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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental v.2 n.3 Barbacena nov. 2004

 

ARTIGOS

 

Sobre a metáfora paterna e a foraclusão do nome-do-pai: uma introdução

 

On the paternal metaphor and the foreclosure of the name-of-the-father: an introduction

 

 

Heloísa Helena Aragão e Ramirez I,*

I Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Com o presente estudo, objetiva-se fazer uma leitura preliminar dos conceitos lacanianos de metáfora paterna e de foraclusão do nome-do-pai. Lacan coloca o Édipo como uma armadura significante mínima que permite a entrada do sujeito no mundo simbólico. Por ser simbólica, é possível operar a função paterna como uma metáfora; assim, o nome-do-pai entra em substituição ao falo como objeto de desejo da mãe. Produzindo o nome-do-pai, a criança nomeará, metaforicamente, o objeto fundamental de seu desejo, embora sem o saber, já que o significante originário foi recalcado. Mas esse processo é passível de falha na estrutura simbólica, e implica na foraclusão do nome-do-pai, acidente que ressoa sobre a estrutura imaginária, dissolvendo-a e conduzindo-a à estrutura elementar, o que provoca a desestruturação imaginária, paradigmática da psicose.

Palavras-chave: Metáfora paterna, Nome-do-pai, Foraclusão


ABSTRACT

This study aims at presenting a preliminary reading of the lacanian concepts of paternal metaphor and foreclosure of the name-of-the-father. Lacan believes the Edipus complex is the minimum signifier armor allowing the subject to enter in the symbolic world. Since it is symbolical, the paternal function may operate as a metaphor. Thus, the name-of-the-father replaces the phallus as the object of the mother's desire. When producing the name-of-the-father, children will be metaphorically naming the fundamental object of their desire, even though they know it since the original signifier was repressed. Nevertheless, this process is subject to flaws in the symbolical structure, which imply the foreclosure of the name-of-the-father. Such accidents have an impact on the imaginary structure, which they dissolve and turn into an elementary structure, provoking the paradigmatic, imaginary deconstruction of psychoses.

Keywords: Paternal metaphor, Name-of-the-father, Foreclosure


 

 

O pai e o mito

Para compreender o que está na base da teoria freudo-lacaniana das psicoses, é necessário iniciar o percurso no que está posto em sua origem: o pai.

Nesse contexto, Freud já indicava que o homem em posição de sujeito circula pela verdade, pois que isso é uma questão fundamental de sua existência, embora seja lícito dizer que ele se acomoda muito bem à não-verdade.

E para a psicanálise, do que se trata? De saber por quais vias a dimensão da verdade entra na vida do homem. Freud, em Moisés e o monoteísmo (1939), responde à questão. Trata-se de dizer que é por intermédio da significação da idéia de pai, realidade sagrada em si mesma, espiritual, cuja função, presença e dominância não pode ser explicada pela simples realidade do vivido, a não ser pela via mítica, do a-histórico, da inscrição do homem na origem da sua história. Nessa medida, a teoria psicanalítica utiliza a perspectiva do mito para dar conta do substrato psicológico comum a todos os homens, que se manifesta por sua inscrição na ordem edípica, ordenada pela dialética do desejo em face das diferenças de sexos. Utilizar o mito1 como metáfora incide na sua estrutura como algo que não modifica seu sentido _ mesmo que seja interpretado, permanece no tempo, diferente da escrita, que relata coisas de uma época que podem ser modificadas ao longo do percurso.

Lévi-Strauss (1976), quando analisa o mito do Édipo, coloca o sujeito frente à dimensão espaço-sociocultural, uma vez que, para obter boa resolução, o mito deve operar e resolver a contradição natureza x cultura. Como todas as sociedades humanas normatizadas e regulamentadas são consideradas em estado de cultura (inclusive as sociedades ditas primitivas), foi preciso conseguir identificar, por meio de todas essas culturas, o substrato comum ao conjunto dos homens, do qual se diria então constituir seu estado de natureza.

Esse substrato deveria ser, ao mesmo tempo, aquilo que define uma cultura e aquilo que, sendo universal, participa de uma natureza. O que se busca foi identificado nas regras que ordenam as trocas matrimoniais, nas quais figura sempre uma lei universal: a da proibição do incesto. Essa lei constitui o critério rigoroso que permite separar a cultura da natureza. A partir da lei da proibição do incesto é que se pode estabelecer o limite entre o natural e o cultural, e a ordem edípica pode, legitimamente, se apresentar como o substrato universal que designa a dimensão do natural no homem, permitindo ao sujeito o acesso ao registro do simbólico, ou seja, o acesso à cultura, gerado pela expressão de uma falta.

