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Mental

versão impressa ISSN 1679-4427versão On-line ISSN 1984-980X

Mental vol.11 no.20 Barbacena jan./jun. 2017

 

ARTIGOS

 

Proposta intervencionista: o desafio da governança em saúde mental em uma cidade da região metropolitana de Belo Horizonte (MG)

 

Interventional proposal: the challenge of governance in mental health in a city in the metropolitan region of Belo Horizonte

 

Propuesta intervencionista: el reto de la gobernabilidad en la salud mental en una ciudad de la región metropolitana de Belo Horizonte

 

 

Márcia Maria Rodrigues Ribeiro

Psicóloga; Mestre em Promoção de Saúde e Prevenção à violência pela Faculdade de Medicina na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), especialista em Saúde Mental e Gestão em Saúde; Coordenadora de saúde Mental de Ribeirão das Neves – MG.

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este trabalho pretendeu propor ações intervencionistas que visem a potencializar a governança e a articulação dos níveis de atenção à saúde mental e destes com a saúde integral, no serviço público de Ribeirão das Neves, Minas Gerais. Considerando que a saúde mental apresenta uma estrutura complexa de rede de serviços que cuida do portador de sofrimento mental em crise/urgência e que busca desenvolver ações no território, faz-se necessário sensibilizar os gestores/gerentes locais do que seja governança e da importância de sua participação no processo de fortalecimento de ação integrada de saúde mental no município. Além disso, é importante promover a organização de fluxos e protocolo para uma maior articulação das unidades de urgência com as unidades de atenção integral à saúde dos setores primário, secundário e terciário. A Reforma Sanitária Brasileira projetou uma profunda remodelação nas concepções do processo de saúde e doença mental, as quais, mais tarde, integral ou parcialmente, viriam a constituir a essência da Política Nacional de Saúde Mental. A Reforma Psiquiátrica veio apontar a necessidade de se repensar a condução da assistência ao portador de sofrimento mental. Durante os últimos anos, muitos avanços foram percebidos e contabilizados; os serviços substitutivos foram implantados, porém ainda são insuficientes para a necessidade no país. Esse desafio envolverá a questão do planejamento da rede, mas também questões da construção de espaços de sociabilidade, de trocas e produção de subjetividades, da articulação e integralidade dos serviços, entre outros, considerando as particularidades dos usuários de saúde mental.

Palavras-chave: governança; reforma psiquiátrica; saúde mental; serviço substitutivo.


ABSTRACT

This work intended to propose interventionist actions aiming at enhancing the governance and coordination of care levels to mental health and those with full health in Ribeirão das Neves public service, Minas Gerais. Whereas the Mental Health presents a complex structure of network services that takes care of the mental suffering in crisis/ emergency and seeking to develop actions in the territory, it will be necessary to raise awareness among managers/local managers of what is governance and the importance of their contribution to the action of strengthening process integrated mental health in the city. In addition to this, it is important to promote the organization and collude/flow and protocol for greater coordination of emergency units with units of full attention to health of primary, secondary and tertiary. The Brazilian Health Reform designed a thorough renovation in the conceptions of the process of health and mental illness, which later, in whole or in part, came to constitute the essence of the National Mental Health Policy. The Psychiatrist Reform came to point to the need to rethink the conduct of assistance to the mental suffering. During the last years, many advances have been perceived and recognized; the substitutive services were deployed, but are still insufficient for the needs in the country. This challenge will involve the issue of network planning, but also issues of building spaces of sociability, exchange and production of subjectivities, articulation and comprehensiveness of the services, etc, considering the peculiarity of mental health users.

Keywords: governance; psychiatric reform; mental health; substitutive service.


