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Revista Brasileira de Orientação Profissional

versão impressa ISSN 1679-3390

Rev. bras. orientac. prof vol.15 no.2 São Paulo dez. 2014

 

ARTIGO

 

Adaptação acadêmica e coping em estudantes universitários brasileiros: uma revisão de literatura1

 

College adjustment and coping in brazilian college students: a review of literature

 

Adaptación académica y coping en estudiantes universitarios brasileños: una revisión de literatura

 

 

Clarissa Tochetto de OliveiraI; Rodrigo Carvalho CarlottoII; Silvio José Lemos VasconcelosII; Ana Cristina Garcia DiasII

IUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre-RS, Brasil
IIUniversidade Federal de Santa Maria, Santa Maria-RS, Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O ingresso na universidade requer adaptação dos estudantes ao novo contexto, sendo possível que determinadas estratégias de enfrentamento auxiliem nesse processo. O objetivo do estudo foi identificar, através de uma revisão de literatura, o que se sabe sobre a possível relação entre adaptação acadêmica e estratégias de enfrentamento em estudantes universitários brasileiros. Para tanto, foi realizada uma busca em bases de dados com os descritores estudante(s) universitário(s), ensino superior, adaptação, ambiente, coping e enfrentamento. Dos 198 artigos encontrados, somente 13 atenderam os critérios de inclusão. Os trabalhos analisados visavam construir e validar instrumentos, investigar vivências acadêmicas e descrever correlações entre coping e variáveis de saúde psicológica. Nenhum deles abordava diretamente a possível relação entre coping e adaptação acadêmica, indicando ser este um campo para pesquisas futuras.

Palavras-chave: estudantes universitários, adaptação acadêmica, enfrentamento


ABSTRACT

Starting university studies requires students adapt to the new context. It is possible that some coping strategies can assist this process. The aim of this study was to identify, based on a literature review, what is known about the possible relation between college adjustment and coping in Brazilian college students. In order to this, papers were searched on databases with the keywords college student(s), higher education, adaptation, environment, and coping. From 198 papers we identified, only 13 met inclusion criteria. These studies aimed to develop and to validate scales, to investigate academic experiences and to describe correlations between coping and variables of mental health. None of them studied the possible relation between coping behavior and college adjustment, indicating that this is a field to be further explored by future research.

Keywords: college students, college adjustment, coping behavior


RESUMEN

La admisión a la universidad requiere adaptación de los estudiantes a este nuevo contexto, y es posible que ciertas estrategias de afrontamiento los ayuden en este proceso. El objetivo de este estudio fue identificar lo que se sabe acerca de la posible relación entre adaptación académica y estrategias de afrontamiento en estudiantes universitarios brasileños con base en una revisión de literatura. Para ello, fue realizada una búsqueda en bases de datos con los descriptores estudiante(s) universitario(s), enseñanza superior, adaptación, ambiente, coping y afrontamiento. De los 198 artículos encontrados, solamente 13 cumplían los criterios de inclusión. Los trabajos analizados buscaban construir y validar instrumentos, investigar vivencias académicas y describir correlaciones entre coping y variables de salud psíquica. Ninguno de ellos planteaba directamente la posible relación entre coping y adaptación académica, lo que sugiere que este es un tema que debe ser explorado en futuras investigaciones.

Palabras-clave: estudiantes universitarios, adaptación académica, afrontamiento


 

 

