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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão impressa ISSN 1679-3390
Rev. bras. orientac. prof vol.15 no.1 São Paulo jun. 2014
ARTIGO
Percepções de mulheres sobre a relação entre trabalho e maternidade
Women's perceptions regarding the relation between work and motherhood
Percepciones de las mujeres sobre la relación entre el trabajo y la maternidad
Pascale Chechi FiorinI; Clarissa Tochetto de OliveiraII; Ana Cristina Garcia DiasII
IFaculdade Integrada de Santa Maria, Santa Maria-RS, Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria-RS, Brasil
RESUMO
Buscou-se investigar o significado do trabalho remunerado e a relação do mesmo com a maternidade para mulheres. Foram entrevistadas sete mulheres com e sem filhos. As informações foram submetidas à análise de conteúdo. Foram identificadas duas categorias: significado do trabalho e relação entre trabalho e maternidade. Contatou-se que a carreira profissional contribuiu para a independência financeira e emocional da mulher, além de possibilitar novos relacionamentos sociais. Verificou-se ainda que as mulheres tendem a perceber a maternidade como sacrifício, devido às renúncias que devem fazer em sua carreira profissional, decorrentes dos cuidados que um filho impõe. Conclui-se que uma divisão de tarefas igualitária dentro do lar possa auxiliar as mulheres a vivenciar seu crescimento profissional, sem renunciar a maternidade que almejam.
Palavras-chave: trabalho, maternidade, gênero
ABSTRACT
The aim of this study was to investigate the meaning of paid work and its relation to motherhood among women. Seven women workers, with and without children, were interviewed. The information was submitted to content analysis. Two categories were identified: the meaning of paid work and the relation between paid work and motherhood. It was possible to verify that the professional career contributes to the economic and emotional independency of the women interviewed, besides enabling new social relationships. Moreover, the women tended to understand motherhood as a sacrifice, since they would need to give up their professional career temporarily to take care of their child. We conclude that home chores equally divided between the couple might contribute to women in their professional growth, without giving up motherhood.
Keywords: labour, motherhood, gender
RESUMEN
Se buscó investigar el significado del trabajo remunerado y la relación del mismo con la maternidad para las mujeres. Fueron entrevistadas siete mujeres con y sin hijos. Las informaciones fueron sometidas al análisis de contenido. Fueron identificadas dos categorías: significado del trabajo y relación entre el trabajo y la maternidad. Se constató que la carrera profesional contribuye para la independencia financiera y emocional de la mujer, además de posibilitar nuevas relaciones sociales. Se verificó también que las mujeres tienden a percibir la maternidad como un sacrificio, debido a las renuncias que deben hacer en su carrera profesional, derivada de los cuidados que un hijo impone. Se concluye que una división de las tareas igualitaria dentro del hogar pueda auxiliar a las mujeres a vivenciar su crecimiento profesional, sin renunciar a la maternidad que anhelan.
Palabras clave: trabajo, maternidad, género
O perfil do trabalho da mulher ao longo dos anos é composto de avanços e permanências. A mulher passou a se inserir de forma mais significativa no mercado de trabalho a partir da década de 70. Naquela época, as mulheres trabalhadoras eram, quase exclusivamente, jovens, solteiras e sem filhos. A inserção da mulher casada e com filhos no mundo do trabalho fora do lar ocorreu de forma mais tímida do que para as mulheres sem filhos. As mulheres mães deixaram o ambiente doméstico para buscar trabalho fora de casa, gradualmente. Atualmente, essa situação se modificou, sendo possível observar um número de mulheres mais velhas, casadas e mães realizando atividades remuneradas fora do lar (Bruschini, 2007).
Diferentes fatores estão relacionados à transição das atividades domésticas para o trabalho remunerado extra lar das mulheres de camadas médias da população. Na década de 70, a realidade econômica brasileira passava por um período de inflação, quando dificuldades financeiras geraram um gradual empobrecimento das famílias. A queda na qualidade dos serviços públicos, especialmente em termos educacionais e de saúde, também levou as famílias a realizarem maiores gastos com despesas básicas. O que aliado ao incentivo de consumo da mídia, fez com que os orçamentos familiares aumentassem (Bruschini, 2007; Fleck & Wagner, 2003; Losada & Rocha-Coutinho, 2007). Além disso, houve um aumento na escolaridade da população em geral, especialmente das mulheres, o que auxiliou na inserção feminina no mercado de trabalho. Por outro lado, as mulheres passaram a ter menos filhos e a se tornarem mães mais tarde (Losada & Rocha-Coutinho, 2007). Todos esses fatores geraram transformações no mercado de trabalho e nas relações entre os sexos no contexto familiar.
Atualmente, os lares chefiados por mulheres subiram de 24% (2001) para 35% (2009) (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010). Apesar de todas essas mudanças, a mulher ainda é a principal responsável pelas atividades domésticas e pelos cuidados com os filhos, enquanto o homem permanece sendo considerado um ajudante, visto que não assume as responsabilidades e tarefas no lar como a mulher o faz (Borsa & Nunes, 2011).
Esse panorama ilustra a divisão sexual de atividades funcionais na sociedade. Os termos "trabalho de mulher" e "trabalho de homem" estão ligados às supostas condições biológicas de cada sexo, como a capacidade de gestar feminina e a de acumular músculos com maior facilidade apresentada pelo homem (Matthaei, 1993). A partir disso, compreende-se por que a mulher ainda assume com naturalidade o trabalho do lar e o cuidado dos filhos, independente da camada social e da prevalência ou não de trabalhos remunerados (Graf & Diogo, 2009), enquanto o homem tende a assumir o papel de provedor e a se envolver menos com o lar (Ciscon-Evangelista, Leal, Oliveira, & Menandro, 2012).