Por intermédio do mito freudiano do pai da horda primitiva2 , a psicanálise pode pensar a questão originária do incesto e da instituição de sua interdição. Também por meio do mito do Édipo, tentativa de explicar como se opera o inconsciente, determinante da posição do sujeito com a alteridade e de sua forma de se relacionar com a cultura.

Lacan, por sua vez, pelo aforismo "o inconsciente estruturado como uma linguagem", coloca o Édipo como uma armadura significante mínima, que permite a entrada do sujeito no mundo simbólico. Toma como referência o falo3 , não como uma castração via pênis, mas como referência ao pai, cuja função é mediatizadora da relação da criança com a mãe e da mãe com a criança.4

É a estrutura de linguagem, que antecede a criança, que a determina e ao seu lugar no discurso. Lacan privilegia o signo lingüístico, decomposto em significante e significado, para fundamentar a idéia de que a estrutura do sujeito equivale a uma estrutura de linguagem, pois é a partir dessa alteridade que o homem pode se constituir como sujeito. A criança já nasce inscrita na linguagem. A ela é dado um nome, um lugar. Trata-se da significação que, para o adulto, o filho adquire, muito embora ele já tenha sido significado muito antes de nascer, quando encontrou um lugar na família. "Pela razão primeira de que a linguagem, como sua estrutura, preexiste à entrada de cada sujeito num momento de seu desenvolvimento mental." (Lacan, 1966)

Nessa medida, demonstra como a criança se tornará sujeito a partir da operação da metáfora paterna5 e de seu mecanismo, o recalque originário, que se desenvolve com base numa substituição significante, na qual um significante novo tomará o lugar do significante originário do desejo da mãe que, recalcado em benefício do novo, vai se tornar inconsciente, o que significa que a criança renunciou a seu objeto inaugural de desejo.

Por ser simbólica, é possível operar a função paterna como uma metáfora. Tomando-se o significado de metáfora como um significante que vem no lugar de um outro significante, o nome-do-pai entra em substituição ao falo como objeto de desejo da mãe.

Para entender essa operação, é necessário localizá-la próximo a um momento da vida psíquica da criança, denominada por Lacan de "estádio do espelho", momento em que ela realiza uma identificação primordial na sua relação de alienação específica com a mãe. Nesse processo de identificação fundamental, a criança apreende sua própria imagem, antes esfacelada, como uma totalidade unificada, o que lhe permitirá promover a estruturação do Eu.

 

O estádio do espelho

O estado prematuro da criança ao nascer faz com que ela estabeleça uma relação de dependência com a pessoa que a cuida, normalmente a mãe, que desempenha a função daquele que supre suas carências tanto no plano biológico como no plano imaginário. Como a prematuridade não é apenas biológica, mas simbólica também, ela necessita do Outro no lugar do código para mediar seu desejo. Num primeiro momento, este Outro é o Outro Real, da primeira dependência, da relação dual, imaginária, na qual um se confunde com o outro. Ao satisfazer as necessidades físicas da criança, a mãe o faz segundo um código simbólico que determina essa relação, permitindo que seu desejo se articule em demandas que fará a criança desejada, ou não, possibilitando sua entrada na erogenização. É por meio dessa mediação, na qual a mãe ocupa a função de Outro Absoluto, provendo a criança de alimentos, amor e palavras, que ocorrerá o acesso ao campo do simbólico.

A conquista da gestalt corporal pela criança se dá pelo reconhecimento de sua imagem no espelho, mediada pela imago da mãe. Essa experiência se organiza em três tempos, a saber: no primeiro momento, o que existe é uma confusão entre ela própria e o outro, em virtude da relação estereotipada que tem com a mãe, pois é no outro que ela se vivencia e se orienta. A criança percebe sua imagem no espelho e a toma como a de um ser real de quem tenta se aproximar. É seu assujeitamento ao registro do imaginário.

No segundo tempo, ela descobre que o Outro no espelho não é um outro real, mas uma imagem. Essa descoberta propicia que ela não mais procure se apoderar dessa imagem e lhe permite distinguir a imagem do Outro da realidade do Outro.

