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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão impressa ISSN 1679-3390
Rev. bras. orientac. prof vol.15 no.2 São Paulo dez. 2014
ARTIGO
Trabalho e pessoas com deficiência intelectual: análise da produção científica1
Work and persons with intellectual disability: an analysis of scientific production
El trabajo y personas con discapacidad intelectual: un análisis de la producción científica
Adelaine Vianna Furtado; Nara Liana Pereira-Silva
Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora-MG, Brasil
RESUMO
Este estudo tem o objetivo de analisar resumos de publicações científicas na área de inclusão no trabalho e pessoas com deficiência intelectual. Realizou-se levantamento em bases de dados nacionais e estrangeiras, abrangendo o período de 2000 a 2010, focalizando: assuntos investigados; tamanho da amostra; instrumentos/técnicas empregados para a coleta de dados. Foram encontradas 80 publicações diretamente relacionadas ao assunto, a maioria em artigos de pesquisa (48,7%). Os assuntos mais investigados foram "aspectos gerais da inclusão" e "habilidades para o trabalho". Verifica-se, nos artigos empíricos, a utilização de apenas um tipo de procedimento para a coleta de dados, sendo a entrevista a técnica mais empregada (32,3%). Os resultados mostram a necessidade de estudos que gerem subsídios para promoção da inclusão, utilizando instrumentos adequados.
Palavras-chave: pesquisa científica, deficiência intelectual, mercado de trabalho, inclusão
ABSTRACT
This study aims to analyze abstracts of scientific publications in the area of inclusion at work and people with intellectual disability. The search was conducted in national and international databases, comprising the period of 2000-2010, giving focus to: research topics, sample size, instruments/techniques for data collection. There were 80 publications localized with a direct relation to the topic, mostly consisting of articles (48.7%). The main topics investigated were "general aspects of inclusion" and "skills to work". There is, in empirical articles, the use of only one technique for data collection and the interview is the most common technique employed (32.3%). The results show the need of studies that can generate subsidies for promoting inclusion, using appropriate instruments.
Keywords: scientific research, intellectual disability, labor market, inclusion
RESUMEN
Este estudio tiene como objetivo analizar los resúmenes de publicaciones científicas en el área de inclusión en el trabajo y personas con discapacidad intelectual. En la búsqueda de literatura se dio prioridad a bases de datos nacionales y extranjeras, abarcando el período 2000-2010, centrándose en: temas investigados, el tamaño de la muestra, los instrumentos/técnicas utilizadas para la recolección de datos. Para el estudio se encontraron 80 publicaciones directamente relacionadas con el tema, la mayoría son artículos investigativos (48,7%). Los temas más investigados fueron "aspectos generales de la inclusión" y "habilidades para el trabajo". Se encontró en los artículos empíricos el uso de sólo una técnica de recolección de datos, y la entrevista fué la técnica más común (32,3%). Los resultados muestran la necesidad de realizar estudios que generen los subsidios para promover la inclusión, utilizando instrumentos adecuados.
Palabras claves: investigación científica, discapacidad intelectual, mercado de trabajo, inclusión
Ao longo da história da humanidade, diversos paradigmas influenciaram o modo como a sociedade concebia a deficiência e, também, da maneira como as pessoas se relacionavam com indivíduos com deficiência. Segundo Sassaki (1997), quatro fases compõem o longo caminho para o modelo atual de inclusão. Primeiramente, prevaleceu o modelo de exclusão, no qual a pessoa com qualquer tipo de deficiência era totalmente excluída do contato social, muitas vezes, considerada inútil à sociedade, incapaz de aprender e de trabalhar. A segunda fase foi denominada de segregação, na qual predominava o isolamento em instituições que ofereciam cuidados básicos à pessoa com deficiência. O momento seguinte foi denominado de integração e considerava-se, como direito da pessoa com deficiência, o aprendizado e o convívio social. Assim, nessa fase, as pessoas com deficiência eram 'integradas' ao ensino regular, mas sem muito êxito nessa inserção. Atualmente, o paradigma da inclusão tem sido considerado um modelo de intervenção para as pessoas com deficiência. Esse paradigma parte do pressuposto de que é direito da pessoa com deficiência o acesso aos bens comuns da vida em sociedade, considerando, para isso, a necessidade de intervenções tanto no nível do desenvolvimento quanto no ambiente (Aranha, 2001).