RESUMEN

Este trabajo tuvo la intención de proponer acciones intervencionistas destinadas a mejorar la gobernabilidad y coordinación de los niveles de atención a la salud mental y aquellos con plena salud en el servicio público de Ribeirão das Neves, Mina Gerais. Considerando que la salud mental presenta una estructura compleja de red de servicios que se encarga del portador del sufrimiento mental en crisis/ emergencia y trata de desarrollar acciones en el territorio, es necesario sensibilizar a los gestores/gerentes locales de lo que es la gobernabilidad, la importancia de su contribución a la acción del proceso de fortalecimiento de la salud mental integrado en la ciudad. Además, es importante promover la organización de flujos y protocolo para una mayor coordinación de las unidades de emergencia con las unidades de toda la atención a la salud de primaria, secundaria y terciaria. La Reforma de Salud de Brasil diseñó una renovación a fondo en las concepciones del proceso de salud y enfermedad mental, que más tarde, en su totalidad o en parte, vino a constituir la esencia de la Política Nacional de Salud Mental. La Reforma Psiquiátrica llegó a apuntar a la necesidad de replantear la dirección de la asistencia al sufrimiento mental. Durante los últimos años, muchos avances fueron percibidos y reconocidos; los servicios sustitutivos fueron implantados, pero aún insuficiente para las necesidades del país. Ese desafío implica la cuestión de la planificación de la red, también los problemas de la construcción de espacios de sociabilidad, el intercambio y la producción de subjetividades, la articulación y la integralidad de los servicios, entre otros, teniendo en cuenta la particularidad de los usuarios de salud mental.

Palabras clave: gobernabilidad; reforma psiquiátrica; salud mental; servicio sustitutivo.


 

 

"A arte de governar consiste em não deixar envelhecer os homens nos seus postos."
(Napoleão Bonaparte)

 

1 INTRODUÇÃO

Propor um projeto de intervenção que visa à superação do desafio de governança em saúde mental parece desafiador, considerando a complexidade e a especificidade da proposta da Política de Saúde Mental.

Refletir a partir de um corte para compreensão sobre esse desafio no município de Ribeirão das Neves é, no mínimo, instigante e polêmico: instigante por acreditar que esse conceito não é fácil de ser compreendido e contextualizado; e polêmico se for considerada a história da Reforma Psiquiátrica no Brasil, além da proposta de mudança do modelo de atenção psicossocial, ainda não concluído.

Pensar na estrutura de governança em saúde mental provoca o leitor a várias questões desafiantes, a começar pela indefinição de uma construção de articulação clara com os setores primário, secundário e terciário do sistema de saúde.

Sua tímida e fragmentada organização, seu modelo recém-estruturado, as dificuldades de definição de indicadores e a ausência da cultura de registros dos dados são fatores que traduzem a importância da compreensão do tema: governança em saúde mental.

Acredita-se que esse possa ser um ponto importante e refinado para contribuir com o fortalecimento e a consolidação da rede de saúde mental do município de Ribeirão das Neves.

Esse município está localizado a 32 km da região metropolitana de Belo Horizonte, com 296.376 habitantes (IBGE, 2010). Para discutir essa proposta, gostaria de apresentar um pouco da história da saúde mental local e de como ela está estruturada hoje. Os dados para a pesquisa foram coletados por meio de resgate histórico do processo de gestão em saúde mental da Secretaria Municipal de Saúde (SEMSA), em documentos, relatos e registros internos.

O Programa Municipal de Saúde Mental é responsável por desenvolver ações de Atenção Integral aos Portadores de Transtorno Mental, mediante o trabalho de Matriciamento em Saúde Mental e do trabalho dos Centros de Atenção Psicossocial (CAPS).

No município, existem relatos da existência de uma tímida iniciativa de ações ligadas ao tema desde o ano de 1987. O serviço de Saúde Mental contava com um profissional de Psicologia, contratado pelo município, Serviço Social e Psiquiatria, cedidos pelo Estado, em um Centro de Saúde em Justinópolis (distrito de Ribeirão das Neves).

Em meados de 1990, houve a contratação de um número maior de profissionais e as ações de saúde mental passaram a ser executadas em outros Centros de Saúde, nas regiões: Central e de Justinópolis. Em 1992, o grupo de trabalhadores existente começou a escrever um projeto de estruturação do serviço de saúde mental. A partir dessa proposta de estruturação e com a realização, em 1996, do primeiro concurso que contemplava a abertura de vagas para mais profissionais da saúde mental, iniciou-se a construção da rede municipal.

Em 1996, foi criado o cargo de Coordenador do Programa de Saúde Mental, que passou a receber apoio/incentivo da Política Municipal. Em 1996, foi inaugurada a primeira unidade de saúde mental – Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS), que passou a funcionar de acordo com as orientações e as diretrizes do Ministério da Saúde, tendo sido credenciada em 2002. A gestão ainda se apresentava centralizada na figura do Coordenador Municipal de Saúde Mental e, em 2003, foi possível contar com a presença da referência técnica junto à coordenação, apoiando e promovendo a ampliação da gestão localmente.