A adaptação acadêmica refere-se ao processo de adaptação do indivíduo frente às mudanças inerentes à experiência universitária, tais como corresponder às exigências de desempenho, ajustamento a novas regras da instituição e a novos colegas, professores e funcionários. Os jovens se deparam com a necessidade de assumir uma postura ativa frente à aprendizagem, buscando conhecimento e oportunidades de atividades extraclasse, diferentes daquelas que estavam acostumados no ensino médio (Soares, Poubel, & Mello, 2009; Teixeira, Dias, Wottrich, & Oliveira, 2008). Os laços de amizade com colegas e as relações estabelecidas com professores nas primeiras experiências na universidade também são essenciais para a adaptação acadêmica. As amizades possibilitam não só o sentimento de pertencer a um grupo, mas também o apoio em caso de dificuldades. Os docentes, por sua vez, auxiliam na adaptação acadêmica através da capacidade de ensinar, que colabora para que o aluno goste do curso e permaneça nesse. Assim, a adaptação acadêmica pode ser compreendida com base nas atitudes do indivíduo em relação ao curso, à capacidade de estabelecer novas relações de amizade, à presença ou ausência de estresse e ansiedade frente às demandas acadêmicas (bem-estar físico e psicológico) e ao vínculo criado com a instituição (Baker & Siryk, 1984; Soares, Baldez, & Mello, 2011). O comprometimento com a vida acadêmica, bem como a interação social dos alunos, contribui para a permanência dos estudantes em seus cursos (Teixeira, Castro, & Piccolo, 2007). Além disso, estudantes que se integram acadêmica e socialmente desde o início de suas graduações apresentam mais chances de crescer intelectual e pessoalmente do que aqueles que enfrentam mais dificuldades nessa transição (Teixeira et al., 2008).

O ingresso na universidade pode constituir-se em um momento de vulnerabilidade e trazer repercussões para o desenvolvimento psicológico dos estudantes (Pereira, Souza, Buaiz, & Siqueira, 2008). Mais da metade dos alunos que ingressam no ensino superior pode apresentar dificuldades nessa transição. Constata-se um aumento nos níveis de psicopatologia na população universitária, especialmente através da presença de níveis elevados de estresse, ansiedade e depressão (Almeida & Soares, 2003; Osse & Costa, 2011). Nesse sentido, torna-se importante a proposição de estudos teóricos e empíricos que busquem investigar tanto o modo como esses jovens vivenciam essa etapa quanto às possíveis estratégias de enfrentamento utilizadas pelos estudantes nesse processo de adaptação (Costa & Leal, 2006).

Em âmbito internacional, as estratégias de enfrentamento são denominadas coping. Embora possam ser observadas algumas diferenças de cunho teórico e metodológico, o coping tem sido entendido como o conjunto de estratégias cognitivas e comportamentais utilizadas pelos indivíduos para lidar com as demandas excessivas decorrentes de situações de estresse (Lazarus & Folkman, 1984). O coping pode ser classificado em dois tipos, dependendo de sua função: coping focado na emoção e coping focado no problema. O primeiro é definido como um esforço para regular o estado emocional associado ao estresse. Por exemplo, tomar um tranquilizante, assistir a um programa agradável, sair para caminhar ou correr (Folkman, Lazarus, Dunkel-Schetter, DeLongis, & Gruen, 1986). Já o coping focado no problema constitui-se em um esforço para atuar na situação que deu origem ao estresse, tentando modificá-la. A função dessa estratégia é alterar o problema existente na relação entre a pessoa e o ambiente que está causando a tensão. O coping focalizado no problema pode ser dirigido para uma fonte externa ou interna de estresse. O primeiro tipo envolve tanto a utilização estratégias de negociação para resolver um conflito interpessoal quanto a solicitação de ajuda a outras pessoas, enquanto o segundo geralmente inclui aspectos relacionados a reestruturação cognitiva, como a redefinição do elemento estressor (Lazarus, 1993).

Na literatura internacional, um número significativo de estudos tem investigado o coping no ambiente universitário (Dyson & Renk, 2006). Uma parte considerável dessas pesquisas analisa as estratégias de enfrentamento e suas relações com o estresse (Gan, Hu, & Zang, 2010), fatores da personalidade (Torres, Méndez, & Pérez, 2009), inteligência emocional (MacCann, Forgaty, Zeider, & Roberts, 2011) e desempenho acadêmico (Collinsa & Onwuegbuzie, 2003).

No entanto, mesmo no contexto internacional, não são frequentes as tentativas de relacionar o coping como uma variável da adaptação acadêmica. As publicações encontradas têm buscado analisar quais são as estratégias de enfrentamento mais utilizadas e de que forma elas afetam o processo de adaptação acadêmica (Costa & Leal, 2006; Crockett et al., 2007; Duran & Yüksel, 2010; Dyson & Renk, 2006; Galatzer-Levy, Burton, & Bonanno, 2012; Gan, Hu, & Zang, 2010; Johnson, Gans, Kerr, & LaValle, 2010). Estratégias de coping evitativas podem estar associadas a níveis inferiores de adaptação acadêmica (Crockett et al., 2007; Dyson & Renk, 2006), enquanto estratégias baseadas no confronto, na resolução de problemas (Crockett et al., 2007), na flexibilidade (foco do estresse e no futuro, Galatzer-Levy et al., 2012), no humor (Duran & Yüksel, 2010; Johnson et al., 2010) e no suporte social (Costa & Leal, 2006) podem estar relacionadas com uma melhor adaptação à universidade.