No que se refere à inclusão no mercado de trabalho, o censo, realizado no Brasil, em 2010, aponta a existência de 45,6 milhões de pessoas com deficiência, representando 23,9% da população. Deste total, daqueles em idade para trabalhar, apenas 46,2% exercem alguma atividade ocupacional. As pessoas com deficiência intelectual (DI) representam 1,4% da população geral de pessoas com deficiência e, dentre aqueles em idade para trabalhar, apenas 20,2% dos homens e 14,2% das mulheres estão inseridos no mercado de trabalho. As pessoas com DI são, pois, as menos absorvidas pelo mercado de trabalho (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE], 2012), comparadas às pessoas com outras deficiências, tais como a auditiva, a física e a visual. Esses dados assinalam a necessidade e a importância de intervenções e estudos que visem promover a inclusão no mercado de trabalho de forma mais efetiva, principalmente para as pessoas com DI.
De acordo com o enfoque multidimensional, a DI se caracteriza por limitações significativas tanto no funcionamento intelectual, bem como no comportamento adaptativo expresso em habilidades conceituais, sociais e práticas, originando antes dos 18 anos de idade (American Association on Intellectual and Developmental Disabilities [AAIDD], 2010). Dessa forma, a DI refere-se a um estado particular de desenvolvimento cognitivo iniciado na infância, apresentando características multidimensionais (Brasília, 2010), conforme ressaltado pela AAIDD. Segundo Rossit e Zuliani (2006), as definições propostas pela AAIDD vêm servindo de respaldo para os métodos de avaliação e de condutas profissionais, assim como às pesquisas. Portanto, a definição de DI indicada pela AAIDD, a qual também é aceita pelo Ministério da Educação no Brasil, considera que, quando há incidência de DI, há redução notável do funcionamento intelectual (inferior à média), sendo associado a limitações nas habilidades adaptativas (Bermudez, 2008).
Diante desta constatação, ressalta-se a necessidade de suportes e apoios para a pessoa com deficiência, com o propósito de conduzir a melhores resultados pessoais, tais como independência, aprimoramento dos relacionamentos interpessoais, maior participação na escola e/ou comunidade (Rossit & Zuliani, 2006). É inegável que, além do contexto educacional, posteriormente o do trabalho torna-se um meio de propiciar o desenvolvimento dessas pessoas, contribuindo também para sua inserção social (Dallabrida, 2007). Uma forma de apoio à pessoa com DI vem sendo ofertada em instituições de atendimento especializado ou em escolas de educação especial por meio de serviços educacionais, terapêuticos e de formação/orientação profissional (Goyos, Manzini, Carvalho, Balthazar, & Miranda, 1989).
De acordo com o modelo de Bronfenbrenner (1979/1996) e, considerando a necessidade de suporte às pessoas com deficiências, o contexto ocupacional pode proporcionar o desenvolvimento de habilidades e competências das pessoas adultas com deficiência, em especial, daquelas com DI. Nesse contexto, são estabelecidas interações que podem favorecer o desenvolvimento de aspectos emocionais, sociais, psicológicos, intelectuais, motores, bem como das habilidades conceituais e práticas. As interações são estabelecidas tanto dentro do microssistema, bem como fora dele na sua relação com outros ambientes, como o familiar, o educacional e o comunitário. Nesse sentido, os processos de orientação e capacitação profissional podem ser considerados como meios importantes de aquisição de habilidades, visando à inclusão efetiva das pessoas com DI no trabalho. Dessa forma, destaca-se a importância da eficácia dos processos que visam à profissionalização das pessoas com DI.
A profissionalização das pessoas com DI, geralmente, é implementada e conduzida pelas instituições de atendimento especializado, por meio de oficinas que visam estimular a capacidade produtiva, o desenvolvimento de competências e a aquisição de condutas sociais básicas (Brasília, 2010). As pessoas com DI, geralmente, são inseridas no mercado de trabalho por duas vias, tanto dentro da própria instituição profissionalizante, por meio do trabalho abrigado ou protegido, ou então, por meio externo à instituição profissionalizante, isto é, através do processo de emprego competitivo ou apoiado (Sassaki, 2003). Segundo Lancillotti (2003), independentemente da forma como ocorre a inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho, esse tema tem se tornado cada vez mais relevante pela importância da inclusão para o desenvolvimento dessas pessoas. A importância do trabalho para a construção da identidade, desenvolvimento social e emocional das pessoas com DI é ressaltada pela literatura nacional (Amaral, 1994; Anache, 1996; Araújo, Escobal, & Goyos, 2006, 2008; Escobal, Araújo, & Goyos, 2005; Tanaka & Manzini, 2005). Porém, a produção científica nesta área ainda pode ser considerada escassa, incluindo também as produções de dissertações e teses (Correr, 2010; Mendes, Nunes, Ferreira, & Silveira, 2004; Pereira, Del Prette, & Del Prette, 2008).