A diferença entre trabalho de homem e trabalho de mulher ainda estabelece um valor, sendo depreciado aquilo que é associado ao feminino. Assim, enquanto o homem é visto como poderoso, confiante e assertivo no ambiente do trabalho, essas mesmas características são vistas como autoritarismo, agressividade e frieza nas mulheres. As atividades do lar, consideradas "trabalho de mulher", são representadas como inferiores, o que colabora para que os homens deixem as mesmas para quem sempre as executou - as mulheres (Bardwick, 1981).
Além disso, os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) tratam o trabalho doméstico como inatividade econômica, junto com aposentados, inválidos, estudantes e aqueles que vivem de renda. Essa forma de encarar a atividade do lar desconsidera as horas dispensadas em um trabalho demorado, repetitivo, cansativo e desvalorizado. Nesse sentido, as mulheres trabalhadoras, mães de filhos pequenos, que se encontram ativas em suas carreiras profissionais, além de dedicar horas às atividades domésticas, podem se sentir prejudicadas tanto em relação ao seu trabalho como em relação as suas vivências da maternidade (Bruschini, 2006).
Poucas pesquisas brasileiras têm investigado as tentativas de conciliar trabalho e família associadas à decisão de se ter um filho, embora as mulheres que trabalham fora de casa continuem responsáveis por 80% a 90% do trabalho doméstico (Gysbers, Heppner, & Johnston, 2009). Há evidências de que existe uma forte relação inversa entre ser casada e número de filhos com o envolvimento e conquistas na carreira (Betz, 1994). Pesquisas qualitativas podem auxiliar a conhecer e a compreender as decisões de mulheres no que se refere ao trabalho e à maternidade (Gysbers et al., 2009; Liu & Hynes, 2012). Essas informações podem auxiliar na orientação de carreira de mulheres, que demandam um serviço que considere tanto as necessidades da etapa da vida em que se encontram quanto os papéis que desempenham, além dos fatores sociais, culturais e econômicos envolvidos no desenvolvimento da carreira (Gysbers et al., 2009; Santos & Melo-Silva, 2011). Face ao exposto, o presente estudo busca compreender o significado do trabalho remunerado para mulheres trabalhadoras mães e não mães. Além disso, pretende-se identificar como essas mulheres percebem as consequências da maternidade no seu desenvolvimento de carreira.
Método
Participantes
Participaram desse estudo sete mulheres residentes em uma cidade do interior do Rio Grande do Sul. As participantes eram casadas, pertenciam a camadas médias da população e possuíam idade entre 30 a 35 anos. Dentre elas, três possuíam nível superior e, as demais, nível médio. A constituição da amostra seguiu o procedimento denominado bola de neve (snowball). Através deste, se identifica um indivíduo que possui as características de interesse da pesquisa; esse participante indica outro participante e assim por diante (Biernacki & Waldorf, 1981). Essa forma de recrutamento facilita a entrevista de participantes com um mesmo perfil cultural e socioeconômico. A Tabela 1 apresenta as características de cada participante. Por questões éticas, os nomes das participantes foram substituídos.
Instrumento e procedimentos
As informações foram coletadas por meio de entrevistas semiestruturadas, realizadas individualmente em sala reservada, em local de conveniência escolhido pelas entrevistadas (em seus locais de trabalho ou casas). As entrevistas foram gravadas e, posteriormente, transcritas. Todas as entrevistadas foram contatadas por telefone, sendo agendada a entrevista em horário de conveniência das participantes. Ao serem convidadas a participar da pesquisa foram explicados os objetivos e procedimentos do estudo. Procedimentos éticos foram observados na execução do estudo, sendo que este obteve aprovação do Comitê de Ética da instituição de vínculo das pesquisadoras (CAE: 23081.013699\2010-09).
Análise dos dados
As informações foram submetidas à análise de conteúdo. Esta forma de análise reúne procedimentos para organizar o material e analisar o conteúdo das mensagens, buscando categorizar o texto para interpretar as informações (Bardin, 2004). Na presente pesquisa, a análise buscou compreender os conteúdos presentes nas falas das entrevistadas e aprofundar suas características mais importantes. Então, foram destacados trechos das falas que aprofundavam as questões de pesquisa, buscando identificar seus significados explícitos e implícitos. Esse procedimento permitiu a identificação de grandes categorias relacionadas aos objetivos da pesquisa, descritos na seção seguinte.
Resultados e Discussão
Pode-se perceber que as entrevistadas formavam um grupo homogêneo em opiniões e heterogêneo em vivências. A realidade das participantes era diferente no que se refere à estrutura familiar, carreira, salário e cotidiano. Três entrevistadas possuíam filhos e quatro não. Além disso, a carreira profissional de cada uma tinha suas peculiaridades, mesmo entre aquelas que possuíam a mesma profissão. Contudo, havia opiniões compartilhadas, que foram reunidas em duas categorias temáticas abrangentes, com conteúdos inter-relacionados, a saber: significado do trabalho e relação entre trabalho e maternidade.
