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Revista Brasileira de Orientação Profissional
versão On-line ISSN 1984-7270
Rev. bras. orientac. prof vol.21 no.2 Campinas jul./dez. 2020
https://doi.org/10.26707/1984-7270/2020v21n202
10.26707/1984-7270/2020v21n202
ARTIGO
Happenstance Learning Theory: Avaliação de uma intervenção de carreira com universitários finalistas
Happenstance Learning Theory: Evaluation of a career intervention with finalists’ college student
Happenstance Learning Theory: Evaluación de intervención profesional con estudiantes universitarios finalistas
Amanda Ferreira VieiraI; Maiana Farias Oliveira NunesI; Marco Antônio P. TeixeiraII
IUniversidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil
IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil
RESUMO
A happenstance learning theory busca explicar por que as pessoas fazem diferentes caminhos durante a vida, com ênfase nos eventos do acaso. Este estudo objetiva apresentar um relato de experiência, a partir da adaptação de um modelo de intervenção, fundamentado na happenstance learning theory, destinado aos universitários em final de curso, além de uma análise de sua eficácia. A intervenção foi realizada individualmente com quatro participantes, em seis semanas. Como instrumento de medida pré e pós teste foi utilizado o Planned Happenstance Career Inventory e realizada uma entrevista de avaliação de reação. Os resultados mostram que a intervenção teve impacto na percepção e atenção às oportunidades de carreira, necessitando maiores estudos de aplicações dessa teoria no Brasil.
Palavras-chave: orientação vocacional; desenvolvimento profissional; transição universidade-trabalho; estudantes universitários.
ABSTRACT
Happenstance learning theory seeks to explain why people make different paths during life, emphasizing chance events. This theory also serves as a foundation for practices on career guidance which makes the process of transitions easier. The objective of this paper is to present a counseling experience that used an intervention model based in happenstance learning theory, directed to university students in the end of graduation and an analysis of its efficacy. To this end, the intervention was conducted individually with four participants in the period of six weeks. Planned happenstance career inventory was used before and after the intervention and a reaction interview was also conducted. In short, the intervention had impact on the perception and attention to the career opportunities, requiring further applied studies of this theory in Brazil.
Keywords: vocational guidance; professional development; university-to-work transition; college students.
RESUMEN
La teoría del aprendizaje de la casualidad busca explicar por qué las personas toman diferentes caminos en la vida, con énfasis en los eventos de acaso. Esta teoría también instrumentaliza las actuaciones de orientación profesional, facilitando los procesos de transición. El objetivo de este trabajo es presentar un informe de experiencia, basado en la adaptación de un modelo de intervención, basado en la teoría del aprendizaje de la casualidad, dirigido a estudiantes universitarios al final de curso, así como un análisis de su efectividad. Para esto, la intervención se realizó individualmente con cuatro participantes en seis semanas. La escala de inventario de carrera planificada se aplicó como un instrumento de prueba previa y posterior y una entrevista de evaluación de reacción. En resumen, la intervención tuvo un impacto en la percepción y atención a las oportunidades de carrera, requiriendo más estudios de aplicaciones de esta teoría en Brasil.
Palabras clave: orientación vocacional; desarrollo profesional; transición universidad-mercado de trabajo; estudiantes universitarios.
Introdução
Este artigo tem como objetivo apresentar um relato de experiência de uma intervenção realizada com universitários em final de curso, adaptada com base na Happenstance Learning Theory (HLT- Teoria de aprendizagem por meio de eventos não planejados), bem como uma análise do resultado da sua eficácia. Tal modelo teórico busca explicar como e por que as pessoas seguem diferentes caminhos na vida, focando no que é inesperado e não-planejado (Krumboltz, 2009). O termo Planned Happenstance (PH), construto central neste modelo, foi criado pensando na ideia de “planejamento” somado ao “acaso”, sugerindo que é possível se preparar e obter resultados positivos de eventos não-planejados da vida. Ou seja, esse modelo teórico reconhece que eventos produzidos ao acaso e fora do controle são inevitáveis e direcionam os indivíduos para determinadas trajetórias de vida (Krumboltz, 2011; Krumboltz, Foley, & Corter, 2013; Mitchell, Levin, & Krumboltz, 1999). Desse modo, os eventos não planejados não devem ser vistos como necessariamente ruins, se as pessoas aproveitam tais eventos como oportunidades para crescimento pessoal e para descoberta de novas possibilidades de carreira.
Dentro da HLT, o conceito de Planned Happenstance aparece como passível de avaliação e desenvolvimento a partir de dois pontos centrais. O primeiro é o de exploração, por entender que esse conceito auxilia a gerar oportunidades do acaso que melhoram a qualidade de vida e, nesse contexto, da carreira. O outro conceito que compõe a Planned Happenstance é de competências que as pessoas podem desenvolver para possibilitar um melhor aproveitamento dos eventos não-planejados. A PH define cinco competências: curiosidade (definida como a exploração de novas oportunidades de aprendizagem), persistência (compreendida como o esforço na realização das ações, apesar dos contratempos e barreiras), flexibilidade (conceituada como a disponibilidade para mudança de atitudes e de circunstâncias), otimismo (percebida como a expectativa de novas oportunidades como possíveis e alcançáveis) e assumir riscos (entendida como a atitude de realizar ações frente a resultados incertos) (Krumboltz & Levin, 2010; Mitchell et al., 1999). Os autores utilizam o termo “competências” no sentido de habilidades individuais focadas na carreira e passíveis de desenvolvimento, porém não se detêm na explicação aprofundada do referido termo. Essas competências têm apresentado relações significativas com outros fenômenos pertinentes ao desenvolvimento de carreira, dentre eles percepção de empregabilidade, autoeficácia para tomada de decisão de carreira, satisfação com a carreira, aspirações de carreira, engajamento de carreira e barreiras de carreira (Barros, 2020; Kim, Rhee, Ha, Yang, & Lee, 2016; Yang, Yaung, Noh, Jang, & Lee, 2017).