Desde a Constituição da República do Brasil, promulgada em 1988, já havia uma ênfase na perspectiva da inclusão social de pessoas com deficiência, sendo que o trabalho já era considerado um direito social para essas pessoas (Gugel, 2003). No artigo 37 da Constituição Brasileira, há a descrição sobre a reserva percentual de cargos oferecidos em empregos públicos às pessoas com deficiências. Em 1990, esse direito foi reassegurado pela lei federal no 8.112 que, em seu artigo quinto, propôs um percentual dos cargos públicos às pessoas com deficiência e definiu os critérios para essa admissão (Brasil, 1998). Mediante a política de inclusão, em 1991, também foi criada, no Brasil, a Lei de Cotas, que prioriza a reserva legal de cargos em empresas para pessoas com deficiência. Esta lei (art. 93 da Lei nº 8.213/91) obriga as empresas, a partir de cem (100) funcionários, a preencherem uma parcela de seus cargos com pessoas com alguma deficiência (Brasília, 2007). Portanto, existem leis no país que asseguram o direito ao trabalho para pessoas com deficiência mediante cotas, mas esse mecanismo, por si só, não tem garantido que a inclusão esteja de fato ocorrendo, de forma a assegurar a permanência da pessoa com deficiência no emprego (Lobato, 2009).
A literatura vem demonstrando que as empresas que contratam pessoas com deficiência realizam estas contratações, basicamente, pela obrigatoriedade legal e, também, devido à fiscalização (Afonso, 2005; Araújo & Schmidt, 2006; Carvalho-Freitas, 2007; Lobato, 2009). Para a efetivação da inclusão no trabalho, no Brasil, a literatura vem ressaltando a necessidade de escolaridade e qualificação profissional das pessoas com deficiência; condições físicas e sociais das empresas para a adequada inserção; apoio do governo para qualificação dessas pessoas; financiamento às empresas para efetivar a acessibilidade e, por fim, as instituições especiais devem aprimorar os programas de orientação e formação profissional (Ivatiuk & Yoshida, 2010) e necessitam estabelecer vínculos com as empresas para adequação às condições desses programas (Araújo & Schmidt, 2006; Carvalho-Freitas, 2007; Lobato, 2009; Masson, 2009; Pereira-Silva & Furtado, 2012; Sarno, 2006; Tanaka & Manzini, 2005). Há, portanto, uma diversidade de variáveis que influenciam na adequada inserção da pessoa com DI no mercado de trabalho, as quais têm o foco tanto na pessoa como, também, no contexto ocupacional.
Considerando a importância da inclusão no mercado de trabalho e o papel do contexto ocupacional para a promoção ou não do desenvolvimento da pessoa adulta com DI, faz-se necessária a implementação de estudos que visem à reflexão sobre esse processo, podendo esse ser o primeiro passo para a compreensão dos fatores que permeiam a inclusão no Brasil. Assim, o objetivo do presente estudo é analisar a produção científica na área de inclusão no trabalho de pessoas com DI, a partir dos resumos das publicações nacionais e estrangeiras. Para a realização dessa investigação, foram recuperados os resumos de publicações científicas, referentes ao período de 2000 a 2010, tendo sido focalizados o tipo de publicação, a distribuição ao longo do tempo, assuntos investigados, características da amostra e instrumentos/técnicas empregados para a coleta de dados. Segundo Santos (2003), os estudos que analisam a produção científica são necessários, pois permitem determinar o estado atual da arte na área e a qualidade das pesquisas científicas. Além disso, destaca-se que esse tipo de procedimento organiza o conhecimento, fornecendo informações do quanto a área investigada avançou, bem como os desdobramentos futuros (Campos, Duarte, Cezar, & Pereira, 2011; Noronha & Ambiel, 2006; Noronha et al., 2006). Ressalta-se que a presente investigação não pretende ser exaustiva; entretanto, pode contribuir para reflexões e discussões a respeito dessa área de investigação na realidade brasileira.