Em 2004, o Centro de Atenção Psicossocial Infantojuvenil (CAPSi) foi inaugurado, já tendo sido credenciado em 2002, momento em que deixou de ser um serviço ligado à Secretaria Municipal de Educação, vinculando-se somente à SEMSA. Em outubro de 2005, o Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad) foi inaugurado e credenciado. Também em 2005 iniciou-se o matriciamento em saúde mental — ações com a atenção primária —, inicialmente com a Estratégia Saúde da Família (ESF) da região sanitária II (Veneza). Em 2006, o matriciamento foi ampliado para a região sanitária I (Centro); em 2010, para a região sanitária III; e, em 2011, as ações chegaram às regiões sanitárias IV e V. Assim, o Programa atualmente conta com matriciamneto em saúde mental em 100% do território, além dos serviços de urgência — NAPS, CAPSad e CAPSi. As equipes de matriciamento são constituídas por duplas entre profissionais da psiquiatria e psicologia ou psiquiatria e terapia ocupacional. Os serviços de urgência contam com médicos psiquiatras, psicólogos, terapeutas ocupacionais, assistentes sociais, enfermeiros, técnicos de enfermagem, auxiliares de serviços gerais, copeiras e porteiros. Especificamente no CAPSi, há um médico pediatra, e no CAPSad há vaga para um médico clínico. Todos os serviços, tanto de urgência quanto de matriciamento, contam com coordenação por profissional de referência técnica. A Supervisão de Saúde Mental atualmente está estruturada fisicamente em uma sala localizada na SEMSA, contando com uma supervisora em saúde mental, um administrativo e uma referência técnica.

Partindo de uma estrutura complexa de rede de serviços, vamos dialogar e compreender a questão da governança e da necessidade de ampliar uma ação intervencionista para que assim possamos potencializar e fortalecer a articulação com a atenção integral de saúde no município.

É possível perceber que tamanha rearticulação não se encontra operacionalmente concluída e demanda contínuas respostas em relação à organização dos cuidados continuados integrados de saúde mental. É nesse contexto que se pode pensar em quais são os elementos que necessitam ser trabalhados visando a maiores governança e articulação dos níveis de atenção à saúde mental e destes com a saúde integral no serviço público de Ribeirão das Neves.

 

2 JUSTIFICATIVA

Propor um projeto de intervenção que vise potencializar a governança na articulação dos níveis de atenção à saúde mental e destes com a saúde integral vai ao encontro das orientações da Portaria GM/Portaria nº 2.669, de 3 de novembro de 2009, e do Decreto nº 7.508, de 28 de junho de 2011, além de estar coerente com as orientações do Pacto do Sistema Único de Saúde (SUS).

A atenção em saúde mental tem sido chamada a fazer parte de discussões importantes no contexto de construção de políticas públicas. Diante de uma rede tão complexa que abarca ações no território de urgência/crise e ações de prevenção e promoção de saúde, provoca e requer que seus trabalhadores tenham acesso e uma dimensão mais ampla de governança, que irá potencializar o fortalecimento da rede local e consequentemente da Política Nacional de Saúde Mental.

A realização deste projeto contribuirá para uma melhor organização e integração das ações de saúde mental nas ações de saúde integral à população de Ribeirão das Neves.

 

3 OBJETIVO GERAL

Propor ações intervencionistas que visem a potencializar a governança e a articulação dos níveis de atenção à saúde mental e destes com a saúde integral no serviço público de Ribeirão das Neves.

 

4 OBJETIVOS ESPECÍFICOS

  1. Sensibilizar os gestores/gerentes locais do que seja governança e da importância de sua participação para o processo de fortalecimento de ação integrada de saúde mental no município.
  2. Promover a elaboração de fluxos e protocolos para uma maior articulação das unidades de urgência com as unidades de atenção integral à saúde dos setores primário, secundário e terciário.

 

5 PÚBLICO-ALVO

  • Coordenadores e referências técnicas da rede de saúde mental, serviços de urgências (CAPSII, CAPSi e CAPSad) e equipes de matriciamento.
  • Superintendência de Urgência e gerentes das unidades de urgências de saúde.
  • Superintendência de Assistência e Promoção de Saúde.

 

6 REFERENCIAL TEÓRICO

6.1 Governança

A palavra "governança" vem sendo apresentada e utilizada em diversas situações e contextos no que se refere às organizações pública e privada.

