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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão On-line ISSN 1984-7270

Rev. bras. orientac. prof vol.12 no.2 São Paulo dez. 2011

 

ARTIGOS ORIGINAIS

 

Aprendizagem organizacional e gestão do conhecimento: Pautas para a gestão de pessoas

 

Organizational learning and knowledge management: Guidelines for personnel management

 

Aprendizaje organizativo y gestión del conocimiento: Pautas para la gestión de personas

 

 

Fabio Scorsolini-CominI, 1; David Forli InocenteII; Irene Kazumi MiuraIII

IUniversidade Federal do Triângulo Mineiro, Uberaba-MG, Brasil
IIInstituto de Ensino e Pesquisa em Administração (INEPAD), Ribeirão Preto-SP, Brasil
IIIUniversidade de São Paulo, Ribeirão Preto-SP, Brasil

 

 


RESUMO

Este estudo teórico tem o objetivo de discutir de que modo a aprendizagem corporativa e a gestão do conhecimento têm sido incorporadas à agenda dos profissionais da área de gestão de pessoas e como estes têm se imbricado nessa necessidade contemporânea. A aprendizagem organizacional representa como ideia central a forma como as organizações aprendem, com o objetivo de manterem-se em constante desenvolvimento, agregando vantagens competitivas. Coloca-se a necessidade de que o gestor de pessoas esteja apto para discutir formação no cenário contemporâneo do mundo do trabalho, desde a organização da demanda, passando pelo desenvolvimento de propostas, e consequente implementação, acompanhamento e avaliação de resultados. A formação desse profissional deve ampliar-se, discutindo as repercussões estratégicas que este gestor deve incorporar em sua prática.

Palavras-chave: treinamento, treinamento e desenvolvimento, gestão de pessoas, gestão de recursos humanos


ABSTRACT

This theoretical study aims to discuss how corporate learning and knowledge management have been embodied into the agenda of professionals in the area of personnel management and how they have committed themselves with this contemporary need. Organizational learning is represented, as a central idea, as the way that organizations learn, in order to keep in constant development, embodying competitive advantages. The need exists for the personnel manager to be able to discuss training in this new scenario, from organization of demand, to development of proposals, to eventual implementation, monitoring and evaluation of results. The formation of personnel managers must expand in order to discuss the strategic repercussions that managers must embody into their practice.

Keywords: training, training and development, personnel management, management of human resources


RESUMEN

Este estudio teórico tiene el objetivo de discutir de qué modo el aprendizaje corporativo y la gestión del conocimiento han sido incorporados a la agenda de los profesionales del área de gestión de personas y cómo los mismos se han involucrado en esa necesidad contemporánea. El aprendizaje organizativo representa, como idea central, de qué forma aprenden las organizaciones con el objetivo de mantenerse en constante desarrollo y agregando ventajas competitivas. Se coloca la necesidad de que el gestor de personas esté capacitado para discutir formación en el escenario contemporáneo del mundo del trabajo desde la organización de la demanda, pasando por desarrollo de propuestas y consecuente implementación, acompañamiento y evaluación de resultados. La formación de este profesional se debe ampliar discutiendo las repercusiones estratégicas que este gestor debe incorporar en su práctica.

Palabras clave: entrenamiento, entrenamiento y desarrollo, gestión de personas, gestión de recursos humanos


 

 

A partir de um diálogo entre as produções clássica e contemporânea sobre a aprendizagem no contexto das organizações de trabalho, este estudo teórico tem o objetivo de discutir de que modo a aprendizagem corporativa e a gestão do conhecimento têm sido incorporadas à agenda dos profissionais que atuam na área de gestão de pessoas e como estes têm se imbricado não apenas na prática organizacional como também na pesquisa científica sobre o tema. Primeiramente, apresentar-se-ão algumas abordagens tradicionais acerca da aprendizagem e, na sequência, o modo como esta temática tem emergido nas organizações e também como pauta para os gestores de diferentes formações, principalmente os psicólogos.

 

Aprendizagem: revisão das abordagens clássicas para a construção de um conhecimento

Vinculado à Psicologia Organizacional e do Trabalho (POT), este artigo parte da concepção de que a aprendizagem não se limita ao processo de transmissão, aquisição e transferência consagrado pelas instituições socializadoras, como a escola e, posteriormente, a universidade. Tendo essa consideração como norte, deve-se pensar na aprendizagem como fazendo parte da formação profissional e também como responsabilidade não apenas dos indivíduos inseridos no mercado de trabalho, mas também das organizações. Desse modo, as mudanças do mercado, a incorporação de novas tecnologias no trabalho e o desejo de autodesenvolvimento (Kazan & Scorsolini-Comin, 2010) podem ser considerados fatores que motivam o adulto a aprender e também a se desenvolver nas organizações de trabalho.

Para iniciar nosso diálogo, é fundamental retomar autores clássicos da Psicologia do Desenvolvimento, por exemplo, como as teorias de Jerome Bruner, Lev Vygotsky e Jean Piaget. Para Bruner (1977), a aprendizagem é um processo ativo por meio do qual os aprendizes constroem novas ideias ou conceitos baseados nos seus conhecimentos antigos ou atuais. O aprendiz seleciona e transforma as informações, constrói hipóteses e toma decisões baseado em sua própria estrutura cognitiva. Nesta visão de aprendizagem, o estudante elege as informações mais relevantes às suas necessidades. Para Piaget (1973), as etapas do aprendizado se constituem em um constante processo de adaptação do homem ao mundo, quando há sua adaptação às exigências do mundo, a pessoa se desenvolve e se conhece. Esta adaptação ocorre como resultado do processo que tenta equilibrar a percepção que o sujeito tem da realidade com os seus próprios conhecimentos. Esse estado ganha dinamismo na medida em que novas realidades são observadas, relacionam-se e produzem novos repertórios de conhecimento. Dessa forma, o aprendizado em Piaget (1973) pode ser considerado um processo constante de adaptação à realidade que gera novos conhecimentos e novas formas de interpretação da realidade. Transpondo tais considerações para o contexto organizacional e da aprendizagem em adultos, podemos dizer que também a aprendizagem ocorrida nas organizações levaria à necessidade de o indivíduo e o grupo adaptarem-se às novas demandas, aos novos processos e às diferentes aprendizagens que são requeridas diariamente.