Método
A presente pesquisa teve o objetivo de analisar os resumos de artigos, dissertações e teses acerca do tema inclusão no mercado de trabalho de pessoas com DI. Para tanto, foi realizada uma pesquisa de levantamento bibliográfico mediante a busca eletrônica de trabalhos científicos nas seguintes bases de dados: Psycinfo, BVS, ERIC, Scielo, Teses Capes, Biblioteca Digital de Teses e Dissertações. Além disso, consultaram-se os seguintes periódicos nacionais: Revista Brasileira de Educação Especial, Estudos e Pesquisa em Psicologia, Estudos de Psicologia, Psicologia: Reflexão e Crítica, Educar em Revista, Temas em Psicologia e Revista Inclusão. Não foram pesquisadas bases de dados de teses e dissertações internacionais; no entanto, as nacionais foram consultadas.
O período delimitado para a busca eletrônica da literatura foi a partir do ano 2000, uma vez que se pretendeu verificar o estado da pesquisa sobre inclusão no trabalho já transcorrido um período relativamente longo desde a implementação da Lei de Cotas. As palavras-chave utilizadas na busca foram: deficiência mental e trabalho; deficiência intelectual e trabalho; retardo mental e trabalho; inclusão no trabalho e deficiência intelectual; deficiência intelectual e emprego. Depois de realizado o levantamento nas bases de dados, nas quais foram encontrados 80 trabalhos científicos, especificamente sobre deficiência intelectual e trabalho, os respectivos resumos dos artigos, das teses e dissertações foram analisados. Deles, extraíram-se informações e dados relevantes para a composição do artigo. Ressalta-se que não houve seleção de entrevistas e reportagens.
Procedimentos
Inicialmente, foi efetuada uma seleção das publicações, nas bases citadas, que tratavam do tema deficiência intelectual e trabalho, usando-se as palavras-chave mencionadas. Essa seleção foi realizada simultaneamente por dois pesquisadores, sendo que os mesmos trabalharam de forma isolada, isto é, cada qual realizou individualmente a busca nas bases de dados. Em seguida, os pesquisadores compararam os dois bancos de dados. Realizou-se a concordância entre os dois bancos para que se pudesse construir um único banco de dados, mais completo e abrangente, de acordo com os critérios utilizados para a busca. Comparou-se a quantidade de artigos encontrados, diante da pesquisa realizada, considerando-se as palavras-chave já descritas e os assuntos investigados pelos trabalhos.
Após esse procedimento, foi calculado um índice de concordância, sendo o mesmo superior a 75%. Um único banco de dados foi construído, totalizando 80 resumos de trabalhos científicos sobre deficiência intelectual e trabalho. Posteriormente, os resumos selecionados foram analisados e classificados em dois grupos: estrangeiros e nacionais. Em seguida, extraíram-se dos textos as seguintes informações: 1. ano da publicação; 2. tipo de publicação (por exemplo: artigo de pesquisa, artigo teórico/revisão de literatura, capítulo de livro/livro, resenha, dissertações/teses); 3. assuntos investigados; 4. tamanho da amostra; e 5. instrumentos/técnicas de coleta de dados: entrevistas, questionários, observação, escalas.
No que tange às categorias de assuntos, foi realizada uma análise de conteúdo (Bardin, 2011) de cada trabalho, a partir dos assuntos investigados. Dada a natureza desta análise, houve o agrupamento dos temas, a formação das categorias síntese e a definição das categorias. Em seguida, procedeu-se à revisão da definição das categorias, fase em que se contou com a participação de dois juízes, esses com experiência em análise do conteúdo e familiaridade com o tema da deficiência intelectual. O dicionário de categorias foi entregue a eles e os mesmos procederam à análise de forma separada.
