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Pensando familias

versão impressa ISSN 1679-494X

Pensando fam. vol.25 no.2 Porto Alegre dez. 2021

 

ARTIGOS

 

Caracterização da clientela da clínica-escola de um instituto de terapia relacional sistêmica

 

Characterization of the clinic-school clientele of a system of relational systemic therapy

 

 

Scheila Krenkel1, I, II ; Maria Aparecida Crepaldi2, I, II

I Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
II Familiare Instituto Sistêmico, Florianópolis-SC

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo teve por objetivo caracterizar o perfil clínico e sociodemográfico da clientela de uma clínica-escola de um instituto de Terapia Relacional Sistêmica, localizado na região Sul do Brasil. Foram analisadas 315 fichas de triagem dos atendimentos que ocorreram entre janeiro de 2016 e dezembro de 2017. Os dados foram analisados através de estatística descritiva por meio do programa SPSS. Os resultados mostraram que houve predomínio de atendimentos individuais, pessoas do gênero feminino, com ensino superior completo, solteiros e com idade entre 20-29 anos. As famílias que procuraram psicoterapia estavam na fase do ciclo de vida denominada família com filhos pequenos e os casais encontravam-se na faixa etária entre 30-39 anos. As principais queixas foram: dificuldades nas relações familiares, sintomas depressivos e ansiedade, as quais somaram 44,4% do total. Este estudo permitiu refletir sobre o planejamento dos serviços de psicologia e a adequação das ações voltadas às especificidades da clientela.

Palavras-chave: Clínicas-escola, Terapia sistêmica, Características sociodemográficas.


ABSTRACT

This study aimed to characterize clinical and demographic profile of clients of a Psychology Clinic School of an institute of Relational Systemic Therapy, located in the South region of Brazil. A number of 315 files was analyzed from the screening process occurred between January 2016 and December 2017. Data were analyzed through descriptive statistics through the SPSS program. The results showed that there was a predominance of individual patients, female, with higher education, single and age 20-29 years old. The families that searched for psychotherapy were in the stage of family with children in life cycle and couples were in the age group between 30-39 years old. The main complaints were: difficulties in family relationships, depressive and anxiety symptoms, which accounted for 44.4% of the total. This study allows reflecting about the planning of the Psychology Services and the adequacy of actions to the specifics of the clients.

Keywords: School clinics, Systemic therapy, Sociodemographic characteristics.


 

 

Introdução

O Pensamento Sistêmico considera a interrelação entre diferentes fatores que congregam um fenômeno, compreendido dentro de um contexto relacional (Vasconcellos, 2013). Em meados do século XX, o Pensamento Sistêmico se desenvolve e passa a ser fundamentado e reconhecido com base em três teorias:  Teoria Geral dos Sistemas (Ludwig Von Bertalanfy), Cibernética (Norbert Wiener) e Teoria da Comunicação (Gregory Bateson), sustentando-se nos pressupostos da ciência novo-paradigmática: complexidade, instabilidade e intersubjetividade (Vasconcellos, 2013).

O pressuposto da complexidade compreende o fenômeno em contextos, em que as partes heterogêneas estão integradas, associadas e em constante interação, sendo, ao mesmo tempo, uno e múltiplo (Vasconcellos, 2013). O pressuposto da instabilidade considera a causalidade recursiva3 para a compreensão dos fenômenos, o que implica em entender que o mundo está em constante transformação, sempre em processo de tornar-se. Este pressuposto entende os fenômenos como indeterminados, imprevisíveis e incontroláveis. A intersubjetividade, por sua vez, admite a impossibilidade de se ter um conhecimento objetivo do mundo, pois concebe as múltiplas versões da realidade. Também considera que as experiências, a subjetividade e as escolhas do observador são fundamentais para que a realidade seja constituída (Vasconcellos, 2013).