Para Vygotsky (1989), a aprendizagem pode ser definida como o processo pelo qual o indivíduo se apropria de informações, habilidades, atitudes e valores, a partir de seu contato com a realidade, com o meio ambiente e com as outras pessoas. Esta visão torna o aprendiz interdependente do meio que o cerca, trocando com ele suas impressões, influenciando-o e sendo por ele influenciado. No contexto organizacional, desse modo, não poderemos falar em aprendizagem tomando como base apenas os indivíduos, mas também o seu meio imediato, no caso, a organização. De que modo ela está estruturada? De que modo ela favorece, propicia e se abre ao aprendizado?

Na visão da teoria humanista de Rogers (1975), a educação visa desenvolver nos alunos o senso de iniciativa, a consciência de suas capacidades em assumir responsabilidades, realizar escolhas, adaptarem-se a mudanças, agirem de forma criativa e de realizarem trabalho cooperativo. Para este autor, o foco da aprendizagem está no desenvolvimento da capacidade do estudante em se relacionar com a mudança. Com o estudante no centro do processo de aprendizagem é necessário compreender seus estilos de aprendizagem.

Para Kolb (1984), a aprendizagem pode ser imaginada como um processo de duas fases, envolvendo-se a percepção e o processamento da informação. Na fase da percepção, há pessoas que preferem aprender pela impressão que a nova informação lhes causa, outras preferem aprender relacionando ou ponderando sobre a nova experiência. Na fase de processamento da informação, algumas pessoas preferem prestar atenção e observar enquanto outras preferem se tornar pessoal e ativamente envolvidas. Segundo os estilos de aprendizagem, o surgimento do conhecimento ocorre quando se confrontam a observação do fato e a interação com a realidade. Ilustrativamente, os estilos de aprendizagem para Kolb (1984) são apresentados na Figura 1.

 

 

Esta figura demonstra o conhecimento como resultado da interação entre a percepção do sujeito e sua forma de processamento das informações. No momento da percepção, o sujeito constrói impressões, relaciona-se e pondera a respeito do objeto de aprendizagem. Para que haja o processamento das informações aprendidas, o sujeito atenta e se relaciona pessoal e ativamente com o objeto que pretende conhecer. Conjugando-se a observação do fato e a interação com a realidade obtém-se como produto o conhecimento do tema (Inocente, 2006).

Embora essa teoria possibilite uma compreensão didática da aprendizagem e como ela é processada no plano cognitivo, as concepções sócio-históricas de Bruner, Vygotsky e Piaget integram outros processos relacionados, gerando uma complexidade que extrapolaria esse modelo bifásico. Os processos de aquisição e de processamento não seriam dimensões mecânicas e isoladas, mas complexamente integradas a um modelo que destaca a interação entre os indivíduos, a informação e o meio (por exemplo, a organização de trabalho).

Este aprendizado interativo interessa aos programas de treinamento empresarial, que têm como público-alvo alunos adultos. Portanto, deve-se considerar a relevância de sua forma de aprendizado como fator crítico de sucesso para o evento. Adultos se interessam por situações práticas e aplicáveis de forma imediata em suas necessidades. Sendo assim, considerar tal apontamento no planejamento de um programa certamente facilitará o seu sucesso (Aguinis & Kraiger, 2009; Borges-Andrade & Pagotto, 2010; Ferreira, 2009; Malglaive, 1995; Pereira, 2009; Scorsolini-Comin, Inocente, & Matias, 2009).

O adulto adota em seu processo de aprendizado a premissa da relação de savoir fair de Perrenoud (2001), ou seja, o aprendizado de determinadas competências incorpora-se ao seu conjunto de saberes e o torna capaz de praticar novas atitudes, certamente acompanhadas de novos desempenhos. Em seguida, Perrenoud (2001), apoiado nas ponderações de Farnsworth (1976), observa que se os métodos tradicionais de apresentação foram abolidos do ensino de crianças, utilizá-los como adequados às necessidades de profissionais experientes pode ser considerado um equívoco. O adulto, em especial, o executivo em formação, conta com um repertório de experiências pessoais que relaciona o tempo todo com os conteúdos a ele apresentados. É fundamental que o executivo perceba aplicação dos conteúdos às atividades de sua responsabilidade ou do contrário, a experiência do aprendizado se perde.

No campo da educação profissional, é preciso que a aprendizagem seja eleita pelo estudante como necessária a seu conjunto de saberes (Bruner, 1977), seja objeto de sua capacidade de adaptação à realidade (Piaget, 1973), e relacionamento de interdependência com esta realidade (Vygotsky, 1989), sendo possível a verificação de uma alteração em seu comportamento (Stammers & Patrick, 1978). É preciso, ainda, que a aprendizagem seja capaz de preparar o estudante/profissional/gestor para o enfrentamento da mudança (Rogers, 1975). Deve considerar o estilo de aprendizagem do estudante e ser capaz de relacioná-lo com a realidade (Kolb, 1984), preferencialmente aproximada de situações práticas e aplicáveis de forma imediata às necessidades do estudante adulto (Farnsworth, 1976; Malglaive, 1995).

Em McGregor (1992), a educação pode ser considerada como um processo de influência por integração e autocontrole, existindo vários tipos de aprendizagem, como: a aquisição do conhecimento intelectual, a aquisição de habilidades manuais, a aquisição de habilidades em solução de problemas, a aquisição de habilidades de interação social, entre outras. Estes tipos de aprendizagem, em ambiente profissional, destinam-se à composição de perfis de atuação adequados às diferentes funções na organização.

A partir das concepções de Bruner (1977), a discussão do desenvolvimento contínuo por meio de programas de treinamento deve identificar práticas pedagógicas que tenham alcançado maiores índices de sucesso. Tais práticas devem facilitar a aprendizagem, entendida como o processo de captação de relações entre os fatos, de aquisição (e apropriação, em sentido vigotskiano) de novas informações, e de sua transformação e transferência para novas situações do ambiente organizacional.

Tendo-se compreendido sinteticamente o processo de aprendizagem das pessoas também no contexto da organização, é preciso compreender o processo de transferência do aprendizado das pessoas para a organização, o que interessa particularmente ao profissional de gestão de pessoas, geralmente o responsável por programas de treinamento, desenvolvimento e educação (TD&E), por exemplo.