Após essa etapa de concordância entre os juízes, obteve-se a definição das categorias dos assuntos investigados: (a) Aspectos gerais da inclusão: estudos que focalizavam características mais abrangentes sobre a inclusão de pessoas com DI no mercado de trabalho e sua necessidade de profissionalização, tais como a percepção das pessoas envolvidas nesse processo (por exemplo: a família, os empregadores); (b) Serviços profissionalizantes: estudos com foco em diferentes temas sobre os programas/serviços profissionalizantes oferecidos às pessoas com DI, considerando suas modalidades, a qualidade e avaliação desses serviços; (c) Fatores influentes no processo de inclusão: trabalhos que visavam investigar os fatores que poderiam favorecer ou não a inclusão das pessoas com DI no trabalho; (d) Família e profissionais: foram incluídas as produções que verificavam a participação e o papel de familiares de pessoas com DI, bem como de profissionais no processo de inclusão no trabalho; (e) Características do ambiente de trabalho: investigações que avaliavam os aspectos físicos e sociais do ambiente de trabalho, quando tinha um trabalhador com DI; e (f) Habilidades para o trabalho/cargo: estudos que buscavam realizar avaliação/descrição de características pessoais/de personalidade, tais como habilidades para o cargo ou função, motivação para o emprego das pessoas com DI para o cargo pretendido.
Resultados
Foram encontrados 80 trabalhos científicos na área de deficiência intelectual e trabalho, sendo esses artigos, livros e capítulos, resenhas/comentários de livro/editorial, bem como teses/dissertações. A Tabela 1 mostra a frequência absoluta e o percentual de trabalhos de acordo com tipo de publicação, discriminado por fonte, se estrangeira ou nacional. A maior quantidade de publicações foi em forma de artigo de pesquisa (n = 39; 48,7%), seguido por teses/dissertações nacionais (28,8%). Dentre os artigos de pesquisa, os estrangeiros são mais frequentes (n = 33; 68,7%) do que os nacionais (n = 6; 18,8%). Ressalta-se que artigos teóricos/revisão de literatura (11,25%), livros/capítulos de livros (6,2%) e resenhas/comentários de livros/editorial (5%), tanto no Brasil como na literatura internacional, são menos frequentes. A produção nacional concentra-se, com maior frequência, em teses/dissertações (71,9%), em detrimento dos demais tipos de publicação.
No que tange à distribuição das investigações ao longo dos anos, a Tabela 2 apresenta sua distribuição. No geral, verifica-se que, a partir de 2007, há um aumento da produção, havendo uma tendência à estabilidade no que se refere à quantidade de publicações. No total das produções, nacionais e estrangeiras, o ano de maior publicação foi 2009 (n = 13), sendo esse, também o ano de maior produção nacional. Esses resultados podem ser visualizados na Tabela 2 considerando fontes estrangeira e nacional.
Assuntos Investigados nos Trabalhos Científicos
Verifica-se uma frequência maior de publicações sobre 'aspectos gerais da inclusão' (n = 20; 25,0%) e 'habilidades para o trabalho/cargo' (n = 20; 25,0%), seguidas pelos trabalhos que trataram dos 'serviços profissionalizantes' (n = 18; 22,5%). Identifica-se também que os assuntos mais investigados no estrangeiro são 'aspectos gerais da inclusão' (n = 12; 25,0%) e 'habilidades para o trabalho/cargo' (n = 12; 25,0%). Já, no Brasil, o assunto mais investigado, pelos trabalhos, refere-se aos 'serviços profissionalizantes' (n = 10; 31,2%). A frequência dos assuntos investigados na literatura estrangeira e nacional pode ser consultada na Tabela 3.
Tamanho da Amostra Utilizada nos Trabalhos Empíricos
Para a caracterização da amostra utilizada nos trabalhos empíricos, foram consultados somente os resumos dos artigos de pesquisa que tinham característica empírica, nacionais (n = 6) e estrangeiros (n = 33). Dezessete artigos não identificaram o tamanho da amostra pesquisada, assim, foram analisadas 22 produções científicas que continham dados sobre a quantidade da amostra utilizada. Identificou-se um estudo que contou com a participação de três pessoas (nacional: Escobal, Araújo, & Goyos, 2005), bem como outro que investigou 680 participantes (estrangeiro: Burge, Ouellette-Kuntz, & Lysaght, 2007). No Brasil, as pesquisas tendem a utilizar uma quantidade menor de participantes. Foram encontradas investigações com 3 (n = 1; Escobal et al., 2005), 14 (n = 1; Pereira & Batanero, 2009), 19 (n = 1; Araújo, Escobal, & Goyos, 2006), 23 (n = 1; Pires, Bonfim & Bianchi, 2007) e, no máximo, 64 pessoas (n = 1; Prioste, 2001). Efetuou-se o cálculo da média da dimensão das amostras, incluindo as estrangeiras e as nacionais, tendo sido encontrada uma média de 85,27; e desvio padrão, DP = 153,67, excetuando-se desse cálculo um estudo com mais de 1.000 participantes.