"Além disso, o estudo aponta que a boa governança não é um privilégio exclusivo das nações ricas". (Dicionário Online de Português, 2016).

"O estudo demonstra que a boa governança ajuda na luta contra a pobreza e melhora os padrões de vida. Segundo os autores, quando o governo é bom, a mortalidade infantil diminui em dois terços e a renda se multiplica por três, em longo prazo". (Dicionário Online de Português, 2016)

Entender o conceito de governança é saber dimensionar uma percepção mais ampla no que diz respeito à administração pública de um SUS. Se pegarmos a definição, citada por Gonçalves (2005, p. 6) em seu texto "O conceito de governança", da Comissão sobre Governança Global, constataremos que é bastante ampla: "Governança é a totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns". E mais adiante: "Governança diz respeito não só a instituições e regimes formais autorizados a impor obediência, mas também a acordos informais que atendam aos interesses das pessoas e instituições". E, finalmente, "No plano global, a governança foi vista primeiramente como um conjunto de relações intergovernamentais, mas agora deve ser entendida de forma mais ampla, envolvendo organizações não governamentais (ONG), movimentos civis, empresas multinacionais e mercados de capitais globais. Com estes interagem os meios de comunicação de massa, que exercem hoje enorme influência". (Comissão sobre Governança Global, 1996, p. 2). Podemos entender a complexidade desse conceito na prática das organizações dos serviços. E, ainda, segundo Bresser Pereira, destacado por Rua (1997, p. 134), "Trata-se da dimensão da governança, cujo conceito — de formulação bastante recente — pode ser resumido como o conjunto das condições financeiras e administrativas de um governo para transformar em realidade as decisões que toma".

Esse conceito problematiza uma dimensão muito maior do que uma questão de gestão e gerência das ações desenvolvidas na proposta da Atenção em Saúde Mental. Considerando os conceitos de governança, podemos destacá-la como sendo a gestão das relações entre a atenção primária à saúde, os pontos de atenção secundários e terciários à saúde, os sistemas de apoio e os sistemas logísticos. A gerência é a da atenção primária à saúde, de cada ponto de atenção secundário e terciário à saúde, de cada sistema de apoio e de cada sistema logístico.

As palavras de Gonçalves (2005), que destacam governança como uma totalidade das diversas maneiras pelas quais os indivíduos e as instituições, públicas e privadas, administram seus problemas comuns, contribuirão para a compreensão de um trabalho em que se busca a tradução e o significado da governança, no contexto da mudança do modo do cuidado público com a saúde mental.

O novo modelo de atenção ao portador de sofrimento mental redireciona seu cuidado para uma atenção na comunidade/território. Portanto, a compreensão de rede como estrutura de governança é fundamental, pois ao fazermos parte de uma rede de atenção à saúde em um determinado município poderemos também potencializá-la e usufruir desse benefício. Quando se fala em beneficio, estamos chamando a atenção para racionalizar recursos, aumentar o valor de recursos existentes, reduzir custos e aumentar a acessibilidade aos serviços. Para que isso ocorra, é necessário que os atores envolvidos compreendam o seu papel nesse contexto. Como bem disse Lopes e Baldi (2009, p. 1009), "para compreender os efeitos que a adoção de uma estrutura em redes pode produzir, é necessário empregar uma perspectiva de análise de redes, que pode focar apenas na sua funcionalidade, como também nos seus efeitos políticos e na capacidade diferencial dos atores da rede (como estrutura de governança) se beneficiar, ou não, dela". Nessa perspectiva, o ambiente de trabalho é formado por um coletivo de relações que se constituem em trocas e parcerias, o que não significa ausência de conflitos, de divergências e de disputa de poder. A governança deve buscar uma constante construção, permitindo que os atores envolvidos construam redes alternativas que possibilitem maior autonomia, respeitando a necessidade e a especificidade da população.

Enfim, podemos destacar que governança são as formas e os meios pelos quais as preferências divergentes dos cidadãos se traduzem em escolhas de políticas efetivas, em relação a como uma pluralidade de interesses sociais transformam-se em ação unitária (GOTTWEISS, 2005). Portanto, os desafios da governança em saúde mental não podem deixar de ser contextualizados e coerentes com a sua realidade local, para que assim possa oferecer uma atenção integral aos seus usuários de saúde mental.