Ao colocarmos organização e as pessoas lado a lado, podemos verificar um processo contínuo de troca de competências. A organização transfere seu patrimônio de conhecimentos para as pessoas, enriquecendo-as e preparando-as para enfrentar novas situações profissionais e pessoais, quer na organização ou fora dela. As pessoas, ao desenvolverem sua capacidade individual, transferem para a organização seu aprendizado capacitando a organização para enfrentar novos desafios (Dutra, 1999, p. 23).

Dessa forma, quando o indivíduo aprende, transfere à empresa seus conhecimentos, tornando-a um repositório dinâmico de novos saberes, com maior capacidade de gerar conteúdos de aprendizagem aos demais colaboradores, criando-se, assim, o ciclo da aprendizagem organizacional (das pessoas para as organizações e das organizações para as pessoas), como veremos a seguir.

 

A aprendizagem organizacional: uma pauta para reflexão

Atualmente, a aprendizagem organizacional não vem sendo colocada nas organizações de trabalho apenas como um desafio ou como uma noção a ser desenvolvida e priorizada pela gestão, mas também tem ocupado parte dos pesquisadores relacionados à gestão de pessoas, como revelam as produções recentes (Abbad, Corrêa, & Meneses, 2010; Antonello & Godoy, 2010; Bido, Godoy, Araujo, & Louback, 2010; Gonçalo & Borges, 2010; Homer, 2008; Inazawa, 2009; Macedo, Lima, & Fischer, 2007; Miguel & Teixeira, 2009; Reis, Nakata, & Dutra, 2010; Remor, Miranda, Santos, Steil, & Remor, 2010; Takahashi & Fischer, 2009). Especificamente na área de Psicologia Organizacional e do Trabalho, essas investigações têm superado aquelas acerca de processos clássicos como o recrutamento e a seleção de pessoas, por exemplo (Borges-Andrade & Pagotto, 2010; Tonetto, Amazarray, Koller, & Gomes, 2008). Sendo assim, abre-se cada vez mais a necessidade de que os profissionais que atuam na gestão de pessoas, entre eles o próprio psicólogo, possam compreender o modo como o conhecimento é produzido na área, em um processo ininterrupto.

O termo aprendizagem organizacional representa como ideia central a forma como as organizações aprendem, como a organização se relaciona com o meio e dele extrai observações que incorpora, com o objetivo de manter-se em constante desenvolvimento, agregando vantagens competitivas. Mas essa é apenas uma das formas de se delinear nosso objeto de estudo. Assim como destacado por Coelho Junior e Borges-Andrade (2008), trata-se de uma noção que vem sendo abordada na literatura científica de modo distinto, nem sempre havendo uma preocupação dos pesquisadores em definir, concretamente, aquilo que estão compreendendo por aprendizagem organizacional. Nesse sentido, esses autores encontraram não apenas uma multiplicidade de definições utilizadas no meio científico, como também priorizaram a descrição da aprendizagem que ocorre em organizações como sendo um processo mais ligado à corporação ou à coletividade do que propriamente ao indivíduo.

Tal diversidade também foi pontuada por Takahashi e Fischer (2009) ao comparar a literatura científica nacional com a internacional - o que se observa é que a produção internacional ainda é pautada em referências clássicas da área e que remontam à última década do século XX, notadamente, ao passo que o Brasil desponta com produções mais recentes (Gonçalo & Borges, 2010; Reis et al., 2010), mas que não trazem uma definição em comum acerca do que compreendem por aprendizagem organizacional, o que dificulta a comparação dos trabalhos e também o desenvolvimento de um conceito que seja amplamente empregado pela maior parte dos investigadores. O desdobramento dessa multiplicidade pode contribuir tanto para novos estudos e novas abordagens como também para a divulgação de práticas informais e que não sejam alicerçadas em conceitos de cunho científico. Explicitar o modo como esse campo vem sendo divulgado parece ser, também, um dos desafios relacionados à aprendizagem organizacional.

Na abordagem clássica de Kim (1993), pode-se pensar nas organizações que aprendem como uma metáfora derivada do entendimento da aprendizagem individual, pois, em última análise, as empresas aprendem por meio dos indivíduos. Aprendizagem organizacional, na visão deste autor, é definida como "um aumento na capacidade da organização em tomar ações efetivas" (Kim, 1993, p. 43), ou seja, a ampliação das capacidades individuais e sua maior capacidade de promover ações efetivas se reflete na capacidade decisória da organização, o que também está ligado à dimensão grupal (Coelho Junior & Borges-Andrade, 2008).

Esta visão é polarizada por Pantoja e Borges-Andrade (2004) e Antonello e Godoy (2010), que destacam as organizações como sistemas multiníveis, onde ocorre a integração de processos de natureza individual, em grupo e organizacional, considerando a aprendizagem como um processo psicológico que ocorre apenas no primeiro destes níveis. Em sua visão, "no sentido preciso e primordial desse processo e contrariando certa literatura contemporânea em administração, equipes e organizações não aprendem" (Pantoja & Borges-Andrade, 2004, p. 116).

Parece haver uma discordância entre Kim (1993) e Pantoja e Borges-Andrade (2004) quanto à taxionomia a ser empregada relativamente ao tema. Cabe observar que a literatura referente à aprendizagem organizacional utiliza este termo entendendo que a aprendizagem organizacional deve ser vista como uma decorrência dos aprendizados individuais de seus colaboradores, e como um resultado maior do que a somatória simples destes aprendizados, como também destacado no trabalho teórico de Coelho Junior e Borges-Andrade (2008).

Os resultados desta aprendizagem podem ser vistos, por exemplo, na modificação de processos que ocorrem na organização. Se, em um primeiro momento, as mudanças no processo ocorreram em razão da influência direta e como produto do aprendizado de uma pessoa, após sua implantação e adoção do novo processo como forma de trabalho, desfaz-se o vínculo de dependência entre o aprendizado da pessoa e da organização. Esse processo vem sendo investigado por Zerbini e Abbad (2008, 2010) em relação aos processos de aprendizagem mediados por interface gráfica em programas na modalidade a distância, o que vem abrindo a possibilidade de questionamentos não apenas em relação à aprendizagem organizacional, mas também da sua relação com outros aspectos igualmente importantes para as empresas, como a satisfação dos funcionários com o treinamento (Abbad et al., 2010) e as repercussões do mesmo para a qualidade de vida percebida ao longo do processo de aprendizagem (Scorsolini-Comin & Ruwer, 2010).

