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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof v.10 n.2 São Paulo dez. 2009

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

O papel do professor na transmissão de representações acerca de questões vocacionais

 

The teachers’ role in the transmission of representations about vocacional issues

 

El papel del profesor en la transmisión de representaciones sobre cuestiones vocacionales

 

 

Ana Filipa Ferreira*; Inês Nascimento** 1; Anne Marie Fontaine***

Universidade do Porto, Porto, Portugal

 

 


RESUMO

Encarando-se o professor como agente influente e promotor do desenvolvimento vocacional dos alunos, neste artigo descreve-se uma investigação que visou conhecer o conteúdo do discurso e das suas acções acerca de questões vocacionais. O plano metodológico contemplou duas componentes: (a) Observação de Aula e (b) Focus Group, sendo apresentados apenas os resultados da primeira. Nove professores de História do 9º ano do sistema educativo português participaram neste estudo. A investigação, de natureza qualitativa, permitiu concluir que os professores constroem e veiculam representações que influenciam directa e indirectamente o desenvolvimento vocacional dos alunos. Partiu-se ainda do conhecimento das suas formas de actuação para a identificação de pistas susceptíveis de contribuir para a transformação das suas práticas, propondo-se actividades de infusão curricular de objectivos de exploração vocacional.

Palavras-chave: Orientação vocacional, Professores, Infusão curricular, Representações.


ABSTRACT

Considering the teachers’ role as influencing and promoting their students’ vocational development, this article investigates teachers’ discourses and actions about vocational issues. The methodology design included two components: (a) Lesson Observation and (b) Focus Group. Nine History teachers, teaching the ninth grade of the Portuguese Educational System, participated in this study. The qualitative analysis permitted to conclude that teachers construct and convey representations that influence directly and indirectly their students’ vocational development. The teachers’ action was analyzed as a starting point for the identification of clues that could contribute to the formalization of their practices, proposing curriculum infusion of activities with vocational exploration objectives.

Keywords: Vocational guidance, Teachers, Curriculum infusion, Representations.


RESUMEN

Considerando al profesor como agente influyente y promotor del desarrollo vocacional de los alumnos se describe en este artículo una investigación que pretendió conocer el contenido del discurso y de sus acciones acerca de cuestiones vocacionales. El plan metodológico contempló dos componentes: (a) Observación de Clase y (b) Focus Group, presentándose sólo los resultados de la primera. Participaron de este estudio nueve profesores de Historia del 9º año del sistema educativo portugués. La investigación, de naturaleza cualitativa, permitió concluir que los profesores construyen y transmiten representaciones que influyen directa e indirectamente en el desarrollo vocacional de los alumnos. Además, se partió del conocimiento de sus formas de actuación para la identificación de pistas que pudieran contribuir para la transformación de sus prácticas, proponiéndose actividades de inclusión curricular de objetivos de exploración vocacional.

Palabras clave: Orientación vocacional, Profesores, Inclusión curricular, Representaciones.


 

 

Promoção do desenvolvimento vocacional

Entre as várias conceptualizações do desenvolvimento vocacional, nesta investigação privilegia-se uma perspectiva construtiva, ecológica e desenvolvimental, considerando-se que o processo de construção do itinerário vocacional está integrado no desenvolvimento global do indivíduo (Campos, 1989).

Considera-se que o desenvolvimento vocacional ocorre na interacção do indivíduo consigo próprio, com os outros e com o mundo, ao “longo e ao largo” de todo o processo de desenvolvimento. Tendo como linhas orientadoras os pressupostos do Construcionismo Social, Burr (1999) salienta que é na interacção que o indivíduo constrói, subjectivamente, a sua forma de ver e entender a realidade, sendo esta construção produto do contexto histórico-social em que o indivíduo actua.

É no quadro desta relação que o indivíduo se confronta com novas tarefas e experiências para as quais constrói significados e representações, transformando os seus investimentos, através de processos de diferenciação e integração das suas vivências nos vários contextos de vida (Coimbra, Campos, & Imaginário, 1994). Esta dialéctica exploração-investimento está na base das escolhas que dão direcção ao seu percurso e o orientam na construção do seu projecto de vida (Campos, 1980a), sendo mesmo possível que, em certas circunstâncias, dê lugar à emergência de novas intenções na experiência subjectiva do sujeito (Richardson, 2004).

Por conseguinte, o processo de construção do itinerário vocacional do indivíduo não é apenas um projecto individual, no qual o indivíduo-actor é o autor exclusivo do mesmo, mas também um processo social cuja construção depende, para além das interacções indivíduo-meio, das oportunidades que este último proporciona ao seu desenvolvimento. Segundo Campos (1989), as relações de investimento são influenciadas pelas experiências proporcionadas pelos diferentes contextos de vida nos/com os quais o sujeito interage, podendo-se salientar a família, o grupo de pares, a comunidade de pertença, os tempos livres, os meios de comunicação social e a escola.

Nesta investigação atender-se-á, especificamente, ao contexto “escola” e será especialmente focado o papel dos professores enquanto agentes privilegiados na promoção de experiências potenciadoras e facilitadoras do desenvolvimento vocacional dos alunos.

Meio/Escola e Agente/Professor

Segundo o Decreto-Lei n.º 190/91 de 17 de Maio de 1991, a melhoria da qualidade da educação é um objectivo que compete aos diferentes agentes educativos. Esta função surge, em Portugal, associada aos Serviços de Psicologia e Orientação que, à partida, estando inseridos em estruturas regionais escolares (Lei de Bases do Sistema Educativo, Artigo 29º - “Apoio Psicológico e Orientação Escolar e Profissional”), actuariam em proximidade com o contexto educativo. Neste, salienta-se que “a eficácia dos serviços de psicologia e orientação depende em grande medida da dinâmica interdisciplinar que os seus técnicos forem capazes de estabelecer no seio da escola e da comunidade em que se integram (…)”. Naturalmente que, assistindo-se a uma insuficiência dos psicólogos nas escolas, o professor, tendo em conta a sua proximidade com os alunos, é muitas vezes procurado como fonte de apoio para as suas dúvidas e preocupações vocacionais. Estes, por sua vez, nem sempre se sentem preparados para apoiar de forma competente e intencionalizada os alunos.

