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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão impressa ISSN 1679-3390versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.16 no.2 Florianópolis dez. 2015
ARTIGO
Avaliação de intervenções vocacionais no Brasil: uma revisão da literatura1
Evaluation of vocational interventions in Brazil: A literature review
Evaluación de las intervenciones de carrera en Brasil: una revisión de la literatura
Marucia Patta Bardagi; Patrícia Albanaes
Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis-SC, Brasil
RESUMO
Nas últimas décadas, as avaliações de intervenção têm sido apontadas como temática de relevância essencial para o exercício profissional do psicólogo. No âmbito das intervenções de carreira, a preocupação com a avaliação ainda é recente no Brasil. Este estudo identificou as publicações nacionais referentes à avaliação de intervenções de carreira nos últimos 20 anos. Após busca nas bases de dados, foram encontradas e analisadas 16 publicações. Percebe-se o pouco volume de estudos, crescimento da produção nos últimos cinco anos e concentração de estudos sobre intervenções grupais com adolescentes. Aponta-se a necessidade de diversificação dos estudos de avaliação de intervenções de carreira no Brasil, e a necessidade de inclusão de objetivos voltados à avaliação de processos e não apenas de resultados.
Palavras-chave: carreira, avaliação, orientação vocacional
ABSTRACT
In the last decades, intervention assessments have been identified as a vital theme for psychologists. Within career interventions, concern about the assessment is still recent in Brazil. This study identified national publications concerning the assessment of career interventions in the last 20 years. After searching the databases, 16 publications were analyzed. It is noticed the little volume of studies, a growth over the past five years and a concentration of studies on group interventions with adolescents. This survey points to the need for diversification of career intervention evaluation studies in Brazil, and the need to include objectives aimed at the evaluation of processes and not just results.
Keywords: career, evaluation, vocational guidance
RESUMEN
En las últimas décadas, las evaluaciones de intervención se han identificado como temática de relevancia esencial para el profesional en psicología. Dentro de las intervenciones de carrera, la preocupación por la evaluación es todavía nueva en Brasil. Este estudio identificó publicaciones nacionales sobre la evaluación en intervenciones de carrera en los últimos 20 años. Después de buscar en la base de datos, se analizaron 16 publicaciones. Uno ve el poco volumen de los estudios, el crecimiento de la producción en los últimos cinco años y la concentración de los estudios sobre las intervenciones grupales con adolescentes. Se señala la necesidad de diversificación de los estudios de evaluación de intervención de carrera en Brasil, y la necesidad de incluir objetivos dirigidos a la evaluación del proceso y no sólo de los resultados.
Palabras clave: orientación profesional, evaluación, carrera
O atual contexto socioeconômico pode ser caracterizado por grandes mudanças decorrentes da globalização e dos avanços tecnológicos acelerados. Lehman (2010) denominou esse cenário como a Era de Kairós, a qual, na mitologia grega, é associada ao tempo descontínuo e imprevisível. E com essa reorganização da sociedade e do trabalho, surgem novos espaços de intervenção e de reflexão para a Orientação Profissional. Tem-se a mudança do paradigma caracterizado pelo conjunto de práticas que visavam basicamente o ingresso no campo profissional, para um conjunto de serviços com caráter heterogêneo, que engloba diferentes momentos na vida do sujeito (Lehman, 2010). O CEDEFOP - European Centre for the Development of Vocational Training (2005), por exemplo, utiliza o termo orientação ao longo da vida para designar uma série de atividades que auxiliam as pessoas de qualquer idade e em qualquer momento de suas vidas a identificarem suas capacidades, competências, e interesses, a fim de gerirem de forma reflexiva seus percursos individuais na educação e no trabalho. Em síntese, percebe-se a necessidade de desenvolvimento de serviços em Orientação Profissional não apenas no setting de transição escola-campo profissional, como também em novos espaços e possibilidades. A organização institucional dos serviços de orientação traduz a visão estratégica dos recursos humanos de um país (Teixeira & Calado, 2010), configurando-se portanto como responsabilidade política na área da educação, social, e do trabalho.
Seguindo a descrição de Spokane (1991) pode-se identificar cinco níveis de serviços oferecidos pela Orientação Profissional, sendo eles: 1. informação (discussão de textos e vídeos sobre profissões, por ex.); 2. práticas autoadministradas (serviços existentes na internet, por ex.); 3. modos de tratamento alternativo (workshops, grupos de trabalho, etc.); 4. consulta psicológica em grupo (interpretação de testes em grupo, grupos estruturados ou não estruturados) e; 5. consulta psicológica individual (administração e interpretação de testes, consulta psicológica breve ou prolongada). A definição da estratégia a ser utilizada e o nível da intervenção devem ser propostos a partir das características e necessidades dos indivíduos e do contexto no qual estão inseridos.
Contudo, mais do que apenas oferecer serviços voltados à Orientação Profissional, é preciso pensar em processos de avaliação dessas intervenções. Com base na literatura vocacional internacional, nas últimas décadas as avaliações das intervenções têm sido apontadas como temática de relevância científica e essencial para o exercício profissional do psicólogo (Königstedt & Taveira, 2010; Loureiro, 2012; Pinto, 2010). A verificação da eficácia da intervenção psicológica é um elemento chave para o estatuto científico da psicologia (Hamilton & Dobson, 2001), certificando a pesquisa e a prática como etapas-chave de um mesmo contínuo. Assim, a avaliação, enquanto processo contínuo, deve levar em conta o contexto específico de cada prática, e assume papel central na divulgação e reflexão sobre os resultados do serviço prestado, bem como conduz à identificação de possíveis necessidades de adaptações ou possíveis novas demandas de intervenção, fornecendo ao processo de serviços um caráter cíclico.