Admitindo este raciocínio, segue-se referencial teórico concordante com a visão de que a aprendizagem é o aumento das capacidades da organização como resultado do aumento das capacidades individuais de sua força de trabalho. Garvin, Nayak, Maira e Bragar (1998) consideram que a motivação do aprendizado organizacional não deve ser reativa, mas intencional, eficaz e conectada aos objetivos e estratégias da organização. Deve prever desafios, ameaças e oportunidades e não apenas reagir às crises. Dessa forma, o aprendizado cria flexibilidade e agilidade para que a organização possa lidar com a incerteza. Na visão desses autores, as mudanças que caminham lado a lado com o aprendizado criam também raízes. A necessidade de flexibilidade, de democratização dos conhecimentos e de criação de um agregado de pessoas em aprendizagem constante tem contribuído para a criação de programas de educação na modalidade a distância, incrementando ainda mais a discussão acerca não apenas de como se processa a aprendizagem, o que nos ligaria mais ao domínio da Educação, mas ao modo como o trabalhador reage à sua imersão em comunidades virtuais de aprendizagem (Inocente, 2006; Scorsolini-Comin & Ruwer, 2010; Zerbini & Abbad, 2010) e as consequências disso no trabalho e em seu desempenho.

A aprendizagem organizacional apresenta-se como uma política de desenvolvimento organizacional vinculada à estratégia da organização e utilizada como instrumento de assimilação do aprendizado das pessoas. Como atributos do sistema de aprendizagem organizacional, Garvin (2001, p. 55) define a necessidade de que as empresas detenham habilidades em cinco áreas: (a) solução de problemas de maneira sistemática; (b) experimentação de novas abordagens; (c) aprendizado com as próprias experiências e antecedentes; (d) aprendizado com as experiências e melhores práticas de outras organizações, concorrentes ou não; (e) transferência de conhecimento rápida e eficiente em toda organização. O autor sugere ainda, que haja a sistematização dos registros destas práticas como forma de prover a empresa de conhecimento. Podemos traçar um paralelo dessas habilidades com as trazidas por Dutra (2004) quando elenca o perfil dos profissionais de gestão de pessoas do novo século. Para este autor, não basta repetir modelos e estruturas já consolidadas - os profissionais devem trabalhar de modo estratégico, integrando a equipe e com uma visão para além da tarefa. Sendo assim, o bom profissional de gestão de pessoas não seria mais aquele que deteria o conhecimento (ou que tivesse maior capacidade de retenção de informações), mas sim aquele que soubesse dialogar, articular-se e sensibilizar a equipe para a promoção de mudanças organizacionais necessárias. É com esse intento que Zerbini e Abbad (2010) realizaram uma análise crítica da literatura sobre o processo de aprendizagem induzida pela instrução em contexto de organizações de trabalho, destacando os conceitos e as características dos processos formais que promovem a aprendizagem induzida no trabalho: ações de treinamento, desenvolvimento e educação de pessoal, formação e qualificação profissional.

A organização deve ter uma política de administração de seu conhecimento, mas ao mesmo tempo ser capaz de inovar, deve observar suas melhores práticas e as de seus concorrentes, incorporando-as em seu sistema de gestão de forma dinâmica e principalmente sendo capaz de fazer com que o conhecimento se dissemine pela instituição. O profissional de gestão de pessoas, nesse paradigma, deve atuar diretamente junto às equipes de trabalho, não apenas conscientizando-as da importância do processo, mas ouvindo-as e acompanhando de modo a oferecer suporte e embasamento técnico para as atividades de aprendizagem dentro das organizações.

Para Senge (1990), um dos teóricos mais evocados quando se fala em aprendizagem organizacional, a proposta da organização que aprende foi primeiramente desenvolvida para identificar as empresas empenhadas na busca de resultados em razão de um processo de constante aprendizado. Para este autor, a resposta aos desafios do mercado competitivo e em permanente transformação está em uma nova e sistêmica forma de pensamento que envolva múltiplas visões de mundo e em uma educação permanente, que promova o ser humano em seu desenvolvimento pessoal e profissional. Ainda segundo Senge (1990), a aprendizagem organizacional ocorre basicamente de duas formas: (a) adaptativa, sendo reativa e relacionada ao enfrentamento do ambiente; (b) aprendizagem generativa, relacionada à criatividade e à capacidade que a organização deve desenvolver para enxergar os sistemas que controlam eventos capazes de modificar o ambiente e agir junto a estes.

Dessa forma, a aprendizagem organizacional ocorre onde haja um sistema organizacional de monitoramento dos resultados da organização, com capacidade de rápida disseminação dessas informações (Garvin et al., 1998), fruto do pensamento sistêmico e de ações de educação permanente, capacitando a organização para o enfrentamento da mudança e das incertezas (Senge, 1990). Nessas organizações, os funcionários precisam estar envolvidos no processo de definição de metas organizacionais, de suas principais tecnologias, bem como imbuídos do desejo e da capacidade de trabalhar em conjunto para criar o novo conhecimento. O campo do aprendizado é um modelo simples que faz a combinação entre o que precisa ser aprendido e quem precisa aprender, criando flexibilidade e agilidade para que a organização possa lidar com a incerteza, e onde as pessoas possam gerar novas formas de criar os resultados.

Ao promover a aprendizagem organizacional, a organização deve ser capaz de incorporar em suas práticas o aprendizado que provém dessas ações. Os mecanismos de incorporação dessas práticas são estudados pela gestão do conhecimento na empresa, como será abordado a seguir.