O Pensamento Sistêmico pressupõe que as relações são fundamentais e o “universo material” é visto como uma grande teia dinâmica, em que todas as suas partes são fundamentais e a interrelação entre elas é o que dá sustentação à estrutura como um todo (Vasconcellos, 2013). Para a terapia sistêmica, seja no trabalho psicoterápico individual, familiar ou de casal, a pessoa é compreendida como um ser relacional, que faz parte e se relaciona com diversos contextos: família, amizades, comunidade, estudo, trabalho (Cerveny et al., 2002).

O ciclo de vida individual ocorre de maneira circunscrita às fases e momentos de transição vivenciados pela família. A família é um sistema aberto, em constante transformação, no qual as pessoas mantêm relações significativas entre seus vários subsistemas: conjugal (formado pelo casal), parental (pais) e fraternal (irmãos) (Cerveny et al., 2002). É também entre os diferentes subsistemas que o indivíduo terá diferentes níveis de poder, desenvolverá diferentes habilidades e irá manter relações complementares distintas (Cerveny et al., 2002). Conforme explicitam Cerveny et al., (2002), a partir desse conhecimento, torna-se possível compreender a estrutura e a dinâmica relacional familiar, entendida como a maneira pela qual a família funciona, como seus membros se organizam e se comportam, mantém o vínculo e resolvem seus conflitos, com base em regras e padrões estabelecidos por este sistema.

No processo de desenvolvimento da família, esta passa por transições dos estágios do ciclo vital, geradoras de estresse (McGoldrick & Shibusawa, 2016). Nas fases de transição, a família é desafiada a alterar regras e funções do sistema para se adaptar às mudanças que permeiam cada nova fase do ciclo de vida, adaptando-se às circunstâncias para manter a continuidade do crescimento psicossocial dos seus membros (Carter & McGoldrick, 1995). Os períodos de transição podem vir acompanhados de angústias e conflitos entre os membros e é esperado que estes cedam espaços de interação que favoreçam o crescimento no relacionamento familiar (Cerveny et al., 2002). Este é o momento em que sintomas podem surgir, desafiando a família e seus membros a encontrarem meios para enfrentar determinada etapa do ciclo de vida. Diante disso, o acolhimento e as intervenções do processo terapêutico podem ajudar os membros e/ou a família a se reorganizarem e a prosseguir nas etapas desenvolvimentais (McGoldrick & Shibusawa, 2016).

Com base nestas informações e tendo em vista a temática estudada neste artigo, esta pesquisa foi desenvolvida em um Instituto de formação em Terapia Relacional Sistêmica, o qual abriga uma clínica-escola criada com intuito de oferecer atendimento psicológico a famílias, casais e indivíduos da comunidade, a valores acessíveis. Destina-se a atender pessoas de baixa renda e que não tenham condições de pagar o valor de atendimentos psicológicos particulares. As clínicas-escola de Psicologia visam possibilitar a aplicação prática dos conteúdos teóricos adquiridos pelos alunos, contribuindo com sua formação profissional (Amaral et al., 2012).  No Instituto de formação em questão, para ser atendida(o) pelas(os) profissionais, a pessoa, família ou o casal passa por uma entrevista psicológica de triagem. Trata-se de uma entrevista em que é possível compreender a queixa e/ou demanda inicial, avaliar e realizar encaminhamento para atendimento psicológico na modalidade mais indicada (Herzberg & Chammas, 2009). Assim, a entrevista de triagem nas clínicas-escola é um momento primordial para atender às necessidades de quem procura pelo serviço. Nesse contexto, a escuta terapêutica tem função relevante para se obter informações sobre o paciente, além de compreender o que ele diz e sente, reconhecer e acolher seu sofrimento, oferecendo apoio emocional e prático quando necessário (Mesquita & Carvalho, 2014).

Estudos brasileiros, realizados em clínicas-escola de Psicologia, mostram que as características sociodemográficas de pacientes adultos atendidos nesses locais, referem-se a: preponderância de mulheres solteiras, com ensino superior completo ou em andamento (Justen et al., 2010; Oliveira et al., 2013; Porto et al., 2014). A faixa etária que predomina nos atendimentos é de 20-29 anos (Justen et al., 2010; Oliveira et al., 2013), que representa a fase do ciclo de vida denominada de ‘jovem adulto’, caracterizada pela independência/emancipação da pessoa em relação à sua família de origem (Carter & McGoldrick, 1995). É o momento em que o jovem sai de casa para estudar e/ou trabalhar, tem sua moradia, precisa cuidar de si e ter responsabilidade financeira para se manter (Aylmer, 1995). No que tange às principais queixas relatadas pelos pacientes de clínicas-escola, destacam-se: dificuldades nas relações familiares, interpessoais, depressão, tristeza, ansiedade e insegurança (Campezato & Nunes, 2007; Justen et al., 2010; Oliveira et al., 2013; Porto et al., 2014).

Quanto aos atendimentos de crianças nestes locais, os estudos revelam que a faixa etária de 0-9 anos é contemplada majoritariamente por meninos, com queixa de agressividade, agitação e conduta desafiadora (Maravieski & Serralta, 2011; Porto et al., 2014), caracterizados como comportamentos externalizantes, por exemplo, agitação, agressividade, impulsividade, comportamento desafiador, mais comumente apresentados por meninos do que por meninas (Merg, 2008). Nessa direção, a pesquisa de Zuanazzi e Sei (2014) mostra que as famílias que buscam por psicoterapia são aquelas com filhos pequenos e as principais queixas são dificuldades parentais, sobrecarga, problemas financeiros e emocionais (Féres-Carneiro & Magalhães, 2008).

Sobre os casais, de acordo com a pesquisa de Neumann e Wagner (2015), os motivos que os levam a buscar por psicoterapia, referem-se, principalmente, a conflitos frequentes, dificuldades de comunicação, distância emocional e questões relacionadas à possibilidade de divórcio. Já o estudo de Mosmann e Falcke (2011) revela que o principal motivo diz respeito às dificuldades na relação com os filhos. Quanto à procura por terapia diante de problemas referentes à conjugalidade, de acordo com Neumann e Wagner (2015), as mulheres são as que tendem tomar iniciativa para busca por ajuda profissional.

Diante do exposto e tendo em vista que não foram encontradas pesquisas brasileiras com foco na dinâmica de atendimento de uma clínica-escola de abordagem sistêmica, o objetivo deste estudo foi caracterizar o perfil clínico e sociodemográfico da clientela de uma clínica-escola de um instituto de Terapia Relacional Sistêmica, localizado na região Sul do Brasil. Acredita-se que a caracterização dos pacientes que buscam por atendimento psicológico pode favorecer o planejamento e aprimoramento dos serviços oferecidos e a criação de novos modelos de atendimento, de acordo com as especificidades apresentadas.

 

Método

Trata-se de uma pesquisa quantitativa, descritiva e documental (Ossó, 2014). A técnica documental consiste na coleta e análise de documentos relacionados ao tema central da pesquisa, provenientes de trabalhos escritos, não de pesquisas realizadas diretamente com pessoas, possibilitando o compartilhamento das informações (Ossó, 2014). A Clínica-escola em que ocorreu a coleta de dados para este estudo, faz parte de um Instituto de formação em Terapia Relacional Sistêmica, localizado na região Sul do Brasil. O Instituto existe há aproximadamente 20 anos e forma terapeutas para atender famílias, casais e pessoas individualmente. Também proporciona a seus alunos, a possibilidade de atuar como terapeutas em atendimentos psicológicos individuais, de casal, família ou de grupo de famílias.