Pinto (2010) afirma que essa avaliação necessita da coleta sistemática de informação acerca das características e resultados da generalidade da intervenção, ou de algum dos seus componentes específicos, tendo em vista a tomada de decisões esclarecidas à manutenção, melhoria ou eliminação de uma dada atividade. Quanto às modalidades de avaliação de intervenção, essa pode ser dividida em dois grupos: 1. avaliação dos resultados, centrada nas mudanças, com o objetivo de investigar até que ponto se pode atribuir a uma dada intervenção os resultados junto aos usuários do serviço (Loureiro, 2012) e; 2. avaliação do processo, centrada no feedback continuado, com o intuito de estabelecer possíveis adaptações no curso da intervenção (Leitão & Paixão, 2008). Desse modo, tem-se a oportunidade de encaixar as intervenções em Orientação Profissional para o cliente, e não vice-versa (Amundson, Harris-Bowlsbey, & Niles, 2005). De forma similar, para Taveira e Pinto (2008), as avaliações de resultados permitem verificar os conhecimentos, competências, e atitudes registradas nos clientes, enquanto as avaliações de processos permitem identificar as variáveis como os pensamentos, sentimentos, e comportamentos do psicólogo e do cliente, bem como a interação entre a díade. A linha de pesquisas centrada nos resultados busca avaliar, portanto, a eficácia da intervenção, enquanto a linha de pesquisas voltada aos processos busca investigar as condições associadas a um dado resultado.
No que diz respeito aos resultados, a literatura demonstrou, consistentemente, que as intervenções de carreira são eficazes para uma maioria de indivíduos (Spokane, 2004). Estes resultados, para Heppner e Heppner (2003) podem ser investigados a partir de três categorias temporais: resultados imediatos (avaliação reativa a uma ação específica do profissional); resultados intermediários (avaliação registrada em diferentes estágios da intervenção), e resultados distais (follow-up), referentes às avaliações de resultado de um processo mais longo.
O estudo de Königstedt e Taveira (2010), por exemplo, investigou o impacto de uma intervenção vocacional (com 12 sessões grupais de 90 minutos cada) em relação à exploração e tomada de decisão vocacional com 82 adolescentes portugueses do 9° ano de escolaridade. Os resultados evidenciaram ganhos significativos nas dimensões de exploração e diminuição significativa da falta de informação profissional e do total das dificuldades de decisão (Königstedt & Taveira, 2010). Gamboa, Paixão e Jesus (2011) avaliaram junto a 73 adolescentes portugueses do 12° ano de escolaridade o impacto de um programa vocacional (com seis sessões grupais de 90 minutos cada) nas diferentes dimensões da exploração vocacional. Os resultados indicaram também impacto positivo e significativo em duas das dimensões da exploração vocacional: exploração de si próprio e exploração do meio (Gamboa et al., 2011).
Quanto aos processos, foram identificados quatro elementos necessários que influenciam nos resultados da intervenção eficaz (Heppner & Heppner, 2003): 1. a qualidade da relação terapêutica; 2. o insight cognitivo (ou crença do indivíduo em relação à aquisição de uma nova percepção sobre determinada questão como possibilitadora da resolução dessa determinada questão); 3. a experiência afetiva e; 4. as expectativas do cliente. Spokane (2004) indica a categoria de avaliação dos processos como ainda pouco explorada entre os profissionais, e aponta para a necessidade de estudos acerca de processos que aumentem a eficácia das intervenções de carreira, analisando a relação entre esses processos e os resultados no cliente. Há estudos sobre avaliação de processos desenvolvidos nos anos 1980 e 1990 (por exemplo, Bacorn & Dixon, 1984; Miller, 1992), mas poucos mais recentes.
Contudo, a separação entre avaliação de processos e resultados é apenas didática, sendo esses aspectos incapazes de isoladamente elucidar de forma completa a intervenção. Faria e Taveira (2011) defendem a complementaridade de resultados e processos, sendo que enquanto os resultados validam a importância do estudo do processo, esse explica o porquê de um resultado eficaz ou ineficaz. O estudo de Loureiro (2012), por exemplo, busca relacionar os processos e resultados de um Seminário de Gestão Pessoal da Carreira, com nove sessões, destinado a favorecer a adaptabilidade de carreira de graduandos portugueses. Os principais achados da pesquisa apontam para a eficácia da intervenção ao nível do construto psicológico verificado, após análise pré e pós-teste do grupo participante e também em relação ao grupo de controle. Além disso, o estudo do processo de intervenção, realizado em três diferentes momentos do serviço prestado, aponta que as percepções com tonalidade positiva foram progressivamente mais frequentemente assinaladas que as reações com tonalidade negativa. Ou seja, na medida em que ocorre maior envolvimento com a intervenção e com o grupo, são mais assinaladas reações relativas à compreensão, à confiança e segurança, e ao maior autoconhecimento (Loureiro, 2012).