 

A gestão do conhecimento na pauta dos gestores e das organizações

Os gestores preocupados em desenvolver e compreender os processos de aprendizagem que ocorrem na, pela e em função de sua organização de trabalho devem estar atentos também ao modo como a gestão do conhecimento (GC) vai se processando (Takahashi & Fischer, 2010). Embora seja um tema diretamente relacionado ao da aprendizagem organizacional, ainda são poucos os estudos, notadamente ligados à Psicologia Organizacional e do Trabalho, que investiguem a GC e a sua importância para a gestão de pessoas, sendo raros os currículos em Psicologia que abordam a temática (Gonzalez, Martins, & Toledo, 2009; Souza-Silva, 2009; Zangiski, Lima, & Costa, 2009). É pensando nessa lacuna que Ribeiro Junior e Stano (2010) destacam que a GC pode contribuir sensivelmente no ganho de vantagens competitivas, pois suas atividades se relacionam diretamente com as habilidades e conhecimentos das pessoas envolvidas na organização (um dos focos dos estudos em Psicologia Organizacional e do Trabalho), permitindo também que as experiências e conhecimentos gerados durante as atividades possam ser difundidos, favorecendo o diálogo e a melhoria contínua em seus processos.

Clássica e didaticamente, o conhecimento é dividido em duas categorias: tácito e explícito. Explícito é o conhecimento exteriorizado por práticas e declarado pela empresa, e o conhecimento tácito, mais difícil de demonstrar, encontra-se latente na forma como a organização interage com o meio (Nonaka & Takeuchi, 1997). A GC coloca-se como um processo em que sua criação resulta da transformação do conhecimento tácito em explícito. Alguns estudos (Miguel & Teixeira, 2009; Nonaka & Takeuchi, 1997) discutem o tema na organização de negócios, acreditando que nela, além do processamento do conhecimento, pode ocorrer também sua criação. O conhecimento explícito e o conhecimento tácito apresentam-se como itens mutuamente complementares para a gestão de conhecimento da organização. O conhecimento explícito caracteriza o tipo de conteúdo a ser compilado pela organização. A compilação deste conhecimento ocorre por meio de registros formais e sistemáticos, tais como manuais organizacionais, especificações de atividades, expressões matemáticas e outras formas de registro. Esse conhecimento é formal e a organização o utiliza em diversos aspectos, para a manutenção e acompanhamento de suas atividades (Nonaka & Takeuchi, 1997).

O conhecimento tácito envolve as experiências individuais dos trabalhadores da organização. Divide-se em duas dimensões: a dimensão técnica e a cognitiva. A dimensão técnica compreende habilidades e talentos pessoais informais dos trabalhadores da organização, está inserida no processo de aprendizado individual de cada ser humano, sendo o seu know-how pessoal. Sua constituição relata que a partir da mesma atividade, diferentes pessoas são capazes de gerar diferentes resultados e conhecimentos que em última análise constituem-se em fontes de vantagem competitiva (Nonaka & Takeuchi, 1997). A dimensão cognitiva constitui-se das crenças, valores, ideais, esquemas e modelos mentais que os indivíduos desenvolvem de maneira pessoal e se incorporam em seu sistema de compreensão do mundo, admitidos pessoalmente como verdadeiros. Portanto, a dimensão cognitiva apresenta-se assim como as capacidades individuais de cada pessoa. Apesar de sua difícil articulação, a dimensão do conhecimento tácito modela a forma como cada indivíduo percebe o mundo. Este conhecimento é considerado o mais importante dos conhecimentos na organização (Nonaka & Takeuchi, 1997). Essa importância surge em razão de sua constituição, que se relaciona com a diversidade de conhecimentos do conjunto das pessoas.

Em torno da implantação da GC na organização, Davenport, De Long e Beers (1998), constataram quatro estágios para a sua prática: (a) criar um repositório de conhecimento; (b) prover acesso ao conhecimento produzido pela empresa e relacionado ao mercado de sua atuação; (c) criar um ambiente de conhecimento, envolvendo a criação, a transferência, e o uso mais eficaz do conhecimento (onde esta prática incorpore-se na gestão estratégica da organização); e, por fim, (d) a gestão do conhecimento deve constituir-se em objetivo da organização, o controle do conhecimento deve ser visto como um recurso de seu capital. Os autores citam como experiências de sucesso deste controle os casos da Dow Chemical e da Skandia, que, a partir de práticas da GC, alcançaram maior valorização de suas ações no mercado.

Essa visão apresenta a GC como uma política de gestão que deve se incorporar à prática gerencial da organização, criando, facilitando o acesso, tornando o ambiente propício e sendo capaz de controlar o conhecimento da organização (Takahashi & Fischer, 2010; Zangiski et al., 2009). Como as atribuições da gestão de pessoas na contemporaneidade têm extrapolado as considerações técnicas ligadas aos recursos humanos (Dutra, 2004; Tonetto et al., 2008), é mister que esse profissional esteja apto a criar, implementar, discutir e avaliar estratégias de GC em equipes multiprofissionais dentro das organizações, assumindo uma postura mais condizente com os valores organizacionais e estratégicos em vigência no mundo do trabalho (Gonzalez et al., 2009).

Em consonância com Davenport et al. (1998) e Spender (2001) considera a organização como um sistema capaz de gerar, comunicar e aplicar o conhecimento, aproximando sua prática de maneira mais objetiva ao monitoramento do mercado. Para este autor, a GC deve ajudar os gerentes a refletirem sobre como maximizar a responsividade da organização para modificar as condições do mercado e assim refletir com maior assertividade sua habilidade competitiva, tornando a gestão de conhecimento um instrumento de competitividade empresarial.

Na mesma linha que observa a GC como instrumento de desenvolvimento da competitividade empresarial, Shoemaker e Amit (1997), dimensionam o conhecimento organizacional como estratégico, na medida em que os ativos intangíveis da organização, tais como o conhecimento organizacional, não podem ser replicados pelos competidores na medida em que estão fortemente associados à história e à cultura da organização. Essa definição parece situar a GC em uma dimensão de relevância estratégica que a incorpora aos atributos essenciais da organização. As práticas de recursos humanos e o treinamento, por conseguinte, podem ser caracterizados como uma das práticas acessórias de GC, devendo, dessa forma, responsabilizarem-se pela aquisição ou desenvolvimento de competências para a organização.

Para Oliveira Júnior (2001), o principal ponto de pesquisa em teoria da administração estratégica está no desafio de serem descobertas as formas pelas quais as empresas desenvolvem e mantém sua competitividade. Para o autor, as competências essenciais da empresa estão intimamente associadas ao seu know-how coletivo. Dessa forma, a administração do conhecimento pode contribuir para o desenvolvimento de uma vantagem competitiva sustentável para a empresa.