Ao definir competências úteis à PH, a HLT especifica elementos a serem trabalhados em intervenções baseadas nesse modelo teórico. Além dessas competências, Krumboltz (2009) elenca cinco componentes fundamentais que devem guiar as sessões de intervenção, descritos a seguir. 1. Orientação para as expectativas do cliente: o objetivo é preparar o cliente para um processo de aconselhamento em que eventos não-planejados são considerados normais e necessários nas suas trajetórias de carreira. Esse autor também sugere que, para isso, devem ser trabalhadas as questões sobre a imprevisibilidade do futuro e sobre tomar decisões como resposta aos eventos inesperados. 2. Identificação das preocupações do cliente como ponto de partida: o objetivo nesse aspecto é auxiliar o cliente a identificar o que poderia tornar sua vida mais satisfatória. Para isso, o orientador deve escutar ativamente as suas demandas e auxiliá-lo a entender realmente em qual situação ele se encontra no momento. 3. Uso das experiências de sucesso do cliente com eventos não-planejados como base para ações atuais: o objetivo é situar o cliente como autor principal da sua trajetória, de forma que ele consiga visualizar que os seus sucessos do passado possuem lições importantes para as ações no presente. 4. Sensibilização do cliente para reconhecer potenciais oportunidades: o objetivo é auxiliar os clientes a aprenderem a reformular cognitivamente eventos não-planejados em oportunidades, através do questionamento do que poderia ser diferente na vida dele e sobre aspectos que são ou não do seu controle. 5. Superação de bloqueios para ação: por fim, o objetivo desse componente é auxiliar o cliente a superar crenças disfuncionais que o bloqueiam para uma ação construtiva. Questionamentos que podem ajudar a atender esse objetivo, segundo Krumboltz (2009), giram em torno do que o cliente acredita que pode estar atrapalhando-o, quais seriam os primeiros passos para atingir seus objetivos.
Em síntese, a intervenção em carreira, nesse modelo teórico, deve ser entendida como um processo de aprendizagem, de forma que os profissionais responsáveis assumam papel de facilitadores no desenvolvimento dos níveis das cinco competências nos seus clientes (Mitchell et al., 1999). Durante esse processo de aprendizagem, o cliente pode perceber que está alcançando experiências de sucesso, o que gradualmente, vai contribuindo para torná-lo mais confiante a respeito de suas competências (Krumboltz et al., 2013). Apenas um exemplo de avaliação de intervenção baseada nesse modelo teórico foi localizado, sendo indicados resultados positivos no sentido do desenvolvimento das cinco competências (Rusandi, Sugiharto, & Sunawan, 2019).
Neste estudo, optou-se por testar uma intervenção de carreira baseada na HLT junto a orientandos com demandas de carreira similares, no caso, estudantes universitários em fase de transição para o mercado de trabalho. A opção por focalizar este momento de transição deve-se ao fato de que ele é geralmente marcado por incertezas quanto à inserção no mundo do trabalho e eventos fortuitos podem ter um papel importante na direção que a carreira pode tomar nesta etapa da vida.
Estudantes em fim de curso universitário encontram-se, muitas vezes, em estado de ansiedade e insegurança em relação às suas competências e atuação profissional (Oliveira, Melo-Silva, Taveira, & Grace, 2017), ao mesmo tempo em que podem experimentar uma sensação de dever cumprido e fechamento de um ciclo (Oliveira, Detomini, & Melo-Silva, 2013). Além disso, acrescenta-se o fato de a realidade brasileira enfrentar um momento em que as vagas do mercado de trabalho não acompanharam o crescimento das vagas disponíveis nas universidades nos últimos anos (Oliveira et al., 2013). Desse modo, diferentes aspectos contribuem para o surgimento de sentimentos ambíguos em processos de transição de carreira. Portanto, o desenvolvimento de competências que coloquem o cliente, universitário, em uma posição de maior abertura para lidar com as incertezas do mercado de trabalho pode implicar em uma transição mais satisfatória.
Assim, este trabalho buscou estruturar e avaliar (em caráter exploratório) uma intervenção baseada na HLT no contexto brasileiro. Este artigo apresenta o relato dessa experiência. Se, por um lado, o aporte teórico é suficiente para fundamentar uma intervenção de carreira (descrita mais adiante no texto), a avaliação da eficácia apresenta desafios. Nesse sentido, Maguire (2004) aponta que as principais dificuldades em se realizar avaliações de intervenções em carreira estão centradas na definição do que são efeitos positivos e satisfatórios de acordo com a diversidade de modelos teóricos. No caso da intervenção aqui descrita, por inspirar-se em um modelo ainda não testado em contexto brasileiro, optou-se por realizar uma avaliação qualitativa baseada nos relatos dos participantes, complementada por uma avaliação quantitativa focada nas cinco competências descritas por Mitchell et al. (2009): curiosidade, persistência, flexibilidade, otimismo e assumir riscos. A partir dos pontos expostos acima, este estudo pretende apresentar um relato de experiência de um modelo de intervenção, adaptado e fundamentado na Happenstance Learning Theory, destinado aos universitários em final de curso, juntamente de uma análise de sua eficácia.
Método
Participantes
Participaram, de forma integral da intervenção proposta neste estudo, quatro universitárias, todas do sexo feminino, que serão referidas com nomes fictícios. Flávia, 27 anos, graduanda de Engenharia de Produção Civil do último semestre do curso de sua primeira graduação; Luísa, 27 anos, graduanda de Farmácia e também aluna do último semestre do curso e já tendo iniciado uma graduação em Biologia anteriormente; Maria, 23 anos, graduanda de Psicologia do último semestre do curso de sua primeira graduação; e Silvia, 27 anos graduanda de Cinema do penúltimo semestre do curso e primeira da família a frequentar uma universidade. Outros dois participantes iniciaram, mas não concluíram a intervenção, dos cursos de Cinema e Engenharia Mecânica, um por causas externas e outro por demandas clínicas mais acentuadas que as de carreira, que se manifestaram de forma expressiva nas primeiras sessões e por esse motivo foi feito um encaminhamento para outra modalidade de atendimento psicológico. Todos os participantes estudavam em uma universidade pública de Santa Catarina.