Significados do trabalho
O trabalho assumiu diversos significados para as mulheres entrevistadas. O trabalho remunerado foi associado a aspectos concretos, como a dificuldade financeira e a necessidade de dividir as contas do lar, e a aspectos emocionais, como independência, autonomia, satisfação pessoal e incremento de relacionamentos sociais. O conhecimento dos aspectos associados ao trabalho é importante para que se consiga compreender como as mulheres representam sua carreira profissional atualmente e que lugar o trabalho tem ocupado na vida das mesmas.
Neste estudo, a participação das entrevistadas na economia doméstica foi percebida pelas mesmas como uma sobrecarga. As mulheres sentem-se cobradas pelo excesso de atividades realizadas dentro e fora de casa ("Hoje a mulher precisa trabalhar para dar o melhor para si e para sua família, mas se fosse como antigamente, que quem sustentava a família era o homem, seria mais fácil... só é assim porque hoje há muita exigência financeira" Lia, 30 anos, secretária, não tem filhos). As participantes também relataram que se sentem pressionadas para se desenvolver enquanto profissionais e, assim, aumentar seus rendimentos financeiros, pois reconhecem a dificuldade de manter uma casa sozinha ("Eu acho que eu poderia ter me dedicado mais, ter corrido atrás, ter feito uma faculdade, ter investido em mim. Eu acho que como profissional, eu sou um fracasso, em função de eu não ser bem sucedida, não ganhar bem..." Joana, 30 anos, secretária, tem filhos).
A participação da mulher no sustento financeiro do lar é uma realidade atualmente. Na família tradicional burguesa de antigamente, era comum o homem ser o único provedor do lar. Entretanto, é possível observar a divisão das despesas da casa entre a mulher e o marido ou, até mesmo, mulheres assumindo essa responsabilidade de forma integral na família contemporânea (Borsa & Nunes, 2011; Teykal & Rocha-Coutinho, 2007).
As mulheres entrevistadas neste estudo de fato cobram a si mesmas por uma melhor remuneração e queixam-se da sobrecarga de trabalho a ser realizado. Entretanto, as participantes também reconhecem as vantagens da remuneração: independência financeira ("Quero comprar um sapato, eu tenho dinheiro pra isso, eu vou comprar. Tu imagina se eu dependesse de um homem que viaja a semana inteira..." Joana, 30 anos, secretária, tem filhos; "Trabalhando, eu já comprei várias coisas que eu gostaria de ter e antes eu não tinha" Bruna, 30 anos, auxiliar de limpeza, não tem filhos), liberdade, autonomia e satisfação pessoal por poder comprar o que quiser ("A mulher se sente melhor, realizada, querer e poder comprar" Amanda, 32 anos, contadora, não tem filhos).
As falas das participantes deste estudo vão ao encontro dos resultados de uma pesquisa que investigou o significado da atividade profissional para jovens empresárias. A remuneração está associada à independência, além da conquista pessoal e financeira (Losada & Rocha-Coutinho, 2007). Além disso, no Brasil, as pessoas que têm mais chances de serem felizes são aquelas que estão empregadas e possuem níveis de renda mais elevados. Dessa forma, o emprego define a posição social do indivíduo e a autoestima, não sendo apenas uma fonte de renda. Mesmo assim, aqueles que têm melhores condições econômicas, em geral, têm mais oportunidades de alcançar o que desejam, ou seja, podem comprar mais bens materiais e serviços (Corbi & Menezes-Filho, 2006). De fato, não é raro encontrar jovens, de ambos os sexos, que planejam o apogeu profissional, a independência e a estabilidade financeira, incluindo a aspiração à casa própria, aquisição de bens de consumo e viagens pelo mundo (Graf & Diogo, 2009).
O retorno financeiro é visto ora como algo positivo, já que proporciona satisfação às entrevistadas, ora como algo negativo ou necessário, quando se sentem cobradas por seus gastos mensais e pela melhora no desempenho do trabalho. Dessa forma, verifica-se que o trabalho fora do lar adquire diversos significados para as respondentes, e que não se resumem ao aspecto financeiro. As entrevistadas expressaram o quanto as atividades que realizam são fonte de satisfação e trazem a sensação de crescimento pessoal, na medida em que se percebem contribuindo no ambiente de trabalho ("Eu gosto do que eu faço, mesmo ficando além dos meus horários. Eu vou sentir diferença no momento que eu voltar pro meu horário normal, vir pra casa mais cedo" Amanda, 32 anos, contadora, não tem filhos); "Eu não posso abrir mão da minha carreira profissional. Primeiro, porque eu gosto do que eu faço. É um momento de crescimento da entidade, se eu deixar de contribuir agora, eu vou estar travando o meu crescimento profissional" Maria, 35 anos, contadora, tem filhos). As mulheres relataram sentir satisfação no desempenho da sua profissão e em poder crescer profissionalmente mesmo quando não trabalham na sua área de formação e com salário abaixo do esperado ("Hoje me sinto realizada profissionalmente, porque eu sei que se estivesse na área que me formei, a pedagogia, não seria tão realizada como eu sou na área da saúde. Eu gosto do que eu faço, tenho condições de crescer mais na parte profissional" Lia, 30 anos, secretária, não tem filhos; "Eu trabalho numa clínica, gosto do que eu faço, ganho mal pra caramba, mas foi uma escolha minha" Joana, 30 anos, secretária, tem filhos).