Conforme já foi demonstrado, as organizações devem ser capazes de aprender. Esse aprendizado passa por práticas gerenciais que sejam capazes de fazer com que a organização tenha um relacionamento de mútuo conhecimento com o mercado. O intercâmbio de conhecimento da organização com o mercado pode e deve ser impulsionado e até mesmo criado pelo desenvolvimento de competências gerenciais, como resultado que se espera do treinamento empresarial (Inocente, 2006; Ruas, 2001; Souza-Silva, 2009; Zerbini & Abbad, 2010). A forma como a organização incorpora o aprendizado em suas práticas é objeto de estudo da GC. O que se constata é que o desenvolvimento das capacidades humanas na organização (suas competências) qualifica e maximiza a capacidade das organizações em incorporar estas práticas, ou seja, o desenvolvimento das pessoas amplia a capacidade das empresas em torno da GC.

No contexto das organizações, a GC deve ser objeto de política específica, passando a organização a ser responsável pelo registro sistemático de seus indicadores de conhecimento, e pela transposição do conhecimento técnico e cognitivo, que depende exclusivamente da capacidade das pessoas para a organização (Nonaka & Takeuchi, 1997). A GC deve se apresentar como uma política de incentivo a criação, transferência e uso do conhecimento, sendo objeto de controle da organização. A GC também pode proporcionar a valorização da empresa, pois se constitui em um instrumento de manutenção e ampliação de seu capital intelectual (Davenport et al., 1998). Atuar junto ao desenvolvimento deste capital é uma das demandas contemporâneas para a gestão de pessoas, no perfil apregoado por Dutra (2004). Deve, ainda, atuar como instrumento de inteligência para direcionamento da atuação de mercado da organização (Spender, 2001).

Define-se a GC como estratégica, pois a construção do conhecimento, vinculada aos valores da empresa, encerra grande dificuldade de imitação pelos competidores (Shoemaker & Amit, 1997), e pode representar uma fonte de vantagem competitiva sustentável (Oliveira Júnior, 2001), sendo incentivada e criada pelo desenvolvimento de competências gerenciais resultantes do treinamento empresarial (Ruas, 2001).

Entendida como necessidade, a aprendizagem organizacional passou a ser sistematizada por meio da GC e continuamente impulsionada, elevando a condição dos centros de treinamento empresariais a de Universidades Corporativas (UC). As UC cunharam esta nomenclatura pela capacidade de orientar a produção e realização de treinamentos corporativos alinhados com os objetivos estratégicos da empresa, substituindo a produção de programas de treinamento pouco relacionados entre si, evitando, dessa forma, os chamados programas instrucionais de prateleira e fadados à desatualização. No bojo das UC, o profissional de gestão de pessoas tem sido um interlocutor importante, favorecendo o desenvolvimento de programas de intervenção alinhados não apenas com as melhores práticas de gestão, mas também com os questionamentos que permeiam o mundo do conhecimento e o universo organizacional e do trabalho.

 

As universidades corporativas e sua relação com a aprendizagem organizacional

A literatura que em geral refere-se ao tema das Universidades Corporativas concorda que a educação formal e primária deve ser adquirida pelos profissionais em ambientes externos à universidade corporativa, pois esta última tem como responsabilidade o direcionamento técnico da formação profissional, alinhada em última análise a objetivos de desenvolvimento organizacional. Neste sentido, compreende-se, em geral, que a formação deve ser capaz de ir além das técnicas, sendo adquirida assim, externamente à corporação, com o auxílio do conhecimento de caráter científico (Aguiar & Ferreira, 2005; Goulart, 2005; Zerbini & Abbad, 2010).

Conceitualmente, Meister (1999a) define UC como o elemento de agregação do desenvolvimento e educação de funcionários, clientes e fornecedores, com o objetivo de atender às estratégias empresariais da organização. As UC possuem ênfase no desenvolvimento das capacidades de autogerenciamento, de realizações individuais e em equipes, bem como na identificação e aperfeiçoamento do conjunto de qualificações do funcionário.

Para Inocente (2006) e Meister (1999b), as UC atuam como um centro estratégico de formação, onde as demandas de desenvolvimento de pessoal interno e de pessoal relacionado aos interesses da organização serão constantemente desenvolvidas, como meio de apoiar a organização. Eboli (1999) vê as Universidades Corporativas como um avanço das organizações em relação aos centros de treinamento tradicionais.

Conforme Meister (1999c), a compreensão das Universidades Corporativas passa pelo entendimento do contexto ambiental em que se inseriam as organizações quando o conceito começou a ser discutido. Naquele momento havia premência por organizações não hierárquicas, enxutas e flexíveis, capazes de responder de maneira rápida ao ambiente empresarial; concomitantemente, deu-se o surgimento e consolidação da "economia do conhecimento" como nova base de geração de riqueza. Emergiu, ainda, um novo foco sobre o conceito de empregabilidade em que o contrato de trabalho passou do nível relacional para o transacional e, finalmente, surgiram mudanças na educação, em especial na educação corporativa, evidenciando-se a necessidade de formar pessoas com visão global e perspectiva internacional dos negócios.

Segundo Meister (1999c), essas tendências apontam para o comprometimento da empresa com a educação e o desenvolvimento dos funcionários como fonte de criação da vantagem competitiva sustentável, exigindo que todas as pessoas, nos diversos níveis organizacionais, tenham desenvolvido a capacidade de criar trabalho e conhecimento organizacional, contribuindo para o sucesso da organização.

A implementação das UC, segundo Meister (1999a), deve considerar em seu escopo a definição de competências essenciais da organização, base sobre a qual o treinamento será organizado. Lembra, ainda, que o projeto de UC pode ser fortemente apoiado por iniciativas de fortalecimento da cultura corporativa voltada à aprendizagem. A mesma autora observa que o treinamento no contexto da UC pode e deve se estender à cadeia de valor da organização, pois os resultados das ações de educação continuada geram benefícios sistêmicos. Nessa linha, para Fleury e Oliveira Júnior (2001), as UC devem ser vistas como agregadoras de novas formas de aprendizagem, gerando permutas entre clientes e fornecedores, criando ações que possam ser disseminadas por toda a cadeia de valor a qual pertence a organização, criando um círculo virtuoso de capacitação profissional.