Urge, então, encontrar-se espaço na dinâmica escolar para que os professores tenham um contacto mais próximo com estas questões de modo a sentirem-se mais seguros na(s) sua(s) acção(ões) em torno da temática vocacional. Para além disso, é indubitável a pertinência destas questões serem introduzidas, sistemática e intencionalmente, nas suas práticas, com vista à promoção do desenvolvimento vocacional dos alunos. Deste modo, o professor poderá tornar-se mais consciente do seu papel enquanto agente privilegiado de desenvolvimento vocacional e do modo como a sua prática poderá influenciar o processo de orientar-se dos alunos. Sendo assim, adquire ainda maior relevância compreender qual a importância do contexto “escola” no seu desenvolvimento vocacional e de que modo se pode promover a qualidade das acções dos professores enquanto agentes promotores do mesmo.

Partindo de uma conceptualização da Orientação Vocacional que coloca a ênfase na exploração reconstrutiva dos investimentos (Campos & Coimbra, 1991), a escola apresenta-se como um contexto que oferece condições propícias ao desenvolvimento vocacional dos jovens, sendo o lugar onde fazem aprendizagens, adquirem competências, saberes e constróem interesses, gostos e valores. As experiências aqui vividas têm, por isso, um papel importante na organização da moratória, com vista à facilitação da construção da identidade, nomeadamente no domínio vocacional e à orientação face à vida (Carita & Diniz, 1995; Coimbra, 1995). Efectivamente, segundo Marcia (1986) e Erikson (1976), a construção da identidade exprime-se também na área profissional (“Quem quero ser?”). Podemos, por isso, esperar que a escola, e as vivências que nela têm lugar, possam facilitar a ocorrência de aprendizagens significativas, susceptíveis de influenciar o processo de orientação vocacional dos indivíduos. Importa salientar, mais concretamente, que os professores são figuras fundamentais de apoio e desafio a esta construção. Segundo Parada, Castro e Coimbra (1997), dado o tempo dispendido pelos professores com os alunos, é natural que acabem por estabelecer uma relação pessoal de proximidade e de profundo conhecimento, constituindo-se como modelos de actuação e, ao mesmo tempo, como agentes promotores de mudança.

Pertinência da emergência de novas práticas

Independentemente de haver uma intencionalidade consciente no seu desempenho, é por demais evidente que o professor influencia formação dos projectos vocacionais dos seus alunos (Imaginário, 1995). Tal como Pinto, Taveira e Fernandes (2003) exemplificam, expressões como “Com um professor assim, quem pode gostar de tal matéria?” ou “Nunca teria escolhido este curso se o programa daquela disciplina não me tivesse aberto os horizontes”, evidenciam que o discurso dos alunos contém referências ao modo como os professores os influenciam, consciente ou inconscientemente, na construção dos seus projectos. As autoras salientam que embora esta influência, exercida tanto em contextos de actividade formal como informal (Imaginário & Campos, 1987) seja reconhecida pelos diferentes agentes educativos, não tem sido alvo de uma investigação sistemática em Portugal.

Na presente investigação, o acento é colocado na potencialidade das estratégias de infusão curricular para o desenvolvimento vocacional dos jovens, nomeadamente na possibilidade dos conteúdos da disciplina serem capitalizados em termos de objectivos de natureza vocacional. De facto, tal como é demonstrado no estudo de Pinto e cols. (2003), embora os professores percepcionem o seu papel no desenvolvimento vocacional dos estudantes, assiste-se a níveis baixos de intencionalidade quanto a objectivos vocacionais, mostrando-se de elevado interesse a possibilidade destes intencionalizarem a(s) sua(s) acção(ões) e estarem mais conscientes quanto à potencialidade do seu papel, compreendendo em que medida as suas práticas (apoiados no material e nas oportunidades que têm à sua disposição), contribuem, contínua e intencionalmente, para a construção dos projectos vocacionais dos seus alunos. De resto, o estudo desenvolvido por Carita e Diniz (1995, p. 35), demonstra que:

A maioria dos professores considera que desenvolve com os seus alunos actividades potencialmente facilitadoras do seu desenvolvimento vocacional (…) De entre estas actividades destacam-se: conversas com alunos e pais sobre as alternativas escolares e profissionais; visitas de estudo; procura e tratamento activos de informação relevante sobre a economia e as profissões; debates a partir de textos e situações concretas sobre a sociedade, os indivíduos, os valores, os gostos e as aspirações; palestras com profissionais vindos à escola; trabalhos práticos com relevo no quotidiano; diagnóstico de níveis de satisfação vocacional; identificação de profissões viabilizadoras de um dado projecto.

Segundo Coimbra (1995) este enriquecimento deverá articular (1) a promoção de experiências de acção/integração com o mundo desafiantes e significativas como matéria-prima para o desenvolvimento; (2) a integração dessas mesmas experiências, o que pressupõe momentos de reflexão, discussão, análise e expressão de opiniões e sentimentos, promovendo-se assim a discriminação, selecção, ordenação, hierarquização, valorização e significação das experiências vividas; e (3) a transformação da relação do sujeito com o mundo social e da relação professor-aluno que deve ser pautada pela confiança mútua, combinando apoio e desafio.

Posto isto, pode questionar-se até que ponto os professores são sensíveis à necessidade de organizar um dispositivo pedagógico que contemple estas dimensões.

Discursos e representações em torno da temática vocacional

Os discursos parecem ter um papel importante na construção dos fenómenos sociais e, naturalmente, na transmissão de maneiras de ver e compreender o mundo. Burr (1999, p. 48) refere-se ao discurso como “conjunto de significados, metáforas, representações, imagens, histórias, afirmações (…) que, de alguma forma, no seu conjunto produzem uma versão particular dos acontecimentos”. De facto, cada indivíduo selecciona aspectos do mundo de acordo com a sua própria localização na estrutura social e também tendo em conta as suas características individuais e idiossincrasias.

Tendo em conta que cada indivíduo constrói a sua própria representação subjectiva acerca de determinados acontecimentos, parece ser crucial atentar no modo como a interacção diária professor-alunos potencia a construção partilhada de conhecimentos e, por conseguinte, influencia a direcção e o sentido do seu projecto pessoal. Por esta razão, Carita (1993) considera que o conceito de representação social é um constructo útil à compreensão da interacção educativa.