6.2 Pressupostos da Reforma Sanitária e da Reforma Psiquiátrica

Resgatando um pouco da história da saúde pública do Brasil, pode-se dizer que a tendência de descentralização das políticas públicas foi consolidada pela Constituição Federal de 1988, inaugurando um novo marco no processo de gestão das políticas públicas.

Um dos grandes diferenciais é a participação popular na gestão pública, como bem destaca Silva (2003, p.1): "a questão da participação passa a ser um elemento fundamental no processo decisório das políticas públicas, especialmente no caso da política setorial de saúde". A participação do gestor somada à do trabalhador, usuário e comunidade tornam mais frequentes e consistentes as decisões das políticas públicas.

O processo de Reforma Sanitária brasileira, que se caracterizava pelo conjunto de ideias que se tinha em relação às mudanças e transformações necessárias na área da Saúde, não abarcava apenas o setor, mas todo o sistema, introduzindo uma nova ideia na qual o resultado final era entendido como a melhoria das condições de vida da população. Tal Reforma embasava-se nos princípios: da universalidade (a promoção de saúde para todos, com base na máxima constitucional de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado); da equidade (todos devem ter igualdade de oportunidade); da integralidade (as ações devem contemplar o ser humano de forma global); da regionalização/hierarquização (a estratégia de organização do território com base em uma carteira de serviços a ser prestada nos vários níveis de hierarquização dos serviços de saúde); de descentralização (visa a levar o cuidado em saúde mais próximo possível do cidadão); do controle social/participação popular ( os usuários participam da gestão do SUS por meio das Conferências de Saúde, dos Conselhos de Saúde, que são órgãos colegiados, nos quais os usuários têm metade das vagas, o governo tem um quarto e os trabalhadores outro quarto, promovendo uma nova matriz de gestão das políticas públicas de saúde). Esses eixos norteadores são importantes para o gestor de saúde mental, que está inserido em um SUS.

Em meio a esse processo de mudança, a Reforma Psiquiátrica brasileira se apresenta como um movimento sociopolítico no que se refere à saúde pública. Destacamos a Declaração de Caracas, em 1990, aprovada por aclamação pela Conferência Regional para a Reestruturação da Assistência Psiquiátrica dentro dos Sistemas Locais de Saúde.

Em 6 de abril de 2001, o Governo Federal promulgou a Lei nº 10.216, que dispõe sobre a proteção e os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, redirecionando o modelo assistencial em saúde mental. O texto dessa lei reflete o consenso possível sobre uma lei nacional para a Reforma Psiquiátrica no Brasil.

A Reforma Sanitária Brasileira projetou uma profunda remodelação nas concepções do processo de saúde e doença mental, as quais, mais tarde, integral ou parcialmente, vieram a constituir a essência da Política Nacional de Saúde Mental. A Reforma Psiquiatra veio apontar a necessidade de se repensar a condução da assistência ao portador de sofrimento mental. Durante os últimos anos, muitos avanços foram percebidos e contabilizados, porém são ainda insuficientes para a necessidade no país.

A Lei nº 10.216 é um marco para a Política Nacional de Saúde Mental no SUS, pois redireciona o modelo da assistência psiquiátrica, regulamenta o cuidado especial com a clientela internada por longos anos e prevê a possibilidade de punição para a internação voluntária arbitrária ou desnecessária.

O presidente da República assinou a Lei nº 10.708 , em 31 de julho de 2003, instituindo o auxílio-reabilitação psicossocial para pacientes acometidos de transtornos mentais, egressos de internações. A lei, conhecida como "Lei do Programa de volta para a casa", estabelece um novo patamar e vai legitimando a história do processo de Reforma Psiquiátrica brasileira, potencializando o processo de desinstitucionalização de pacientes com longa permanência em hospital psiquiátrico, pela concessão de auxílio-reabilitação psicossocial e inclusão em programas extra-hospitalares de atenção em saúde mental comunitário. Na continuidade desse processo, lembramos também a Portaria/GM nº 106, de 11 de fevereiro de 2000, que institui os Serviços Residenciais Terapêuticos para os pacientes que já não têm vínculos familiares por causa do longo processo de institucionalização.

Continuando essa linha de cuidado com base comunitária, o Ministério da Saúde também vem contribuindo com diretrizes e orientações de matriciamento em saúde mental e a criação da Portaria nº 154 do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF) com a Atenção Primária.