Outra questão referente à avaliação das intervenções vocacionais diz respeito à modalidade de serviço que se mostra mais eficaz. Por exemplo, Brown e Krane (2000) envolveram, no seu estudo de meta-análise, um número expressivo de estudos anteriores, e a análise dos dados aponta as intervenções vocacionais em grupo (d = 0,55) como a modalidade mais eficaz, seguida dos seminários de educação para a carreira com turmas de alunos (d = 0,43), da consulta psicológica individual (d = 0,41) e das intervenções auto-dirigidas (d = 0,23). Entretanto, Spokane (2004) aponta que não há consistência na literatura sobre estas diferenças, e indica a necessidade ainda atual de estudos analíticos acerca das características que podem aumentar a eficácia das intervenções de carreira. Já quanto aos componentes da intervenção de carreira, Brown, Krane, Brecheisen, Castelino, Budsin, Miller e Edens (2003) defendem a existência de cinco elementos específicos que podem contribuir para a eficácia de uma intervenção vocacional, são eles: 1. livros de trabalho e exercícios escritos (uso de registros que exigem ao sujeito a indicação de seus objetivos, projetos de futuro, etc.); 2. atenção individualizada (criação de espaços para recebimento de feedback individualizado sobre questões da intervenção); 3. informação do mundo do trabalho (criação de oportunidades para o conhecimento do mercado de trabalho e de carreiras específicas); 4. modelação (exposição a modelos de exploração e tomada de decisão de carreira etc) e 5. cuidados na criação de apoios (auxílio na criação de apoios para escolhas e projetos de carreira, etc.).
Independentemente da abordagem e da estratégia utilizada no serviço vocacional, a submissão das intervenções à avaliação pode ser justificada por um leque de benefícios, como: a possibilidade de encontrar respostas para questões referentes às necessidades, ao processo e aos resultados obtidos com a intervenção; a garantia da qualidade e otimização dos serviços disponibilizados à sociedade; o empoderamento dos participantes, através de seu envolvimento ativo e reflexivo em todas as etapas do processo de avaliação; o estímulo à mudança, favorecendo a tomada de decisão esclarecida acerca das intervenções; e, em última instância, o favorecimento da confiança da sociedade em relação aos serviços prestados (Pinto, 2010). Segundo Melo-Silva (2011), avaliar é também fundamental para a elaboração e implementação de políticas públicas, além de ser uma das competências especializadas requeridas do orientador profissional.
Ainda nessa direção, Amundson et al. (2005) defendem que em qualquer contexto de Orientação Profissional, avaliar o progresso do cliente em relação aos objetivos do serviço é imprescindível para a prestação de uma assistência útil pelo profissional da área. Pode-se dizer então que a objetividade dos dados valida a qualidade das intervenções, sendo este o melhor argumento para consolidar o domínio da Orientação profissional na comunidade educativa e social (Teixeira & Calado, 2010).
Por outro lado, verifica-se que, apesar das vantagens apontadas pela literatura, há ainda muitos profissionais que não se utilizam dessas ferramentas em seu trabalho, impossibilitando a compreensão das condições associadas às intervenções, especialmente no Brasil. Referente a esses obstáculos, Loureiro (2012) e Melo-silva (2011) indicam a natureza de alguns instrumentos de avaliação, que nem sempre captam a riqueza das interações, além da preocupação dos profissionais com eventuais resultados negativos. Taveira e Pinto (2008) indicam que a escassez de avaliação pode estar vinculada à incompreensão da relação intrínseca entre pesquisa e prática, à crença de que a intervenção é geralmente positiva - não havendo a necessidade de investigar sua eficácia -, à falta de treino e desconhecimento de metodologias de investigação e aos constrangimentos em relação ao tempo disponível. Diante dessas questões, há mais de duas décadas autores como Killen, White e Watts (1993) e Hiebert (1994) defendem que para que sejam superados desafios e se potencialize o desenvolvimento da área de Orientação Profissional, a introdução de uma cultura de avaliação deve ser tida como prioritária em programas de intervenção, especialmente com foco na eficácia e não apenas na satisfação geral do cliente.
Embora os processos de avaliação de intervenções de carreira sejam prática antiga no contexto internacional, e tenham aumentado a partir da década de 1990 no Brasil (Noronha & Ambiel, 2006), ainda são pouco sistematizados no país. Ao se considerar a relevância da Orientação Profissional para os âmbitos social, educacional e do trabalho, deve-se ter um esforço permanente e mais generalizado de práticas de avaliação que garantam o aprimoramento e a qualidade dos serviços prestados na área (Teixeira & Calado, 2010). A investigação acerca da produção científica sobre a avaliação das intervenções em Orientação Profissional se faz necessária, uma vez que seus resultados poderão auxiliar na divulgação de práticas recorrentes e seus processos e/ou resultados, e também nortear ações futuras de pesquisas e intervenções.
Assim, é objetivo deste estudo realizar uma revisão da literatura voltada para a avaliação de intervenções de carreira no Brasil, entre os anos de 1994 e 2014. Buscar-se-á identificar em quais cenários e com quais públicos tais avaliações são mais frequentes, as estratégias utilizadas nas intervenções e as respectivas configurações da coleta de dados, as modalidades das intervenções (processos ou resultados; atendimento individual ou grupal, etc.), bem como os principais resultados das avaliações.
Método
Para esta revisão, realizou-se uma busca bibliográfica nas bases de dados eletrônicos SciELO, INDEXPsi e BVS-Psi, assim como no Banco de Teses de CAPES, utilizando combinações duas a duas entre, de um lado, as palavras-chave avaliação e intervenção e, de outro lado, as palavras-chave carreira, orientação, vocacional, profissional. As bases de dados foram escolhidas por apresentarem-se como as mais completas para o acesso à produção nacional em Psicologia e áreas afins. Não foram impostas restrições temporais para a busca, que abrangeu todos os trabalhos registrados nas bases até a data do levantamento, em julho de 2015. A busca de dados resultou num total de 16 publicações nacionais com foco nas avaliações de intervenção. Foram excluídos da amostra estudos publicados em revistas nacionais, mas que eram de autoria estrangeira e referiam-se a intervenções realizadas fora do Brasil, e ainda os estudos teóricos, mesmo que sobre o tema da avaliação de intervenções. Entre as produções encontradas, 14 são artigos e duas são dissertações.