No que se refere à temática vocacional, interessa referir que o contexto ecológico influencia as percepções do indivíduo acerca do mundo do trabalho, incluindo as suas crenças acerca (1) da “natureza do sistema de oportunidades, (2) do que é requerido para aceder a um determinado emprego e (3) de quem é a melhor pessoa para desempenhar certos tipos de trabalho” (Herr, 1996, citado por Paa & McWhirter, 2000, p. 29).

Segundo Guichard (1993), a escolarização tem um papel fundamental na construção de representações, pois produz determinados hábitos que resultam da integração de um conjunto de esquemas dos quais fazem parte as representações de si, das formações e das profissões.

Naturalmente que as representações do jovem acerca da temática vocacional podem ser mais ou menos precisas, estruturadas, integradas e ajustadas. No entanto, são estas que levam o jovem a perspectivar o futuro e a investir em determinada direcção no plano formativo/profissional.

O professor poderá ser uma das figuras cruciais na configuração de determinadas representações acerca da viabilidade/desejabilidade de certos projectos para os alunos, podendo contribuir para que os alunos questionem os seus juízos acerca das opções que estão ao seu alcance no mundo das formações/profissões ou façam da acessibilidade das alternativas formativas/profissionais um critério primário na avaliação das oportunidades.

A maioria dos adolescentes nem sempre adopta uma atitude reflexiva acerca dos seus projectos futuros, sendo que as suas escolhas baseiam-se em aspirações extremamente gerais e não em projectos verdadeiramente personalizados (Guichard, 1993).

Por tudo isto, admite-se que o professor poderá ter um papel privilegiado na produção de feed-back e reforços positivos que permitam aos alunos desenvolver uma noção mais realista acerca das suas competências, dos seus valores e do seu próprio modo de funcionamento pessoal facultando-lhe assim pistas que lhe permitirão compreender quais as áreas em que se encontra mais investido e aquelas que carecem de exploração (e investimento) adicional. Os alunos poderão então sentir-se mais livres para fazer opções em função dos seus próprios desejos e necessidades e para intervir no seu próprio processo de orientação desenvolvendo planos de desenvolvimento de competências que potenciem o alargamento do seu campo de investimentos.

No que respeita à representação que cada professor tem dos seus alunos, é interessante salientar-se que, segundo Gilly (1980), a forma como cada professor vê o seu aluno depende de três tipos de condições: (1) condições normativas gerais (e.g. formações sociais que têm a sua própria história, suporte e canais de influência); (2) condições ligadas à sua própria história pessoal; e (3) condições ligadas ao aluno e à experiência concreta na instituição escolar. Carita (1993) afirma que, implicitamente, o professor tem atitudes, expectativas, comportamentos particulares para com cada aluno, singular.

É ainda de salientar que o juízo do professor sobre os seus alunos e as apreciações formuladas e expressas, têm relação não só com o resultado escolar dos alunos, tal como salienta Gilly (1980), mas sobretudo com a sua origem social, sendo tanto mais favoráveis quanto mais elevada for a posição do aluno na estrutura social. Embora as preferências dos professores sejam socialmente marcadas, estes tendem a traduzi-las em critérios escolares: preferidos são os alunos mais motivados, interessados, receptivos (…) são os alunos dos meios sociais mais favorecidos (Leger, 1983).

Daqui se depreende que, aparentemente, os professores apoiam-se num conjunto de estereótipos e concepções pessoais que provavelmente influenciam a sua atitude, o seu discurso e as suas práticas pedagógicas sendo de esperar que também veiculem determinadas representações e crenças acerca da temática vocacional sendo de todo o interesse investigar o papel do professor na transmissão destas, partindo-se da observação e análise do seu desempenho em contexto real. Segundo Imaginário (1990, 1995), os professores têm influência na construção de crenças, representações e valores, particularmente no que diz respeito ao mundo das formações e profissões.

É nesta premissa que se apoia a investigação, pelo que se procura identificar quais as mensagens transmitidas, implícita ou explicitamente, pelos professores no processo de ensino-aprendizagem, admitindo-se que estas contribuem para o modo como os alunos estruturam os seus próprios sistemas representacionais. Dito de outro modo, partindo do pressuposto que os professores dispõem de recursos e condições para organizar o processo de ensino-aprendizagem de um modo que influencie positivamente a construção dos projectos vocacionais dos jovens e a direcção dos seus investimentos, mostra-se fundamental compreender a sua prática e explorar estratégias promotoras da qualidade da sua acção pedagógica enquanto agentes privilegiados do desenvolvimento vocacional dos alunos.

 

MÉTODO

Plano de investigação

O plano de investigação contemplou duas componentes: (1) Observação de Aula e (2) realização de um Focus Group2. Da primeira emergiu uma terceira vertente do estudo, a Análise do Manual da disciplina de História, tendo em vista a elaboração de um conjunto de estratégias concretas de infusão curricular de objectivos de exploração vocacional inspirados nos conteúdos programáticos leccionados pelos participantes. Em termos metodológicos, privilegiou-se uma abordagem qualitativa que incidiu sobre a análise do discurso dos professores.

Objecto e objectivo do estudo

A investigação teve como objecto de estudo o discurso e a prática dos professores em torno das questões vocacionais.

No que respeita ao seu objectivo, visou identificar o tipo de mensagens transmitidas, implícita ou explicitamente, pelos professores no processo de ensino-aprendizagem. Pretendeu-se, mais concretamente, conhecer qual o conteúdo do discurso e das acções dos professores em torno das dimensões vocacionais que os jovens do 9º ano2 de escolaridade podem ter oportunidade de explorar na disciplina de História.

Importa fundamentar a escolha pela observação de professores do 9º ano de escolaridade e a opção pela incidência do estudo na área curricular de História. Relativamente ao primeiro aspecto, considerou-se o facto dos jovens que frequentam o último ano do Ensino Básico se encontrarem numa transição normativa crucial, marcada por questões, dúvidas, receios e curiosidades acerca da escolha a realizar face à diversidade oferecida pelo sistema de oportunidades. Pela primeira vez, confrontam-se com a obrigatoriedade de fazerem uma escolha e atentam na importância da construção de um projecto vocacional pessoal e significativo: “É nesta altura que os alunos começam a dirigir o processo de decisão e é esta tomada de responsabilidade (talvez a primeira para muitos jovens) e a necessidade de construção de um projecto individual a curto prazo, que me parecem tornar este momento tão dramático para muitos jovens” (Sousa, 2003, p. 33).