Instrumentos
Foram utilizados três instrumentos avaliativos no processo de intervenção, sendo um instrumento de triagem de saúde mental Escala de Ansiedade, Depressão e Estresse (EADS-21); o Planned Happenstance Career Inventory (PHCI), instrumento para avaliação das competências propostas no modelo HLT; e uma entrevista de reação com roteiro semiestruturado.
Escala de Ansiedade, Depressão e Estresse (EADS-21): instrumento com 21 itens que avalia ansiedade, depressão e estresse, sendo que escores mais altos indicam níveis mais elevados nesses indicadores de desajuste emocional. Em um estudo de adaptação do instrumento, as escalas de ansiedade e depressão apresentaram consistência interna (alfa) de 0,80 e a de estresse 0,77 (Silva et al., 2016). Essa escala é respondida através de uma escala de quatro pontos (de 0 a 3), em que o participante pontua se a ocorrência dos pensamentos e sensações descritas se aplicou ao seu caso durante a última semana. Um exemplo de item é “Foi difícil fazer as coisas” (item da subescala de depressão). No caso deste instrumento, foi utilizado o ponto de corte 9, indicando que os participantes considerados elegíveis para continuidade do processo deveriam ter uma nota menor que 9. Este instrumento foi utilizado como uma forma de verificar se os potenciais participantes do estudo apresentavam condições mínimas para um melhor aproveitamento de uma intervenção em carreira, e também no sentido de não apresentarem sintomas clínicos em um nível que poderia confundir os resultados da intervenção. Caso o participante obtivesse escore acima de 9 nessa escala, não seria incluído na amostra da presente pesquisa. Considerando os objetivos de avaliação da eficácia, foi considerado relevante trabalhar com universitários que não possuíssem sinais ou sintomas latentes de ansiedade, depressão e estresse.
Planned Happenstance Career Inventory (PHCI; Kim et al., 2014), versão adaptada para o Brasil (Vieira, 2019): escala composta por 25 itens que avaliam as dimensões curiosidade, persistência, flexibilidade, otimismo e assumir riscos. As opções de resposta variavam de 1 a 5, quanto ao nível de concordância. Um exemplo de item é “Até certo ponto, estou disposto a assumir riscos na minha carreira”. No estudo da versão original da escala, elaborada por Kim et al. (2014), os índices de precisão para os cinco fatores foram 0,86 para curiosidade, 0,87 para persistência, 0,84 para flexibilidade, 0,89 para otimismo e 0,78 para assumir riscos. Já na adaptação realizada para o Brasil apenas quatro fatores foram identificados (Vieira, 2019): flexibilidade (alfa = 0,77), otimismo (alfa = 0,80), curiosidade (alfa = 0,59) e persistência e assumir riscos, que juntos formaram o quarto fator com alfa de 0,80. Optou-se por utilizar os escores considerando os fatores obtidos no estudo original que testou as propriedades psicométricas da escala (Kim et al., 2014) pois a estrutura fatorial obtida no estudo brasileiro foi considerada preliminar e carecia de mais estudos para assegurar sua adequação.
Entrevista de Reação: roteiro de entrevista semiestruturado, construído pela equipe de pesquisa. Neste instrumento foram considerados pontos relativos às técnicas utilizadas, temas abordados, percepção de desenvolvimento de habilidades e competências e aproveitamento geral do programa. A entrevista possuía 16 questões, com perguntas como “Que técnicas foram as mais interessantes para a sua situação? Por quê?”. Essa entrevista, realizada após o encerramento final da intervenção, foi conduzida por uma integrante capacitada do grupo de pesquisa, e durou em média trinta minutos por pessoa. Em alguns casos, adaptações no roteiro tiveram que ser realizadas durante as entrevistas, a fim de adequar a sequência das perguntas com o andamento da entrevista, no sentido de não interromper, de forma desnecessária, as falas das participantes.
Procedimentos de obtenção dos dados
Para a realização deste estudo, a pesquisa foi submetida e aprovada por um Comitê de Ética de Pesquisa com seres Humanos (CAAE: 82812018.6.0000.0121). Todos os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido. As intervenções foram realizadas nas dependências do Serviço de Atendimento Psicológico da Universidade Federal de Santa Catarina, em salas individuais.
A intervenção elaborada nesta pesquisa se baseia no modelo proposto por Krumboltz e Levin (2010), sendo feitas adaptações dos exercícios propostos, pelas pesquisadoras, tanto considerando a realidade brasileira, como considerando a faixa etária e outras características do público-alvo. Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, foram abertas inscrições para a participação na intervenção por meio de formulário disponibilizado online, convidando universitários de final de curso, de qualquer curso de graduação e instituição de ensino da Grande Florianópolis. Também foi consultada a lista de interessados em programas de planejamento de carreira do serviço de orientação profissional da Universidade Federal de Santa Catarina. A partir do preenchimento do formulário para identificar os critérios mínimos de inclusão (ser maior de 18 anos e ter cursado, no mínimo, 70% do curso de graduação atual), foi verificada a adequação dos participantes em seguirem na intervenção. Antes de iniciar a intervenção, foi aplicada presencialmente a EADS-21 na versão de 21 itens, com objetivo de verificar se nenhum dos possíveis participantes apresentava índices relativos à depressão, ansiedade ou estresse em níveis que pudessem interferir na forma como teriam benefícios da intervenção.
Na primeira sessão de intervenção, os participantes respondiam ao questionário sociodemográfico e à escala PHCI adaptada para o Brasil, como ferramenta de pré-teste. O mesmo instrumento era aplicado, mais uma vez, no final da última sessão. No total, a intervenção ocorreu em seis sessões, uma por semana, com duração aproximada de quarenta e cinco minutos cada. Após o encerramento das intervenções, outra integrante do grupo de pesquisa realizou uma entrevista individual para avaliação de reação com cada um dos participantes, com duração aproximada de trinta minutos. Na sequência, é apresentada uma síntese da intervenção, levando em conta o foco da sessão em si e uma breve descrição da atividade desenvolvida.
Análise dos dados
A análise de dados deste estudo ocorreu por duas vias: qualitativa e quantitativa. No que diz respeito aos dados qualitativos, as sessões eram registradas semanalmente pela pesquisadora. Nestes registros, foram pontuados os principais tópicos abordados, elaborações significativas e encaminhamentos de cada sessão. Além disso, também houve gravações de áudio das sessões, previamente consentidas pelos participantes. Apesar da sistematização deste material, a análise qualitativa concentrou-se nos resultados encontrados na entrevista de avaliação de reação.
O instrumento EADS-21 teve o resultado utilizado para triar os potenciais participantes do estudo. O segundo instrumento, PHCI, teve seus resultados analisados a partir de estatística descritiva dos fatores, para que pudessem ser utilizados como base de comparação pré e pós intervenção.
A avaliação de reação é um recurso utilizado, em especial, em programas de treinamento e desenvolvimento, comum no contexto organizacional. Tal ferramenta se trata de um recurso que busca avaliar o nível de satisfação dos participantes com o programa, resultados obtidos e possibilidade de aplicabilidade na prática (Abbad, Gama, & Borges-Andrade, 2000). Os dados obtidos nessa etapa foram transcritos literalmente e categorizados a partir das cinco dimensões propostas pela HLT.
Resultados e Discussão
Primeiramente, serão apresentados os resultados relativos ao desenvolvimento de cada sessão da intervenção, trazendo maior detalhamento da atividade realizada alinhada aos resultados encontrados na entrevista de avaliação de reação. Na sequência, é exposta uma tabela e a discussão a respeito dos resultados da avaliação de pré e pós-teste, com as diferenças de médias em cada fator original da PHCI aplicada com os participantes, em articulação com o discurso exposto durante as sessões e na entrevista final.
Sessão 1
Em um primeiro momento, buscando conhecer com maior nível de detalhamento a trajetória acadêmica das participantes, foi elaborada uma linha do tempo. Nessa atividade, ao mesmo tempo em que as participantes desenhavam a sua trajetória, iam explicando o que significava cada momento e por que ele estava sendo pontuado no exercício. Sob a consigna de qualificar os eventos como positivos, neutros ou negativos, a ideia era de que tanto os eventos relacionados diretamente ao contexto universitário (estágios, bolsas de pesquisa, monitorias, entre outros) como aqueles de ordem pessoal (mudança de casa, novo grupo de amigos, términos de relacionamento, entre outros) fossem levantados.
Krumboltz e Levin (2010) referem a importância de considerar de maneira sistêmica a repercussão que eventos da dimensão pessoal podem causar na carreira, uma vez que esses eventos podem gerar modificações nos interesses profissionais e na trajetória de carreira dos indivíduos. Dentro do escopo da intervenção, as participantes puderam estabelecer relações entre fatos da vida pessoal e escolhas profissionais que fizeram no passado. Em acréscimo a isso, foi possível, ainda, vislumbrar como os eventos pontuados como negativos foram provedores de novas competências ou elementos que fomentaram decisões profissionais como, por exemplo, os relatos de participantes a seguir.
“Na época (quando o avô faleceu), eu peguei as radiografias e pesquisei sozinha. Comecei a ler sobre a doença dele e alguns meses depois, quando estava buscando um estágio remunerado, apareceu a oportunidade no hospital, no setor relacionado a essa doença. Eu já tinha ficado interessada quando pesquisei” (Luísa, na sessão 1).
“Passei dois anos tentando trocar de curso antes disso. Transferência interna, vestibular etc. Quando eu e meu namorado terminamos, entrei em grupos fora da parte curricular, além das matérias, conheci outras pessoas do curso, de outras fases e comecei a enxergar a Engenharia de Produção Civil como uma possibilidade real de trabalho pra mim, aí parei de tentar as transferências” (Flávia, na sessão 1).
A visualização dessas situações pode fornecer uma visão mais clara de como, já no passado, episódios da vida pessoal fizeram com que se chegasse até o momento de carreira, possibilitando inclusive uma perspectiva mais positiva e otimista. Krumboltz e Levin (2010) apontam que, em alguns casos, pode existir uma sensação de confusão ou de tempo perdido, em especial quando o participante não se encontra em um estágio de satisfação com o momento profissional atual. A intervenção objeto deste estudo foi realizada com universitários em fase de transição para o mercado de trabalho. Assim, em alguns casos, observou-se que os participantes buscavam se estabelecer na profissão (Oliveira et al., 2016), como pode ser observado no relato de Silvia: “Depois que eu coloquei tudo em ordem nesse exercício, consegui visualizar que eu tinha feito algumas coisas, não era perda de tempo” (Silvia, em entrevista de avaliação de reação). Assim, o conteúdo trabalhado na sessão funcionou como disparador tanto para perceber a relação dos acontecimentos gerais da vida com o desenvolvimento da trajetória acadêmica, como para ressignificar eventos que pareciam ter acrescentado pouco nas suas carreiras.
Sessão 2
Na segunda sessão foi solicitado que as participantes selecionassem duas conquistas ou eventos de sucesso em suas trajetórias acadêmicas, a fim de recordar como atingiram tais objetivos, atuando em uma lógica sistêmica e de ligação entre o âmbito pessoal e o profissional. Krumboltz (2009) ressalta a importância, dentro da intervenção da HLT, de reconhecer as experiências de sucesso passadas como indicadores de padrões de comportamento. Desse modo, as participantes puderam visualizar como tais comportamentos ou competências que fizeram uso na época poderiam trazer benefícios para os eventos do presente e os objetivos atuais. Os relatos a seguir exemplificam isso.
“Depois que eu recordei esses objetivos, comecei a ampliar para os outros também. E aí pensei no que foi necessário para conseguir, foi necessário fazer isso para entender como eu me organizei” (Silvia, em entrevista de avaliação de reação).
“É legal porque eu consigo pensar no quanto é possível chegar nos meus objetivos atuais hoje em dia. Era um sonho antigo que eu tinha, consegui. Então posso pensar assim pra chegar nos próximos” (Flavia, na sessão 2).
“É uma ressignificação das coisas que aconteceram e eu posso pensar em novas possibilidades a partir disso, no sentido de me preparar” (Maria, na sessão 2).
Essa é uma forma de utilizar as experiências passadas de sucesso como base para se pensar em objetivos futuros. Pensando no próprio modelo teórico da aprendizagem social (Krumboltz, Mitchell, & Jones, 1976), reconhecer as experiências passadas que foram positivas pode causar efeitos de transformação de comportamento e direcionamento de ações futuras.
Sessão 3
A partir de uma tarefa para casa, as participantes deveriam trazer para a sessão três possiblidades de atividades pós-formatura, considerando a sua real viabilidade e interesse em seguir tais objetivos. Krumboltz e Levin (2010) apontam que os clientes que passam por uma intervenção baseada na HLT devem estar abertos a considerarem mais de um objetivo, sejam eles em lugares diferentes ou até mesmo áreas distintas de atuação.
As participantes apresentaram planos diversificados, demonstrando certo grau de abertura para estruturar seus projetos pós-formatura sob uma lógica de flexibilidade, como mostram os relatos a seguir: “Agora, organizando os objetivos dessa maneira, de certa forma estou ficando mais otimista e me sentindo menos pressionada em fazer acontecer o plano A” (Maria, na sessão 3). “Não tinha bem claro o que eu ia fazer se não desse certo o mestrado, ela (pesquisadora responsável pela intervenção) me ajudou a me planejar pra essa possibilidade. Eu estava muito certa do mestrado, não tinha organizado nada para o caso de dar errado” (Luísa, em entrevista de avaliação de reação). Assim, ao mesmo tempo em que houve ambição por essas participantes aspirarem carreiras no exterior, foram organizados planos B e C para lidar com eventuais falhas no plano A. Aliás, Krumboltz e Levin (2010) também indicam que é importante que os clientes sejam encorajados a transformarem eventuais frustrações em oportunidades para novos aprendizados.
Nesse ponto, é importante diferenciar o que se trata de uma análise do ponto de vista da mudança de comportamento, ou seja, uma conduta mais otimista em relação à carreira, de uma satisfação por estar com um sentimento positivo. Melo-Silva (2011) alerta que, eventualmente, resultados positivos em avaliações de serviços de orientação de carreira podem se misturar com uma satisfação com o processo, devido à sentimentos provocados pelo programa. De todo modo, ambos os indicadores são importantes. É necessário, contudo, que os instrumentos e protocolo de avaliação tenham condições de diferenciá-los.
Sessão 4
A atividade da quarta sessão consistiu em um exercício de elaboração da matriz SWOT, ferramenta da Administração Empresarial, adaptada para o contexto de intervenção de carreira. Assim, as participantes puderam exercitar tanto o seu autoconhecimento, reconhecimento de competências e possibilidades de desenvolvimento como uma análise crítica do ambiente. Dessa maneira, foi possível visualizar como o ambiente pode influenciar no alcance dos objetivos elaborados anteriormente e de que forma elas poderiam se preparar para lidar com o que pudesse, eventualmente, aparecer.
“Vi o que precisava desenvolver pra melhorar minhas chances de alcançar os objetivos. Tive que pensar no inglês e como aprender. Inglês é um obstáculo pra mim ainda” (Silvia, em entrevista de avaliação de reação).
“A lista das oportunidades ajudou a ver como eu posso aproveitar ao máximo as pessoas que eu conhecia, os lugares que eu passei e o que eu ia fazer na sequência. Dá pra abrir certos caminhos” (Flavia, em entrevista de avaliação de reação).
As elaborações feitas nessa sessão foram importantes para que as participantes considerassem possíveis planos de ação. Dessa forma, nem todas foram obtidas com facilidade e duas participantes apontaram dificuldade em qualificar seus pontos fortes e fracos, como observado nos relatos a seguir.
“Nunca pensei sobre os meus pontos fracos. É muito importante que eu saiba para que eu possa ir atrás e trabalhar neles. Precisava pontuar mais no Currículo Lattes, então, tive que buscar eventos pra apresentar projetos, fazer comunicação oral” (Maria, em entrevista de avaliação de reação).
“Muito difícil pensar no que sou boa, a gente não recebe muito feedback então acaba indo pelo que a gente percebe de entrega mesmo. Vejo que sou muito estudiosa e já consegui publicar artigos fora do Brasil por causa disso. Me aproxima de uma pós fora do país” (Luisa, na sessão 4).
Conforme sinalizado por Krumboltz (2009), qualificar a intervenção com HLT como um espaço de desenvolvimento possibilita que os clientes consigam ampliar o seu rol de competências para atingir, eventualmente, mais de um objetivo de carreira. Krumboltz e Levin (2010) também ressaltam a importância de reconhecer o que tem bloqueado ou atrasado o alcance de objetivos. Dessa forma, ao clarificar os pontos de desenvolvimento, as participantes puderam estruturar atividades para melhorar o que foi percebido como insuficiente.
Sessão 5
Nesse encontro, com base nas sessões anteriores, foram elaborados planos de ação para o alcance dos objetivos apresentados anteriormente e considerando o resultado do SWOT pessoal. Dessa forma, os planos de ação puderam tanto considerar diretamente o alcance dos objetivos, como auxiliar no desenvolvimento de competências ou habilidades que foram apontadas como lacunas.
Segundo Krumboltz e colaboradores (2013), nesse momento da intervenção é importante identificar quais são os principais bloqueios que costumam segurar os planos de ação dos participantes e incorporá-los, ou pensando em como contorná-los ou então, solucioná-los de vez.
“Nesse processo, entendi que tinham coisas que eu não gostava de fazer, como entrar em contato com alguém pra pedir informações ou coisas. Mas comecei a ver que tinha muita relação com várias coisas que eu queria. Então preciso fazer, preciso sair dessa minha rotina porque vai ser bom pra mim” (Maria, em entrevista de avaliação de reação).
