afetivo e a generatividade, indicando que o comprometimento afetivo com a organização pode estar associado ao comprometimento com o desenvolvimento da sociedade como um todo, ou seja, não é apenas o resultado de motivações de segurança e sobrevivência em tempos de escassez e competição acentuada. Esta associação também revela que o vínculo afetivo com a organização e, portanto, a dedicação às metas empresariais, pode ser importante para a experiência da generatividade. Ora, sendo a generatividade a expressão do desejo de contribuir e deixar um legado para a coletividade, o contexto organizacional oferece oportunidades estruturadas neste sentido. Por outro lado, o vínculo instrumental com a organização mostrou correlação negativa com a generatividade, o que, a exemplo de pesquisas anteriores (Scheible e cols., 2007), indica que este tipo de vínculo não corresponde a uma forma produtiva ou generativa de estar na organização e remete a questões da validade do modelo tridimensional do comprometimento organizacional de Meyer e Allen (1997).
Neste sentido, os resultados trazem implicações relacionadas à redundância, sobreposição ou fraca delimitação entre construtos de comprometimento no trabalho. Em primeiro lugar, a magnitude da correlação positiva entre as bases afetiva e normativa corrobora os achados de pesquisas anteriores (Becker, 1992; Bastos, 1994, 2008) e é contrária a proposição de que a dimensão normativa seria uma base específica do comprometimento organizacional. Portanto, esta correlação reforça achados anteriores que colocam em cheque o modelo tridimensional do comprometimento organizacional de Meyer e Allen (1997). Bastos (2008) sugere que a dimensão normativa expressa uma congruência entre normas pessoais e organizacionais, sobrepondo-se a dimensão afetiva, definida como a identificação do indivíduo com os valores e metas da organização.
Em segundo lugar, as correlações das bases do comprometimento organizacional com as medidas do vínculo com a carreira (comprometimento e entrincheiramento) e da generatividade mostram um padrão diferenciado relativo à base instrumental. As bases afetiva e normativa do comprometimento organizacional correlacionaram positivamente com o comprometimento com a carreira; ao contrário da base instrumental que mostrou correlação negativa. Além disto, houve associação negativa entre o comprometimento organizacional de base afetiva e o de base instrumental. Estes resultados reforçam o afastamento, encontrado em estudos anteriores (Cooper-Hakim & Viswesvaram, 2005), da base instrumental em relação às bases afetiva e normativa, no que diz respeito às correlações com variáveis antecedentes, correlatas e conseqüentes do comprometimento organizacional. E também sugere que a base instrumental não corresponde a uma qualidade desejável de comprometimento com a organização, pois a permanência no emprego por razões instrumentais está inversamente associada à busca de crescimento na própria carreira, revelando a incompatibilidade entre valores e projetos individuais e organizacionais.
Em estudos anteriores, ao contrário das bases afetiva e normativa do comprometimento organizacional, a base instrumental não revelou associações favoráveis com comportamentos desejáveis para a organização ou mesmo para o próprio indivíduo, tais como a cidadania organizacional, o desempenho e o manejo adequado do estresse (Meyer e cols., 2002). Na presente pesquisa, esta diferenciação entre as bases do comprometimento se revelou também em relação ao construto generatividade. A base afetiva do comprometimento organizacional correlacionou positivamente com a generatividade (r=.22; p<.01), enquanto a base instrumental mostrou correlação negativa (r=-0.30; p<.01). Portanto, o presente estudo aponta a generatividade como mais um correlato do comprometimento organizacional que se comporta de forma diferente relativamente às bases afetiva e instrumental. De modo consistente com as tendências observadas na literatura, este resultado reforça o perfil desfavorável de associações da base instrumental com variáveis relevantes para a organização e para o indivíduo. De modo análogo, o comprometimento com a carreira (um construto de base afetiva) e o entrincheiramento na carreira (um construto de base instrumental), mostraram tendências divergentes em relação à generatividade. O comprometimento obteve associação positiva e o entrincheiramento obteve associação inversa, corroborando estudos anteriores que apontaram resultados negativos para o entrincheiramento de carreira em termos de bem-estar, generatividade e produtividade (Baiocchi & Magalhães, 2004; Magalhães & Gomes, 2005a; Scheible, Bastos & Rodrigues, 2007).
A magnitude da correlação entre a base instrumental e o entrincheiramento na carreira sugere que estes construtos compartilham significados comuns. Importa não esquecer que ambos os conceitos foram desenvolvidos a partir do trabalho de Becker (1960), que afirma que a permanência numa ocupação ou organização resulta, ao longo do tempo, em recompensas e outras conseqüências paralelas que podem ser difíceis de abdicar, devido a perdas materiais ou danos psicológicos envolvidos. Estes investimentos se acumulam e amarram, progressivamente, o indivíduo a determinada linha de ação, e mostram sua força quando este contempla a possibilidade de mudança. Por fim, embora possa estar insatisfeito, o profissional permanece na organização e/ou na mesma área de trabalho.