Deste modo, os estudantes poderão sentir a necessidade de procurar ajuda e segurança junto da sua rede social de apoio, nomeadamente, junto das figuras a que estão mais ligados ou que consideram estar melhor posicionados para lhes proporcionarem o suporte de que necessitam. Os professores fazem parte dessa categoria de figuras. O que se presume é que, justamente, o apoio e desafio que pode ser dado pelos professores no processo de exploração vocacional dos jovens está impregnado das suas visões, e experiências do mundo vocacional.

No que respeita à escolha da disciplina de História, considerou-se que a matéria leccionada na mesma se mostrava particularmente proveitosa, uma vez que se debruça sobre questões histórico-sociais que propiciam a abordagem de dimensões como os valores, os interesses, as competências e uma série de outros aspectos relacionados com o mundo das formações e das profissões. Tal como afirma Mauri e Valls (2004, p. 343), “no caso das ciências sociais acentua-se a influência na aprendizagem de idéias e atitudes sociais dos professores e dos outros alunos (…) influência na aprendizagem das representações, das práticas e dos valores sociais das pessoas que actuam como mediadores na sala de aula”.

Para além disso, e reconhecendo que por se encontrar “ancorada no passado” esta é uma disciplina para a qual os alunos nem sempre se sentem motivados, a possibilidade de associar os objectivos e conteúdos específicos da disciplina a questões particulares da orientação vocacional dos alunos - geralmente sentidas pelo jovem como importantes na estruturação do seu futuro projecto vocacional - pode constituir uma mais-valia no que se refere à promoção do interesse e do investimento dos jovens numa disciplina que, justamente, por essa focagem temporal no passado, nem sempre é percepcionada pelos alunos como relevante e útil.

Caracterização da amostra

A amostra é constituída por nove professores de História do último ano do Ensino Básico (Tabela 1): cinco professores do ensino público e quatro professores do ensino privado do Grande Porto (Portugal).

Tabela 1

Caracterização da amostra

 

 

Quanto aos critérios de distribuição dos professores por cada uma das componentes de investigação, interessa salientar que esta foi realizada de forma aleatória, tendo em conta as escolas/professores que aceitaram colaborar na investigação.

No que respeita à componente de Observação de Aula, sobre a qual versa o presente relato, é de referir que participaram dois professores do ensino público - que leccionavam a disciplina à turma observada há um ano - e dois professores do ensino privado - que leccionavam a turma desde o 7º ano. Para além de assumirem funções enquanto professores da disciplina, todos os professores assumiam outras funções (por exemplo, Director(a) de Turma, Coordenadora da Equipa Educativa).

Procedimento de amostragem, construção de instrumentos e de recolha/tratamento de dados

Num primeiro momento, foi feito um levantamento dos estabelecimentos de ensino situados na zona do Grande Porto. De seguida, foram redigidas e enviadas cartas para treze estabelecimentos de ensino, sete dos quais do ensino público e seis pertencentes ao ensino privado. Com estas cartas pretendia-se obter a colaboração das diferentes instituições na investigação. Tendo em conta a ausência de respostas ou a recepção de respostas negativas por parte dos estabelecimentos de ensino, foram enviadas mais cinco cartas para estabelecimentos de ensino público e duas para estabelecimentos de ensino privado.

Após ter sido recebido um total de dez respostas positivas, entrou-se em contacto com os professores de História de cada escola, de modo a auscultar a sua disponibilidade para colaborar no estudo e agendar uma reunião com os mesmos. Depois disso, procedeu-se à distribuição aleatória dos professores por cada componente de investigação tendo sido comunicado a cada um a componente da qual seriam participantes.

As observações de aula foram realizadas em contexto natural. O investigador deslocou-se aos estabelecimentos de ensino e, na sala de aula, remeteu-se à sua condição de observador não-participante, registando na grelha de observação de aula todos os elementos do discurso do professor e da interacção professor-aluno passíveis de análise posterior. Foram observadas quatro aulas de História do 9º ano3 com o objectivo de se identificar se e quais as mensagens transmitidas pelo professor acerca do tema vocacional.

No que concerne à análise do(s) manual(ais), pretendeu-se avaliar a extensão na qual a matéria nele contida poderia ser aproveitada no sentido de uma exploração intencional de dimensões críticas do desenvolvimento vocacional, na perspectiva de estruturar actividades de exploração passíveis de serem implementadas no contexto das aulas observadas. Importa salientar que os manuais de História (Barreira & Mendes, 2007; Diniz, Tavares, & Caldeira, 2004) adoptados nos diferentes estabelecimentos de ensino foram previamente explorados de modo a verificar qual(ais) a(s) temática(s) que melhor poderia(m) servir objectivos de exploração vocacional, ainda que a escolha da matéria a abordar na aula tivesse sido deixada a cargo dos professores participantes que, em geral, deram continuidade aos sumários das aulas anteriormente leccionadas.

A observação de aula foi efectuada de modo directo e integral com recurso a uma grelha na qual foram especificadas, de acordo com o modelo da exploração reconstrutiva, diferentes categorias de análise correspondentes a dimensões influentes no processo de desenvolvimento vocacional. Apesar de ter sido utilizada uma grelha de observação para registo das categorias salientes do discurso do professor, na análise do conteúdo da aula (igualmente, transcrita na íntegra) procedeu-se a uma especificação mais microscópica do sistema de categorias de modo a que este pudesse permitir uma classificação mais rigorosa dos elementos observados (Tabela 2).

Tabela 2

 

 

A codificação foi realizada por dois investigadores, separadamente, sendo que posteriormente foram comparadas, discutidas e ajustadas as decisões de ambos quanto à pertença de cada aspecto observado/registado a cada categoria.

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

De um modo geral, os professores foram capazes de capitalizar a matéria da disciplina em termos de objectivos vocacionais, embora o seu desempenho se tenha diferenciado em termos da qualidade da articulação conseguida entre os aspectos vocacionais e os aspectos próprios da disciplina. As dimensões mais referidas pelos participantes (Figura 1) foram as representações (n=30; 31%) e as competências II (n=20; 20%). Salientaram-se, em particular, as representações (Figura 2) acerca das condições e/ou critérios de escolha, dos factores facilitadores da entrada na vida activa e de sucesso profissional (n=9; 30%). Pelo contrário, emergiram, de forma menos expressiva, as representações em torno das relações género-poder (n=1; 3%) e as crenças acerca da relação estatuto social-formação superior (n=1; 3%).

 

 

Figura 1. Percentagem obtida relativamente às principais categorias de análise do conteúdo do discurso dos professores.

 

 

Figura 2. Percentagem obtida relativamente às representações emergentes no discurso dos professores.

Desenvolvimento vocacional na perspectiva dos professores

Embora os participantes façam referência a diferentes variáveis críticas no desenvolvimento vocacional (por exemplo, representações, características pessoais…), as dimensões mais referidas são as “Representações” e as “Competências II”.

A primeira categoria parece surgir espontaneamente no discurso dos professores, possivelmente porque estas representações subjectivas em torno do vocacional estão bastante presentes no discurso social. Dentro desta categoria, e com maior representatividade, salienta-se o discurso dos professores em torno das (1) condições e/ou critérios de escolha, de facilitação da entrada na vida activa e de sucesso profissional, (2) requisitos e características de certas actividades profissionais e (3) atitude/comportamento face ao estudo/trabalho e consequências.

Relativamente às condições e/ou critérios de escolha, de facilitação da entrada na vida activa e de sucesso profissional, este resultado parece ser concordante com o esperado, tendo em conta a conjuntura político-económico-social portuguesa. Em particular e a título exemplificativo, no que se relaciona com o mundo do trabalho, podem salientar-se aspectos como a elevada taxa de desemprego no país - 7,6% no 1.º trimestre de 2008 (Instituto Nacional de Estatística, 2008) e a precariedade do mercado de trabalho, o que faz desta questão uma das preocupações mais notórias na vida dos indivíduos. Tal como afirma Coimbra (2005), nos dias de hoje, os discursos sociais (muitas vezes veiculados pelos meios de comunicação social) que se reportam às condições de vida e de trabalho dos indivíduos, estão imersos em expressões como a incerteza, a instabilidade, a surpresa, a precariedade e o risco, que, naturalmente, influenciam as representações dos indivíduos em torno destas questões e a tónica colocada nas mesmas.

As representações em torno dos requisitos e características de certas actividades profissionais assumiram também uma posição preponderante no discurso dos professores. De facto, quando estes se pronunciam acerca das dimensões relevantes para o desenvolvimento vocacional, parecem fazer uma associação directa, imediata e quase exclusiva entre o vocacional e o mundo das profissões (por exemplo, requisitos e características), o que pode explicar o resultado obtido. Este resultado, quando relacionado com o reconhecimento, por parte dos participantes, do seu desconhecimento em torno das dimensões importantes para o desenvolvimento vocacional (apesar de fazerem referência às mesmas ao longo do seu discurso, quando são questionados directamente a referirem quais as dimensões relevantes para o desenvolvimento vocacional, não se mostram capazes de as elencar), apresenta especial relevância dado que parece explicar a associação linear e redutora entre vocação-mundo das profissões.

Salienta-se ainda a referência à atitude/comportamento dos alunos face ao estudo/trabalho e consequências. Os professores, salientam este como um dos factores que contribui para o insucesso escolar. Sendo esta uma problemática bastante actual em Portugal, trazida à discussão pelos diferentes agentes directa e indirectamente envolvidos neste fenómeno, questiona-se se, de facto, as práticas educativas promovem uma mudança no modo como os alunos significam a escola encaram o seu papel enquanto “alunos” e, consequentemente, as suas implicações para o futuro pessoal e profissional.

Com o objectivo de transformar estes significados, os professores parecem fazer um esforço para conquistar os alunos, alterando as suas práticas pedagógicas. Parece, então, ser possível afirmar, justificando os resultados obtidos, que os professores poderão, intencionalmente, promover determinadas atitudes como meio/estratégia de promoção do sucesso educativo mas que estão, naturalmente, intimamente relacionadas com o desenvolvimento vocacional (por exemplo, atitudes ou competências privilegiadas no contexto escolar são também consideradas como relevantes e necessárias no sucesso em determinadas actividades profissionais). É ainda colocada a tónica nos resultados, ou seja, nas consequências positivas e negativas inerentes à adopção de determinadas atitudes/comportamento, o que, provavelmente, surge como uma possível estratégia para que os alunos reconheçam a importância da mudança e suas implicações, a curto, médio e longo prazo.

As representações que emergiram de forma menos expressiva foram as (1) representações em torno das relações género-poder e as (2) crenças na relação estatuto social-formação superior. Estes resultados parecem estar de acordo com as crenças dominantes acerca do funcionamento do mercado trabalho e com a informação estatística veiculada pelo Instituto Nacional de Estatística e pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género (Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, 2007). No que se refere às relações género-poder, os dados existentes apontam para o predomínio de políticas estatais centradas na promoção da “igualdade de oportunidades e de tratamento no acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho”. Para além disso, é do conhecimento geral que o número de mulheres que assume posições de poder em diferentes postos de trabalho (e.g., administradoras de empresas) tem vindo a aumentar. Estes dados poderão, de algum modo, explicar a reduzida presença da representação, de que o poder está associado, maioritariamente, ao género masculino.

Por outro lado, no que se refere à relação estatuto social-formação superior, é de salientar que, cada vez mais, o diploma deixa de ser um elemento diferenciador no mercado de trabalho (Ramos, Mouta, & Nascimento, 2007). Deste modo, cada vez mais se apela “à formação de quadros intermédios”, para além do facto da taxa de desempregados com habilitações superiores ter vindo a aumentar - por exemplo, o valor relativo à percentagem de diplomados desempregados em Portugal encontravase em torno dos 6,3%, no segundo trimestre de 2007 (Instituto Nacional de Estatística, 2007), sendo este valor crescente desde 1995 (Gonçalves, Carreira, Valadas, & Sequeira, 2006).

A segunda categoria (“Competências II”) emerge de forma expressiva no discurso dos professores. Este resultado pode ser explicado pelo facto destes, naturalmente, na sua prática, promoverem a exploração e o treino de competências, uma vez que estes se assumem como objectivos primordiais do processo ensino-aprendizagem. Para além disso, as competências parecem ser entendidas como uma variável importante no mundo das formações e das profissões, sendo facilmente associadas pelos participantes ao domínio vocacional.

Por outro lado, tal como afirma Taveira e Silva (2008), apesar da maioria das reformas ter vindo a incidir na “actualização dos planos curriculares ou na modernização dos conteúdos das respectivas disciplinas, o que denota a persistência da concepção de escola como transmissora de conhecimentos”, num mundo crescentemente caracterizado pela instabilidade, no plano do discurso social, assiste-se, cada vez mais, a uma mudança no sentido de uma maior centração na avaliação/desenvolvimento de competências gerais do que na avaliação das competências técnicas/conteúdos. Os professores, apesar de parecerem ainda privilegiar a estimulação de competências técnicas, consideram relevante a importância de preparar o indivíduo para o confronto, num futuro próximo (por exemplo, entrada no mercado de trabalho) com um “modelo de exigências que faz cada vez mais apelo a um conjunto de competências não exclusivamente técnicas, mas de uma outra natureza, da ordem socioafectiva” (Pires, 1994).

A categoria “Competências I” foi a menos saliente no discurso dos participantes. Este resultado parece ser curioso, na medida em que seria de esperar que os professores, ao privilegiarem a promoção da exploração/ desenvolvimento de competências, assumissem também uma atitude intencional no que se refere à sua integração e enquadramento no quadro de significação pessoal dos alunos, particularmente no que se refere ao plano vocacional (por exemplo, reflectir em torno da relação/importância das mesmas no contexto profissional). No entanto, os professores parecem descurar a importância deste processo, o que poderá ser explicado pelo facto de sentirem a tarefa de integração como mais exigente, uma vez que afirmam perceber-se como pouco competentes neste domínio.

A atitude/comportamento dos professores como ponto de partida para a emergência de novas práticas

Importa destacar que os professores mostraram-se bastante disponíveis para encarar o desafio proposto pelo investigador e revelaram-se bastante envolvidos na preparação/ implementação da aula observada. Ao contrário do que era esperado, uma vez que se supunha um possível “distanciamento” da prática dos professores da abordagem de questões vocacionais, a maioria dos professores compreendeu com facilidade o objectivo do estudo e reconheceu a relevância do mesmo como um contributo importante para a promoção do desenvolvimento vocacional dos alunos. De um modo geral, apesar de alguns professores aludirem à escassez de tempo como factor que dificultava o cumprimento do programa da disciplina de História, não deixaram de referir que o conteúdo da disciplina é, por si só, potenciador da abordagem de questões da actualidade, muitas vezes relacionadas com a temática vocacional (por exemplo, “em última análise, tudo tem a ver com o Homem/História”).

É de sublinhar que os professores que afirmaram que na sua prática quotidiana abordavam, ainda que sem intencionalidade, temas de natureza vocacional, pareceram ter mais facilidade em articular a matéria da disciplina com os objectivos vocacionais e ter uma visão mais abrangente da temática vocacional. Possivelmente, aqueles que consideram ser relevante a infusão de objectivos de exploração vocacional no processo de ensino-aprendizagem, entendem o curriculum como um processo colaborativo de coaprendizagem entre o professor-aluno, no qual é possível e pertinente a avaliação das necessidades dos alunos e a actualização, constante, dos objectivos curriculares, com o objectivo último do desenvolvimento global daqueles (Fraser & Bosanquet, 2006).

Naturalmente, que este modo de ver o curriculum está intimamente relacionado com a liberdade que os professores têm para construírem o seu próprio projecto para “aqueles” alunos, em particular. Não podemos perder de vista que esta liberdade é limitada, estando sujeita aos constrangimentos impostos pela estrutura e cultura das instituições escolares e, inerentemente, pelos seus objectivos globais.

No que respeita à sua prática, após a participação no estudo, os professores, apesar de reconhecerem as potencialidades de instituir na leccionação das suas disciplinas uma metodologia pedagógica na qual seja mais visível a dialéctica entre as questões vocacionais e os conteúdos do programa curricular, limitam-se a encarar o seu papel como possíveis transmissores de informação ou provedores de esclarecimento quanto às dúvidas colocadas pelos alunos. É curioso verificar que, embora com menor expressividade, os professores são capazes de evidenciar certas iniciativas e experiências pedagógicas que apontam, subtilmente, para o tipo de atitude e de comportamento que se espera que os professores sejam capazes de adoptar de acordo com o Modelo da Exploração Reconstrutiva do Investimento Vocacional (Campos & Coimbra, 1991; Coimbra e cols., 1994).

Apesar de se mostrarem capazes de desafiar os alunos à exploração e à flexibilização das suas posições - o que se considera ser uma mais-valia no processo de construção de um projecto vocacional pessoalmente significativo e indica uma predisposição para a implementação de práticas promotoras destas competências - importa ressalvar que esta prática carece ainda de intencionalidade, na medida em que não são tidos em consideração elementos cruciais para assegurar a qualidade/eficácia das práticas, nomeadamente o cuidado de preparar os alunos para a exploração e de organizar um momento de integração dos resultados da mesma. Defende-se, desta forma, que a mera implementação - não planeada ou reflectida - de práticas pedagógicas (numa lógica reprodutiva e/ou imitativa) não pode ser entendida, categoricamente, como um indicador/ prova da capacidade do professor para intervir de forma competente no desenvolvimento vocacional dos alunos.

Urge, por isso, promover a tomada de consciência pelos docentes da centralidade que poderá assumir o planeamento intencional e sistemático das suas práticas de infusão curricular da exploração vocacional (por exemplo, definição de objectivos, estruturação das estratégias de exploração/integração a utilizar, avaliação de resultados/ eficácia...), bem como a subsequente avaliação reflexiva das mesmas, visando-se a sua optimização e/ou reformulação.