Nos últimos anos, foi possível observar a criação de leis, portarias, decretos, editais e convênios a fim de estruturar e fortalecer essa rede de cuidados do portador de sofrimento mental, contribuindo assim com o fortalecimento da Reforma Psiquiátrica brasileira.

6.3 Os desafios da construção de uma rede de serviços substitutivos

Uma ampla modificação no atendimento ao usuário, legitimada por leis e portarias ministeriais, leis estaduais e municipais, redireciona o modelo de atenção psicossocial por meio de uma complexa e sistemática política pública. Regulamenta cuidado especial com a clientela internada por longos anos e prevê a possibilidade de punição para a internação involuntária ou desnecessária; impulsiona a desinstitucionalização de pacientes com longo tempo de permanência em hospital psiquiátrico, pela concessão de auxílio-reabilitação psicossocial e inclusão em programas extra-hospitalares de atenção; dispõe sobre assistência farmacêutica na atenção psiquiátrica e assegura medicamentos básicos de saúde mental para usuários de serviços ambulatoriais públicos de saúde que disponham de atenção em saúde mental. Apesar de se perceber todos esses avanços, ainda temos muito que caminhar. A construção de uma política pública de saúde mental ainda enfrenta muitos desafios. Pensar na governança desse sistema não é nada fácil, considerando as variáveis locais da estruturação do SUS.

Há, hoje, no Brasil, mais de 1.670 CAPS regulamentados, em sua estrutura e funcionamento, pela Portaria do Ministério da Saúde nº 336, de 19 de fevereiro de 2002. São CAPSI, CAPSII, CAPSIII, CAPSi, CAPSad e CAPSad III. Diversas outras ações acontecem de acordo com a realidade de cada município, por exemplo: Ações de Matriciamento de Saúde Mental na Atenção Básica, Serviços de Residências Terapêuticas (SRTs), Consultórios de Ruas para usuários de álcool e outras drogas, Programas de Volta para Casa, Supervisão Clínica Institucional, Centro de Convivência, Geração de Renda, Ambulatórios Especializados, etc.

Cada vez mais, podemos constatar uma rede de serviços substitutivos sendo construída e efetivada em diferentes realidades. Podemos dizer que a Reforma provoca fórmula nova, cria condições e institui novas práticas terapêuticas visando à inclusão do usuário em saúde mental na sociedade e na cultura. No entanto, ainda não existe um consenso claro sobre esse novo fazer. Um dos pontos que fragiliza essa nova governança é uma formação acadêmica que não acompanhou todo esse processo, o que acaba não instrumentalizando profissionais para enfrentar um prática/clínica em construção. Além dessa situação particular única de cuidado, ainda não avançamos no nosso trabalho em rede. Os dispositivos de saúde ainda lidam com a saúde mental como uma assistência especializada, à parte do sistema de saúde, voltada para uma população que não tem um corpo e que não adoece fisicamente. Talvez seja esse um dos pontos que justifique a dificuldade de aproximação e de estabelecimento de parcerias e pactuações com os diversos setores da saúde. Considerando a especificidade dos usuários de saúde mental, uma nova prática envolverá a questão do planejamento da rede, como também a compreensão do manejo deste público.

 

7 METODOLOGIA

O presente trabalho é dirigido a ações de intervenção que visem a potencializar a governança e a articulação dos níveis de atenção à saúde mental e destes com a saúde integral, no serviço público de Ribeirão das Neves. Os profissionais envolvidos serão os coordenadores locais de saúde mental, a superintendência da urgência, os gerentes das unidades de urgência e a superintendência de assistência e promoção de saúde.

A metodologia utilizada para a capacitação se baseará em métodos pedagógicos reflexivos e problematizadores, partindo da premissa de que o aprendizado é um processo complexo e não linear. Será feita por meio de oficinas, direcionadas para a sensibilização e a construção e a pactuação de fluxo e protocolo a ser estabelecido entre a saúde mental e o serviço de urgência de saúde.

O primeiro passo será a apresentação do projeto aos coordenadores e superintendentes diretamente envolvidos para que eles compreendam a importância do fortalecimento da governança e da construção do fluxo entre a saúde mental e a urgência de saúde.

O encontro entre os grupos envolvidos viabilizará a aproximação da realidade e especificidade de cada tipo de atenção, promovendo um estreitamento entre as ações desenvolvidas e facilitando a construção do fluxo e dos protocolos.