Estratégias de coping baseadas no confronto e na resolução de problemas caracterizam-se pelo estabelecimento de sucessivos passos para remover ou atenuar os efeitos do estressor. Um indivíduo com níveis de estresse reduzidos provavelmente irá apresentar um processo de adaptação mais satisfatório (Crockett et al., 2007). Da mesma forma, estratégias baseadas no suporte social, como a busca de apoio em amigos ou familiares, podem colaborar para que os efeitos negativos da situação ansiogênica sejam diminuídos (Costa & Leal, 2006). Por outro lado, estratégias evitativas, como a negação, o distanciamento e a fuga do problema, podem constituir-se em um fator de risco para a adaptação a situações adversas, especialmente se utilizadas de forma crônica (Heppner, Cook, Wright, & Johnson, 1995).

No Brasil, ainda há poucos estudos que investigam as estratégias de enfrentamento e suas consequências no âmbito acadêmico (Bardagi & Hutz, 2011; Carlotto, Câmara, Otto, & Kaufmann, 2010; Zonta, Robles, & Grosseman, 2006). Logo, faz-se necessário ampliar o conhecimento sobre o modo como os jovens vivenciam a adaptação acadêmica, as dificuldades enfrentadas e as repercussões dessa experiência em seu desenvolvimento psicológico (Teixeira et al., 2008). Conhecer essa realidade pode auxiliar os gestores em educação a identificar fatores associados não apenas à evasão escolar, mas também a outros aspectos do desenvolvimento psicossocial dos acadêmicos. Esta informação pode ser utilizada para a implementação de programas institucionais que proporcionem a integração do estudante à vida acadêmica e à promoção do seu bem-estar psicológico (Teixeira et al., 2007). O conhecimento sobre as estratégias de enfrentamento utilizadas pelos jovens que ingressam no ensino superior também pode ser útil para orientadores profissionais. A entrada na universidade pode representar um marco na construção da carreira dos estudantes pelo contato direto com a profissão que escolheram. Tanto que a impossibilidade de frequentar o curso pretendido pode ser percebida pelos jovens como um obstáculo para a concretização do projeto profissional futuro (Alves, 2005). Uma maior facilidade na adaptação acadêmica pode contribuir para a permanência do estudante no curso de graduação (Santos, Mognon, Lima, & Cunha, 2011), o que lhe permite dar continuidade aos planos de carreira. Ademais, pode-se compreender o ingresso na universidade como a primeira de muitas situações que o indivíduo precisará se adaptar no mundo do trabalho. A identificação das estratégias adotadas pelos jovens para lidar com as adversidades da vida universitária pode fornecer subsídios para a construção de um repertório de comportamentos que podem facilitar transições de carreira esperadas e inesperadas no futuro, como ingresso na pós-graduação, entrada no mercado de trabalho e troca de emprego. Nesse sentido, o objetivo deste estudo consiste em revisar trabalhos referentes à adaptação acadêmica e estratégias de enfrentamento em estudantes universitários brasileiros.

 

Método

Realizou-se uma revisão sistemática da literatura compreendida entre os anos de 2004 a 2014 sobre adaptação acadêmica e estratégias de enfrentamento em universitários brasileiros. Além disso, também foram analisadas as produções que investigavam essas variáveis de forma isolada. Esse período foi escolhido em função do foco deste estudo estar voltado para publicações atuais sobre o tema. A busca foi realizada nas bases de dados LILACS e Scielo Brasil, que armazenam materiais diversos, como teses, livros, capítulos de livros, relatórios técnico-científicos e periódicos relativos às ciências da saúde. Foram utilizadas as seguintes combinações no campo "todos os índices": estudante(s) universitário(s) and adaptação, estudante(s) universitário(s) and ambiente, estudante(s) universitário(s) and coping, estudante(s) universitário(s) and enfrentamento, ensino superior and adaptação, ensino superior and ambiente, ensino superior and coping, ensino superior and enfrentamento.