O passo seguinte é a dialetização dos dois momentos anteriores. Em primeiro lugar, ela já está segura de que o que aparece no espelho é apenas uma imagem e que aquela é a sua imagem, o que permite a ela se re-conhecer e recuperar a dispersão do corpo esfacelado, numa totalidade unificada, representação do corpo próprio.

Porém, o estádio do espelho unicamente não é suficiente para que o ser possa tomar posse de seu corpo, que só se constitui como tal a partir do corpo simbólico. "O sujeito ainda precisa simbolizar a legalidade que rege a relação existente entre o objeto, a imagem, o espelho e o sujeito." (Cabas, 1980)

 

O Complexo de Édipo

A inscrição no registro do simbólico se fará a partir da dialética edipiana, processo que se funda nos três tempos do Édipo.

Num primeiro momento, a criança ainda mantém com a mãe uma relação de indistinção, reforçada pelos cuidados que recebe e pela satisfação de suas necessidades. Essa relação quase fusional a permite supor ser seu objeto de desejo. É na posição de objeto (falo) que a criança se coloca como suposto completar o que falta à mãe. Ao querer constituir-se como falo materno, a criança se coloca como único objeto de desejo da mãe, assujeitando seu desejo ao dela. O que a criança busca é se fazer desejo de desejo, é poder satisfazer o desejo da mãe, quer dizer: to be or not to be o objeto de desejo da mãe... (Lacan, 1958).

Por outro lado, prover as necessidades do filho não é o único desejo da mãe: detrás dela perfila toda ordem simbólica da qual ela depende. Esse objeto predominantemente da ordem simbólica é o falo. (Lacan, 1958)

Nesse primeiro momento, a problemática fálica situa-se sob a forma da dialética do ser. A natureza do objeto fálico com a qual a criança se identifica confere um caráter imaginário a essa relação, uma vez que pressupõe a ausência da instância mediadora (pai). Contudo, apesar de não contar com a intervenção do pai, a relação se dá pela identificação fálica da criança como objeto de desejo da mãe. Essa elisão à mediação da castração e identificação de objeto fálico coloca-a numa posição dialética em ser ou não ser o falo.

O segundo tempo do Édipo parte justamente dessa dialetização de ser ou não ser o falo, introduzindo a dimensão paterna, que intervirá na relação mãe-criança-falo sob a forma de privação.6

O pai é aquele que interdita a satisfação do impulso da criança à medida que ela percebe que é para o pai que a mãe se dirige. A entrada do pai na relação intersubjetiva mãe-criança, como quem tem o direito àquilo que diz respeito à mãe, é vivida pela criança como uma frustração. Por outro lado, também a mãe se vê privada do falo suposto, a criança identificada como seu objeto de desejo. Dessa forma, a criança é introduzida no registro da castração pela entrada em cena da dimensão paterna, e passa a se interrogar sobre ser ou não ser o falo.

O que permite sua entrada na dialética do ser é o aparecimento do pai (Outro) na relação mãe-criança, surgindo na vida subjetiva como um objeto fálico possível. O pai, como objeto rival, aparece como um outro intermediário, terceiro, na relação mãe-criança, e se apresenta como objeto do desejo da mãe, como aquele que é, imaginariamente, o falo. Tendo deslocado o falo para o lugar da instância paterna, a criança se depara com a lei do pai, fundada no pressuposto de que a própria mãe depende dessa lei. Portanto, para responder às demandas da criança, é preciso que, por meio da mãe, esse desejo passe necessariamente pela lei de desejo do Outro (o pai).

"No plano imaginário, o pai, pura e simplesmente, intervém como privador da mãe, ou seja, o que é aqui endereçado ao outro como demanda, é remetido a um tribunal superior, é substituído, como convém, pois sempre, sob certos aspectos, aquilo sobre o que interrogamos o 'outro', à medida que ele o percorre em toda a sua extensão, encontra no outro esse 'outro' do outro, isto é, sua própria lei. E é a esse nível que se produz alguma coisa que faz com que o que retorne à criança seja pura e simplesmente a lei do pai, enquanto imaginariamente concebida pelo sujeito como privando à mãe." (Lacan, 1958)

Com essa descoberta, a criança significa o desejo da mãe como submetido à lei do desejo do Outro, o que implica que seu próprio desejo depende de um objeto, que o outro é suposto ter ou não ter.