Eboli (1999) ressalta que os programas de treinamento realizados pelas UC considerados os mais bem sucedidos são aqueles realizados em parceira com Universidades independentes que tenham experiência com este tipo de atividade (Inocente, 2006; Scorsolini-Comin et al., 2009; Scorsolini-Comin & Ruwer, 2010; Zerbini & Abbad, 2010), porque assim são capazes de auxiliar a gestão do conhecimento, além do beneficio implícito de serem capazes de "oxigenar" a capacitação do pessoal interno com insumo de formação independente.

Meister (1999a, 1999b) comenta que a universidade corporativa deve se organizar em torno dos princípios e objetivos da empresa tendo como foco o desenvolvimento das capacidades dos funcionários para que tornem a empresa cada vez mais competitiva e apta ao mercado globalizado. Segundo Eboli (2004), o que relaciona o impacto positivo das UC ao sucesso obtido pelas empresas que a adotaram é a utilização de sistemas educacionais competitivos, que privilegiam o desenvolvimento de atitudes, posturas e habilidades, e não apenas o conhecimento técnico e instrumental dos colaboradores. Observando-se este desenvolvimento complementar como instrumento de capacitação ampla do profissional, depreende-se que esta formação complexa será capaz de oferecer maiores contribuições à organização.

As UC devem criar oportunidades de aprendizagem ativa e contínua, que deem suporte aos objetivos críticos da organização. As UC são vistas, desse modo, como elemento de diferenciação das organizações. Contudo, é necessário polarizar essa visão, no que diz respeito à possível endogenia no pensamento da organização. Nesse sentido, Vergara (2000, p. 187) adverte:

(...) a Universidade Corporativa, voltando-se tanto para seus objetivos, estratégias e atividades específicas, corre o risco de formar "apertadores de parafuso, no sentido chapliniano, e perder sua competitividade por não dispor de pessoas que dominem o pensamento abstrato, os conceitos, que não desenvolvam as habilidades requeridas a um aprendizado contínuo, pessoas capazes de ler o que não está escrito, de ver o que não é mostrado, de ouvir o que não é falado. Enfim, pessoas capazes de fazer a diferença em um mundo de constantes e velozes mudanças.

Compreende-se que a UC deve ser vista com um elemento de diferenciação da organização, mas é preciso que considere em seu escopo elementos de formação problematizante, capaz de formar para o imponderável, para além dos elementos de tangibilidade imediata, ampliando-se os conteúdos dos programas para que sejam capazes de formar um profissional com maiores capacidades reflexivas.

Conforme Schön (2000), formar profissionais reflexivos amplia a utilidade da ação de educação, pois os torna capazes de analisar suas ações e questionar de forma continuada se os resultados obtidos poderiam ser ampliados e como eles se comunicam com os demais elementos da organização e da sociedade. Este entendimento alinha-se com o de Dutra (2004) e de Scorsolini-Comin e Ruwer (2010), de que as ações de desenvolvimento das competências organizacionais surtirão maior efeito quando estiverem alinhadas às competências individuais das pessoas, sendo, assim, fruto de seu interesse pessoal.

Compreende-se que as UC são um elemento estratégico no desenvolvimento do corpo funcional. Meister (1999a) vê as UC emergindo com a via de desenvolvimento da organização moderna inserida na economia do conhecimento. Para Eboli (1999), constituem-se em uma evolução dos centros de treinamento tradicionais, inserindo clientes e fornecedores na cadeia de disseminação de conhecimento. Contudo, Vergara (2000) observa que se deve prevenir as organizações para que os critérios de orientação para formação não se tornem apenas utilitários, mas que, conforme Schön (2000), sejam capazes de formar para o intangível, o que se apresenta como um desafio contemporâneo. Assim, o gestor de pessoas deve estar atento ao modo como a UC tem contribuído também para a formação de cidadãos comprometidos com a transformação social e não apenas para uma melhor incorporação dos ideais da empresa ou das necessidades de treinamentos apregoadas pela instituição a qual se vincula. Ultrapassando a sua ligação com os processos de TD&E, as UC têm assumido cada vez mais autonomia como promotoras de novos conhecimentos e de desenvolvimento de estratégias condizentes com os desafios que se apresentam no mundo do trabalho.

 

Considerações finais

A pauta dos gestores contemporâneos vem exigindo cada vez mais a necessidade de adaptação e incorporação de novas demandas. Como campo dinâmico de intervenção, as pesquisas em gestão de pessoas ainda recaem em algumas dificuldades, como o aparente desinteresse dos profissionais em comunicar suas práticas, a demora em circularizar práticas bem sucedidas por meio da publicação em periódicos científicos, bem como os poucos núcleos de pesquisa na área existentes no Brasil. Nesse contexto, a gestão de pessoas não tem sido priorizada enquanto campo de investigação científica notadamente pela Psicologia (Tonetto et al., 2008), havendo a assunção de trabalhos que discutem a atuação nesse campo a partir de outros prismas, como os da Administração de Empresas e também da Engenharia. Embora o diálogo entre diferentes ciências, abordagens e formas de se compreender o humano nas organizações seja válido e necessário, é mister que mais psicólogos sejam convidados ao debate acerca dos temas contemporâneos como a aprendizagem nas organizações e que também queiram se envolver nessa produção de conhecimento.

Como deflagrado por uma busca na literatura científica, há a necessidade não apenas de ampliar os estudos acerca da gestão de pessoas (Ferreira, 2009; Pereira, 2009), como também acerca de temáticas recentes cada vez mais discutidas nas organizações de trabalho (Borges-Andrade & Pagotto, 2010). Esse movimento nos coloca diante da demanda de que cada vez mais sejam empreendidos trabalhos sérios e comprometidos com a construção de um conhecimento que se pretende científico e aplicado à prática profissional. Pelo desenvolvimento e ampliação da atuação do psicólogo nos contextos organizacionais, só superada pela atuação clínica (Borges-Andrade & Pagotto, 2010), compreende-se a urgência e a publicização desses estudos.