Esse processo potencializará uma melhor interação entre as unidades envolvidas e consequentemente uma melhor atenção integral ao portador de sofrimento mental. O projeto foi construído respeitando o cronograma para de elaboração das etapas do processo de acordo com a necessidade e características do projeto de intervenção como apresentado na Figura 1.

 

8 PLANEJAMENTO

O planejamento será realizado mediante oficinas com os setores identificados — saúde mental, urgência, superintendências e supervisores —, para sensibilizá-los sobre a importância de se compreender o conceito de governança. Junto com os trabalhadores envolvidos no processo, serão discutidos e construídos o fluxo e o protocolo das possíveis intervenções a serem propostas para a melhoria da atenção aos usuários de Saúde Mental de Ribeirão das Neves. As etapas do planejamento das ações serão realizadas de acordo com o plano de ação apresentado na Figura 2.

 

9 PROGRAMAÇÃO DAS ATIVIDADES

  1. Marcar a primeira oficina com os coordenadores de saúde mental e referências técnicas da saúde mental para discutir sobre o conceito de governança em saúde mental.
  2. Agendar a primeira oficina entre coordenadores de saúde mental e gerente dos serviços de urgência e superintendência de urgência para aproxima ção entre as realidades e começar a discussão sobre o fluxo e protocolo.

 

 

  1. Discutir sobre e construir o fluxo e o protocolo.
  2. Realizar reuniões semestralmente para avaliar as pactuações estabelecidas.

 

10 RECURSOS MATERIAIS E HUMANOS

No que se refere aos recursos materiais a serem utilizados, é prevista a necessidade de: computador, impressora, xerox de material, papel-ofício, caneta, lápis, borracha e material didático.

Os recursos humanos serão da própria Rede Municipal de Assistência em Saúde.

Os recursos econômicos serão custeados pela Secretaria e se relacionam ao lanche e xerox, uma vez que os demais materiais já se encontram disponíveis.

 

 

11 PARCEIROS OU INSTITUIÇÕES APOIADORAS

  • Secretaria Municipal de Saúde de Ribeirão das Neves.
  • Supervisora em Saúde Mental.
  • Colegiado local de Saúde Mental.
  • Coordenador da Unidade de Pronto Atendimento (UPA).
  • Coordenador do Hospital São Judas Tadeu HSJT).
  • Superintendência de Urgência.
  • Superintendência de Assistência e Promoção de Saúde.

 

12 METAS

  1. Realizar uma oficina no primeiro semestre do ano, para sensibilizar os gestores/gerentes locais do que seja governança, bem como da importância de sua participação para o processo de fortalecimento de ação integrada de saúde mental no município.
  2. Promover, no primeiro semestre do ano, a construção de um fluxo e um protocolo para maior articulação das unidades de urgência com as unidades de atenção em saúde mental.

 

13 INSTRUMENTOS DE AVALIAÇÃO

A oficina de sensibilização será avaliada pela folha de presença dos participantes.

A oficina para construção do fluxo e do protocolo será avaliada pela folha de presença dos participantes e por meio do produto, ou seja, fluxo e protocolo de referência e contrarreferência que será produzido pela equipe participante. Acontecerá semestralmente um encontro com as equipes envolvidas no processo para fazer uma avaliação e um balanço da eficácia do fluxo e do protocolo construído. Para o monitoramento das ações serão utilizados instrumentos de controle em cada etapa desenvolvida do processo, respeitado os prazos estabelecidos de acordo com o descritos na Figura 3.

 

14 ORÇAMENTO ESTIMADO

O orçamento estimado totaliza R$150,00 por oficina, referentes ao lanche e xerox, uma vez que a SEMSA disponibiliza ao setor os demais recursos necessários.

 

 

A ação será desenvolvida conforme o planejado, utilizando recursos da própria Secretaria. As reuniões acontecerão na sala de reunião da SEMSA. O lanche e o material serão disponibilizados pelo fundo municipal de saúde e pelo programa de saúde mental. O total previsto é de R$300,00 (trezentos reais) para a realização das oficinas (lanche e xerox).

 

REFERÊNCIAS

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Endereço para correspondência
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CEP: 31530-280.
E-mail: marciapsico2004@yahoo.com.br

Artigo recebido em: 15/08/2016.
Aprovado para publicação em: 28/11/2016.

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