Foram encontrados 198 trabalhos completos. Destes, foram excluídos 20 artigos que se repetiam na busca e outros 17 que eram publicações anteriores ao ano de 2003. Os 161 artigos restantes foram submetidos aos critérios de inclusão e exclusão para delimitar a amostra de trabalhos a serem analisados na íntegra. Esses critérios foram definidos a partir do foco deste estudo. Os critérios de inclusão dos artigos foram: 1. utilizar amostra de estudantes universitários brasileiros; e 2. abordar a temática da adaptação à universidade e/ou estratégias de enfrentamento. Optou-se por priorizar estudos com discentes brasileiros porque se acredita que a experiência universitária possua particularidades conforme o país no qual se estuda. Assim, as dificuldades encontradas pelos estudantes durante a adaptação acadêmica e a forma como os mesmos lidam com os problemas decorrentes desse processo podem representar características das universidades nacionais e da cultura local. Os critérios de exclusão dos artigos foram: 1. não utilizar amostra de estudantes universitários brasileiros; e 2. não abordar a temática da adaptação à universidade e/ou estratégias de enfrentamento. Então, desconsideraram-se artigos que se referiram unicamente à saúde mental ou, então, que enfocassem apenas aspectos orgânicos da saúde dos estudantes universitários, sem relacioná-los a questões do contexto acadêmico. Nessa etapa de análise, foram excluídos mais 149 artigos. Desta forma, a amostra final foi constituída por 12 trabalhos, que foram lidos na íntegra. Após, realizou-se uma análise descritiva dos mesmos. Primeiramente, foram identificados os objetivos das pesquisas no intuito de agrupá-las dentro de uma mesma temática e, também, apontar os diferentes aspectos abordados por cada uma. Não foram encontrados artigos que tenham investigado adaptação acadêmica e coping conjuntamente, apenas constatou-se a presença de trabalhos que pesquisavam essas variáveis de forma isolada. O processo de adaptação acadêmica (conhecimento das dificuldades e fatores promotores desse processo) foi discutido com base em estudos nacionais para que fosse possível conhecer as peculiaridades e oferecer sugestões pertinentes ao contexto brasileiro. Estudos internacionais sobre coping e adaptação acadêmica foram adicionados à discussão para apresentar as relações entre essas duas variáveis, bem como estimular planos de ação que podem ser realizados por orientadores profissionais. A seguir, procurou-se descrever tanto os resultados encontrados quanto os principais elementos abordados em suas discussões.

 

Resultados

O objetivo desse estudo foi revisar o que já se sabe na literatura nacional sobre adaptação acadêmica de estudantes universitários e estratégias de enfrentamento. Além disso, buscou-se analisar as produções que investigassem essas variáveis de forma isolada no contexto nacional, para que fosse possível conhecer as peculiaridades e oferecer sugestões pertinentes ao contexto brasileiro. Embora não tenham sido encontrados estudos que investigassem as associações entre adaptação acadêmica e coping, pode-se identificar e analisar as publicações que pesquisavam essas variáveis de forma isolada. Foram localizados 12 artigos que abordavam questões referentes à adaptação acadêmica ou coping em universitários brasileiros no período de 2004 a 2014. A Tabela 1 apresenta as principais características de cada trabalho. A maioria dos estudos sobre o tema é de cunho quantitativo. Verificou-se, também, que o instrumento mais utilizado para avaliar a adaptação acadêmica correspondeu ao Questionário de Vivências Acadêmicas (QVA). Já no que se refere às estratégias de enfrentamento, não se pode identificar o uso predominante de um instrumento devido ao número reduzido de publicações encontradas com amostra de estudantes universitários no Brasil (Tabela 1).