Atentando-se na reflexão que tem vindo a ser levada a cabo relativamente à atitude/comportamento dos professores como ponto de partida para a emergência de novas práticas, parece evidenciar-se a utilidade da distinção entre o Currículo Enunciado (acções contempladas intencionalmente pelo professor no planeamento da aula, de acordo com as directrizes da instituição escolar), o Currículo Implementado (as acções que são efectivamente levadas a cabo no momento dinâmico e dialéctico da aula, fruto da negociação entre o planeado e as necessidades dos alunos) e o Currículo Conseguido (os objectivos/resultados que são alcançados na prática, tendo em conta o que foi, efectivamente, implementado) (Menezes, 1999).

Nesta medida, parece poder concluir-se que os professores, apesar de não considerarem, à partida, que a infusão curricular de objectivos vocacionais possa enquadrar-se no currículo enunciado, foram capazes de os considerar, assumindo que o faziam inconsciente e/ou não intencionalmente na sua prática quotidiana. Dito de outro modo, a exploração de natureza vocacional emergia ao nível do currículo Implementado não sendo, no entanto, possível determinar (até porque está fora do âmbito desta investigação) em que medida o desenvolvimento vocacional dos alunos se terá tornado uma dimensão manifesta do currículo Conseguido. Seja como for, parece poder afirmar-se que tal não se tenha verificado, uma vez que as actividades produzidas especificamente a pedido do investigador na componente de observação de aula foram implementadas apenas pontualmente. Faltou, por isso, a “continuidade temporal” que teria permitido promover, não só a integração e consolidação dos efeitos da exploração levada a cabo, e, por conseguinte, o reforço da competência vocacional dos alunos enquanto dimensão das aprendizagens proporcionadas (e supostamente adquiridas) dentro e/ou fora do contexto da sala de aula.

 

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES PARA A PRÁTICA FUTURA

O presente estudo revelou-se um esforço exploratório de considerável relevância para a compreensão das dimensões salientes no discurso dos professores em torno da temática vocacional. Os temas emergentes facilitaram a compreensão/inferência do modo como o professor (1) olha as questões vocacionais e, muito provavelmente, influencia, através do modo como essa visão se atravessa no processo de ensino-aprendizagem, o próprio processo de orientação dos jovens, (2) percepciona o seu papel enquanto agente de desenvolvimento vocacional e (3) se posiciona face à potencialidade da introdução de estratégias de infusão curricular de objectivos de exploração vocacional no quotidiano das instituições escolares. Inevitavelmente, a realidade observada possibilita e estimula a reflexão em torno das implicações dos resultados obtidos para o futuro das práticas pedagógicas no que se refere ao foco vocacional.

Infusão curricular

Tendo em conta a tendência observada, torna-se imperativo reconhecer a necessidade de capacitar e/ou apoiar os professores na criação de momentos curriculares propícios à inclusão de objectivos de desenvolvimento vocacional. A evolução das estratégias de promoção do desenvolvimento vocacional em contexto escolar parece acompanhar a reconfiguração das estratégias de intervenção em consulta psicológica, partindo de perspectivas mais tradicionais para novas formas de pôr o(s) problema(s) (Campos, 1980a). Se, na década de 70 se preconizava a elaboração de programas específicos de orientação vocacional - enquadramento de uma disciplina no curriculum escolar - com vista a “proporcionar informação” (Campos, 1980b), esta perspectiva tem vindo dar lugar à promoção de competências de exploração e de escolha vocacional que proporcionem a construção de conhecimento em torno do mundo das formações e das profissões, sempre que possível através da exploração directa, e que favoreçam o compromisso com um plano pessoal de acção. As estratégias de infusão curricular evidenciam-se como uma forma de operacionalizar uma metodologia que se coaduna com esta nova forma de equacionar o lugar da orientação vocacional na escola. Defende-se, assim, que um profissional da educação e do desenvolvimento pode/deve ser capaz de desenvolver actividades que não só favoreçam a exploração de dimensões, internas e externas, significativas para a escolha, mas que, através do confronto com situações desafiantes que sejam objecto de subsequente reflexão, também permitam complexificar os sentimentos e as representações que os jovens possuem acerca das várias alternativas formativas e/ou profissionais. Com efeito, partindo-se dos conteúdos programáticos abordados nas aulas observadas, decidiu-se propor algumas actividades de exploração vocacional cuja implementação pudesse estar ao alcance dos professores.

Uma das quatro propostas de infusão curricular elaboradas, centrada na temática “A 2ª Guerra Mundial: Origem e Desenvolvimento do Conflito”, assentava na realização de duas fichas de trabalho nas quais os alunos deveriam proceder à exploração dos objectivos, intervenientes, estratégia(s), profissionais envolvidos, factores de sucesso e insucesso e consequências (positivas e negativas) da “Missão: 2ª Guerra Mundial” e da “Missão: Escola”. Desta forma, tornar-se-ia possível levar os alunos a reflectirem sobre a importância do processo de escolarização para o seu desenvolvimento pessoal e vocacional ao mesmo tempo que se promoveria a aquisição de conhecimentos específicos relativamente à 2ª Guerra Mundial.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Sobre a importância da infusão curricular...

As características da relação de proximidade estabelecida entre professor e alunos, potenciadas pelo tempo que passam juntos e pelos canais de influência que, naturalmente, se estabelecem, fazem desta relação um contexto privilegiado no que se refere à consecução dos objectivos acima mencionados. Efectivamente, a continuidade que caracteriza o contacto entre estes dois actores do contexto escolar, favorece, no que ao plano vocacional diz respeito, a implementação de estratégias de intervenção de natureza psicoeducativa - visando-se, através do desenvolvimento da competência vocacional dos jovens, a sua preparação para a acção, para a(s) escolha(s), para o(s) compromisso(s) a assumir com o mundo do trabalho e com a realidade em geral - em detrimento da implementação de medidas de natureza remediativa - que se focam na resolução de problemas já existentes (Campos, 1980b).