Ao buscar por atendimento na Clínica-escola do Instituto, num primeiro momento, os pacientes passam pela entrevista psicológica de triagem, realizada por uma psicóloga que avalia o caso e, posteriormente, encaminha para o atendimento psicoterapêutico mais indicado, que poderá ser individual, de casal ou familiar. No momento da triagem, as informações sociodemográficas e clínicas de cada caso são coletas e registradas em uma ficha específica do Serviço. Após, as informações contidas nesta ficha são digitadas em formulário eletrônico online, o qual tem sido utilizado, também, como banco de dados para pesquisas.

Coleta de Dados

A coleta de dados ocorreu por meio da análise das informações sociodemográficas e clínicas que constavam em 315 fichas de triagem de todos os pacientes que buscaram atendimento psicoterapêutico na Clínica-escola, entre janeiro de 2016 e dezembro de 2017. Todas as fichas de triagens referentes ao referido período fizeram parte desta pesquisa, incluindo as que, eventualmente, não tiveram todas as informações preenchidas. As características sociodemográficas que fizeram parte deste estudo referiram-se a: gênero, idade, estado civil, escolaridade, profissão, renda familiar mensal, configuração familiar, fase do ciclo vital, experiência anterior com psicoterapia (sim ou não), encaminhamento/ indicação, queixa e tipo de atendimento (individual, casal, família).

Entende-se que praticamente todas estas características são autoexplicativas. Ainda assim, cabe esclarecer a compreensão de “queixa”, “configuração familiar” e “fase do ciclo vital”. A “queixa” diz respeito ao motivo da busca por atendimento psicológico, como dificuldades, preocupações e/ou insatisfações presentes naquele momento de vida (Machado et al., 2011). As diferentes “configurações familiares” foram classificadas com base nas seguintes definições do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística [IBGE] (2012): família nuclear (pais e filhos), família extensa (avós, tios, primos, sobrinhos), unipessoal (uma pessoa responsável pelo domicílio), reconstituída/ recasada (casal e os filhos de relacionamentos anteriores de um ou ambos os cônjuges), monoparental chefiada por mulheres e monoparental chefiada por homens.

Para classificar a “fase do ciclo vital”, utilizaram-se os estágios propostos por Carter e McGoldrick (1995): Jovem adulto solteiro, Novo casal, Famílias com filhos pequenos, Famílias com adolescentes, lançando os filhos e seguindo em frente (emancipação dos filhos) e Estágio tardio da vida. Foram considerados adolescentes aqueles que tinham entre 12 e 18 anos, conforme definido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente [ECA] (Brasil, 2019). Nos casos em que havia duas ou mais fases do ciclo vital na mesma família, a classificação para este estudo foi realizada com base na queixa apresentada.

Análise dos Dados

Os dados foram tabulados em uma planilha do Microsoft Excel, gerada pelo formulário eletrônico online, a partir da qual ocorreu a revisão e padronização das informações. A análise dos dados foi realizada por meio do programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences), versão 20.0, em que se utilizou estatística descritiva simples, por meio do cálculo de médias, frequências relativas (percentuais) e frequências absolutas (N).

A partir da leitura de todas as queixas, foi identificado o foco central de cada uma delas de acordo com o relato do paciente. Quando havia múltiplas queixas, priorizou-se aquela relacionada ao objetivo principal pela busca da psicoterapia. Em relação às questões éticas, esta pesquisa e o acesso às informações contidas no formulário eletrônico foram autorizados pela coordenadora da Clínica-escola e o manuseio dos dados seguiu os preceitos do Código de Ética do Psicólogo [CFP] (Conselho Federal de Psicologia, 2005).

 

Resultados

Durante os anos de 2016 e 2017 foram realizados 315 atendimentos de triagens, resultando em uma média de 13 triagens por mês. Destas, 231 pessoas foram encaminhadas para atendimento individual, 75 para atendimento familiar e nove para atendimento de casal. Considerando o número de pacientes individuais atendidos (N = 231), 66,1 % eram do gênero feminino e 33,9% masculino. Quanto à idade, estes pacientes foram agrupados em oito faixas etárias, em que se destacaram as de 20-29 anos (31,3%) e 30 a 39 anos (23,5%). As demais faixas etárias ficaram assim distribuídas: 0-9 anos 6,1%, 10-19 anos 16,5%, 40-49 anos 11,7%, 50-59 anos 7,8%, 60-9 2,2% e mais de 70 anos 0,9%. Em todas as faixas etárias houve predomínio do gênero feminino, exceto a de 0-9 anos. Em relação ao estado civil, ao analisar as 315 fichas de triagem, constatou-se que 50% das pessoas que buscavam por atendimento eram solteiras, 23% eram casadas, 19% divorciadas, 6% viviam em união estável e 2% eram viúvas.

Ao analisar a característica escolaridade, observou-se que os pacientes tinham alto nível de instrução, em que se destacaram o Ensino Superior completo (20%), Ensino Superior em andamento (17,8%) e Ensino Médio completo (11,1%). Os pacientes com Ensino Superior Completo tinham, em sua maioria, idade entre 30-39 anos e aqueles que estavam cursando o Ensino Superior tinham de 20-29 anos. Sobre a ocupação, no momento da triagem, 114 dos 315 pacientes identificados eram estudantes (Ensino Fundamental, Superior ou Pós-Graduação (mestrado ou doutorado)). Os demais pacientes eram professores, aposentados, desempregados, trabalhavam em serviços domésticos, eram atendentes (lojas) ou desempenhavam a função de auxiliar de serviços gerais ou escritório, entre outras. Exceto a ocupação de professor que totalizou 16 pacientes, todas as demais somaram menos de 10, o que evidencia uma população de estudantes que buscou por atendimento psicológico.

A renda familiar mensal relatada pelos pacientes esteve entre R$1.100,00 e R$2.099,00 em 33,7% dos casos, seguida pela renda de R$2.100,00 e R$ 3.099,00 em 20,3%. Ao relacionar o grau de escolaridade e a renda familiar mensal, observou-se que mesmo tendo um alto nível de escolaridade, 64,5% dos pacientes tinha renda entre R$1.100,00 e R$2.099,00.

Quanto à busca por atendimento psicológico, os amigos (28,8%) foram as pessoas que mais indicaram o Instituto. Outros encaminhamentos ocorreram por indicação do médico da Unidade de Saúde (10,1%), psicóloga(o) da Unidade de Saúde (8,5%), familiares (7,3%), Serviço de atendimento psicológico de uma das Universidades da cidade (6,3%) e terapeuta do próprio Instituto (5%). Os demais encaminhamentos foram feitos por escolas, fórum, hospital universitário e psiquiatra (totalizando 34%), o que revela que o Instituto foi referenciado por diferentes setores da rede de suporte social, presentes na comunidade.

Pouco mais da metade dos pacientes (N =165) que chegaram para a triagem relataram nunca terem feito psicoterapia. A principal queixa mencionada no momento da triagem (Tabela 1), tanto pelos pacientes individuais quanto pelas famílias que buscaram atendimento, foi sobre dificuldades nas relações familiares (20,6%), sobretudo entre pais e filhos. Ao relacionar as queixas com a faixa etária dos pacientes identificados, constatou-se que as dificuldades nas relações familiares estiveram distribuídas em sete das oito faixas etárias, com destaque para aquelas entre 10-19 anos e 30-39 anos, com 4,1% cada. As outras duas queixas mais relatadas foram sintomas depressivos4 (12,1%), principalmente por pessoas na faixa etária de 30-39 anos e ansiedade (11,7%) mencionada, sobretudo, por aquelas com idade entre 20-29 anos. Os casais, por sua vez, relataram conflitos conjugais desencadeados por dificuldade de comunicação, violência física e/ou psicológica, ciúmes e desconfiança.

 

 

Considerando o percentual significativo do item “Outros” na Tabela 1, cabe mencionar o conjunto de queixas que o representam. São elas: dificuldades para dormir, dores musculares, irritação, dificuldades no trabalho, autoexigência, diagnóstico de HIV, timidez, impaciência, medo de morrer sem causa aparente, reconhecimento da homossexualidade, check up da saúde física e emocional, comportamentos hiperssexualizados, definição de guarda do filho, “pensar sobre a vida”, dificuldade no desenvolvimento da fala, tratamento de transição hormonal (homem trans) e isolamento social.

Em relação à configuração familiar, o tipo de família predominante foi a nuclear (43,1%), seguida por famílias monoparentais chefiadas por mulheres (20,3%), recasada (12,6%) e unipessoal (11,2%). Os tipos de família extensa e monoparental chefiada por homens somaram 7,4% e 5,4%, respectivamente. No momento da triagem, 24,1% dos participantes encaminhados para atendimento individual estavam da fase do ciclo vital denominada ‘Jovem Adulto’. As famílias que fizeram a triagem (N=75), por sua vez, se encontravam na fase ‘Família com filhos pequenos’, em 52% dos casos. Quanto aos nove casais, houve predomínio da faixa etária de 30 a 39 anos (N=4). Os demais tinham idade entre 40-49 anos (N = 2) e 60-69 anos (N = 2) e de 50-59 anos (N=1).

 

Discussão

Os resultados apresentados evidenciaram o protagonismo feminino na busca por atendimento psicológico, corroborando com outros estudos similares sobre clínica-escola de Psicologia (Justen et al., 2010; Oliveira et al., 2013; Porto et al., 2014). De acordo com Addis e Cohane (2005), a demonstração de problemas emocionais pelas mulheres é mais aceito socialmente quando comparado com os homens, os quais sofrem uma pressão social para não demonstrarem seus sentimentos, pois este é considerado um comportamento de fraqueza. Reconhecer e nomear os problemas de ordem emocional não condiz com as expectativas do papel masculino, o que, consequentemente, torna os homens menos propensos a buscar ajuda (Addis & Cohane, 2005).

Somente na faixa etária de zero a nove anos é que houve predomínio do gênero masculino, com queixas de agitação, agressividade e dificuldades escolares, indo ao encontro dos achados de outras pesquisas sobre o tema (Maravieski & Serralta, 2011; Porto et al., 2014). Para Merg (2008), os meninos apresentam mais comportamentos externalizantes do que as meninas, tais como agressividade, impulsividade e condutas desafiadoras, os quais são menos tolerados pela família e escola, resultando na busca por psicoterapia.

No que se refere ao tipo de família, os predominantes foram as configurações nuclear e monoparental chefiada por mulheres, o que também é encontrado no Censo Demográfico Família e Domicílios, do IBGE (2012), que trata da caracterização das famílias brasileiras. Conforme apresentado, a maior parte dos pacientes que buscaram pela triagem são solteiros, com idade entre 20-29 anos, estudantes de graduação ou com Ensino Superior já completo. Os estudos de Justen et al., (2010) e Oliveira et al., (2013) retratam o perfil da população adulta atendida em uma clínica-escola de Psicologia em Universidades da região Sul do Brasil e, do mesmo modo, identificaram predomínio da faixa etária de 20-29 anos e Ensino Superior (completo ou em andamento), corroborando com os achados desta pesquisa.

Nessa direção, pode-se afirmar que estes pacientes estão na fase do ciclo de vida denominada Jovem Adulto (Carter & McGoldrick, 1995). Esta fase implica em três principais tarefas desenvolvimentais: 1) Explorar e expandir os próprios horizontes, vendo-se como uma pessoa distinta da família de origem, 2) Estabelecer relações de intimidade com outras pessoas da mesma etapa do ciclo de vida e 3) Criar uma estrutura inicial de vida adulta, posicionando-se diante de situações profissionais e de independência financeira, sem depender da família de origem (Aylmer, 1995).