O significado da atividade remunerada, portanto, vai além da necessidade econômica para as mulheres atualmente. O trabalho externo ao lar é percebido como uma atividade que dá satisfação e prazer para a mulher (Almeida, 2007; Losada & Rocha-Coutinho, 2007). Em um estudo realizado com mulheres de classe média nos Estados Unidos, constatou-se que as mesmas cresceram observando evidências conflitantes a respeito do seu potencial para trabalhar, como oportunidades, restrições e a divisão tradicional entre as esferas trabalho e família. Os genitores transmitiam às filhas que o trabalho era essencial para o sucesso econômico e a independência das mesmas. Entretanto, o trabalho realizado por suas mães era considerado apenas uma "ajuda", e não imprescindível para o sustento da família (Damaske, 2011).
As participantes deste estudo descreveram se sentir independentes e capazes através do trabalho que realizam ("Mulher tem que trabalhar fora, ter a independência dela" Joana, 30 anos, secretária, tem filhos; "É bom, porque tu tens uma profissão, tu não fica dependente. Eu acho bom a mulher ter independência... eu acho importante as mulheres terem trabalho, não ficar parada esperando que as coisas cheguem" Bruna, 30 anos, auxiliar de limpeza, não tem filhos). Acreditam ainda que a mulher toma uma postura diferente em relação à vida por estar inserida em uma atividade remunerada ("Ela se torna mais determinada, mais autoritária, ela tem aquela posição mais objetiva" Lia, 30 anos, secretária, não tem filhos).
Constata-se que as mulheres entrevistadas nesta pesquisa consideram o trabalho de dona de casa como algo negativo, que pode prejudicar a independência dessas pessoas que não trabalham fora do lar. Parece que esse trabalho restringe o universo de possibilidades femininas, na opinião das entrevistadas. Entretanto, percebe-se que o significado das atividades relacionadas ao contexto doméstico varia conforme as condições socioeconômicas de determinada família (Santos & Diniz, 2011). Em um estudo realizado com mulheres donas de casa de diferentes níveis socioeconômicos, verificou-se que as tarefas de mulheres de classes privilegiadas estão vinculadas a uma função de coordenação das atividades domésticas. Já as donas de casa de baixa renda assumem todos os trabalhos domésticos, além de não ter acesso ao descanso e ao lazer. Contudo, o trabalho de dona de casa ainda tende a estar submetido ao poder do homem ou marido, que proporciona o dinheiro para que as mulheres administrem o lar quando as mesmas não trabalham fora de casa, comprometendo, assim, a independência dessas mulheres. A partir disso, é possível compreender a desvalorização social das atividades de donas de casa, considerada como um trabalho improdutivo (Santos & Diniz, 2011).
As entrevistadas observaram que as pessoas com quem convivem reconhecem a importância da atividade que desenvolvem ("Eu acho que pra eles (a família), eu ter começado a trabalhar, ter mudado a minha rotina, de ficar só em casa. Então, pra eles, foi importante, porque eu ficava muito estressada só em casa" Bruna, 30 anos, auxiliar de limpeza, não tem filhos). Ademais, parece que o fato de trabalharem fora de casa interfere na forma como os outros as veem, como pessoas independentes ("Me enxergam totalmente independente! Não é só a minha família, mas de outras pessoas também [...] mais determinada, mais autoritária" Lia, 30 anos, secretária, não tem filhos).
A valorização da mulher que trabalha fora de casa também apareceu em outros estudos. Em uma pesquisa com homens cariocas, verificou-se que a visão dos maridos sobre a mulher que trabalha fora é de valorização em relação à "dona de casa", de forma que a mulher é percebida como alguém que busca não só independência econômica, mas também uma forma de conquistar um espaço dentro da sociedade através do trabalho (Teykal & Rocha-Coutinho, 2007). Em outro estudo, realizado com oficiais aviadoras, constatou-se que metade das entrevistadas sofreu resistência por parte dos familiares quando as mesmas decidiram fazer o curso de aviação. Porém, todas confirmam que hoje recebem o apoio dos familiares e que estes possuem orgulho delas. De modo geral, percebe-se que, apesar da influência de conceitos tradicionais de gênero, os maridos e demais familiares apoiam o trabalho da mulher e as incentivam a buscar seu espaço no mundo do trabalho e na sociedade, associando o trabalho dentro de casa como estagnante (Santos & Rocha-Coutinho, 2010).
As entrevistadas deste estudo reconheceram que o trabalho fora de casa possui uma importância emocional, já que contribuem para que as mesmas se sintam ativas e produtivas. O trabalho remunerado fora do lar é visto como algo que valoriza a mulher, que amplia seu conhecimento e melhora seu estado emocional ("Não pode ficar num ambiente fechado, só cuidando do filho, ela tem que estar aberta ao mundo... muda no sentido de valorização de si própria, porque ela se torna mais mulher. A responsabilidade aumenta mais, o conhecimento aumenta mais" Lia, 30 anos, secretária, não tem filhos; "Depois que eu comecei a trabalhar eu mudei bastante, saio, me distraio" Bruna, 30 anos, auxiliar de limpeza, não tem filhos). Por outro lado, o trabalho doméstico é associado ao isolamento da mulher dentro de casa, à estagnação e à doença para quem o realiza exclusivamente ("Eu ia ficar depressiva se eu ficasse cuidando só da casa" Joana, 30 anos, secretária, tem filhos; "A pessoa que não trabalha fica pensando besteiras" Júlia, 33 anos, médica, não tem filhos).