Em função do pequeno número de artigos obtidos na busca, realizou-se uma análise descritiva dos mesmos, apresentando seus principais resultados, com o objetivo de levantar questões para futuras investigações e auxiliar orientadores profissionais a desenvolverem melhores trabalhos com essa população a partir da união desses temas. Os trabalhos encontrados sobre adaptação acadêmica visavam construir e validar instrumentos (Sisto et al., 2008; Teixeira, Bardagi, & Hutz, 2007; Vendramini et al., 2004) ou investigar questões relacionadas às vivências acadêmicas, tais como expectativas dos estudantes frente ao ensino superior (Soares et al., 2014), anos iniciais ou finais de curso (Igue, Bariani, & Milanesi, 2008), rendimento acadêmico (Cunha & Carrilho, 2005), as características da instituição, pública ou particular (Soares et al., 2009), e a região onde o estudante habita (Soares, Baldez, & Mello, 2011). Já no que se refere às estratégias de enfrentamento, os estudos analisados descreviam, principalmente, as possíveis correlações entre recursos de coping e variáveis de saúde psíquica dos indivíduos, como estresse (Carlotto et al., 2010; Santos & Alves Júnior, 2007), e depressão (Coelho, Albuquerque, Martins, D'Albuquerque, & Neves, 2008).

Encontrou-se apenas um estudo com enfoque qualitativo, o qual investigou a experiência de adaptação ao ensino superior em jovens calouros. Os resultados desse estudo indicam que a adaptação à universidade depende da maneira como ocorre o ingresso na vida acadêmica, da percepção sobre mudanças em si mesmo e do próprio ajustamento ao curso. Existem, ainda, outros fatores que influenciam nesse processo, por exemplo, morar com ou sem família e a rede de amizades com que se pode contar fora do contexto universitário (Teixeira et al., 2008).

Os demais estudos localizados sobre o ingresso na universidade possuem caráter quantitativo. Esses estudos apresentaram diferentes temas que são descritos a seguir.

Em pesquisa realizada com estudantes de Psicologia, Pedagogia, Medicina, entre outros, constatou-se que expectativas acadêmicas mais elevadas estão associadas a melhores índices de adaptação acadêmica. A expectativa de envolvimento curricular, vocacional, institucional e social por parte dos estudantes está associada com o estabelecimento de amizade com colegas e professores, com perspectivas de carreira, hábitos de estudo, gestão do tempo e apreciação da infraestrutura da universidade (Soares et al., 2014).

As vivências acadêmicas também podem variar conforme o ano do curso universitário em que o discente se encontra. Alunos que estão nos anos finais da graduação podem ser beneficiados pelo acúmulo de experiências vividas, as quais auxiliam no confronto de fantasias sobre o ensino superior com a realidade e, também, no aprimoramento de hábitos de estudo (Igue et al., 2008).

Além disso, as experiências universitárias podem afetar o rendimento acadêmico no primeiro ano do curso tanto a nível pessoal quanto de realização acadêmica. Por exemplo, enquanto a percepção de competência, bem-estar físico e psicológico estão relacionadas positivamente com o rendimento acadêmico, a ansiedade frente à realização de exames pode prejudicar o desempenho nas avaliações (Cunha & Carrilho, 2005).

O tipo de instituição onde o aluno estuda também pode influenciar na sua adaptação acadêmica. Uma pesquisa com graduandos de Psicologia de universidades públicas verificou que os mesmos apresentavam maior ajustamento ao ensino superior do que estudantes de instituições privadas. Essa constatação se deve a escores mais elevados obtidos pelos participantes de universidades públicas em fatores considerados mais importantes para a adaptação acadêmica, como "percepção pessoal de competências cognitivas" e "ansiedade na realização de exames" (Soares et al., 2009).

Ademais, as características de adaptação à universidade dos acadêmicos podem variar conforme a região onde estudam. Isso pode ser verificado em pesquisa realizada no estado do Rio de Janeiro. Estudantes da região metropolitana se destacaram por apresentar boa base de conhecimentos anteriores ao ingresso no curso, construída ao longo da trajetória escolar. Esse fato pode ser explicado pela seleção dos universitários, que faz com que somente aqueles mais preparados possam ter acesso ao ensino universitário. Já os alunos da região norte fluminense apresentaram maiores índices de relacionamento com os professores e com os colegas. Isso ocorre devido ao pouco tempo em que as universidades foram instaladas na região e ao pequeno número de estudantes permitirem uma proximidade maior da comunidade acadêmica (Soares et al., 2011).