Conforme Lacan, tem-se aí a chave da relação do Édipo e de seu caráter essencial: a relação da mãe com a palavra do pai e com aquilo que ele é suposto possuir, que a satisfaz e regula o desejo que ela tem de um objeto que não é mais a criança. Ela se remete ao desejo de um outro, reconhecendo a lei do pai como aquela que mediatiza seu próprio desejo. O pai que priva é o que apresenta a lei.

A criança, nessa perspectiva, tem acesso à simbolização da lei do pai, confrontada com a questão da castração na dialética do ter. A mediação que o pai introduz na relação com a mãe é o fato de que ela o reconhece como aquele que lhe dita a lei, o que permite à criança colocá-lo num lugar de depositário do falo. Quando essa intrusão significativa colocar em dúvida seu desejo, a criança vai poder re-questionar sua identificação imaginária de objeto fálico da mãe. A incerteza psíquica, forçada pela função paterna, coloca em questão seu desejo e a permite confrontar-se com o registro da castração pela instância paterna. A criança se dá conta de que não é o falo e de que também não o possui, assim como sua mãe.

É no terceiro momento, tempo de declínio do Complexo de Édipo, que a criança irá dialetizar os outros dois. Ameaçada em seus investimentos libidinais, a criança descobre que também a mãe nutre um desejo em relação ao desejo do pai. Lacan formula:

"Alguma coisa que destaca o sujeito de sua identificação o ata, ao mesmo tempo, à primeira aparição da lei sob a forma do fato de que, nesse ponto, a mãe é dependente; dependente de um objeto que não é mais, simplesmente, o objeto de seu desejo, mas um objeto que o Outro tem ou não tem." (Lacan, 1958)

A rivalidade fálica que gira em torno da mãe é que intervém e coloca o pai no lugar daquele "que tem o falo, e não como aquele que o é, que pode produzir para si algo que re-instaura a instância do falo como objeto desejado pela mãe, e não mais apenas como objeto do qual o pai pode privá-la." (Lacan, 1958)

Ocorre um novo deslocamento do objeto fálico, no qual a instância paterna deixa seu lugar no imaginário para advir ao lugar de pai simbólico, lugar onde será investido como aquele que tem o falo.

A criança, na problemática fálica, deixa de lado ser o falo para aceitar a problemática de ter o falo. A dialética do ser e ter põe em jogo as identificações. O menino se inscreverá na lógica identificatória, a partir do momento em que renuncia ser o falo e se engaja na dialética de ter, identificando-se com o pai, que é suposto ter. A menina se identifica com a mãe, deparando-se com a dialética do ter a partir do não-ter. Como a mãe, ela não tem, mas sabe onde encontrá-lo.

O que se torna estruturante é o fato de o falo voltar a seu lugar de origem (ao pai) por meio da preferência da mãe, a qual irá desencadear a passagem do ser ao ter e determinará a instalação da metáfora paterna.

 

A metáfora paterna

O processo de simbolização acontece sob o domínio da ausência, conforme a referência freudiana do fort-da7 . Trata-se de uma metáfora duplicada em outra metáfora. Na primeira, presença e ausência da mãe são representadas pelo aparecimento e desaparecimento do carretel e, na segunda, a criança atribui, à ausência e presença do objeto, o significado for e da.

Ao realizar, por meio do carretel, a operação simbólica da presença-ausência da mãe, opera-se, concomitantemente, uma inversão simbólica: ao se ausentar, deixando a criança sozinha, é como se a mãe a tivesse repelido; quando a criança lança o carretel, é ela quem passa a repelir, tomando dessa forma o controle da situação.

"Inaugura-se pela própria linguagem a dialética da presença e da ausência. Por meio da palavra, a coisa é presentificada em sua ausência, a própria palavra, ou qualquer signo que venha substituí-la, tem que estar imediatamente presente, mas também, se ousamos dizê-lo, ausente de sua presença." (Waelhens, 1982)

Com essa operação, pressupõe-se que a criança renunciou à identificação primordial de ser o falo para a posição de ter o falo, quando ela deixa de ser o objeto que satisfaz o desejo do Outro e pode, então, mobilizar seu desejo para objetos substitutivos ao objeto perdido.

É por meio da metáfora paterna e de seu mecanismo fundamental, o recalque originário, que a criança efetuará uma substituição significante, colocando um novo no lugar do significante originário do desejo da mãe. À medida que o significante originário é substituído pelo novo, automaticamente ele é recalcado, passando para o inconsciente, o que permite de fato à criança efetivar a renúncia ao objeto inaugural de desejo, tornando inconsciente o que antes o significava.