Resultados
As publicações foram lidas na íntegra e suas características descritas nesta seção de resultados em termos de estrutura e conteúdo. A Tabela 1 descreve as características gerais das produções.
Como se observa na Tabela 1, a maior parte das produções foi publicada a partir de 2010 (56,25%). Quanto à região envolvida no trabalho, os resultados concentram-se principalmente no sul e sudeste do país, com sete publicações cada uma. A maior parte das pesquisas avalia intervenções grupais (10 estudos) e o público-alvo dessas intervenções inclui tradicionalmente adolescentes inseridos no Ensino Médio (10 publicações). Na maioria das pesquisas realizou-se uma avaliação dos resultados dos serviços prestados (11 estudos). Em muitos estudos utilizou-se mais de um instrumento para a avaliação das intervenções, e esses englobaram principalmente a análise pré e pós-intervenção com a Escala de Maturidade para Escolha Profissional (EMEP; Neiva, 1999). Além da EMEP, em outras publicações foram utilizados como instrumento questionários de avaliação do programa proposto; entrevistas semi-estruturadas; escalas de satisfação do cliente; técnicas de complementação de frases; questionário pré e pós-intervenção quanto aos indicadores da escolha profissional; escalas de Indecisão e Exploração vocacionais; relatos escritos; e relatos verbais.
Qualitativamente, duas categorias foram criadas para agrupar e permitir a melhor compreensão dos materiais encontrados: (a) estudos com foco na avaliação dos resultados das intervenções e, (b) estudos com foco na avaliação tanto dos processos como dos resultados das intervenções. Os principais aspectos serão descritos a seguir de acordo com essas categorias.
a) Estudos referentes à avaliação dos resultados das intervenções
Onze estudos encontrados apresentam como principal foco a avaliação dos resultados das intervenções em Orientação Profissional e de carreira, ou seja, os efeitos percebidos pelo cliente ao final do processo, tais como a redução da indecisão. Todos os estudos dessa categoria indicaram que foram obtidos resultados positivos nas intervenções, reforçando a possibilidade de auxílio às demandas vocacionais nesses serviços. Dessas publicações, em seis foram utilizados instrumentos psicométricos/fechados com análise comparativa pré e pós-intervenção (Junqueira, 2010; Lassance et al., 2009; Melo-Silva, Oliveira & Coelho, 2002; Moura & Silveira, 2002; Nogueira, 2004; Oliveira & Neiva, 2013).
Melo-Silva et al. (2002), Junqueira (2010) e Oliveira e Neiva (2013) objetivaram avaliar a influência do processo de Orientação Profissional no desenvolvimento da maturidade para escolha de carreira em adolescentes inseridos no Ensino médio, e utilizaram para isso a Escala de Maturidade para a Escolha Profissional (EMEP). Como principais resultados da avaliação, Melo-Silva et al. (2002) verificaram diferenças significativas positivas nas dimensões Determinação, Autoconhecimento, Conhecimento da Realidade, Independência e no total das subescalas, após as intervenções. A subescala de Responsabilidade foi a única em que não houve mudanças no período pré e pós-intervenção. Nesse sentido, os autores argumentam que os adolescentes já haviam chegado ao serviço com um nível elevado de responsabilidade sobre sua escolha, considerando-se a alta pontuação nas médias dessa subescala já na situação pré-teste. Já Oliveira e Neiva (2013) observaram um aumento no nível de maturidade em todas as subescalas e na escala total após um processo de intervenção junto aos adolescentes inseridos no Ensino Médio Profissionalizante.
A dissertação de Junqueira (2010), caracterizada como pesquisa documental descritiva (baseada em registros de um serviço de orientação profissional), também utilizou a EMEP e indica uma série de aspectos relevantes para discussão, dentre os quais destacam-se: (a) nível médio baixo nas subescalas de maturidade para a escolha profissional em situação pré-intervenção dos 749 adolescentes atendidos nos últimos cinco anos do serviço avaliado; (b) aumento médio na maturidade para a escolha profissional desses sujeitos; (c) no início do processo de intervenção não houve diferença entre sexos no que diz respeito à maturidade total; (d) entretanto, as mulheres tiveram maior desenvolvimento da maturidade em comparação com os homens, ao final do processo; (e) o conjunto dos adolescentes que foram atendidos na modalidade individual, independentemente do sexo, série escolar, tipo de escola ou nível de escolaridade dos pais, apresentaram significativa evolução da maturidade para a escolha profissional (total) quando comparados aos que estavam na modalidade grupal; (f) a comparação entre os subgrupos dos concluintes e não concluintes do processo de intervenção não apresentou em situação pré-intervenção diferenças significativas em relação à maturidade para a escolha profissional (total).