“Organizar os planos de ação e listá-los auxilia pra pensar no que você consegue fazer, como consegue fazer. Aí percebia que os planos podem ajudar mais de um objetivo, ou provocar mais resultados” (Flavia, em entrevista de avaliação de reação).
“Planejar auxilia nisso. Não significa que vai seguir 100% ou que não pode mudar de ideia no meio do caminho, mas parece que tem mais chances de dar certo. Não parava pra pensar nas ações que tinha que tomar” (Luísa, em entrevista de avaliação de reação).
Conforme Teixeira e Gomes (2005), desenvolver a clareza a respeito de suas competências profissionais e de si funciona como um indicador importante para a formação de planos profissionais, de acordo com a teoria de desenvolvimento vocacional de Super (Super, Savickas, & Super, 1996). Dessa forma, foi possível observar que a apuração do autoconhecimento, em termos de competências para o mundo trabalho, tornou mais fácil a definição dos planos de ação e a devida prioridade que cada um tinha.
Sessão 6
Por fim, no encontro final eram utilizados dados trazidos de uma entrevista que as participantes fizeram com pessoas que consideravam serem seus modelos de carreira (tarefa de casa passada na sessão anterior). Como o modelo teórico do HLT se baseia na teoria da aprendizagem social, Krumboltz (2009) destaca a importância de se considerar quais são os modelos de aprendizagem dos clientes, a fim de entender suas referências (Krumboltz et al., 1976).
Além disso, nessa conversa, foram questionados pontos a respeito daquilo que não aconteceu conforme o esperado na carreira dessas pessoas, isto é, as situações em que não estavam preparados para eventuais mudanças (eventos inesperados) e como agiram. Dessa forma, as participantes relataram que puderam refletir a respeito desses pontos, de modo que também poderão se preparar para evitar prejuízos ou insatisfações significativas, caso isso ocorra.
“Conversando com ele (modelo de carreira), descobri que ele teve que, antes de estar onde está, passar por alguns ambientes que não se identificou, era necessário. De repente entendo que é necessário fazer algumas coisas que eu não goste muito pra conseguir estrutura suficiente pra me dedicar como ele” (Maria, na sessão 6).
“Eu não tinha me ligado que tem essa questão da solidão (fazer a pós fora do país) em uma cultura diferente da nossa. Aqui tenho toda a minha família perto, amigos. É algo que vou ter que aprender, a ficar sem eles e talvez pensar em outros laços pra criar” (Luísa, na sessão 6).
Para concluir a sessão, foi exibido um vídeo ilustrativo a partir de uma série de televisão para apresentar a ideia central da teoria, remetendo à importância dos eventos não-planejados e como eles podem direcionar a carreira de maneira significativa.
“Eu pude ver que realmente algumas coisas não-planejadas trouxeram frutos muito bons para o meu futuro. Pra ver como nem sempre quando um planejamento dá errado você vai parar num caminho errado. Legal é estar aberto para as oportunidades, mesmo que você esteja esperando ou não” (Flavia, na sessão 6).
“Nos momentos em que aconteceu algo inesperado nessas semanas, eu me desesperei um pouco, mas ao mesmo tempo não perdi o foco. Reforçou uma visão positiva com esses eventos. Aí me ajudou a ver como pode transformar o que vem de mal para algo positivo” (Silvia, em entrevista de avaliação de reação).
Ressalta-se que a sistematização de toda a intervenção tanto levou em conta os pressupostos da HLT e exercícios propostos por Krumboltz e Levin (2010), como também foi construída pensando em recursos que pudessem permitir avaliar a efetividade do trabalho. Conforme o estudo de Brown et al. (2003) trazem, uma intervenção assertiva e eficaz de carreira é composta por cinco fatores críticos, quais sejam, utilização de exercícios escritos; interpretações e feedbacks individuais; informações e exploração do mundo do trabalho; referência à modelos de carreira, e construção e fomento de apoio e networking. Todos esses pontos foram levados em conta na adaptação dos exercícios e na organização da intervenção, o que pode contribuir para uma análise crítica e científica do trabalho realizado.
Avaliação da intervenção
Para a avaliação dos resultados, foi realizada uma análise qualitativa (entrevista de avaliação de reação) e quantitativa (avaliação pré e pós intervenção por meio de uma escala). Nesta subseção, os resultados de ambas as coletas serão sistematizados e integrados como forma de enriquecer os dados encontrados ao final da intervenção.
Foi realizada a aplicação da PHCI adaptada para o Brasil, como ferramenta pré e pós-teste. As aplicações do instrumento ocorreram no início da primeira sessão e término da última, sendo que foi possível identificar os resultados descritos na Tabela 2. Os escores nos fatores foram obtidos a partir da estrutura teórica, isto é, composta por cinco fatores, verificando a média das respostas em cada fator.
Nota-se que para as participantes da intervenção, o índice geral de PH aumentou em três dos quatro casos. Os fatores de otimismo e flexibilidade foram os que mais apresentaram diferenças positivas (aumentos) entre o período de pré e pós-testagem. A respeito do aumento no fator otimismo, é possível que também exista uma relação com o sentimento de satisfação que os participantes possam ter tido no final do programa. Melo-Silva e Jacquemin (2001) afirmam que no final de intervenções de carreira tal sentimento pode contribuir para uma visão mais otimista a respeito do futuro profissional, conforme ilustram os relatos a seguir.
“Pensando na intervenção e tudo que eu conversei com ela (pesquisadora) não é o fim do mundo se eu não conseguir o mestrado ou um emprego agora. Tudo vai acontecer na hora certa” (Luísa, em entrevista de avaliação de reação).
“Eu me sinto melhor hoje do que me sentia quando eu comecei. (...) Deu uma visibilidade para minha carreira que eu não tinha dado” (Silvia, em entrevista de avaliação de reação).