Lacan, em Uma questão preliminar a todo tratamento possível da psicose (1968), propõe uma fórmula para explicar essa operação:

Onde os S são significantes, x é a significação desconhecida e s é o significado induzido pela metáfora, que consiste na substituição da cadeia significante, de S' por S. "A elisão de S' aqui representada por seu risco é a condição do sucesso da metáfora". (Lacan, 1955-1956)

A expressão significante do desejo originário da criança seria:

Ao atribuir as ausências da mãe ao pai, processo no qual ocorre uma associação significativa (mãe ausente = presente junto ao pai), a criança estará nomeando o pai, primeiro como um objeto fálico rival e depois como aquele que detém o falo. A partir daí, o que ocorre é uma elaboração da relação significante em que a criança pode designar e nomear a causa das ausências da mãe, invocando a referência do pai. Dito de outra maneira, ela estará nomeando o pai por aquilo que ela supõe ser o desejo da mãe. Ela associa o novo significante nome-do-pai (S2) ao significado falo (s1). A entrada do significante nome-do-pai substituindo o significante falo fará com que o falo torne-se inconsciente.

Temos que A é Outro e indica que "a presença do significante no Outro é, com efeito, uma presença inacessível ao sujeito na maioria das vezes, já que, em geral, é no estado de recalcado (Verdrängt) que ela persiste, e é daí que ela insiste em se representar no significado por meio de seu automatismo de repetição (Wiederholungszwang)." (Lacan, 1955-1956)

O algoritmo geral dessa fórmula seria:

No segundo termo da fórmula, "o símbolo I (inconsciente) nos lembra que S1 foi recalcado graças à substituição de S2, de agora em diante o significante associado ao significado (s1) do desejo da mãe, ou seja, o falo." (Dor, 1990)

Ao final da substituição metafórica, o pai será sempre referido ao falo como um puro significante. Produzindo o nome-do-pai, a criança estará nomeando, metaforicamente, o objeto fundamental de seu desejo, embora sem o saber, já que o significante originário foi recalcado.

"Assim também fica esclarecido o jogo intrínseco ao Complexo de Édipo, no qual a metáfora do nome-do-pai vem testemunhar a atualização da castração, que intervém sob a única forma em que é inteligível: a castração simbólica. O falo aparece, com efeito, ao final do Édipo, como perda simbólica de um objeto imaginário." (Dor, 1990)

Então, pode-se dizer que o pai, na constituição do desejo, inscreve o falo no campo do Outro, dando um basta ao incestuoso, ao transbordamento do gozo. Esse é o ponto de basta: o falo.

No livro do terceiro seminário, Lacan toma a aproximação da linguagem ao inconsciente e propõe pensar a linguagem fora da cena da enunciação, tendo a língua como um sistema de signos que articula o falo ao Outro (A), dando à idéia nome-do-pai a função de ponto de basta. O nome-do-pai não indica apenas a morte da coisa, mas indica a morte de toda significação perdida em nome de uma morte anterior. Nesse sentido, a finalidade da teoria nome-do-pai é mostrar a relação da função de ponto de estofo, e o lugar do Outro, e pensar como o sujeito pode articular essas duas funções.

Esse processo é, no entanto, passível de falha na estrutura simbólica, o que implica na foraclusão do nome-do-pai. Esse acidente ressoa sobre a estrutura imaginária, dissolvendo-a e conduzindo-a à estrutura elementar, provocando a desestruturação imaginária.

 

Foraclusão

Para situar a clínica da psicose, é necessário explicitar o conceito fundamental de foraclusão8 , cuja origem psicanalítica remete à Verwerfung freudiana, de onde Lacan imprimiu seu sentido, tornando-a, para a teoria lacaniana, o conceito operatório da psicose.

Recentemente, Solal Rabinovich (2001) empreendeu importante pesquisa em torno desse conceito:

"Assim, foracluir consiste em expulsar alguém ou alguma coisa para fora dos limites de um reino, de um indivíduo, ou de um princípio abstrato tal como a vida ou a liberdade; foracluir implica também o lugar, qualquer que ele seja, do qual se é expulso, seja fechado para todo o sempre... Foracluir consiste pois, afinal, em expulsar alguém para fora das leis da linguagem."