Além disso, é um momento em que os jovens precisam lidar com algumas mudanças sociais concernentes à fase de vida, podendo ter dificuldades financeiras e relacionadas à carreira, bem como sentimento de solidão (Aylmer, 1995). É nesta fase que os jovens têm a possibilidade de escolherem o que levarão da família, os padrões que deixarão e aquilo que criarão individualmente (Carter & McGoldrick, 1995; McGoldrick & Shibusawa, 2016).

A família, por sua vez, também tem algumas tarefas que podem vir a contribuir para a emancipação do jovem adulto. Dentre elas, espera-se que a família permita que os jovens estabeleçam arranjos familiares independentes, evitem o controle e o poder sobre os filhos, respeitem suas escolhas residenciais e profissionais, tolerem as relações fora do arranjo familiar e enfrentem a crise do “ninho vazio” (McCullough & Rutenberg, 1995).

De acordo com Carter e McGoldrick (1995), as dificuldades desta fase ocorrem quando uma das partes não identifica a necessidade de mudar os estilos relacionais, como as relações hierárquicas entre pais e filhos (agora adultos). Da mesma forma, pode haver dificuldade quando há o incentivo da família para que os filhos continuem dependentes emocional e financeiramente ou quando os filhos aceitam a dependência ou rompem as relações com a família de origem para um comportamento de falsa independência (Carter & McGoldrick, 1995). Nesse contexto, a função da psicoterapia inclui substituir padrões disfuncionais por relacionamentos adultos sinceros, caracterizados pelo contínuo compartilhar do Eu sem reatividade dos demais membros (Aylmer, 1995).

A emancipação dos jovens adultos pode ser dificultada, ainda, quando este se depara com dificuldades externas à família, tais como encontrar um emprego, entrar na faculdade e/ou dificuldades sociais e serem culpados pelos pais por esses problemas (McCullough & Rutenberg, 1995). Isto pode gerar ansiedade e dificuldades nas relações familiares, já que nem todos os envolvidos nesse processo de emancipação têm força e recursos emocionais para enfrentar os desafios dessa fase do desenvolvimento. Exemplo disso foi que, ao analisar a relação entre as variáveis queixa e faixa etária, no presente estudo, observou-se que a ansiedade foi a principal queixa de pessoas com idade entre 20-29 anos (7,4%). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2017), no Brasil os transtornos de ansiedade somam 9,3% (18,6 milhões de pessoas) e coloca o país na primeira posição no ranking mundial (WHO, 2017).

Conforme afirmam Souza e Crepaldi (2012), ao trabalhar com Jovens Adultos, torna-se necessário investigar suas características pessoais e como elas interferem nas suas relações, de que maneira contribuem como potencialidades ou dificuldades diante das situações vivenciadas no cotidiano. De acordo com as autoras, quanto melhor o Jovem Adulto conseguir se diferenciar emocionalmente de sua família de origem, melhor conseguirá lidar com outros estressores que estarão presentes ao longo da vida.

As pessoas na faixa etária de 20-29 anos destacaram-se neste estudo, em termos de escolaridade, como aquelas que estavam cursando o Ensino Superior, enquanto que a faixa etária de 30-39 anos tinham Ensino Superior Completo. Juntas, as duas escolaridades somaram 45,3% do total da amostra. Este resultado é semelhante ao da pesquisa de Oliveira et al. (2013), em que 47,1% da clientela adulta da clínica-escola de uma universidade do sul do Brasil tinha Ensino Superior completo ou em andamento. No caso do presente estudo, a parcela de estudantes (graduação ou pós-graduação) ou pessoas formadas em curso superior, que buscaram atendimento, pode ter relação com o fato do Instituto se situar na região universitária da cidade. Outra questão diz respeito à formação das(os) profissionais que trabalham no local, uma vez que, todas(os) são psicólogas(os) formadas(os) e fazem ou já fizeram o curso de especialização em Terapia Relacional Sistêmica, o que pode ser um diferencial para alguns pacientes no momento da escolha por atendimento.