A respeito do fator flexibilidade, entende-se que a referência constante ao tema durante as intervenções e os exercícios realizados devem ter contribuído para um aumento mais substancial. Tal dimensão tanto era trabalhada no sentido de fomentar este comportamento como de entender os objetivos como maleáveis e passíveis de mudança ao longo do tempo. A condução dos exercícios buscava apontar questões que se relacionavam com modos de compreender, de maneira mais aberta, as oportunidades que poderiam surgir na vida das participantes. É importante salientar que dentro do escopo dos fatores, a flexibilidade talvez seja o que mais se aproxima do fator adaptabilidade de carreira e segundo Ambiel (2014), tal proximidade, alinhada à ideia de enfrentamento de mudanças, tende a indicar comportamentos que visam um maior ajustamento ao ambiente.
“(...) No final, talvez eu tenha sido mais aberta (respostas à escala), mente aberta. Senti que foi parecido com o primeiro dia, mas com a minha cabeça mais aberta. (...) Consegui ver diferentes caminhos para chegar nas minhas metas” (Flavia, em entrevista de avaliação de reação).
Em relação ao fator curiosidade, no geral, observa-se que houve modificações de menor impacto. Por um lado, tal ponto gera uma reflexão a respeito da pertinência dos exercícios em relação ao tema, visto que o elemento curiosidade foi alvo de cinco das seis sessões do programa. É possível que o material tenha que ser aprimorado para dar conta de fomentar um comportamento mais curioso nos participantes. Outra hipótese que pode contribuir para o pouco aumento deste fator é a compreensão de que, possivelmente, a curiosidade mais se relacione com um traço de personalidade, do que com uma competência ou habilidade a ser desenvolvida em curto prazo. Pode-se relacioná-la com ao fator abertura para experiências, do modelo dos Cinco Grandes Fatores da Personalidade, o que pressupõe certa estabilidade em termos de comportamento (Nunes, Hutz, & Nunes, 2010).
O comportamento de assumir riscos também indicou sofrer um impacto menos expressivo em termos de mudança de respostas. Mesmo na avaliação de reação, foi percebido que houve pouca menção em relação a realizar ações mais arriscadas. Uma hipótese para entender esse resultado também pode se relacionar a traços psicológicos considerados mais “fixos” (tais como características de personalidade), ou mesmo à presença de valores de trabalho mais voltados a estabilidade e segurança. Nessa direção, o que foi relatado focou em sentir segurança para agir nos próximos passos da carreira.
“Sinto mais segurança para as próximas decisões. Acho que é o mínimo para conseguir alguma coisa, ter essa segurança” (Silvia, em entrevista de avaliação de reação).
Assim, com relação aos fatores curiosidade e assumir riscos, é pertinente refletir sobre a utilização de estratégias mais comportamentais (e não apenas reflexivas) e também sobre a duração total da intervenção, uma vez que talvez sejam necessárias mais sessões para buscar mudanças nesses dois aspectos. Essas sugestões poderão ser abordadas em estudos futuros que deem continuidade à testagem do modelo HLT para o Brasil.
Por fim, em relação à persistência, observou-se que as participantes conseguiram relacioná-la com a flexibilidade e, sobretudo, com o otimismo, no que tange os objetivos profissionais. É possível que esses aspectos se influenciem mutuamente. As falas de Maria e Silvia exemplificam asserções relacionadas ao fator persistência.
“(...) Pensar mais constantemente sobre o assunto, de uma forma menos imaginativa e com mais ação me auxiliou a estar mais definida do que eu preciso fazer e seguir buscando esse objetivo” (Maria, em entrevista de avaliação de reação).
“(...) Consegui organizar mesmo as ideias e encontrei foco. Agora, estou me preparando para ir em direção a essa meta, o que não estava acontecendo antes” (Silvia, em entrevista de avaliação de reação).
Além disso, também pode ser verificado que a intervenção, ao explorar possíveis ameaças e oportunidades na carreira, proveu condições de instrumentalizar as participantes para organizarem suas ações considerando tais pontos. Assim, é possível que um senso de persistir naquilo que almejam, mesmo que com dificuldades, possa ter sido aperfeiçoado. Nesse sentido, conforme Ourique e Teixeira (2012), o comportamento exploratório é um dos aspectos que mais contribui para o desenvolvimento de carreira, envolvendo todo um processo psicológico que inclui a análise das habilidades, busca de informações do ambiente, rede de contatos e outros pontos que foram abordados na intervenção. Sobre isso, Flávia destacou: “(...) É legal organizar e pegar as ameaças. Ter as ameaças em mente que podem acontecer, porque aí já pega os planos de ação ou faz algo caso essas ameaças virem realidade” (Flávia, em entrevista de avaliação de reação).
Há de se considerar que os resultados podem refletir tanto aspectos trazidos nos exercícios da intervenção, como acontecimentos que foram, gradualmente, ocorrendo no cotidiano das participantes. Durante todas as sessões, a psicóloga questionava sobre possíveis fatos que ocorreram no período, novidades a respeito dos projetos de carreira que começaram a emergir, por exemplo. Nesse sentido, alinhado ao que Krumboltz (2009) postula, os resultados pareceram se relacionar com a realidade das participantes, seja nos estágios, na busca por oportunidades de trabalho ou em inscrições em processos de seleção. O autor cita que o real sucesso da intervenção deve ser verificado a partir de como o participante tem conquistado seus objetivos e adquirido uma vida satisfatória fora do espaço de orientação profissional (Krumboltz, 2009).
Enfim, entende-se que buscar a articulação entre métodos qualitativos e quantitativos para o desenvolvimento de um protocolo de avaliação de intervenção é essencial para que se tenha uma visão global a respeito do serviço (Ambiel, Barros, Pereira, Tofoli, & Bacan, 2017). Assim, resultados mais conclusivos poderão ser obtidos, além de proporcionar uma análise ampla a respeito dos fenômenos que são trabalhados no programa em questão. Aliás, o modo como são combinados os instrumentos deve, fundamentalmente, estar alinhado ao objetivo da intervenção, seja ele o desenvolvimento de competências, elaboração de um planejamento de carreira ou escolha profissional.