O ambiente do lar pode ser considerado por mulheres que trabalham fora de casa como um espaço de desvalorização e não produtivo, enquanto o espaço público e a carreira profissional possibilitam a valorização e crescimento pessoal. Além disso, é possível que a mulher perceba o trabalho como uma forma de não sentir o vazio que ocorre no momento que os filhos vão para a escola. As mulheres que possuem um trabalho extra lar remunerado, que passam por essa situação, continuam a se sentir ativas e produtivas enquanto aquelas que não possuem não apresentam os mesmos sentimentos (Losada & Rocha-Coutinho, 2007).
As entrevistadas dessa pesquisa acreditam ainda que o trabalho fora de casa contribui para novos relacionamentos interpessoais. O contato com pessoas novas parece auxiliar na manutenção da autoestima elevada e de satisfação diária ("A tua autoestima, tu levantar de manhã, tu te arrumar, tu sair, tu conhecer pessoa, tu te relacionar" Joana, 30 anos, secretária, tem filhos; "A convivência com as outras pessoas, que é bom, tu sair conhecer pessoas novas, a amizade que eu tenho com as gurias" Bruna, 30 anos, auxiliar de limpeza, não tem filhos).
De fato, o trabalho é uma atividade social, na qual pessoas convivem, interagem, se relacionam, construindo suas identidades e aprimorando habilidades. No caso da mulher, a execução de um trabalho remunerado ainda demarca a igualdade com os homens, passando a se inserir de forma segura em outros ambientes que não apenas o doméstico (Strey, 1999).
O significado emocional positivo que as mulheres conferem ao trabalho contribui para que as mesmas queiram investir no trabalho fora do lar que desempenham. Nesse sentido, o estudo se destaca como uma forma de melhorar as atividades que realizam ("Tem que cuidar do trabalho, tem que estudar, porque não adianta fazer uma graduação, uma pós e esquecer" Amanda, 32 anos, contadora, não tem filhos). As participantes cobram a si mesmas por esse investimento no estudo e na carreira profissional e sentem-se culpadas quando não conseguem se dedicar a essas atividades ("Eu acho que eu fui muito imprudente, imatura de não ter continuado meus estudos. Eu achei que segundo grau bastava, e não basta" Joana, 30 anos, secretária, tem filhos).
Os relatos das mulheres entrevistadas são semelhantes aos resultados encontrados em um estudo com jovens de ensino médio, que atribuíram importância à formação acadêmica em função da demanda do mundo do trabalho por maior qualificação. De fato, a educação é essencial para a obtenção de postos de trabalho minimamente qualificados (Graf & Diogo, 2009). Ademais, o estudo foi o impulsionador da mulher em sua carreira. Afinal, foi através dele que a mulher conseguiu aprimorar seu trabalho e alcançar cargos de chefia (Bruschini & Puppin, 2004). Assim, a busca das mulheres por conhecimento parece estar associada às transformações sociais (Ciscon-Evangelista et al., 2012).
Muitas mulheres conseguem obter igualdade de tratamento em relação aos homens, devido à sua dedicação ao trabalho, ao estudo e à sua competência. Porém, existe um discurso androcêntrico no ambiente de trabalho em relação ao exercício da maternidade, decorrente dos meses de afastamento proporcionados pela licença maternidade ou pelas dificuldades enfrentadas pelas mulheres que possuem filhos pequenos. Assim, os processos de seleção priorizam as candidatas que possuem maior disponibilidade de locomoção e de tempo para se dedicar ao trabalho, de forma que as mulheres que estão vivenciando a gravidez ou a maternidade apresentam menores chances de serem selecionadas quando comparadas aos demais candidatos (Bruschini & Puppin, 2004). Nesse sentido, as mulheres que não conseguem conciliar estudo e trabalho com a maternidade experimentam sentimentos de culpa e cobram a si mesmas por a escolha de uma opção entre duas áreas da vida que não deveriam ser excludentes, mas sim conciliadas (Almeida, 2007). A categoria a seguir abordará a percepção das entrevistadas sobre a relação entre trabalho e a maternidade.
Relação entre trabalho e maternidade
O trabalho e a maternidade estão diretamente conectados para as mulheres entrevistadas neste estudo. As participantes referiram a necessidade de adiar a maternidade até conquistarem estabilidade profissional e financeira. Dessa forma, a construção e o desenvolvimento da carreira tende a ser priorizado pelas mesmas, visto que, para elas, ter um filho implica não só a modificação da rotina, mas também a possibilidade de renunciar planos pessoais e profissionais.
Nesta pesquisa, pode-se observar que a escolha por ser mãe está intimamente vinculada à carreira profissional. Os principais motivos das participantes para adiar a maternidade estão associados a questões financeiras, como estabilidade ("Eu ainda não tenho total segurança no que eu estou fazendo para ter um filho. Profissionalmente, não no sentido de não ser o que eu gosto, mas no sentido de estabilidade" Lia, 30 anos, secretária, não tem filhos), bem como a escolhas que priorizam o crescimento e a realização profissional ("Eu acho que as mulheres não sentem mais aquele desejo de ser mãe por causa do trabalho, ou estão adiando pra mais tarde pra poder crescer profissionalmente" Bruna, 30 anos, auxiliar de limpeza, não tem filhos). Além disso, as mulheres entendem que os cuidados que um filho demanda exigiriam conciliar o tempo entre trabalho e maternidade, sendo difícil dar a devida atenção a ambos os papeis ("Por enquanto, eu não teria condições porque gestação, filhos, precisa de atenção!" Amanda, 32 anos, contadora, não tem filhos).