No que se refere ao tipo de participante no estudo, isto é, se somente pessoa com DI, empregadores, família, dentre outras configurações, efetuou-se a análise considerando 39 artigos de pesquisa, uma vez que essa informação constava em todos os resumos. Identificaram-se estudos que empregaram somente participantes com DI (n = 23), somente os familiares das pessoas com DI (n = 2), somente empregadores (n = 2), pessoas com DI e seus familiares conjuntamente (n = 2). As demais configurações da composição da amostra tiveram frequência de um estudo, sendo elas: profissionais, estudantes universitários, pessoas com e sem DI, instituição educacional e empregadores, comunidade.
Instrumentos/Técnicas de Coleta de Dados
Dos 39 trabalhos empíricos encontrados, em cinco deles, não foram identificados dados que esclarecessem a natureza dos instrumentos utilizados. Assim, esses não foram incluídos na análise dos instrumentos/técnicas. Destaca-se que as informações acerca dos instrumentos e técnicas utilizados nas investigações empíricas foram extraídas da leitura dos resumos. A maioria dos trabalhos emprega a entrevista como instrumento/técnica de coleta de dados (n = 11; 32,35%). Nas investigações estrangeiras prevalece a utilização de entrevistas (n = 9; 31,0%). No que se refere à produção nacional, identifica-se também o uso de entrevistas (n = 2; 40,0%) e da técnica de observação do comportamento (n = 2; 40,0%). Realizando-se uma análise da combinação entre os instrumentos, ressalta-se a predominância do uso de um instrumento (ver: entrevistas, questionários, observação do comportamento, survey, escala) em detrimento da combinação entre dois ou mais (por exemplo: entrevistas e observação do comportamento). A Tabela 4 apresenta a frequência dos tipos de instrumentos utilizados, por fonte consultada (estrangeira e nacional).
Discussão
O presente levantamento proporcionou uma visão geral a respeito da produção científica, tanto estrangeira como nacional, no que se refere à área de inclusão no mercado de trabalho e as pessoas com deficiência intelectual. Faz necessário ressaltar que esta revisão não pretende ser exaustiva e pode ser considerada como uma tendência da produção científica nessa área de investigação durante o período especificado.
Os resultados mostram uma quantidade relativamente reduzida de publicações, podendo afirmar que ainda se trata de uma área de pesquisa em expansão e não consolidada. Considerando a importância do contexto do trabalho para pessoas adultas com deficiência, principalmente aquelas com DI, esse número reflete a necessidade de maior investimento na área, especialmente, de estudos empíricos que possam subsidiar as políticas e a prática de atenção à pessoa com deficiência e, em especial, àquela com o tipo de deficiência que menos é absorvida pelo mercado de trabalho, que é a intelectual. O maior percentual de trabalhos estrangeiros aponta uma escassez de estudos no Brasil, entretanto, comparando a quantidade de produção recuperada ao longo da década analisada, é possível afirmar que houve um crescimento maior de pesquisas a partir, principalmente, de 2007. Por outro lado, deve-se ressaltar que esse fato reflete maior interesse acerca do tema da inclusão que, nos dias atuais, vem se tornando o paradigma de atenção às pessoas com deficiência (Cerqueira-Silva, 2011).
Apesar de haver uma diversidade de temas na área, os resultados indicam predominância de publicações que tratam de "aspectos gerais da inclusão" (por exemplo: Covre, 2007; Jahoda et al., 2009; Soares, 2009; Wistow & Schneider, 2003), "habilidades para o trabalho/cargo" (por exemplo: Beyer, Brown, Akandi, & Rapley, 2010; Escobal, 2010; Verdugo, Urries, Jenaro, Caballo, & Crespo, 2006) e "serviços profissionalizantes" (por exemplo: Araújo, Escobal, & Goyos, 2006; Cramm, Finkenflügel, Kuijsten, & van Exel, 2009; Pires et al., 2007; Silva, 2000). A presente análise permite afirmar que há certa convergência entre esses assuntos, uma vez que os mesmos tendem a produzir dados que podem revelar o panorama da inclusão no trabalho, focalizando dificuldades e acessibilidades encontradas pelas pessoas envolvidas nesse processo (Araújo & Schmidt, 2006; Tanaka & Manzini, 2005). Destaca-se que assuntos como esses são extremamente relevantes do ponto de vista social e científico.
A escolaridade e a preparação profissional são apontadas, pela literatura, como variáveis necessárias à inserção no emprego (Lobato, 2009; Masson, 2009; Sarno, 2006). Mas esses critérios apenas não garantem a permanência da pessoa com deficiência no trabalho, como ressalta Furtado (2013). Segundo Sassaki (2003) existem diferentes barreiras à empregabilidade da pessoa com DI e elas podem ser encontradas não somente na empresa, mas também na própria pessoa com deficiência, nos empregadores e colegas de trabalho e na comunidade. Para superar essas barreiras, as quais podem ser traduzidas como obstáculos, Sassaki (2003) afirma a necessidade de ser ter acessibilidade nas empresas inclusivas, descrevendo a existência de seis tipos: acessibilidade arquitetônica, comunicacional, metodológica, instrumental, programática e atitudinal. Estudos apontam que a falta de acessibilidade atitudinal e de um contexto organizacional que contemple a diversidade e, portanto, a inclusão nas empresas contratantes, aliado ao despreparo profissional das pessoas com DI, são as grandes dificuldades na inclusão dessas pessoas no mercado de trabalho (Araújo & Schmidt, 2006; Lysaght, Ouellette-Kuntz, & Lin, 2012; Pereira-Silva & Furtado, 2012; Sassaki, 2003; Tanaka & Manzini, 2005). Lobato (2009) afirma a necessidade de que programas de recrutamento, seleção, contratação e desenvolvimento da pessoa com deficiência objetivem a acessibilidade total, cujo modelo de acessibilidade "não se restringe apenas ao espaço físico, compreende o acesso totalmente livre de obstáculos a todos os bens, serviços, ambientes e relacionamentos humanos" (Lobato, 2009, p. 44).
Verifica-se que o tipo de texto mais frequente são os de artigos e, no Brasil, constata-se maior número de teses e dissertações (71,9%). O predomínio de artigos de pesquisa denota que os pesquisadores têm buscado evidências para a área na medida em que pesquisas empíricas permitem, dentre outras vantagens, estabelecer correlações entre variáveis. Esse tipo de análise possibilita novas descobertas e aperfeiçoamentos na área, especialmente, em se tratando da inclusão no trabalho. O maior número de teses e dissertações, no Brasil, em detrimento à quantidade de artigos parece indicar que essas não têm sido publicadas em formato de artigo. Esse fato tem implicações na produção científica da área, uma vez que os resultados provenientes dos estudos desenvolvidos em teses/dissertações são mais acessíveis por meio de artigos. Além disso, na literatura brasileira, não foram encontrados livros nas bases de dados consultadas, provavelmente, devido ao fato de os mesmos não estarem indexados nessas bases de dados, mas não por ausência de produção desse tipo de texto (por exemplo: Carvalho-Freitas & Marques, 2010; Lancillotti, 2003).
Em relação ao uso de instrumentos/técnicas para a coleta de dados, houve predomínio da utilização de apenas um deles, tanto na produção nacional como na estrangeira, sendo a entrevista a mais frequente. Destaca-se que a entrevista parece ser um instrumento eficaz para o estudo da inclusão no trabalho, podendo permitir uma investigação mais qualitativa do fenômeno (Lobato, 2009). O uso de apenas um instrumento não interfere na qualidade e rigor metodológico que a investigação é conduzida; entretanto, a combinação de instrumentos/técnicas tem sido ressaltada pela literatura por oferecer maior possibilidade de compreensão do fenômeno estudado (Dessen, 2010), especialmente quando se pretende obter uma perspectiva sistêmica. Esse tipo de recomendação ainda é um desafio aos pesquisadores brasileiros. Além desses aspectos, é fundamental que haja adequação dos instrumentos de coleta de dados às características da pessoa com deficiência. Esse procedimento pode constituir-se um desafio aos pesquisadores, porém, a realização de estudos pilotos pode minimizar este tipo de situação.