Considerações Finais
Este artigo buscou apresentar um modelo de intervenção breve, criado para uso com universitários em fase final de graduação, de modo que desenvolvam atitude mais aberta para os eventos não-planejados e inesperados inerentes a esse processo de transição. Diante dos resultados encontrados, percebeu-se que, para os participantes, o programa conseguiu causar consequências positivas em termos de percepção e atenção às oportunidades. Destaca-se que, além da expressão do sentimento de satisfação com a intervenção, houve indicadores de melhoria objetiva em relação às competências desenvolvidas e aperfeiçoadas, obtidos por meio da PHCI.
Destaca-se que a pesquisa é pioneira no Brasil, buscando verificar a aplicabilidade da HLT ao contexto dos universitários em final de curso. Por um lado, entende-se que as adaptações realizadas nos exercícios e intervenções facilitaram a condução das sessões em si. Entretanto, é importante ponderar que o grau em que as adaptações são realizadas pode interferir em como o protocolo de intervenção traduz a HLT na prática e de maneira fidedigna. A estruturação da intervenção baseada na teoria HLT e nos cinco ingredientes críticos de sucesso da intervenção listados pela literatura (Brown et al., 2003) também parece contribuir para o impacto do programa nos participantes.
A seleção da amostra, que ocorreu de forma criteriosa e envolvendo a realização de entrevista e aplicação de teste prévio para triagem, também pode se configurar como um ponto forte do estudo. No caso em que foi verificado um desalinhamento em termos de expectativa, foi possível realizar os devidos encaminhamentos e seguir o estudo de maneira rigorosa cientificamente e comprometida eticamente com o serviço disponível.
O uso da entrevista de reação como método para avaliação de resultados foi relevante, ao passo que trouxe dados qualitativos importantes para a verificação dos resultados, bem como sugestões das participantes para aperfeiçoar a intervenção. Apesar da preocupação em utilizar uma integrante treinada na condução da etapa de avaliação de reação, reconhece-se que as adaptações no roteiro semiestruturado, realizadas durante as quatro entrevistas, possa ter estimulado possíveis vieses nas respostas fornecidas, no sentido da desejabilidade social. Nesse sentido, novos estudos com o tema deverão revisar o roteiro de entrevista, no sentido de verificar a pertinência e adequação da redação das questões e também realizar pré-testes antes da sua aplicação.
Buscou-se, também, avaliar a intervenção tanto sob a lógica quantitativa, com o uso de um instrumento como pré e pós-teste, como também entender, a partir do relato das participantes, como elas perceberam os resultados do trabalho. Salienta-se que esse tipo de avaliação tem suas limitações e, por se configurar como uma avaliação de reação, deixa a desejar em termos de verificação dos resultados no médio e longo prazo. De todo modo, com o objetivo de tornar a avaliação de reação o mais transparente possível, o fato da mesma não ser conduzida pela pesquisadora e sim por um membro do grupo de pesquisa contribuiu para a validade dos dados obtidos. Cabe destacar também que como a PHCI foi recentemente adaptada para o Brasil, sua estrutura fatorial e redação dos itens ainda poderão ser revisadas. A opção por utilizar a estrutura fatorial original da escala (cinco fatores) permitiu a comparação direta com o referido modelo teórico, porém pode não ser a melhor configuração para compreender o fenômeno na realidade brasileira.
Além das limitações citadas anteriormente, acrescenta-se o fato de a pesquisadora ter se configurado como a responsável por conduzir todas as intervenções, o que pode gerar um viés na análise dos resultados. Apesar de tal ponto ter sido considerado previamente e, portanto, serem utilizadas múltiplas fontes para a verificação da eficácia da intervenção, este ponto deve ser aprimorado para futuros estudos. Em relação à amostra, tanto pode-se pensar em um aumento do número de participantes, como também em uma maior variabilidade em termos de características pessoais, sobretudo em relação ao sexo e à natureza da instituição de ensino.
Espera-se que, a partir dos resultados obtidos nesse estudo, futuras pesquisas sejam motivadas para que se possa estruturar, de maneira sólida, a forma como a HLT se relaciona com a realidade dos universitários brasileiros. Assim, considerando as particularidades das políticas de ingresso, oportunidades extracurriculares e perspectivas de mercado de trabalho, poderá ser possível acrescentar pontos que ainda não foram levantados nessa intervenção. O desenvolvimento da teoria no Brasil pode ainda proporcionar que se estruture um modelo de intervenção grupal, ampliando o alcance e os benefícios do programa. O fomento à criação de programas que auxiliem universitários no período de transição para o mercado de trabalho também pretende contribuir para uma melhoria do estado psicológico dessa população frente a esse momento.
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Endereço para correspondência:
Aos cuidados de Maiana Nunes
Centro de Filosofia e Ciências Humanas – Universidade Federal de Santa Catarina
Campus Universitário Reitor João David Ferreira Lima, s/n, CEP: 88040-900, Trindade – Florianópolis/SC
Recebido: 23/04/2020
1ª reformulação: 28/05/2020
Aceito: 20/07/2020
Sobre os autores:
Amanda Ferreira Vieira é mestra em Psicologia pela Universidade Federal de Santa Catarina e atualmente funcionária de empresa multinacional do setor elétrico, desenvolvendo atividades e projetos voltados à Educação Corporativa. E-mail: amandaferrvieira@gmail.com
Maiana Farias Oliveira Nunes é doutora em Psicologia e atualmente é professora adjunta do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Atua no Laboratório de Informação e Orientação Profissional (LIOP), com projetos de pesquisa e extensão voltados para as temáticas de desenvolvimento de carreira e avaliação psicológica. E-mail: maiana.nunes@ufsc.br
Marco Antônio P. Teixeira é doutor em Psicologia e atualmente professor no Instituto de Psicologia e no Programa de Pós-Graduação em Psicologia/UFRGS. Coordenador do NEIC (Núcleo de Estudos e Intervenções em Carreira), do SOP (Serviço de Orientação Profissional) e do NAE (Núcleo de Apoio ao Estudante) na UFRGS. E-mail: mapteixeira.psi@gmail.com