Além dos referidos trabalhos sobre adaptação ao contexto universitário, também foram encontrados estudos sobre a construção e/ou validação de instrumentos, que estão descritos a seguir. Um deles corresponde a Escala de Exploração Vocacional (EEV), que avalia a exploração de si mesmo e a exploração do ambiente em universitários (Teixeira, Bardagi et al., 2007). Outro instrumento consiste na Escala de Avaliação da Vida Acadêmica (EAVA), que investiga a integração do estudante ao ensino superior (Vendramini et al., 2004). Ainda pode-se citar a construção da Escala de Satisfação Acadêmica Universitária (ESAU), a qual aborda quatro fatores da vivência estudantil no ensino superior: percepção do ambiente pedagógico, a percepção da afetividade, a percepção do ambiente físico e a percepção da autoestima (Sisto et al., 2008).

Quanto ao coping, as publicações encontradas apontam para os tipos de estratégias de enfrentamento utilizadas e suas implicações no melhor ou pior manejo de variáveis de saúde mental, principalmente, estresse e depressão. Em estudo realizado por Carlotto et al. (2010), percebeu-se que estudantes com Síndrome de Burnout apresentavam prevalência de estratégias de base emocional. Assim, acadêmicos que demonstravam comportamentos descomprometidos, negações ou desengajamento mental no processo de enfrentamento de seus problemas possuíam dimensões mais elevadas de estresse. Por outro lado, a utilização de coping direto, isto é, o uso de habilidades para solucionar problemas, correlacionou-se negativamente com a depressão. Os participantes que adotavam uma postura ativa e focada nas dificuldades desenvolviam menos sintomas depressivos (Coelho et al., 2008). Da mesma forma, a utilização de coping direto também está ligada a índices mais baixos de estresse (Santos & Alves Júnior, 2007).

 

Discussão

No Brasil, não foram encontrados estudos que tenham focalizado o coping como uma variável da adaptação acadêmica, embora se saiba que as estratégias de enfrentamento adotadas pelo estudante podem interferir no êxito da transição para a universidade. Esse resultado pode ser uma consequência do foco que tem sido dado pelos autores que pesquisam a temática da adaptação acadêmica no Brasil. Observa-se que uma parte significativa dos pesquisadores tem investigado os fatores que afetam positiva ou negativamente essa etapa de transição, bem como as possíveis consequências dessa fase para o desenvolvimento psicológico dos estudantes. Nesse sentido, elementos como tipo e características da instituição de ensino, morar com ou sem a família, rede de amizades, novas exigências de desempenho, entre outros têm sido analisados enquanto prováveis facilitadores ou dificultadores do processo de adaptação (Teixeira, Castro et al., 2007; Teixeira et al., 2008). No entanto, não foram encontrados trabalhos que investigassem as estratégias de enfrentamento utilizadas por esses acadêmicos durante a etapa de transição do ensino médio para o ensino superior. Supõe-se que a origem das pesquisas sobre o coping possa, em parte, explicar essa situação. Observa-se que os diferentes modelos e abordagens teóricas sobre o coping têm subsidiado um número significativo de pesquisas principalmente nas áreas da saúde (Telles & Pimenta, 2009) e não em contextos educacionais necessariamente.

No contexto internacional, pesquisas têm investigado a forma como os acadêmicos percebem e enfrentam as situações adversas relativas à adaptação ao ensino superior (Crockett et al., 2007; Duran & Yüksel, 2010; Dyson & Renk, 2006; Ramos & Carvalho, 2007). Acadêmicos que utilizam estratégias de enfrentamento relacionadas ao confronto e resolução ativa de problemas tendem a apresentar níveis mais baixos de estresse. Em contrapartida, alunos que adotam estratégias evitativas em relação ao problema, como atitudes de fuga ou esquiva, podem apresentar níveis mais elevados de estresse (Ramos & Carvalho, 2007). Da mesma forma, verificou-se que o uso de estratégias evitativas esteve relacionado a piores níveis de adaptação, bem como a índices mais elevados de ansiedade e depressão em amostra de estudantes mexicanos (Crockett et al., 2007). Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Dyson e Renk (2006), em que o coping evitativo foi um preditor de altos níveis de sintomatologia depressiva e consequentemente de uma pior integração ao ambiente acadêmico.