No que se refere ao tamanho da amostra dos artigos de pesquisa, verifica-se variação na quantidade de pessoas investigadas, sendo que nos estudos estrangeiros há tendência de uso de amostras maiores. Além disso, destaca-se a predominância da investigação da pessoa com DI. Por um lado, esse tipo de constatação é importante para mostrar que essas pessoas têm 'voz' e, portanto, devem ser investigadas diretamente. Mas, também, de acordo com Bronfenbrenner (1979/1996), para estudar um grupo, é preciso focalizar esse grupo dentro de um contexto ecológico mais amplo para, então, entender seu funcionamento. Apesar de o presente estudo ter identificado, mesmo tendo baixa frequência, investigações que envolveram diferentes subsistemas, tais como família, empregadores e instituições profissionalizantes, destaca-se a importância de se estudar o processo de inclusão de pessoas com DI no mercado de trabalho, focalizando esse grupo de pessoas e suas relações com os diferentes níveis do contexto. Estudos futuros devem inserir em seus planejamentos mais de um tipo de participante, considerando o contexto mais próximo e, também, os mais distantes, como o macrossistema.
Considerações Finais
Os resultados da presente revisão apontam para o crescimento da produção de artigos na área de inclusão no trabalho e a pessoa com DI. No que se refere à literatura nacional, destaca-se que esse assunto vem sendo investigado, predominantemente, por meio de teses e dissertações. É fundamental envidar esforços para implementar estudos sobre esse tema por se constituir um campo importante para profissionais de diferentes áreas de atuação, tais como psicologia organizacional, saúde, educação, bem como para os gestores de políticas públicas no campo do trabalho. Apesar de se observar que a inclusão, no Brasil, tem respaldo legal desde 1991, considerando a Lei de Cotas, os dados científicos mostram ainda dificuldades das pessoas com DI em se inserir e permanecer no mercado de trabalho (Furtado, 2013) e essa constatação pode ser verificada, também, quando se realiza a análise dos assuntos investigados, em que os 'aspectos gerais da inclusão' e 'habilidades para o trabalho/cargo' foram os mais frequentes.
Em relação aos temas de estudo na área, identifica-se certa variedade; entretanto, ao mesmo tempo, há uma concentração nos assuntos já mencionados acima. Esse tipo de constatação parece refletir a necessidade de mais aprofundamento nas questões que envolvem a inclusão no trabalho de forma mais abrangente, mas também, em algumas especificidades. Estudos sobre os 'fatores influentes no processo de inclusão' foram menos frequentes, denotando a tentativa de realizar associações entre as diferentes variáveis que têm implicações na acessibilidade ao emprego, bem como na permanência da pessoa no trabalho. A produção científica analisada parece não oferecer subsídios para gerar estratégias de promoção da inclusão de pessoas com DI no mercado de trabalho. Portanto, sugerem-se estudos focalizando as estratégias/intervenções que possam gerar subsídios para prática de promoção da inclusão.
Os resultados dessa análise são perpassados por algumas limitações. Dentre elas, o fato dessa análise ter sido realizada a partir dos resumos. Apesar de se reconhecer essa limitação, ainda assim, esse procedimento foi seguido, já que as informações necessárias para a composição deste estudo estavam presentes na maioria dos resumos. A ausência de informações necessárias para a composição da presente investigação foi uma das dificuldades encontradas em alguns resumos, o que também foi constatado em outros estudos de revisão de literatura (Noronha et al., 2006; Rooke & Pereira-Silva, 2012). Recomenda-se que novos estudos sejam planejados para que se possa ter um panorama mais abrangente dessa área de investigação. Estudos com maior número de participantes, considerando também o tipo de deficiência, são bastante promissores, uma vez que as pessoas com DI têm sido as menos absorvidas pelo mercado de trabalho (IBGE, 2012).
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Endereço para correspondência:
Adelaine Vianna Furtado
Rua Geraldo Costa Cruz, 522, Taquara Preta
36771-524, Cataguases- MG
Fone: 32 8821 7886
E-mail: adelainefurtado@hotmail.com
Recebido 20/07/2013
1ª Revisão 18/10/2013
2ª Revisão 31/03/14
Aceite Final 11/11/2014
Sobre os autores
Adelaine Vianna Furtado é psicóloga e Mestre em Psicologia pelo Programa de Pós Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora. Interesse pela área de Desenvolvimento Humano e Orientação Profissional.
Nara Liana Pereira-Silva é mestre e doutora em Psicologia pela Universidade de Brasília, na área de Desenvolvimento Humano. É docente do Departamento de Psicologia e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Juiz de Fora-MG. Trabalha em pesquisa com famílias de crianças com deficiência intelectual, inclusão e relações familiares.
1 Este estudo recebeu apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).