É com a conotação do sem lugar, do sem destino, do errante, que o termo entrou para a psicanálise, para designar o lugar dos loucos, dos verdadeiros presos do lado de fora, para aqueles que não encontram seu lugar no inconsciente.

A foraclusão indica o tipo de negação envolvida no recalcamento: Verwerfung, cuja conseqüência para o sujeito é o retorno no real, já que a negação se deu pela via do simbólico.

A escolha de Lacan por traduzir a Verwerfung freudiana por foraclusão tem a ver com a diferença que esse termo poderia marcar em relação aos outros mecanismos de defesa (o recalcamento, a renegação e a denegação), distinguindo-a da expulsão. A foraclusão está diretamente ligada à estrutura do sujeito, intervindo na sua constituição primitiva, e delineando a maneira pela qual o sujeito nela se posiciona. Cada um desses mecanismos, em sua especificidade, altera o saber inconsciente.

Tratando-se da neurose, o que está em jogo é o recalcamento (Verdrängung), cujo retorno se constitui num sintoma; já, no caso do desmentido ou da recusa (Verleugnung), estratégia do sujeito da perversão, o retorno é o fetiche; e o mecanismo de defesa da psicose é a foraclusão (Verwerfung), tendo a alucinação como aquilo que retorna.

Para Lacan, todos os três mecanismos são operações psíquicas, ou estratégias do sujeito para negar a falta no Outro. Rabinovich (2001) considera que, no caso da foraclusão, a perda do sujeito é tão fundamental que chega a negativar todo o funcionamento da linguagem, e se constitui mais um acidente mortal do que, propriamente, uma estratégia do sujeito, salvo se esse tende, desesperadamente, a preencher a perda que o constituiu.

Lacan incluiu, no inconsciente, a dimensão temporal: antecipação do imaginário, sincronia significante e caráter atual do real. Nessa medida, foi possível correlacionar as coordenadas do retorno ao lugar, tempo e modo como retornam.9

O real é o lugar da lacuna, da não-existência, do irrepresentável. É um lugar esvaziado de representações. É a Lücke freudiana, produzida pelo tecido psíquico, é o vácuo deixado pela abolição de um significante. Se o retorno do foracluído se dá nesse vazio, ele não tem como se escrever e não cessa de reaparecer, como voz, ou no que se vê.

Na neurose, quando o saber recusado retorna como sintoma, é porque a verdade do sujeito pode ser sabida ali, por ser reconhecida pelo Outro, pode ser articulada como saber. Na psicose, um excesso de gozo esvazia o lugar do Outro, e ao sujeito não lhe resta outra alternativa senão articular-se ao Outro do corpo como lugar de gozo.

Quando o processo de metaforização não ocorre, a falta do nome-do-pai, inscrita no significante, abre no significado um furo, um cavo, que tomará o lugar da significação fálica. O que não entra no simbólico retorna no real _ seria o Outro, não articulado no basteamento. A psicose é a desorganização da não-dissidência do nome-do-pai, é o lançamento do sujeito numa espécie de sentido, significação endereçada ao próprio sujeito, que retorna, mas não de forma invertida.

Com a foraclusão do nome-do-pai, estamos diante de uma dupla falta. Primeiro, a de um significante (o nome-do-pai), que marca e institui, simbolicamente, esse lugar; e a do próprio lugar, como lugar vazio, faltante pela ausência de significante. Esse lugar vazio pode vir a ser ocupado, ou não, num outro registro no qual ele é levado a funcionar. Quando não houver foraclusão _ o que deveria ser a parte simbólica do pai _, vai deixar em seu lugar a parte real. O que acontece se o sujeito encontrar o pai real, quando o lugar está marcado pela ausência de significante? Ele produzirá, na cadeia de significações, uma alteração delirante, no lugar de nenhuma resposta possível de sua parte.

É porque falta esse lugar que tudo não pode ser dito. Essa é a incompletude do Outro: o sujeito entra para a linguagem pelo fato de que é impossível dizer tudo. O sujeito da psicose também está na linguagem, mas não pode usá-la, como o neurótico, porque falta o vazio lugar ordenador. Porque o primeiro significante foi abolido todos os outros não representam mais nada.