Por outro lado, observa-se que o uso de estratégias de enfrentamento baseadas no confronto e na resolução de problemas (Crockett et al., 2007), no humor (Duran & Yüksel, 2010) e no suporte social (Costa & Leal, 2006) foram associadas a um melhor ajuste a universidade. Em pesquisa realizada com estudantes turcos, verificou-se o papel protetor das estratégias de coping baseadas no humor. Pode-se constatar que graduandos que faziam uso desses recursos cognitivos apresentavam melhores níveis de adaptação acadêmica (Duran & Yüksel, 2010).

Em estudo longitudinal sobre o impacto das diferenças individuais e das estratégias de enfrentamento na adaptação ao ensino superior, verificou-se que o coping ativo se relacionou de forma direta e positiva no ajuste a universidade. Em contrapartida, atitudes e comportamentos evitativos correlacionaram-se a índices inferiores de ajustamento (Aspinwall & Taylor, 1992). Da mesma forma, em pesquisa realizada com calouros, observaram-se algumas relações entre estilos de coping e adaptação acadêmica. Os resultados também apontaram que estratégias de coping ativo, ou seja, aquelas focadas na resolução dos problemas, podem se constituir em preditores para uma boa adaptação acadêmica (Leong, Bonz, & Zachar, 1997).

As possíveis relações entre coping e adaptação acadêmica ainda foram investigadas em pesquisa realizada com alunos do primeiro semestre de uma universidade norte-americana. No trabalho em questão, buscou-se examinar associações entre adaptação acadêmica e variáveis como o apego aos pais, otimismo e estratégias de coping. Constatou-se que os sujeitos identificados como otimistas e com apego seguro aos pais apresentavam-se mais adaptados à universidade (Herrmann, 2007). Resultados semelhantes foram encontrados no estudo de Feenstra, Banyard, Rine e Hopkins (2001), na ocasião, observou-se que alunos que apresentavam apoio familiar satisfatório desenvolviam estratégias de enfrentamento que favoreciam o processo de adaptação à universidade.

Este estudo contribui para o campo de conhecimento por oferecer um panorama dos estudos sobre adaptação acadêmica e coping no Brasil. Embora nenhuma pesquisa brasileira analisada tenha investigado a relação entre essas duas variáveis, estudos internacionais indicam as implicações do coping para estudantes universitários no processo de adaptação acadêmica. Estratégias de enfrentamento relacionadas ao confronto e resolução ativa de problemas (Crockett et al., 2007; Ramos & Carvalho, 2007), ao humor (Duran & Yüksel, 2010) e ao suporte social (Costa & Leal, 2006) foram associadas a uma melhor adaptação à universidade e níveis mais baixos de estresse. No entanto, o coping paliativo, com foco na emoção, é o mais utilizado por estudantes universitários e está relacionado a níveis elevados de sintomas de estresse (Bardagi & Hutz, 2011). Logo, orientadores profissionais ou psicólogos que trabalham em serviços de orientação a estudantes universitários poderiam promover o desenvolvimento de diferentes estratégias de coping por meio de duas ações. Uma delas é promover, divulgar e incentivar os estudantes a utilizarem os recursos que a própria universidade já oferece (ou pode oferecer), como atendimentos individuais e grupais para o controle da ansiedade, do humor e do estresse. É possível que a participação dos estudantes nesses atendimentos desenvolva estratégias de coping com foco no humor, além de contribuir para o bem-estar físico e psicológico dos estudantes (uma das dimensões da adaptação acadêmica). Outra ação é criar grupos de calouros para expressar as eventuais dificuldades encontradas durante o ingresso no ensino superior. A troca de experiências poderia não só auxiliar no desenvolvimento de estratégias de coping com foco na resolução de problemas, mas também contribuir para a construção de uma rede de apoio e, portanto, facilitar a adaptação acadêmica. Além desses grupos, intervenções com base na Terapia Cognitivo-Comportamental, focadas na identificação e resolução de problemas, treino de habilidades sociais e exposição, poderiam auxiliar os estudantes universitários ingressantes a lidarem melhor com os possíveis problemas encontrados na transição do ensino médio para o ensino superior (Oliveira, Dias, & Piccoloto, 2013), além evitar níveis mais elevados de estresse (Ramos & Carvalho, 2007).