A dimensão custos emocionais do entrincheiramento na carreira mostrou um comportamento diferenciado no contexto das correlações encontradas entre as demais variáveis. Embora seja uma dimensão representativa de comportamentos instrumentais, obteve correlações positivas com a dimensão identidade do comprometimento com a carreira e também com as três bases do comprometimento organizacional. Uma vez que os custos emocionais se referem ao trauma emocional antecipado como resultado de uma mudança de carreira, decorrente do apego à determinada área de trabalho, é coerente que apareça associado à identidade de carreira, uma dimensão do comprometimento referente à importância pessoal e conseqüente ligação afetiva do sujeito à determinada atividade. Este resultado corrobora os achados de Baiocchi e Magalhães (2004), que concluíram que há uma tendência ao entrincheiramento no indivíduo que tem alta identificação com sua carreira, devido à percepção de ameaça a sua identidade profissional em caso de mudança. Portanto, o componente custo emocional mostra-se um complicador que põe em causa a possibilidade de uma total discriminação e separação da base instrumental em relação às bases afetiva e normativa. Com efeito, pode-se pensar que o trabalhador comprometido afetivamente com a carreira e/ou organização venha a antecipar um sofrimento emocional significativo diante da possibilidade de uma transição na vida profissional, custo que pode vir a ser contabilizado dentro de uma lógica calculativa/instrumental. Por outro lado, a dimensão de entrincheiramento denominada falta de alternativas parece constituir um fator crítico para a caracterização da base instrumental do comprometimento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As relações encontradas entre generatividade, comprometimento com a organização e com a carreira, indicam que tanto a carreira quanto a organização podem ser espaços importantes de realização generativa para os profissionais contemporâneos. Por outro lado, o entrincheiramento na carreira e a base instrumental do vínculo com a organização se mostraram adversos à experiência generativa, e também inversamente relacionados com o comprometimento com a carreira. Estes achados contribuem para questionar se a base instrumental do vínculo com a organização pode ser qualificada como comprometimento. Cooper-Hakim e Viswesvaran (2005) concluíram que as medidas desta base psicológica do vínculo com a organização estariam avaliando outro construto que não o comprometimento. Portanto, sugere-se que o vínculo instrumental seja reposicionado no contexto dos construtos descritores da vinculação do indivíduo com o trabalho. Se os primeiros estudos sobre o comprometimento organizacional estavam preocupados com assiduidade e turnover, as novas estruturas organizacionais e as novas modalidades de contrato de trabalho demandam a revisão destes critérios de comprometimento. O problema parece residir na imprecisão da definição constitucional das bases do comprometimento organizacional, pois estar vinculado e/ou permanecer na organização não equivale estar comprometido. A definição das bases do comprometimento como estados psicológicos que vinculam o indivíduo à organização não é precisa o suficiente para embasar a operacionalização adequada do construto. No contexto atual, a base instrumental é mais descritora de dificuldades e limitações de desenvolvimento de carreira, dentro ou fora da organização, portanto, é uma forma de vínculo que não deve ser predominante numa organização interessada em uma força de trabalho motivada, criativa e em sintonia com as metas do negócio. Por fim, ao invés de comprometimento de base instrumental, esta pesquisa apóia a proposta de que a expressão entrincheiramento na organização, conforme sugestão de Bastos (comunicação pessoal, 20 de setembro de 2007), possa ser uma denominação mais clara e reveladora do significado deste comportamento.
Por fim, considera-se importante esclarecer que o entrincheiramento na organização é uma forma de vínculo que ainda precisa ser mais bem descrita e compreendida. Neste sentido, sugere-se que pesquisas futuras explorem as relações entre medidas de entrincheiramento e variáveis pessoais, organizacionais e de contexto socioeconômico. Entre estas últimas, recomenda-se que as condições do mercado de trabalho das amostras estudadas sejam examinadas em suas relações com processos de entrincheiramento na carreira e na organização. Ora, contextos socioeconômicos caracterizados por escassez de empregos e recessão econômica provavelmente favorecem estes processos de entrincheiramento. Por outro lado, algumas pesquisas sugerem que aspectos de personalidade estão associados ao entrincheiramento na carreira (Magalhães, 2005) e ao comprometimento organizacional (Cervo, 2007). Portanto, vínculos com a organização ou com a carreira precisam ser contextualizados em variáveis disposicionais e contextuais que permitam compreender o conjunto de fatores que contribuem para o seu estabelecimento.
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Recebido: 11/03/2008
1ª Revisão: 30/10/2008
Aceite final: 11/11/2008
1 Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado da Bahia (FAPESB).
2 Endereço para correspondência: Rua Tenente Pires Ferreira, 308, Bloco A/201, 40130-160, Salvador-BA. Fone: (71) 33371495. E-mail: mauro.m@terra.com.br.
Sobre o autor
* Mauro de Oliveira Magalhães é psicólogo, Doutor em Psicologia do Desenvolvimento pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul, professor do curso de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia.