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versão impressa ISSN 1679-494X
Pensando fam. vol.23 no.2 Porto Alegre jul./dez. 2019
ARTIGOS
Elementos caracterizadores de representações sociais sobre relacionamentos amorosos
Character elements of social representations about love relationships
Adriano Schlösser1, I, II ; Brigido Vizeu Camargo2, II
I Universidade do Oeste de Santa Catarina, campus Videira
II Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
RESUMO
O fenômeno das relações amorosas tem sido tema frequente nos discursos sociais, englobando valores, crenças e atitudes referentes às características associadas tanto ao parceiro ideal, quanto ao relacionamento amoroso ideal. Este estudo teve por objetivo identificar os elementos caracterizadores das representações sociais sobre relacionamentos amorosos, para universitários de ambos os sexos. Participaram 120 sujeitos, divididos igualmente por sexo, por meio de uma entrevista individual semi-estruturada, e analisadas com auxílio do software IRaMuTeQ. Verificou-se diferenças nos conteúdos representacionais entre homens e mulheres, em que o grupo feminino ancora seus valores em atribuições de natureza mais comportamentais do parceiro, como parceria, confiança, companheirismo e estabilidade, enquanto o grupo masculino ancora-se em atribuições mais objetivas, como atração física e sedução, por exemplos. Ressalta-se que ambos os sexos levantam os elementos amor, paixão e fidelidade. Os dados permitem comparar-se à estudos anteriores, verificando possíveis mudanças nos valores e crenças acerca de relacionamentos amorosos.
Palavras-chave: Atração interpessoal, Relacionamento amoroso, Representação social.
ABSTRACT
The phenomenon of love relationships has been a frequent theme in social discourses, encompassing values, beliefs and attitudes regarding the characteristics associated with both the ideal partner and the ideal love relationship. This all aimed to identify the characterizing elements of social representations about love relationships, for university students of both sexes. A total of 120 subjects, divided equally by sex, were interviewed using a semi-structured individual interview, and analyzed using IRaMuTeQ software. There were differences in the representational content between men and women, where the female group anchors their values in more behavioral attributions of the partner, such as partnership, confidence, companionship and stability, while the masculine group anchors itself in more objective attributions, as physical attraction and seduction, for example. It is emphasized that both sexes raise the elements love, passion and fidelity. The data allow comparison to previous studies, checking for possible changes in values and beliefs about love relationships.
Keywords: Interpersonal attraction, Love relationship, Social representation.
Introdução
A temática envolvendo relacionamentos amorosos faz parte do cotidiano das interações sociais, estando presente em todas as culturas (Hatfield, Bensman, & Rapson, 2012) e contribuindo no processo de perpetuação da espécie (Shiramizu & Lopes, 2013). No cotidiano, o tema se apresenta em conversas informais, letras musicais, veículos de comunicação, acarretando reações emocionais que perpassam as relações sociais e a relação consigo mesmo. Historicamente, séculos antes de tornar-se um fenômeno científico, o amor já era motivo de reflexão, tal como Sócrates (469-399 a. C.) o apresenta, em que amar é desejar aquilo que nos complementa, buscando assim à perfeição e aplacando a angústia da solidão.
No contexto científico, as relações amorosas são definidas como formas de relações interpessoais que envolvem sentimentos considerados necessários em uma relação afetiva, tais como amor, companheirismo, igualdade, sexo e procriação (Alferes, 2004; Matos, Féres-Carneiro & Jablonski, 2005). Diferente de outras modalidades de relações interpessoais, como relações de amizade ou de cunho estritamente sexual, as relações amorosas se estabelecem, grosso modo, mediante o desenvolvimento de um sentimento amoroso por outra pessoa, sendo contemporaneamente considerado fundamental para uma relação amorosa de sucesso (Cassepp-Borges & Teodoro, 2009). Nas sociedades atuais, verifica-se que as relações amorosas têm se iniciado a partir da adolescência. Tal informação é pertinente, pois historicamente se verificaram diferenças geracionais que alteraram, entre outras questões, as estruturas nas compreensões e práticas envolvendo relacionamentos amorosos (Weingärtner, John, Bonamigo & Goindanich, 1995).
Enquanto fenômeno de investigação científica, as produções têm enfocado diversas etapas do relacionamento amoroso, como sua gênese (Almeida, 2004; Schlösser, 2014a), manutenção (De Andrade & Martins-Silva, 2016; De Andrade, Wachelke & Howat-Rodrigues, 2015) e término (Levy & Gomes, 2011; Schlösser, 2011; Schlösser, Camargo, Marcon & Morais, 2016). Ademais, tem direcionado pesquisas para modalidades diversificadas desse tipo de relação, como o flerte (Wade & Slemp, 2015), o ficar (Oliveira, Gomes, Marques & Thiengo, 2007; Matos, Feres-Carneiro & Jablonski, 2005), o namoro (Barbará & Bertoldo, 2006), casamento (Fonseca & Duarte, 2014), infidelidade conjugal (Almeida, 2007; 2012; Almeida & Schlösser, 2014), poliamor (Hatakeyama, Almeida & Falcão, 2017), dentre outros. Por sua vez, diversos mecanismos envolvidos nas relações amorosas têm sido estudados, visando esclarecer tanto a estrutura, quanto as causas e efeitos destes conteúdos nos relacionamentos amorosos, tais como o amor (Schlösser & Camargo, 2014), a sexualidade (Wilson, 1978; Byrne, 1986), a beleza física (Schlösser & Camargo, 2015; Schlösser, Camargo & Teixeira, 2015), qualidade da relação e satisfação conjugal (De Andrade, Garcia & Cano, 2009; De Andrade & Garcia, 2012; De Andrade et al., 2015), habilidades sociais em relacionamentos conjugais (Villa, Del Prette & Del Prette, 2007) o ciúme (Almeida & Lourenço, 2011; Almeida, Rodrigues & Silva, 2008), dentre tantos outros fenômenos que se relacionam com uma relação amorosa.
Sob o prisma das abordagens psicológicas, as relações amorosas têm sido problematizadas sob diversas perspectivas, como a psicanálise (Almeida, 2014), psicodrama (Lima & Almeida, 2016), psicologia evolucionista (Shiramizu & Lopes, 2013), psicologia positiva (Schlösser, 2014b), psicologia comportamental (Costa et al., 2017), gestalt terapia (Pinto, 2013), e outras ramificações que discutem o tema, segundo suas perspectivas de análise. A quantidade de desdobramentos referente à temática, por si só, já apresenta a relevância social e científica do tema, uma vez que atinge tanto o indivíduo em si mesmo quanto em seu relacionamento interpessoal e grupal.
Partindo de uma perspectiva de investigação psicossocial (Doise, 1986), os relacionamentos românticos, enquanto fenômeno de ordem social, são carregados de valores, crenças e saberes que guiam as práticas envolvendo esta modalidade de relação. Isto torna o tema relevante para a psicologia social, utilizando-se o paradigma das representações sociais como eixo condutor de análise. As representações sociais (RS) são definidas enquanto estudo científico do senso comum (Moscovici, 2003). De acordo com o contexto das relações sociais, as RS são variadas e mutáveis, e permitem, por meio de sua análise, o acesso ao modo como as pessoas compreendem os fenômenos que lhes são relevantes e suas visões de mundo, bem como quais atitudes e comportamentos tomam frente ao mesmo (Doise, 1985; Rouquette, 1998). Enquanto forma de conhecimento elaborado e partilhado socialmente, ela possibilita a construção de uma realidade comum a um grupo social sobre um determinado objeto (Jodelet, 2001).
Neste estudo, a abordagem dinâmica das representações será utilizada (Jodelet, 1989). Esta abordagem enfatiza que as RS, formadas a partir da comunicação, se sustentam a partir de dois processos sociocognitivos intrinsecamente ligados: objetificação e ancoragem (Moscovici, 2003). Enquanto a objetificação busca sintetizar conteúdos estranhos a uma realidade familiar, ganhando forma de imagens e ideias concretas (Moscovici, 1981), a ancoragem atua como processo onde classificam as informações sobre um dado objeto social em relação às estruturas de saberes já existentes, havendo certa coerência entre o conhecimento novo e aquilo que já existe (Vala, 2006). Considerando que os relacionamentos amorosos se apresentam como tema central nas vivências individuais e coletivas, o objetivo do presente estudo é identificar os elementos caracterizadores das representações sociais sobre relacionamentos amorosos, para universitários de ambos os sexos.
Método
Caracterização da amostra
Trata-se de um estudo empírico, de natureza exploratória e descritiva, por meio de entrevistas semidiretivas. Participaram desta pesquisa 120 pessoas, distribuídos igualmente entre os sexos, com variação etária entre 18 e 28 anos (M = 22,7, DP = 3,9). Os critérios de seleção da amostra foram: idade acima dos 18 anos e estar graduando-se num curso superior. Por sua vez, os critérios de exclusão foram: idade inferior a 18 anos, não estar na universidade ou já ter se formado, ou possuir algum comprometimento cognitivo que impedisse a realização da pesquisa. Todos os participantes foram recrutados em uma única universidade pública brasileira, integrando de modo aleatório cursos das áreas humanas, da saúde, exatas e tecnológicas. Sobre o nível sócio econômico dos participantes, 46 (38,4%) dos respondentes apontaram receber renda no valor acima de 5000 reais; 37 (30,8%) tinham renda entre 1500 a 4000 reais; 31 (25,8%) apontaram possuir renda entre 4000 a 7000 reais. Por fim, seis (5%) declararam ter renda entre 500 a 1500 reais.
Acerca do estado civil, 43 participantes (35,8%) relataram que estavam namorando no momento da pesquisa; enquanto 39 (32,5%) não estavam em um relacionamento amoroso naquele momento. Dos demais, 15 (12,5%) relataram que estavam ficando com alguém, 18 (15%) estavam ficando com mais de uma pessoa, e apenas cinco (4,2%) indicaram já serem casados(as).
Instrumento de coleta de dados
A técnica de entrevista semidiretiva foi utilizada como instrumento de coleta de informações. O tema foi proposto por meio pela questão norteadora: “o que você pensa sobre relacionamentos amorosos”. Ao final da entrevista, foram solicitados dados de caracterização dos participantes (sexo, idade e estado civil).
Procedimentos
Os participantes foram contatados por meio de e-mail, mídias sociais, contato pessoal e técnica de bola de neve, por meio da indicação de participantes. Previamente, foi realizado um estudo piloto com três participantes, para a identificação da assertividade das questões frente o problema de pesquisa. Na sequência, foram realizados os agendamentos individuais das entrevistas, que ocorreram presencialmente num espaço que mantivesse o sigilo, com duração de aproximadamente uma hora por entrevista, seguindo a proposta da entrevista em profundidade. Os participantes tiveram acesso prévio ao objetivo da pesquisa e ao Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A pesquisa obteve parecer favorável do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos (Parecer nº 242.985), respeitando todas as normativas Éticas de Pesquisa. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas, para análise.
Análise de dados
A análise da questão referente à representação social sobre relacionamentos amorosos foi organizada num corpus, e submetido à análise lexical de conjuntos de segmentos de texto, por meio de uma Classificação Hierárquica Descendente (CHD), realizada pelo software IRaMuTeQ (Camargo & Justo, 2013). Esta forma de classificação apresenta contextos lexicais, que se associam ou não a variáveis descritivas dos produtores do material, sendo indicativos de elementos de uma RS ou de diferentes RS. As palavras que fazem parte do dendograma foram selecionadas por meio de seus escores de qui-quadrado em relação as classes, com valor igual à 3,87(p ≤ 0,05 para gl= 1). A questão de fontes de informação e os dados de caracterização foram analisados por meio de estatística descritiva (distribuição de frequência, medidas de tendência central e de dispersão), através do SPSS v.21.
Resultados e discussão
A CHD foi composta por 120 respostas advindas da questão norteadora “o que você pensa sobre relacionamentos amorosos? O corpus se dividiu em 1056 segmentos analisáveis (indicadoras de sentido), com frequência média de 5,04 vezes por palavra, que ocorreram 5.325 vezes ao longo dos textos. A CDH reteve 87,5% (105 dos 120 textos), organizadas em sete classes, apresentada na Figura 1.
O dendograma foi formado por: a) nome do corpus e quantidade de segmentos de texto retidos nele; b) descrição das classes, número de textos que a compõem e das palavras que mais se associaram a ela, em função do χ² de associação (≥ 3,87) e da frequência média de ocorrência das mesmas (frequência superior à frequência média). O corpus sofreu uma primeira partição em dois subcorpora, opondo a classe 2 das classes 6,3, 4, 7, 1 e 5. A partir disso, houve uma segunda partição de subcorpus, opondo as classes 6, 3, 4 e 7 das classes 1 e 5. Uma terceira partição opôs as classes 6, 3 e 4 da classe 7. Houve uma quarta partição, separando a classe 6 das classes 3 e 4. Uma quinta partição contrapôs a classe 3 da classe 4, e por fim houve uma sexta partição, contrapondo a classe 1 da classe 5. Os resultados apresentados pelo dendograma sobre a relacionamentos amorosos apresentam diferentes aspectos sobre as relações românticas, de acordo com o que os participantes consideram importante para estabelecer e manter vínculos amorosos com parceiros, bem como características de facilitam e dificultam este processo. As categorias apresentam-se por meio de elementos de objetificação e ancoragem frente as RS de relacionamentos amorosos. Tornar concreto o que é abstrato é a premissa do processo de objetificação (Trindade, Santos & Almeida, 2011), que se manifesta dentro do contexto dos relacionamentos amorosos na medida em que tal modalidade de relacionamento congrega em si não apenas valores sociais e culturais, mas possibilidades de manifestação de necessidades biológicas da espécie humana, como sexo e reprodução. Com efeito, à medida que os participantes privilegiam informações que lhes sejam pertinentes frente aos relacionamentos amorosos, com base em suas crenças, saberes e experiências pessoais, isto denota um reajustamento de conhecimentos frente ao tema, modificando sua estrutura original, princípio associado ao processo de objetivação (Moscovici, 1981).
A partir daí, os participantes ancoram a ideia abstrata de relacionamento amoroso em imagens já familiares em seu contexto, materializando-se, neste estudo, nas categorias temáticas. O processo de ancoragem passa a ocorrer devido a incorporação de elementos referentes a um dado objeto em um sistema de categorias que lhes seja familiar, conectando o saber social aos valores individuais (Trindade et al., 2011).
Classe 2 – Indispensável
A classe 2 contempla 18,1% dos textos classificados, sendo esta a maior classe do corpus, compartilhada principalmente pelas participantes do sexo feminino. Os conteúdos nesta classe se referem aos elementos que os participantes consideram indispensável em um relacionamento amoroso, enfatizando a importância destes elementos em suas argumentações: “é indispensável que quando se ama tenha ao seu lado alguém em quem se possa confiar e inspirar [sic]” (P17, sexo feminino); “acho fundamenta me sentir seguro, pois gera estabilidade” (P 18, sexo masculino); “o que mais importa num relacionamento amoroso é o sentimento pela outra pessoa e poder estar presente na vida dela assim como ela na sua [sic]” (P 102, sexo feminino).
Identifica-se a associação direta de relacionamento amoroso com a estabilidade nesta relação, diferente de outras modalidades de relacionamentos afetivos, como o ficar, por exemplo. Neste modelo, se faz presente os elementos que contemplam mais do que a paixão, sedução e beleza, principalmente para o sexo feminino desta amostra. É indispensável, segundo os relatos, aspectos mais práticos, que envolvem a percepção de comprometimento na relação.
A modalidade de relação afetiva conhecida por “ficar”, por exemplo, apresenta como uma das características a ausência de compromisso entre os parceiros, tendo por objetivo maior a satisfação e prazer, envolvendo sedução, troca de beijos e ato sexual (Matos et al., 2005). Nesta mesma perspectiva, estudo realizado com adolescentes acerca de suas RS sobre relacionamentos amorosos (Oliveira et al., 2007), identificou ainda uma categoria anterior ao ficar, que já teria um grau de proximidade e intimidade entre os parceiros, sendo o “pegar”, sendo um ato momentâneo onde não há qualquer grau de compromisso. O namoro, por sua vez, caracteriza-se pelo grau de comprometimento e estabilidade entre os parceiros (Rodrigues, Assmar & Jablonski, 2002), ou seja, com associação direta com elementos mais voltados a comportamentos específicos do que propriamente a sentimentos e emoções.
Classe 6 – Parceria no relacionamento
A classe 6 envolveu 16,2% dos textos classificados, produzida predominantemente pelos participantes do feminino. Nela, os elementos enfatizados se referem às características de parceria e companheirismo para o sucesso e qualidade em relacionamentos amorosos: “Para um bom relacionamento o necessário é companheirismo, você poder sempre contar com seu parceiro nas horas ruins e boas [sic]” (P41, sexo feminino); “companheirismo, palavrinha bem importante esta, pois tem algo melhor que você estar com alguém que seja teu parceiro pra todas as coisas [sic]” (P54, sexo feminino); “ela tem que ser parceira, estar junto, topar novidades e desafios, pra sair da rotina [sic]” (P71 masculino).
A noção de companheirismo está diretamente associada ao relacionamento amoroso. De modo geral, os relacionamentos amorosos envolvem elementos como companheirismo, igualdade, sexo e procriação (Matos et al., 2005). O comportamento intitulado companheirismo, que envolve a percepção da reciprocidade afetiva, e ancorado às RS de relacionamentos amorosos, apresenta-se como central para a manutenção desta modalidade de relação afetiva, juntamente com a paixão, intimidade e compromisso (Rubin, 1973; Sternberg, 1989). Hernandez et al. (2017) hipotetizam que mulheres tendem a ter maiores expectativas por intimidade e apoio emocional do que os homens, sendo que estes não teriam adequada socialização para fornecer este tipo de apoio.
Classe 4 – Construção de um relacionamento
A classe 4 foi composta por 16,2% de textos classificados, formada principalmente por participantes do sexo masculino. Nesta classe, o enfoque das palavras se dirige para a construção de relacionamentos amorosos, apresentando elementos que apontam uma dimensão menos abstrata e mais prática acerca desta relação: “acho que o amor é algo que se constroi, não existe amor à primeira vista, ao se conhecer uma pessoa o companheirismo é fundamental para que da relação nasça o amor, e para que faz com que ele dure é a fidelidade [sic]” (P 65, sexo masculino); “no começo não precisa de amor, a sedução, a atração física e outras qualidades sexuais são o que unem as pessoas envolvidas, mas para que essas pessoas se mantenham unidas é necessário amor e afeto mais do que qualidades físicas [sic]” (P 115, sexo masculino); “amor se constrói, por isso não se namora quando se conhece alguém de repente, já que envolve valorizar aspectos da personalidade [sic]” (P72 feminino).
Neste quesito, os critérios de seleção de parceiros, etapa que adentra na construção de um relacionamento amoroso, difere entre mulheres (valorizando amizade, inteligência, criatividade, senso de humor, estabilidade emocional, posição social e nível de escolaridade são importantes na escolha de parceiros) e homens (que embora valorizem os mesmos critérios, apontam a beleza como a mais importante) (Kernrick, Sadalla, Groth & Trost 1990). Kenrick et al. (1990) afirmam que o sexo feminino é mais criterioso nas escolhas de parceiros em qualquer nível de relação, enquanto os homens o são para a escolha de parceiros em relacionamentos duradouros, sendo tal afirmação sustentada pelas falas apresentadas pelo sexo masculino neste estudo, sendo também sustentado por estudo recente de Matsumotto, Ghellere, Cassep-Borges e Falcão (2017) ao constatarem em sua amostra de jovens casais que, quando consideravam seu parceiro uma pessoa bonita, apresentavam maior satisfação, intimidade, paixão, compromisso e maior sentimento de amor.
Classe 3 – O amor e suas bases
A classe 3 contempla 11,4% dos textos classificados, representando a menor classe do corpus, sem sexo específico com maior influência. As palavras associadas a esta classe enfatizam elementos que os participantes consideram como base de um relacionamento amoroso, no qual este se sustenta: “amor, paixão e fidelidade são as bases de qualquer relacionamento amoroso [sic]” (P 43, sexo masculino); “sem amor nenhum relacionamento dura “amor pra mim é base da relação onde se constroem todos outros sentimentos [sic]” (P 96, sexo masculino); “o amor é uma palavra que quando desmembrada vão surgir sentimentos e práticas: paixão, companheirismo, paciência [sic]” (P101 feminino).
Nesta categoria, identifica-se o processo de objetificação e ancoragem diretamente manifestada no elemento “amor”, quando se pensa num relacionamento amoroso. Na contemporaneidade, o amor é visto como fundamental para um relacionamento satisfatório, sendo sua ausência considerada uma condição justa para o término do relacionamento amoroso (Matos et al., 2005). Ao estipular aspectos reais a elementos abstratos, a objetificação ganha contorno, enquanto o processo de ancoragem se manifesta quando a própria definição de relação amorosa é apresentada como o desenvolvimento de um sentimento amoroso (amor) (Sternberg & Grajek, 1984). O estudo realizado por Barbará e Bertoldo (2006) sobre RS do namoro para universitários identificou associação desta relação com os seguintes elementos: amor, amizade, companheirismo, carinho e compromisso.
A forma como o indivíduo sente, pensa e vivencia o amor se relaciona diretamente com seu conjunto de crenças, saberes, imagens, atitudes e comportamentos frente a este objeto social, e com sua forma de se relacionar amorosamente. Em estudo sobre as RS do amor e da dor, Nóbrega, Fontes e Paula (2005) verificaram que as RS do amor apresentam também suas funções, que envolve: orientação na comunicação, identificação de condutas, função identitária e justificadora de práticas. Os valores e crenças que cada sujeito possui sobre o amor influencia diretamente em suas atitudes e práticas no modo como se relaciona com parceiros(as).
Classe 7 – Fidelidade
A classe 7 contém 13,3% dos textos classificados, composta prioritariamente por participantes do sexo feminino. Nela, os elementos associados com a fidelidade são enfatizados, sendo considerado fundamental para um relacionamento amoroso estável, sendo apresentada tanto como demonstração de amor quanto como um elemento indissociável do sentimento de amor: “os quesitos mais importantes para dar certo e ter um bom relacionamento amoroso é fundamental o amor e fidelidade [sic]” (P 27, sexo feminino); “se estamos com uma pessoa e amamos não devemos ter olhos para outras garotas ou garotos, porque na verdade tudo o que queremos e quem queremos é a pessoa amada [sic]” (P 70, sexo feminino), “não consigo pensar em infidelidade, eu não aceitaria [sic]” (P 44, sexo masculino).
A importância e identificação da fidelidade associadas aos relacionamentos amorosos vão ao encontro do que discorre Goldenberg (2006) ao enfatizar que esta permanece como um valor social. Tal valor manifesta-se principalmente na condenação de práticas de infidelidade (Almeida, 2012), além de ser tema de inquietação nas relações, sendo o principal elemento constitutivo do ciúme romântico (Gomes, Amboni & Almeida, 2011).
Classe 5 – Características diversas
Esta classe foi constituída por 12,4% dos textos classificados, sendo uma classe construída principalmente pelo sexo feminino. Os conteúdos trazidos apontam características diversificadas de elementos importantes em relacionamentos amorosos, que não foram enfocados nas outras classes. “o senso de humor é necessário para que a relação seja leve e alegre, onde brincadeiras irão tornar a relação mais duradoura e não tediosa [sic]” (P 71, sexo feminino); “acho que o principal é manter a sedução tipo não pensar que se já conquistei uma pessoa [sic]” (P 50, sexo masculino).
Estudos já foram realizados visando descrever as variáveis que definem a satisfação em relações amorosas, bem como os atributos que são priorizados em relacionamentos amorosos (Hernandez et al., 2017; Mosmann, Wagner & Féres-Carneiro, 2007), se identificando a multideterminação de variáveis individuais, relacionais e contextuais. O estudo de Féres-Carneiro (1997), ao comparar a escolha amorosa e interação conjugal de casais, identificou que ambos os sexos valorizam os mesmos aspectos na seleção de parceiros para relações duradouras, envolvendo: fidelidade, companheirismo, integridade, carinho e paixão. Estes mesmos elementos foram considerados importantes para a avaliação global sobre a qualidade do relacionamento, envolvendo também amor intimidade, sexo, comprometimento, comunicação e amor (Fletcher, Simpson & Thomas, 2000), bem como características de personalidade dos parceiros (Solomon & Jackson, 2014).
A satisfação ou qualidade em relacionamentos amorosos também se manifesta enquanto tema pertinente na literatura. Um relacionamento conjugal considerado satisfatório deve possibilitar aos seus membros relações sociais consideradas significativas, além de apoio emocional, material, econômico, instrumental e de informação (Scorsolini-Comin, Santos & Souza, 2012).
Classe 1 – Sexo e Paixão
A classe 1 contempla 12,4% dos textos classificados, sendo um tema presente nos discursos de ambos os sexos. Os temas abordados apontam a paixão e o sexo como elementos fundamentais tanto para o estabelecimento quanto para a manutenção de um relacionamento amoroso: “todas as minhas experiências foram motivadas por atração física e sexo [sic]” (P 30, sexo masculino); “a maioria dos relacionamentos no início são sustentados pela relação sexual que vem acompanhada da paixão [sic]” (P 93, sexo feminino).
O ato sexual, segundo a literatura, envolve o julgamento da qualidade dos atributos de ordem sexual, tais como prazer e desejo de envolvimento em situações sexuais (Adams & Jones, 1997; De Andrade, Garcia & Cano, 2009), sendo considerado fundamental para a satisfação de um relacionamento (Jackson, Miller, Oka & Henry, 2014).
Considerações finais
A Classificação Hierárquica Descendente (CHD) permitiu aprofundar, a partir da análise textual obtida pela classificação dos segmentos de texto, algumas características das RS sobre relacionamentos amorosos dos participantes da pesquisa. Conforme se observou nos elementos que diferiram entre sexo, as classes formadas com maior predominância pelo sexo feminino enfocavam elementos voltados à fidelidade, companheirismo, senso de humor, inteligência, sedução, confiança, compromisso e intimidade. A classe com predominância do sexo masculino foi a classe 4, que trata de componentes da dimensão mais física e sexual de um relacionamento amoroso, enfocando questões sobre sedução, sexo e atração física. Para ambos os sexos, as classes 3 e 4 trouxeram uma perspectiva geral, no qual apontam que os elementos “amor”, “paixão”, “fidelidade” e “sexo” como fundamentais para o estabelecimento e manutenção de relacionamentos amorosos.
Este estudo permitiu aprofundar possíveis perspectivas atuais sobre o tema, considerando que a realidade contemporânea tem apontado novos paradigmas da atração interpessoal, que desponta não apenas em relacionamentos com presença física, mas também online, sendo esta uma nova forma de contato interpessoal, em que indivíduos compõem possíveis contatos em relações amorosas. Ademais, um importante aspecto a ser pontuado para a continuidade de produções sobre este fenômeno é a sua intrínseca relação com o bem-estar subjetivo, uma vez que os relacionamentos interpessoais compõem o quadro das principais causas de felicidade, havendo necessidade constante de investigações sobre tema, devido à sua constante elaboração e transformação, com base nas mudanças sociais e contextuais.
Do ponto de vista metodológico, este estudo apresenta limitações, voltadas principalmente ao recorte populacional de estudantes universitários, bem como à ênfase na análise por sexo em detrimento de outras possíveis variáveis, como o estado civil, por exemplo. Não obstante, esta fragilidade potencializa estudos futuros, enfatizando variáveis diversas, bem como estratos populacionais distintos da comunidade universitária. Este estudo também serve de recurso para o psicólogo clínico, ao compreender que os conteúdos representacionais sobre relacionamentos amorosos repercutem diretamente nas ações e interpretações do que as pessoas vivenciam, anseiam e manifestam em seu cotidiano. Compreender seu conjunto de crenças, atitudes e valores é crucial no processo clínico, visando alterar padrões disfuncionais nas dinâmicas conjugais e interpessoais.
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Endereço para correspondência
Adriano Schlösser
E-mail: adriano.psicologia@yahoo.com.br
Enviado em: 28/03/2019
1ª revisão em: 18/06/2019
2ª revisão em: 20/08/2019
Aceito em: 23/10/2019
1 Psicólogo. Doutor em Psicologia (USFC). Professor do Curso de Psicologia da Universidade do Oeste de Santa Catarina, campus Videira. Pesquisador do Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição (LACCOS-UFSC).
2 Doutor em Psicologia Social (Écoledes Hautes Études em Sciences Sociales). Professor titular do Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e professor permanente do PPGP-UFSC. Fundador do Laboratório de Psicologia Social da Comunicação e Cognição (LACCOS-UFSC).