Mesmo assim, são necessários estudos que abordem as relações entre adaptação acadêmica e estratégias de enfrentamento no contexto brasileiro para subsidiar programas oferecidos pelas instituições de ensino superior. É possível que a identificação tanto dos problemas que afetam o universitário quanto das formas de manejo dessas dificuldades, possibilitem a criação de planos de ação e soluções focais para essas questões (Bardagi & Hutz, 2010). A partir do conhecimento da estratégia utilizada, o indivíduo é capaz de adequar suas ações às suas necessidades, encontrando soluções mais efetivas e mudando de estratégia quando esta não estiver funcionando ou quando não for adaptativa para o contexto (Kristensen, Schaefer, & Busnello, 2010).

 

Conclusões

Este estudo teve como objetivo revisar trabalhos referentes à adaptação acadêmica e estratégias de enfrentamento em estudantes universitários brasileiros. Além disso, também foram analisadas as produções que investigavam essas variáveis de forma isolada. Foram encontrados 12 artigos nacionais no período de 2004 a 2014 nas bases de dados LILACS e Scielo Brasil. Após análise desses estudos, constatou-se que nenhum deles abordava de forma empírica a possível relação entre coping e adaptação à universidade.

Observa-se que essa realidade é diferente em outros países, como Estados Unidos e Portugal, onde já existem pesquisas associando adaptação acadêmica e coping. No entanto, questiona-se se os resultados das publicações internacionais também são válidos para discentes brasileiros. Assim, recomenda-se o desenvolvimento de pesquisas empíricas que estabeleçam relações entre estratégias de enfrentamento e adaptação ao contexto acadêmico nacional. Nesse sentido, estudos que abordem especificidades culturais e questões de gênero podem auxiliar na compreensão do processo de ajustamento ao ensino superior. Além disso, investigações com estudantes que passaram por processos de transferência entre instituições, ou com graduandos que não estão frequentando o curso inicialmente almejado podem auxiliar no desenvolvimento de novos estudos. Da mesma forma, pesquisas sobre estratégias enfrentamento e adaptação acadêmica, relacionando-as com questões de desempenho escolar, forma de ingresso na universidade e crenças religiosas ou espirituais podem ser igualmente úteis para embasar novas publicações. Acredita-se que elementos relacionados à aprendizagem, em especial, possam ter influência significativa no processo de ajustamento ao ensino superior.

Outro aspecto importante a ser verificado refere-se às limitações apresentadas pelos estudos já existentes. Amostras relativamente pequenas, por exemplo, podem limitar a capacidade de detectar o efeito das interações entre adaptação acadêmica e coping. Ademais, a maior parte desses estudos possui um delineamento transversal. Por isso, com o intuito de determinar com mais precisão as relações temporais entre essas variáveis, sugere-se a realização de pesquisas longitudinais.

Acredita-se que trabalhos de revisão de literatura sejam importantes para organizar as produções sobre determinada área. Este artigo, contudo, apresenta a limitação de mapear de forma sistemática somente publicações nacionais. Mesmo assim, supõe-se que este estudo possa auxiliar pesquisadores interessados em investigar essas questões, uma vez que oferece um panorama sobre essas duas variáveis no contexto brasileiro.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Clarissa Tochetto de Oliveira
Rua Henrique Dias, 109, apto 04
90035-100, Porto Alegre-RS
E-mail: clarissa.tochetto@gmail.com

Recebido 21/08/2014
1ª Revisão 14/11/2014
Aceite Final 20/11/2014

 

 

Sobre os autores
Clarissa Tochetto Oliveira é doutoranda em Psicologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, psicóloga e mestre formada pela Universidade Federal de Santa Maria.
Rodrigo Carvalho Carlotto é coordenador da assistência estudantil no Instituto Federal Farroupilha Campus Júlio de Castilhos-RS, psicólogo e mestre formado pela Universidade Federal de Santa Maria.
Silvio José Lemos Vasconcelos é psicólogo, professor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria.
Ana Cristina Garcia Dias é psicóloga, professora do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Maria.
1 Este trabalho foi desenvolvido com o apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul - FAPERGS.

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