Segundo Stanley e Mangiesi (1984, citado por Herr & Cramer, 1996) é do conhecimento geral que todos os indivíduos começam a formular decisões vocacionais desde a infância (por exemplo, adquirem impressões acerca do trabalho que as pessoas fazem, o tipo de pessoas empregadas, remunerações e competências requeridas para o exercício de determinadas profissões), de tal forma que a intervenção no desenvolvimento vocacional implica a articulação entre momentos do desenvolvimento do indivíduo (passado e presente), com vista à projecção no futuro (Campos, 1980b). Em termos práticos, tal parece significar que o desenvolvimento de estratégias de infusão curricular se justifica o mais precocemente possível no percurso académico dos estudantes, i.e., bem antes do 9º ano de escolaridade.

Por esta razão, faria todo o sentido que o curriculum enunciado (o expresso nos manuais escolares, por exemplo) contemplasse de forma integrada exercícios ou actividades tais como as que atrás foram propostas e cuja importância, a presente investigação parece demonstrar, concludentemente. Dito de outro modo, pretende-se que a matéria curricular possa, cada vez mais, surgir como estímulo para a abordagem reflexiva de questões de índole vocacional, cumprindo-se, complementar e articuladamente, objectivos curriculares e vocacionais, sem necessidade de diferenciar, em termos práticos, a sua importância relativa.

De resto, é importante considerar que este tipo de actividades (por exemplo, contacto com experiências de trabalho, visitas de estudo, encontros com profissionais, visionamento de filmes, ...), pela sua natureza, dinâmica e apelativa, juntamente com a possibilidade que oferecem de contribuir para reforçar a importância da escola (e das disciplinas) à luz de objectivos pessoais futuros (por exemplo, articulação da matéria das disciplinas com o mundo das formações e profissões), podem ainda contribuir para (1) transformar o significado assumido pela escola para os jovens, (2) favorecer a motivação e o envolvimento com matéria leccionada, (3) promover o interesse pela aprendizagem, sendo capazes, em última análise, de (4) promover, tal como afirmam Mouta e Nascimento (2008), a motivação e o sucesso académicos. Interessa, no entanto, garantir que as actividades sejam intencionalizadas com estes objectivos de modo a que respondam, de forma adequada e efectiva, às necessidades dos alunos, sob pena de, negligenciando-se o quadro de significação pessoal dos alunos, se incorrer na mera repetição de práticas distanciadas da sua realidade, dos seus interesses e objectivos.

Professor e/ou psicólogo?

É claro que a infusão curricular de objectivos de exploração curricular pode gerar algumas resistências nos psicólogos que intervêm no domínio da Orientação Vocacional em contexto escolar dado o receio de que a “interferência” do professor possa diminuir a importância da sua intervenção nesse domínio específico. Considera-se, contudo, não haver razão para esse tipo de sentimento. Em primeiro lugar, a formação profissional do professor não o habilita à intervenção no âmbito da Consulta Psicológica de Orientação Vocacional sendo a sua acção, quando exercida no plano da Orientação Escolar e Profissional, necessariamente perspectivada (e limitada) à criação de oportunidades de exploração vocacional sendo que caberá, sobretudo, ao psicólogo apoiar os alunos na significação dessas experiências e a derivar delas implicações em termos da construção do seu projecto vocacional. Tendo o psicólogo, pela sua formação de base, um espectro mais alargado de respostas às necessidades apresentadas pelos jovens a diferentes níveis do seu desenvolvimento, a actuação deste profissional, em colaboração com o professor, assume uma importância vital no contexto escolar. Em segundo lugar, as próprias dificuldades e inseguranças sentidas pelos professores a par da percepção de que lhes faltam competências para actuar em situações mais complexas, mostram que os professores valorizarão o apoio do psicólogo e o trabalho em parceria quando se trate da organização de estratégias de exploração vocacional (infusas ou não no currículo).

Nesta medida, a consultoria-formação de professores surge como uma modalidade de intervenção susceptível de promover a capacitação dos professores no quadro de uma lógica de trabalho colaborativo que enfatiza a importância da interprofissionalidade (Nascimento, Ramos, & Ferreira, 2007). Salienta-se, de qualquer modo, que o professor, mesmo quando motivado para a infusão curricular, poderá encontrar dificuldades, tais como a gestão/ cumprimento do programa da disciplina quando articulado com objectivos de exploração vocacional, a adequação das estratégias/objectivos às necessidades dos alunos e a dificuldade na preparação de materiais susceptíveis de captar a atenção dos jovens e, naturalmente, envolve-los na(s) actividade(s) proposta(s).

Em síntese, e no quadro da defesa de uma participação mais plena, mas também mais “qualificada” dos professores no desenvolvimento vocacional dos alunos parece não restar qualquer dúvida que “ensinar é uma forma de ganhar a vida, mas é sobretudo uma forma de ganhar a vida dos outros” (Lledó, 2003 citado por Guerra, 2003). Tal como foi sendo salientado ao longo deste trabalho, os professores poderão ser uma fonte de desafio e de questionamento do(s) percurso(s) vocacionais e de vida dos jovens, transformando o modo como estes reflectem acerca do passado, vivem o presente e trilham um futuro cada vez mais seu.

 

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Recebido: 16/02/2009
1ª Revisão: 28/10/2009
2ª Revisão: 03/12/2009
Aceite final: 04/12/2009

 

 

1 Endereço para correspondência: Universidade do Porto. Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação. Rua do Dr. Manuel Pereira da Silva, 42.00-392, Porto, Portugal. E-mail: ines@fpce.up.pt.
2 Para não alongar o presente artigo optou-se por não apresentar a componente de Focus Group. No entanto, informação sobre esta vertente da investigação bem como de outros elementos adicionais do estudo aqui não apresentados poderão ser obtidos mediante solicitação aos autores.
3 Sempre que no texto se refira o 9º ano de escolaridade e/ou o Ensino Básico, convém ter em conta que se trata de níveis de escolaridade do Sistema Educativo Português que, no Sistema Educativo Brasileiro, correspondem ao (último ano do) Ensino Fundamental.

 

 

Sobre os autores
* Ana Filipa Ferreira é Mestre em Psicologia pela Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
** Anne Marie Fontaine é Professora Catedrática da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.
*** Inês Nascimento é Professora Auxiliar da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto, coordenadora e supervisora científica do serviço de consulta psicológica de orientação vocacional da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto.

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