As falas das participantes deste estudo confirmam que a mulher não é mais associada apenas aos papéis que envolvem a maternidade e a realização de tarefas domésticas atualmente. O novo ideal de mulher, denominado "mulher contemporânea", propõe a capacidade de conciliar os desejos pessoais com as exigências sociais, ou seja, a mulher busca o sucesso profissional e financeiro, ao mesmo tempo em que desempenha os papéis de mãe e esposa dedicada. Entretanto, esse ideal ainda privilegia a função materna, embora mantenha as portas abertas para o trabalho feminino (Nunes, 2011). Por outro lado, a busca da mulher pelo sucesso profissional, independência financeira e satisfações provenientes da carreira profissional fazem-na repensar a situação de maternidade em função da sobrecarga que o acúmulo de funções pode gerar em suas vidas (Bruschini, 2007; Losada & Rocha-Coutinho, 2007; Scavonne, 2001). Além disso, a maternidade e as atividades do lar podem ser consideradas entraves para a inserção no mercado de trabalho e o sucesso profissional, já que essas tarefas exigem da mulher o afastamento da atividade profissional remunerada (Baptista, 1995; Barbosa & Rocha-Coutinho, 2007; Bardagi, Lassance, Paradiso, & Menezes, 2006). A necessidade de conciliar os papéis de trabalhadora e de mãe já é percebida como dificuldade para o desenvolvimento de carreira, inclusive, por adolescentes do sexo feminino de 13 a 19 anos (Cardoso & Marques, 2008).
Assim, hoje as mulheres relatam dificuldades para encontrar um espaço para serem mães (Baptista, 1995; M. Bruschini, 2007; Losada & Rocha-Coutinho, 2007; Scavonne, 2001). Entretanto, em um estudo realizado com mulheres norte-americanas, verificou-se que o esforço das mesmas para conciliar trabalho e família não está associado a taxas menores de fertilidade em mulheres trabalhadoras (Liu & Hynes, 2012). Além disso, as condições do mercado de trabalho não afetam a probabilidade de se ter filhos, mas interferem no momento em que se decide ter filhos (Kondo, 2011). Portanto, pode-se pensar que as mulheres não deixam de ter filhos em função da carreira profissional ou das oportunidades do mercado de trabalho, embora possam adiar a maternidade para um momento que lhes seja mais conveniente.
As mulheres entrevistadas neste estudo que não são mães expressaram a vontade de ter filhos. Entretanto, as participantes explicaram ter adiado a maternidade para que pudessem se dedicar aos estudos ("Eu abri mão de ter tido, eu primeiro tinha que estudar, fazer minha especialização" Amanda, 32 anos, contadora, não tem filhos) ou construir uma carreira mais sólida, visto que se tornar mãe neste momento implicaria interromper o trabalho para cuidar da criança("Eu tenho vontade de ter filho, mas agora não. Porque agora eu estou trabalhando, conquistando as coisas, atrapalharia bastante um filho neste momento. Tem um monte de coisa que eu não poderia fazer, meu trabalho eu já não conseguiria dar continuidade, teria que parar" Júlia, 33 anos, médica, não tem filhos).
Já se sabe que ser mãe não é um instinto feminino e não diz respeito apenas a algo biológico. A maternidade é algo que a mulher pode optar por vivenciar ou não, pois está vinculada a representações históricas e sociais (Badinter, 1985). Mesmo assim, a crença de que existe um instinto materno pode associar a identidade da mulher ao ideal de boa mãe, de forma que a mulher assuma a maior parte das tarefas domesticas e dos cuidados com os filhos no que se chama "dupla jornada" de trabalho (Nunes, 2011). Assim, o adiamento da maternidade e a opção por não vivenciá-la se tornam, cada vez mais, uma alternativa para as mulheres, principalmente, para aquelas que querem se desenvolver em sua carreira profissional (Patias & Buaes, 2012; Rodrigues, 2008). De fato, a maternidade pode ser um preditor significativo para a quantidade de horas de trabalho das mulheres e, consequentemente, interferir no sucesso profissional das mesmas (Abele & Spurk, 2011). Isso parece ser válido mais para mulheres do que para homens, já que as mães tendem a assumir o papel de quem cuida da casa e dos filhos, enquanto os pais tendem a sustentar o lar (Abele & Spurk, 2011) ou a estar mais engajados nos cuidados com os filhos do que nos afazeres domésticos (Guimarães & Petean, 2012). Outra explicação possível é a necessidade sentida pelas mulheres de reduzir a carga horária de trabalho em função de o parceiro não estar disponível para auxiliá-la nos cuidados da criança. Assim, fatores econômicos podem determinar a redução ou não da jornada de trabalho das mães (Abele & Spurk, 2011).