Lassance et al. (2009) também avaliaram o impacto das intervenções em orientação profissional realizadas entre 2005 e 2007 em um serviço universitário, sobre a maturidade de carreira, indecisão e exploração vocacional em 176 adolescentes. Para tanto, além da EMEP, foram utilizadas uma Escala de Indecisão Vocacional e uma Escala de Exploração Vocacional. Os resultados apontam que em todos os indicadores avaliados houve modificações estatisticamente significativas em direção positiva quando os escores obtidos antes da intervenção foram comparados com os obtidos após a intervenção. Destaca-se também que, ao final do processo, as mulheres mostraram-se mais indecisas do que os homens, revelando uma maior ambivalência e insegurança frente à escolha. Ao mesmo tempo, tanto antes quanto depois da intervenção, mostraram-se mais preocupadas em fazer uma escolha profissional e mais engajadas em comportamentos exploratórios vocacionais do que os homens (Lassance et al., 2009).
Moura e Silveira (2002) tiveram como objetivo avaliar as mudanças ocorridas no comportamento dos adolescentes quanto aos indicadores da escolha profissional. Para isso, foram utilizadas em situações pré e pós-intervenção um instrumento de avaliação dos indicadores relevantes da escolha profissional, bem como um questionário de autoavaliação e de avaliação do programa de orientação. Os resultados mostraram que 50% dos adolescentes conseguiram efetivar a escolha profissional e os outros 50% avançaram quanto aos critérios pessoais de seleção profissional. Um número maior de adolescentes foi capaz de identificar "profissões incompatíveis com suas habilidades", como um fator que influenciou a exclusão de opções profissionais, o que sugere um aumento do autoconhecimento e do conhecimento das características das profissões. O estudo de Ambiel (2010) buscou descrever um processo de Orientação Profissional baseado nos resultados de avaliação psicológica e de informação profissional, com um adolescente de 16 anos de idade, inserido no Ensino Médio. Uma entrevista foi realizada 15 meses após a OP, quando o cliente já havia se matriculado no curso escolhido, e avaliou-se a estabilidade de sua escolha. O participante relatou que sua opção pelo curso se manteve, não havendo mudanças quanto a isso. Quanto à percepção sobre o processo de Orientação Profissional, o adolescente disse que o mesmo foi crucial para a consolidação de sua escolha (Ambiel, 2010).
Dois estudos buscaram avaliar os resultados de intervenções em Orientação Profissional com grupos historicamente alvo de exclusão social: pacientes psiquiátricos (Valore, 2010) e pessoas em preparação para a aposentadoria (França et al., 2013). Mais especificamente, Valore (2010) objetivou descrever e analisar os alcances e limites de uma intervenção em orientação profissional com pacientes psiquiátricas em vias de receber alta. Após o trabalho em grupo com quatro encontros realizaram-se entrevistas individuais de modo a promover reflexões sobre os avanços de cada paciente. Observou-se, assim, o favorecimento de um novo modo de relação com o futuro, a visualização de perspectivas para a vida pós alta e o resgate da autoconfiança quanto à possibilidade de sua concretização, sugerindo a pertinência desse tipo de intervenção no contexto em questão (Valore, 2010). França et al. (2013) avaliaram a satisfação de 41 servidores públicos quanto ao desenvolvimento de uma intervenção breve na preparação para a aposentadoria. Por meio de técnicas de complementação de frases, relatos verbais sobre satisfação e escala de satisfação dos participantes, observou-se que a intervenção favoreceu a manifestação de emoções positivas, tais como esperança, felicidade, tranquilidade, autoestima, bem estar, otimismo, curiosidade, segurança acerca do presente e do futuro na aposentadoria; aquisição de novos conhecimentos e de mudança de comportamento, e interação grupal, propiciadora de troca de ideias e experiências. Por outro lado, relataram insatisfação com o número reduzido de encontros. Entre as sugestões de mudança estavam: aumento da carga horária e inclusão de encontros virtuais.
Nogueira (2004) teve como objetivo avaliar a informação profissional em um processo de orientação profissional via internet, verificando seus limites e alcances, junto a dez usuários da internet, com idades entre 16 e 40 anos, interessados em discutir a escolha da profissão. Para tanto, também fez o uso da EMEP, além de entrevista inicial e final, e questionário inicial e final. Os resultados obtidos através da comparação da EMEP inicial e final evidenciaram amadurecimento na subescala conhecimento da realidade profissional, em ambos os grupos. No que se refere ao amadurecimento total, apenas um participante manteve-se estável, todos os outros aumentaram sua pontuação na escala geral de maturidade. Esse amadurecimento também pôde ser observado no processo grupal, na entrevista individual e no questionário final. Já em estudo junto a sete alunos universitários que haviam frequentado um Programa de Orientação Profissional entre 2003 e 2008, Pinto e Castanho (2012) buscaram apreender os sentidos da escolha e da orientação profissional. Para tanto, utilizaram-se de entrevistas guiadas pelos instrumentos de Relato Oral Sobre a Escolha Profissional e a Trajetória Acadêmica e Frases Incompletas. Os resultados indicaram que a Orientação Profissional foi contributiva e relevante para as escolhas acadêmicas e profissionais no percurso do Ensino Superior e para os projetos de futuro profissional. Em outro estudo, Moura et al. (2003) objetivaram descrever a experiência autorrelatada de adolescentes que participaram de grupos de Orientação Profissional quanto aos aspectos em comum da condição de entrada e saída do programa, e utilizou-se da técnica dos relatos escritos. Foram observados três principais temas emergentes na condição pré-intervenção: 1. dificuldade de decisão quanto à escolha profissional; 2. as profissões da infância; 3. influência dos pais quanto a escolha profissional. Na avaliação dos adolescentes quanto à sua experiência de conclusão do processo apontou para um aumento do autoconhecimento e conhecimento da realidade profissional, de modo a facilitar o processo de escolha; aprendizagem do processo de tomada de decisão e realização para a escolha, integrando características pessoais com as informações profissionais, por exemplo; e reconhecimento do trabalho efetuado pelos orientadores.
b) Estudos referentes à avaliação dos processos das intervenções
O conjunto de pesquisas voltado à avaliação dos processos busca investigar as condições associadas a um dado resultado. Nessa categoria foram encontrados cinco estudos (Alonso & Melo-Silva, 2013; Arruda & Melo-Silva, 2010; Furtado & Barbosa, 2011; Moura et al., 2005; Selig & Valore, 2008), que paralelamente investigaram também - em maior ou menor grau - os resultados das intervenções.