Assim, a aprendizagem organizacional vem tomando a agenda de prioridades dos profissionais de gestão de pessoas de pequenas e grandes organizações, levando à necessidade de que esses profissionais também estejam aptos para discutirem formação dentro desse ambiente, desde a organização da demanda, passando pelo desenvolvimento da proposta, consequente implementação, acompanhamento e avaliação de resultados. De modo similar, a gestão do conhecimento (GC) é uma temática emergente e que vem desafiando psicólogos que ocupam funções de gestão nas organizações. Pouco abordada na formação psi, a GC pode e deve ser um conteúdo de atenção por parte do psicólogo, que deve também buscar formas de discutir de que modo a sociedade da informação vem impactando o mundo do trabalho, gerando novas demandas para os profissionais que nem sempre estão preparados para esses desafios. A GC, mais do que um campo de aplicação, é também de caráter estratégico - estratégia a qual o psicólogo não pode se furtar de conhecer, participar, contribuir e também problematizar, tendo como norte o perfil da gestão de pessoas discutido por Dutra (2004).

Ao final do percurso, uma das limitações deflagradas neste estudo é o fato deste justamente oferecer reflexões mais direcionadas para a atuação psi, em detrimento das áreas afins, o que pode ser visto também como uma oportunidade de convidá-las para a reflexão, o que deve ser conduzido em investigações futuras. Se ao falarmos em gestão de pessoas não estamos abordando o trabalho apenas de psicólogos, mas de profissionais de diferentes formações com atuação na área organizacional, é fundamental evocar os diferentes olhares daqueles que atuam na área acerca das demandas atuais, aqui elencadas por meio das noções de aprendizagem organizacional e gestão do conhecimento.

Além disso, o estudo teórico aqui apresentado, justamente por basear-se nas produções publicadas em fontes de impacto, muitas delas também de caráter teórico, acaba tendo dificuldades de dialogar com a prática e com o contexto de produção nas diferentes organizações existentes em nosso país. O intuito é que o movimento aqui iniciado possa resgatar as contribuições empíricas que também vêm sendo publicadas, ainda que de modo mais tímido, em revistas qualificadas e com tradição na publicação em POT, como os periódicos Psicologia: Teoria e Pesquisa, Psicologia: Reflexão e Crítica e Psicologia: Organizações e Trabalho (Tonetto et al., 2008).

Para tanto, é mister que os profissionais da gestão de pessoas não apenas conheçam os processos de aprendizagem, mas também as demandas do mundo corporativo, a fim de que possam atender às necessidades de treinamentos internos, contribuindo para um melhor desempenho da equipe e consequente aumento da produtividade e dos lucros. Também o envolvimento dos psicólogos nas universidades corporativas pode e deve contribuir não apenas para a clarificação da literatura psi sobre a aprendizagem, mas de que modo as pessoas, em uma organização, podem não apenas se desenvolverem como transformarem paradigmas, promovendo uma cultura na qual o profissional de gestão de pessoas rompa sua atuação para além das atividades clássicas de recursos humanos, como contratação, recrutamento, seleção e desligamento de colaboradores. Mais do que isso, a aprendizagem organizacional e a gestão do conhecimento emergem como pontos que devem ser discutidos criticamente com profissionais capacitados para compreenderem que a atuação é para além da organização. Obviamente que esta formação ainda não integra suficientemente os currículos universitários, na medida em que se prima pela reprodução e transmissão de modelos consagrados de gestão e que, obviamente, não subsidiam as demandas que estão surgindo dentro das empresas. A possibilidade de realização de estágio em uma empresa que esteja passando por esse processo pode ser uma oportunidade de vivenciar a experiência desde o levantamento de sua demanda na empresa, até a finalização do mesmo.

Como nem sempre podemos oportunizar esta experiência, deve-se levar para discussão de que modo o profissional que deseja atuar na área de gestão de pessoas pode se colocar diante da necessidade de participar do processo de aprendizagem organizacional, tanto como protagonista (colaborador que participa dos treinamentos) como quem o viabiliza (equipe de recursos humanos e/ou TD&E). A formação desse novo profissional deve ser ampliada e incrementada, discutindo as repercussões estratégias que este gestor deve incorporar, rompendo com uma tradição da gestão de pessoas como ligada à burocracia ou a um papel persuasivo dentro da organização. O gestor deve trazer à baila uma forma de atuação que posicione pessoas e organização com vistas à apropriação de conhecimentos, práticas e habilidades que possam desenvolver a todos concomitantemente, em uma mudança de posicionamento: do trabalho que se encerra em si mesmo e daquele que percebe sua dimensão política, estratégica e diretamente ligada ao desenvolvimento pessoal e organizacional.

Ao profissional de gestão de pessoas contemporâneo não será necessário apenas incremento à sua formação, mas à sua reflexão e reposicionamento constantes em estruturas organizacionais cada vez mais complexas nas quais o conhecimento (bem como sua apropriação, disseminação e recriação) vem adquirindo função primordial. Similarmente, a identidade ou a função do gestor de pessoas deve ser questionada criticamente, em atenção às mudanças que estão sendo observadas não apenas de dentro das empresas para o mercado como do mercado (e aqui incluímos as universidades, as universidades corporativas e as instituições responsáveis pelo delineamento de propostas de treinamento) para dentro das organizações de trabalho sob a égide de um novo - e também provisório - paradigma do conhecimento.

 

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Recebido: 09/11/2010
1ª Revisão: 09/03/2011
2ª Revisão: 11/06/2011
Aceite final: 26/06/2011

 

 

Sobre os autores
Fabio Scorsolini-Comin é Docente do Departamento de Psicologia do Desenvolvimento, da Educação e do Trabalho da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Psicólogo, Mestre e Doutorando em Psicologia pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Editor da Revista da SPAGESP.
David Forli Inocente é Gerente de Ensino do Instituto de Ensino e Pesquisa em Administração (INEPAD). Bacharel em Direito pela Universidade de Ribeirão Preto e Mestre em Administração de Organizações pela Universidade de São Paulo (FEARP-USP).
Irene Kazumi Miura é Professora Associada da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FEARP-USP). Psicóloga, Mestre em Psicologia Social e Doutora em Administração pela Universidade de São Paulo (FEA-USP).
1 Endereço para correspondência: Departamento de Psicologia do Desenvolvimento, da Educação e do Trabalho da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM), Avenida Getúlio Guaritá, 159, 3º andar, 38025-440, Uberaba-MG, Brasil. Fone: 34 33185929. E-mail: scorsolini_usp@yahoo.com.br

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