A vivência da maternidade é sentida de forma complexa e ambígua por parte das entrevistadas nesse estudo. Mesmo aquelas que já são mães sentem a maternidade como algo que as responsabiliza a ponto de renunciarem os planos relacionados ao crescimento profissional em função dos cuidados com o filho ("Hoje eu penso em estudar e fazer uma faculdade, e não posso porque eu não tenho onde deixar minha filha. Eu deveria ter pensado nisso antes de colocar ela no mundo" Joana, 30 anos, secretária, tem filhos; "Na minha opinião, é complicado porque tu tem que se subdividir mais ainda. Se já se dividia antes com as tarefas da casa, infelizmente, a gente se entrega mais para o filho e esquece de si" Lia, 30 anos, secretária, não tem filhos; "A criança muda a tua rotina, tudo é gasto, tem escola. Tu vai querer dar tudo do melhor pro teu filho, [...] adiar, eu acho que é uma coisa que cada vez acaba sendo mais natural" Júlia, 33 anos, médica, não tem filhos). Observa-se nas falas das entrevistadas a cobrança das mesmas para estarem organizadas emocionalmente e financeiramente para poderem oferecer uma boa educação às crianças ("Por isso eu quero me organizar, pra depois pensar em ter filho. Eu acredito que tem que dividir o trabalho para não ter uma gestação agitada, tumultuada, corrida, poder descansar" Amanda, 32 anos, contadora, não tem filhos). Nesse sentido, ser mãe torna-se um fenômeno complexo e potencialmente frustrante, uma vez que se encontra associado a inúmeras exigências que as mulheres se impõem.
Os relatos das participantes deste estudo confirmam que a maternidade deve ser pensada e planejada (Santos & Rocha-Coutinho, 2010). Parece que as mulheres que adiam a maternidade para após os 30 anos agem de forma racional no que se refere às suas carreiras, visto que, primeiro, estabilizam sua posição profissional para, depois, poderem se dedicar aos cuidados do filho (Abele & Spurk, 2011). As exigências de estabilidade profissional e financeira determinam a visão que essas mulheres possuem da maternidade. As entrevistadas acreditam que a vida da mulher se modifica muito com o nascimento de um filho, especialmente em virtude das renúncias que deverão realizar ou que já realizam em função da criança ("Muda muito. Eu tenho que acordar mais cedo, [...] tu não vai dormir a hora que tu quer, tu vai dormir a hora que eles querem" Joana, 30 anos, secretária, tem filhos; "Um filho muda muito a vida da mulher, principalmente a rotina diária. Porque hoje eu chego em casa, faço a rotina de trabalho e depois deito no sofá... e, com filho, não vai ser assim, eu vou ter que me dedicar àquela criança" Lia, 30 anos, secretária, não tem filhos). As entrevistadas destacam, em especial, a responsabilidade que advém do fato de ter uma filha ou um filho ("Acho que muda muito, responsabilidade. Botar uma criança no mundo é bem fácil, agora botar, criar e educar [...]. E outros preferem não ter pra não passar por isso. Tu educar, tu ser mãe, aquela mãe que ama, que educa, é complicado" Bianca, 34 anos, secretária, tem filhos; "Eu acho que pra mulher é bem mais corrido depois de ter um filho pra cuidar, é bem mais puxado, porque a criança precisa de mais atenção, mais cuidado" Maria, 35 anos, contadora, tem filhos).
Ainda hoje a mulher é a principal responsável pelos cuidados com a criança e com o espaço doméstico (Borsa & Nunes, 2011). As mudanças associadas à maternidade demandam que a mulher estabeleça prioridades, de forma que o tempo investido na carreira, geralmente, passa a ser compartilhado com os cuidados familiares (Jablonski, 2007). Dessa forma, a mulher precisa lidar com o excesso de responsabilidades quando opta em ser mãe e trabalhar. Além disso, a mulher pode ainda viver um conflito ao adiar a possibilidade da maternidade em função de questões profissionais, mesmo que ser mãe seja um desejo pessoal a ser realizado (Almeida, 2007; Baptista, 1995). As dificuldades decorrentes da necessidade de conciliar trabalho e vida familiar parecem surgir a partir das experiências características de determinada faixa etária. É possível que a perspectiva de vivenciar a maternidade associada ao sucesso profissional apareça mais em adolescentes do que em adultos, quando os primeiros ainda não estão inseridos no mercado de trabalho. Ademais, os jovens tendem a imaginar desafios relacionados à esfera financeira (Graf & Diogo, 2009), enquanto os indivíduos que já estão engajados em um trabalho remunerado identificam as dificuldades de inserir um novo membro na família sem prejudicar seu desenvolvimento profissional, como indicam os resultados do presente estudo.
Curiosamente, as mulheres entrevistadas neste estudo não mencionaram a possibilidade de dividir os cuidados associados ao nascimento de uma criança com os maridos. Pode-se supor que a mulher tende a não compartilhar essas tarefas por considerarem esta função originariamente feminina. Dessa forma, dividir as atividades domésticas e de cuidados com o filho implicaria descaracterizar o seu papel de devotamento aos filhos e a casa (Guimarães & Petean, 2012). Ademais, maternidade está predominantemente associada à ideia de renúncia feminina. Dessa forma, pode-se compreender o desejo pelo adiamento da maternidade ou até a desistência da mesma por algumas mulheres atualmente. Ainda é natural que a mulher assuma toda a responsabilidade de cuidados com o filho, principalmente nos primeiros meses, abrindo mão do trabalho e conquistas em função da maternidade, se for preciso. Por outro lado, o pai é colocado como figura secundária e auxiliar no manejo com os filhos e na organização da casa, percebido como um "ajudante" (Pereira & Neves, 2010; Santos & Rocha-Coutinho, 2010). Isso pode ser confirmado pelo período de licença maternidade, que tem duração de seis meses para funcionárias públicas e de quatro meses para mulheres contratadas, enquanto que, para o homem, esse período não dura dez dias (Lopes, 2006). Desse modo, torna-se difícil, para o homem, ser promovido do status de "ajudante" para ser alguém que, efetivamente, divida as responsabilidades dos filhos e atividades do lar.