Selig e Valore (2008), dentro de uma perspectiva psicodinâmica da escolha profissional, analisaram o diagnóstico de orientabilidade antes e após o processo de intervenção, valendo-se de dados obtidos na entrevista inicial, devolutiva e no atendimento grupal junto a sete adolescentes de ambos os sexos. Segundo as autoras, o serviço trouxe resultados positivos em relação ao estatuto frente à escolha. Quanto aos processos relacionados a esses resultados, observou-se uma facilitação da escolha favorecida pela diminuição da ansiedade. Outro aspecto relacionado aos resultados positivos da intervenção foi o estabelecimento de uma relação transferencial de aspiração e um vínculo de cooperação com o orientador. Esse elemento sugere uma relação entre a situação que o adolescente atravessa e suas fantasias de resolução, sinalizando maior ou menor autonomia em relação à escolha, e indica a necessidade de analisar e trabalhar a relação transferencial para que ela possa atuar em favor do orientando, auxiliando-o a assumir o lugar de protagonista em sua escolha e projeto de vida (Selig & Valore, 2008). Apenas para uma adolescente a intervenção não auxiliou no processo de escolha - ainda que ela tenha também avaliado o processo positivamente, admitindo ganhos pessoais, como a diminuição da angústia.
Já Moura et al. (2005) avaliaram a efetividade de um programa de Orientação Profissional sob o enfoque da Análise do Comportamento quanto à produção de mudanças comportamentais de avanços na resolução do problema de escolha profissional. O repertório de entrada e saída dos adolescentes foi avaliado, assim como os componentes do programa. Participaram da intervenção 18 adolescentes de ambos os sexos que responderam a instrumentos específicos aos processos e resultados do serviço. Após o término do programa de orientação, o número de opções profissionais consideradas sofreu significativa redução, indicando possível melhora no repertório de critérios de seleção e exclusão de opções. Também foi observada significativa melhora na maturidade para escolha e nas habilidades de tomada de decisão. O instrumento de avaliação da satisfação dos participantes quanto ao programa indicou alta satisfação dos adolescentes. Já um terceiro instrumento, aplicado após o término do programa buscou avaliar os aspectos específicos de maior ou menor relevância para a promoção de avanços no processo de tomada de decisão. Os participantes indicaram que os exercícios de busca por informações sobre as profissões, os exercícios de autoconhecimento, a promoção de debates e entrosamento dos membros, a postura das orientadoras, o incentivo ao posicionamento pessoal e o desenvolvimento de atividades de forma prática e dinâmica, foram importantes aspectos que contribuíram para o desenvolvimento positivo do grupo. Os adolescentes apontaram que os comportamentos das orientadoras que mais os auxiliaram a avançar no processo foram aqueles ligados à elaboração das bases da escolha: perguntas, esclarecimentos, questionamentos específicos, avaliação de prós e contras, promoção de discussões e reflexões (Moura et al., 2005).
Furtado e Barbosa (2011), por sua vez, avaliaram um serviço de orientação profissional junto a adolescentes num período de seis anos, em três dimensões: condições, processo e total. Para tanto, fez-se uso de um roteiro de entrevista telefônica contendo uma escala de satisfação do cliente quanto ao processo e às condições oferecidas pelo serviço. A avaliação dos entrevistados quanto à dimensão total foi positiva e as condições oferecidas pelo serviço (local, espaço, quantidade e duração da intervenção, técnicas utilizadas e preparação dos profissionais condutores dos grupos) foram mais bem avaliadas que os efeitos do serviço na escolha profissional. De forma similar, Arruda e Melo-Silva (2010) avaliaram a intervenção de carreira junto a 77 ex-clientes. Para tanto, utilizaram-se de questionários que contemplavam três dimensões de análise (input, processos e output). Os participantes demonstraram satisfação quanto aos resultados da intervenção e ao desenvolvimento de habilidades relativas ao projeto de vida pessoal e profissional. As condições oferecidas pelo serviço (local, espaço, duração das intervenções, recursos materiais disponíveis, preparação dos estagiários) foram avaliadas positivamente. Dentre os itens que contribuíram para a tomada de decisão na percepção dos ex-clientes destacaram-se: criação de vínculo com o estagiário e com o grupo, assiduidade e participação ativa na intervenção. Por outro lado, alguns participantes apontaram ter como expectativa inicial uma intervenção mais diretiva.
O mesmo modelo de estudo foi desenvolvido posteriormente por Alonso e Melo-Silva (2013), mas desta vez com foco na perspectiva dos próprios ex-estagiários (33 participantes) que coordenavam os grupos de Orientação Profissional. Quanto às condições oferecidas pelo serviço, a avaliação geral foi positiva. Mais especificamente quanto aos itens entrevista de triagem, tempo das sessões individuais e em grupo e recursos materiais, predominaram as avaliações no conceito excelente. A maior porcentagem entre os itens de avaliação de condições oferecidas foi observada no item relativo à competência do estagiário, com 87,9% no conceito bom, e de seus colegas, os outros estagiários, com 75,8% de conceito bom, indicando que o ex-estagiário se autoavalia e ao seu colega como alguém que cumpriu bem o seu papel como psicólogo-aprendiz (Alonso & Melo-Silva, 2013).