 

Referências

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Endereço para correspondência
Heloísa Helena Aragão e Ramirez
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Recebido em 04/08/2004

 

 


* Mestre em Psicologia pela Universidade São Marcos. Psicanalista, é membro do Fórum do Campo Lacaniano de São Paulo e do grupo de pesquisa Constituição do sujeito na família e na clínica (CNPq). Coordenadora do Circuito Ponto de Estofo.
1 Segundo a concepção antropológica de Lévi-Strauss (1949), as figuras da mitologia são figuras retóricas ou discursivas capazes de expressar um conflito, cujos mitos são dotados de um sentido que só pode ser entendido a partir da maneira como seus elementos se acham combinados. Postula que as verdadeiras unidades constitutivas do mito não são as relações isoladas, mas sim os "feixes de relações", que possibilitam o encontro da estrutura determinante, ou seja, são as repetições de determinadas seqüências que o relato mítico realiza que favorece esse encontro.
2 De acordo com Freud (1912-1913), a horda primitiva era um bando de irmãos vivendo sob a tirania sexual do pai. Revoltados, juntos se constituíam numa força capaz de contestar o despotismo paterno. Essa união lhes permitia realizar aquilo que cada um deles, individualmente, teria sido incapaz de fazer, a ponto de fortalecê-los em suas certezas até decidirem pela condenação e morte do pai. A horda concretizava o ato matando e consumindo o pai num repasto canibalesco. Freud analisou a cena mostrando que o ancestral violento era invejado por cada um dos membros dessa associação fraterna, e que o ato canibalesco seria a identificação com o morto pela apropriação de cada um de parte de sua força. Embora o odiassem porque se opunha às suas exigências sexuais, amavam-no e admiravam-no pelo que ele era. Depois de terem-no comido, aplacado seu ódio e realizado a identificação, arrependiam-se e manifestavam uma ternura exagerada, gerando um sentimento de culpa. O morto tornava-se mais poderoso do que jamais fora em vida. (Os grifos são meus)
3 Falar em objeto fálico exige antes de qualquer coisa um esclarecimento no sentido de reduzir um possível viés em torno desse termo. Não se deve confundir pênis com falo. A diferença está na natureza própria do objeto. No texto de 1923, Freud explica que o caráter dessa organização é o que vai diferenciá-la da organização genital definitiva do adulto. Para a criança, de ambos os sexos, há apenas um único órgão genital que desempenha um papel, o masculino. Isso significa que a evolução genital infantil se situa fora do órgão, mais precisamente na sua falta, o que possibilita sua representação subjetiva: a castração, que sobrevem na fase do primado do falo.
4 A função paterna é entendida por Lacan como uma função simbólica, e justamente por isso é possível utilizá-la por meio de uma metáfora.
5 O conceito de metáfora paterna está mais bem explicitado na p.45.
6 A falta sob a forma de privação tem o caráter de uma falta que é real, cujo objeto de privação é simbólico. Lacan se refere a essa falta como se fosse "um buraco no real".
7 Processo de simbolização que a criança opera por meio do jogo do fort-da, fazendo aparecer e desaparecer um carretel, simbolizando a presença da mãe. Nesse jogo de esconde-esconde, a criança atualiza um certo processo de domínio sobre a ausência materna, numa atitude psíquica ativa de sujeito e não mais na dimensão passiva de objeto de desejo do Outro. Uma renúncia psíquica à sua identificação primordial.
8 "Foracluir, antes de envelhecer e ser reservado ao vocabulário jurídico, significava, com 'auschliessen', excluir, privar, expulsar, impedir, banir, omitir, cortar. A significação última desses dois verbos, 'prender do lado de fora', 'fechar no exterior', de modo a barrar um caminho, não lhes dá apenas um sentido de uma irredutibilidade, mas também lhes abre um campo desconhecido, que o gesto de 'jogar fora', 'rejeitar', é o único a poder designar." (Rabinovich, 2001).
9 "O recalcado retorna posteriormente no simbólico; seu conteúdo não se modifica; só o tempo do retorno difere. O desmentido retorna no imaginário no momento em que, vindo do real, causa um furo no simbólico, sob uma forma imaginária; aqui é o lugar do retorno que difere. A foraclusão de um significante retorna no real; aqui o tempo e o lugar do retorno diferem, simultaneamente. Porque o real é um outro lugar e um outro tempo, porque a alteridade desse lugar e desse tempo não é nem pensável nem representável, o reaparecimento do foracluído não pode reparar o furo feito originalmente pela foraclusão. O significante reaparecido, porque atravessou o real, tornou-se real." (Rabinovich, 2001).

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