Portanto, percebe-se que a divisão das tarefas domésticas entre homens e mulheres ainda não é igualitária, mesmo com maior inserção das mulheres no mercado de trabalho. Nesse sentido, é possível que relações mais equilibradas reduzam os conflitos entre trabalho e família, de forma que a mulher não precise optar entre carreira profissional e maternidade como se fosse um dilema. Estruturas de apoio fora do contexto familiar, como creches e escolinhas, também poderiam contribuir para o bem estar pessoal do casal, aliviando o estresse frequentemente enfrentado por famílias com dupla-renda (Guimarães & Petean, 2012). Assim, as decisões de mulheres referentes à sua participação no mercado de trabalho e ao nascimento de um filho estão diretamente relacionadas. Essas escolhas dependem não só de características individuais e familiares, mas também de variáveis externas, como disponibilidade de serviços que prestam cuidados a crianças enquanto os genitores trabalham (Herrarte, Moral-Carcedo, & Sáez, 2012).
Considerações Finais
O objetivo deste estudo foi compreender o significado do trabalho para mulheres e a relação deste com a maternidade. As mulheres entrevistadas perceberam o trabalho externo ao lar como uma fonte de satisfação e reconhecimento social. Elas descreveram suas aspirações de sucesso profissional, informando seus esforços no desenvolvimento da carreira através dos estudos e seu desejo de obter melhores salários. Entretanto, as participantes da pesquisa também expressaram o desejo de ser mãe. As mulheres consideraram que a maternidade pode lhes oferecer realização pessoal, embora possa representar um empecilho para o seu crescimento profissional por se encontrar associada à renúncia de planos vinculados ao trabalho. Assim, foi possível constatar que a ideia de que a maternidade é a única forma de as mulheres se sentirem realizadas emocionalmente está sendo desconstruída, visto que a carreira profissional desempenha papel central na vida de muitas mulheres, fazendo-as, inclusive, adiar o nascimento de um filho.
Essas informações podem auxiliar profissionais que trabalham com orientação de carreira. É possível que a maior parte do público feminino enfrente dificuldades na tomada de decisão sobre o melhor momento para ter um filho, de forma que não prejudique a vida profissional. Nesse sentido, faz-se necessário conhecer e compreender as características da etapa de vida em que as clientes se encontram, bem como os papéis que desempenham ao oferecer um serviço para mulheres.
Sugere-se abordar a questão sobre trabalho e maternidade também em orientações com crianças e adolescentes, como uma forma de prevenção. Em idades precoces, forma-se uma estrutura sobre as profissões consideradas adequadas a cada gênero que tende a ser reforçada ao longo da vida (Gottfredson, 2005). Como consequência, a mulher tende a se envolver com profissões que reproduzem sua principal função no espaço privado: a maternidade. Quando isso não ocorre, entram em conflito discursos sobre ser mulher (ser mãe e esposa) e profissional (Saavedra, 2013). A partir disso, verifica-se a importância de trabalhar questões sobre carreira em fases iniciais do desenvolvimento, com o intuito de promover padrões mais flexíveis de pensamento e exploração, capazes de resultar em diferentes possibilidades de escolha, em oposição a crenças estereotipadas (Carvalho, 2012). Ademais, proporcionar um espaço para as clientes identificarem e questionarem suas crenças referentes ao trabalho e à maternidade pode contribuir para que as mesmas lidem com a decisão de ter filhos durante o crescimento profissional de maneira mais tranquila.
Esta pesquisa possui algumas limitações que devem ser consideradas na interpretação dos resultados apresentados. A amostra foi constituída por mulheres da mesma faixa etária e da mesma classe socioeconômica. Assim, deve-se ter cuidado ao comparar essas informações com as de mulheres de idades e classes socioeconômicas diferentes destas. A profissão das participantes deste estudo também podem enviesar os resultados, visto que estão associadas a um vínculo empregatício privado. Com base nessas constatações, sugere-se que mais pesquisas sejam realizadas com mulheres de diferentes faixas etárias, classes socioeconômicas e profissões. Além disso, o delineamento qualitativo da pesquisa impede que os resultados sejam generalizados, visto que se referem à realidade das mulheres entrevistadas, embora sejam úteis para a compreensão do fenômeno estudado. Além disso, seria interessante conhecer a percepção de empregadores a respeito da relação entre trabalho e maternidade de suas colaboradoras, pois se supõe que as cobranças de outras pessoas a respeito das atividades profissionais podem interferir na percepção das mulheres sobre as dificuldades profissionais decorrentes de ter um filho.
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Endereço para correspondência:
Rua Tarmuã, 12, Nossa Senhora de Lurdes, 97050-710
Santa Maria-RS
E-mail: paca_psi@yahoo.com.br
Recebido 05/05/2013
1ª Revisão 11/06/2013
2ª Revisão 12/08/2013
Aceite Final 21/09/2013
Sobre as autoras
Pascale Chechi Fiorin é psicóloga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e docente da Universidade Integrada de Santa Maria (FISMA).
Clarissa Tochetto de Oliveira é psicóloga, mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e bolsista CAPES.
Ana Cristina Garcia Dias é psicóloga, mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo (USP) e professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).