Discussão
Este estudo teve como objetivo revisar a literatura voltada para a avaliação de intervenções de carreira no Brasil, entre os anos de 1994 e 2014, tendo como foco o público-alvo, estratégias e modalidades de intervenção e de avaliação, bem como os principais resultados das avaliações realizadas. A seguir serão destacados alguns aspectos centrais relacionados com os resultados encontrados nesta revisão.
Inicialmente, quanto à caracterização geral das publicações, a maior parte está concentrada nos últimos cinco anos, indicando aumento pelo interesse na avaliação das intervenções - de forma a alinhar a produção do país ao âmbito internacional, no qual essa prática vem sendo utilizada com maior frequência. Além disso, a maior concentração de pesquisas sobre avaliação em nível grupal, com público adolescente e nas regiões sul e sudeste do país também é esperada uma vez que a produção geral sobre Orientação Profissional também se concentra nessa modalidade, público e regiões (Noronha & Ambiel, 2006; Rueda, 2009; Teixeira, Lassance, Silva, & Bardagi, 2007).
Apenas alguns estudos tiveram como público-alvo grupos distintos daquele formado por jovens em busca de inserção no ensino superior (França et al., 2013; Lassance et al., 2009; Pinto & Castanho, 2012; Valore, 2010). Embora se possa afirmar que a oferta de intervenções em orientação profissional já esteja alcançando novos públicos e momentos da trajetória de carreira (Noronha & Ambiel, 2006; Melo-Silva, Lela, & Fracalozzi, 2010; Teixeira et al., 2007), indicando uma aproximação à ideia de orientação ao longo da vida defendida pelo CEDEFOP - European Centre for the Development of Vocational Training (2005), os estudos que avaliam a eficácia destas intervenções ainda se concentram nas intervenções e modalidades mais tradicionais, talvez por estas serem as intervenções melhor sistematizadas até o momento e que geraram maior volume de informações para fins de avaliação. No entanto, torna-se necessário que as demais intervenções também procurem inserir etapas de avaliação em seus processos e busquem divulgar esses resultados.
Especificamente, os estudos de Alonso e Melo-Silva (2013) com foco nos próprios estagiários que conduziam processos de orientação profissional e de Nogueira (2004) sobre os efeitos de uma intervenção vocacional via internet parecem ser contribuições importantes e que apontam para linhas de investigação necessárias. A possibilidade de avaliar os serviços prestados a partir da perspectiva do orientador pode complementar as informações obtidas pela avaliação dos clientes/orientandos, e não é prática comum internacionalmente. A necessidade de reconhecer processos de mudança ou barreiras no avanço da intervenção deve ser parte fundamental na formação dos orientadores, e incluí-los nos processos de avaliação, com triangulação de informações, amplia as possibilidades de compreensão dos resultados. Poder-se-ia investigar, por exemplo, de que forma as expectativas dos orientadores sobre aspectos do atendimento coincidem com as expectativas dos clientes e de que forma estas expectativas podem estar relacionadas aos desfechos da intervenção. Ou ainda, em uma perspectiva de análise de processo, de que forma variáveis do orientador relacionadas ao atendimento (por exemplo, percepção de aliança de trabalho) afetam o próprio desenrolar da intervenção. Por outro lado, o trabalho de Nogueira (2004) buscou avaliar uma prática, a informação profissional mediada por computadores, que em outros países é frequente, mas que no Brasil ainda é restrita e alvo de desconfiança. Como apontam Esbrogeo e Melo-Silva (2012) não se conhece bem a oferta deste tipo de serviços ou a qualificação e competências dos profissionais que o realizam. Nesse sentido, descrever o processo e submetê-lo à avaliação é uma iniciativa importante e que pode gerar novos estudos semelhantes.
Ao pensarmos nos resultados obtidos com as intervenções avaliadas, observa-se que todos os estudos revisados apontaram resultados positivos relacionados às intervenções, corroborando resultados da literatura internacional (Spokane, 2004) e indicando benefícios da orientação profissional nas condições e estabilidade de escolha e no bem estar psicológico e satisfação dos indivíduos atendidos, a curto e médio prazo. É claro que, assim como na literatura internacional, não se pode afirmar que todas as intervenções de carreira conduzidas no país sejam benéficas ou alcancem os objetivos propostos, uma vez que aquelas que não o são possivelmente não estão descritas ou publicadas. Nesse sentido, faz-se um comentário relativo ao artigo de Laws (2013), em que o autor sugere a publicação de resultados negativos e replicações, a fim de ampliar a credibilidade da Psicologia enquanto ciência; além disso, afirma o autor que enquanto os resultados negativos permanecerem em 'segredo' ou ocultados, a eficiência da investigação e da intervenção em Psicologia está ameaçada. Aqui podemos pensar que seja importante, além de apontar em que medida os resultados alcançaram os objetivos propostos e vieram ao encontro das expectativas dos clientes, para o avanço das intervenções também é fundamental conhecer as barreiras e fracassos encontrados.
Outro ponto relativo aos resultados e que chama a atenção nesta revisão diz respeito às diferenças de sexo. Enquanto alguns estudos indicam maior benefício feminino com as intervenções (Junqueira, 2010), ou escores femininos mais altos em termos de maturidade e exploração (Lassance et al., 2009), outros não apontam diferenças ou não indicam terem feito esta comparação. Nesse sentido, percebe-se que as diferenças entre homens e mulheres quanto às medidas de carreira e também quanto aos resultados da intervenção ainda são um campo a explorar nos estudos nacionais.
No que tange à possibilidade de replicação dos estudos, embora muitos trabalhos sejam claros ao definir os critérios pré e pós-avaliação e na descrição dos instrumentos utilizados, ainda é baixa a sistematização das intervenções utilizadas, ou seja, a explicitação da duração, características do público atendido, objetivos e atividades realizadas. Essa coleta e sistematização de informações é crucial para a avaliação de intervenções e para o avanço da área da orientação (Pinto, 2010), permitindo, como apontam Amundson et al. (2005), ajustar as intervenções fornecidas às reais necessidades e características dos clientes e não o contrário. É necessário um avanço no que diz respeito a uma maior clareza de como são conduzidos os processos de orientação, especialmente em relação aos pressupostos teóricos que as embasam e às escolhas das atividades que as compõem. São poucos os estudos que explicitam a abordagem teórica de orientação que seguem e os objetivos específicos e resultados esperados de cada atividade ou do processo como um todo. Ainda, o uso de instrumentos padronizados, que permitiriam o diálogo maior entre as intervenções e estudos conduzidos no Brasil com aqueles praticados em âmbito internacional, também é relativamente baixo.
Nesta revisão foi encontrado apenas um estudo (Junqueira, 2010) comparando diferentes tipos de intervenção (individual e grupo, por exemplo), também uma prática comum no âmbito internacional (Brown & Krane, 2000). Esse aspecto poderia ser norteador de pesquisas futuras quanto às avaliações das intervenções de carreira no país. Nesse sentido, cabe apontar que, ao contrário de estudos estrangeiros que indicam um maior benefício das intervenções de grupo em comparação à modalidade individual, no estudo nacional citado os clientes atendidos individualmente tiveram melhor resultado. Ainda, partindo-se da classificação feita por Heppner e Heppner (2003), a maior parte dos estudos aqui revisados refere-se a resultados imediatos (avaliação reativa à intervenção como um todo ou a uma ação específica do profissional) e identificados de forma genérica pelos participantes. Não houve estudos que avaliaram resultados intermediários (avaliação registrada em diferentes estágios da intervenção) e poucos estudos (Ambiel, 2010; Arruda & Melo-Silva, 2010; Furtado & Barbosa, 2011) tinham foco em avaliar resultados distais (follow-up), com maior margem de tempo entre a intervenção e a avaliação. Observou-se também a predominância de estudos (11 publicações) com foco na avaliação dos resultados (efeitos) das intervenções em Orientação Profissional, sendo poucos aqueles com foco em avaliação do processo. Tendo em vista a complementaridade de resultados e processos (Faria & Taveira, 2011; Spokane, 2004), esta também constitui uma linha de investigação a ser ampliada nos estudos nacionais, ou seja, a avaliação de quais aspectos da intervenção, e em que medida, contribuem para a efetiva mudança dos clientes.
Quando há menção às atividades e temas presentes nas intervenções, muitos estudos indicam a ênfase na informação e nos exercícios escritos, o que vai na direção apontada por Brown et al. (2003) sobre aspectos favorecedores de bons resultados. Também os estudos revisados sobre avaliação dos processos falam sobre a qualidade da relação terapêutica (Arruda & Melo-Silva, 2010; Selig & Valore, 2008) - aspecto importante apontado na literatura (Heppner & Heppner, 2003). Todavia, pouco ainda se sabe sobre outros elementos processuais como o insight cognitivo, a experiência afetiva e as expectativas do cliente. Essas também são questões a serem exploradas em estudos futuros.
De forma geral, nota-se a partir dos resultados dessa revisão, que embora no Brasil esteja crescendo o interesse pelos estudos de avaliação de intervenções na área de carreira, ainda faz-se necessária a consolidação de uma cultura de avaliação com foco na eficácia e eficiência dos serviços (Hiebert, 1994; Killen et al., 1993). Uma maior preocupação com a clareza na caracterização dos participantes, com a descrição dos métodos e técnicas de intervenção, com a explicitação dos pressupostos teóricos norteadores das práticas e também com estudos que utilizem amostras maiores e mais diversificadas, além de instrumentos padronizados que permitam melhor comparação de resultados parece ser a direção para que sejam superados os desafios e seja potencializado o desenvolvimento da área.
Referências
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Endereço para correspondência:
Laboratório de Informação e Orientação Profissional da UFSC, Sala 14A
Departamento de Psicologia, CFH
Campus João David Ferreira Lima, 88040-900
Florianópolis-SC. Fone: 48 3721 8213.
E-mail: marucia.patta@ufsc.br
Recebido 08/09/15
1ª Revisão 10/12/15
Aceite Final 15/12/15
Sobre as autoras
Marucia Patta Bardagi é psicóloga, doutora em Psicologia (UFRGS). Professora adjunta do curso de Psicologia da UFSC. Docente permanente do PPG Psicologia UFSC. Coordenadora do Laboratório de Informação e Orientação Profissional - LIOP UFSC.
Patrícia Albanaes é graduanda em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina. Bolsista de Iniciação Científica no Laboratório de Informação e Orientação Profissional (LIOP/UFSC).
1 O estudo, parte de um projeto maior, foi desenvolvido com apoio do Cnpq, através de edital Ciências Humanas 2013, processo número 409240/2013-3.