Ao relacionar as variáveis escolaridade e renda familiar mensal, observou-se que mesmo tendo, em sua maioria, nível superior (completo ou em andamento), a renda dos pacientes era inferior a R$ 2099,00. De acordo com o Critério de Classificação Econômica - Brasil (Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa [ABEP], 2016), que estima a renda mensal dos domicílios brasileiros em seis classes5, o maior número de pessoas que buscaram pela clínica-escola (33,7%) se enquadrava no estrato socioeconômico C2 (classe 5), pois tinham renda média de R$ 1.625,00 mensais, e no estrato socioeconômico C1(classe 4), no caso daqueles que recebiam em média R$ 2.705,00 por mês, o que evidencia que a maior parte dos usuários que chegaram para a triagem tinham baixa renda. Conforme aponta a pesquisa realizada por Justen et al., (2010), há um consenso de que as pessoas que frequentam clínicas-escola de Psicologia são economicamente menos favorecidas.

Quanto ao encaminhamento/indicação dos pacientes ao Instituto, os amigos foram os principais incentivadores para a procura por ajuda psicológica. A competência do amigo refere-se às questões afetivas, no sentido de compartilhar as alegrias e dores do outro, guardar segredo, ser leal e até tomar distância quando julgar necessário (Gomes et al., 2015). De acordo com Sluzki (2003), características como ser do mesmo sexo, ter idade aproximada e estarem na mesma fase do ciclo vital podem favorecer a identificação com a situação vivenciada pelos pacientes e resultar na proximidade e oferta de apoio em um momento difícil.

Os usuários do serviço também chegaram ao Instituto encaminhados por médicos e psicólogos das Unidades de Saúde da cidade, o que revela o reconhecimento destes profissionais sobre o início ou continuidade do tratamento psicológico, concomitante ao tratamento médico e/ou farmacológico, tendo uma visão ampliada quanto aos múltiplos fatores (físicos, emocionais, ambientais) que podem estar inter-relacionados a um problema de saúde. Os encaminhamentos à psicoterapia terem sido realizados, sobretudo, por amigos e profissionais da saúde, pode estar atrelado ao fato de grande parte das pessoas serem estudantes universitários e não serem naturais da cidade e/ou não morarem com familiares, tendo que contar com a ajuda de outras pessoas da sua rede social significativa.

Como mostraram os resultados, no momento da triagem a queixa mais mencionada foi a respeito das relações familiares, principalmente no que tange às dificuldades na comunicação e/ou convivência entre os membros da família, rompimentos e/ou conflitos entre pais e filhos ou entre irmãos, indo ao encontro dos achados da pesquisa de Oliveira et al., (2013). Os resultados do presente estudo revelaram, ainda, que as queixas em torno das relações familiares ocorriam tanto por parte dos pacientes com encaminhamento para atendimento familiar, quanto por aqueles que seriam atendidos individualmente. Tendo em vista que se trata de um Instituto com ênfase na formação em terapia familiar, os encaminhamentos podem ter ocorrido com base nessa premissa e nas possibilidades em torno dos modelos de atendimentos oferecidos.

Ainda sobre as queixas, sintomas depressivos e ansiedade também se destacaram nesta pesquisa e corroboram com outros estudos sobre a caracterização de pessoas atendidas em clínica-escola de Psicologia no país, tais como o de Campezato e Nunes (2007), Justen et al., (2010) e Porto et al., (2014). De acordo com a Organização Mundial da Saúde (WHO, 2017), mais de 322 milhões de pessoas (4,4% da população) sofrem de depressão em todo o mundo. No Brasil, a depressão atinge 5,8% da população (cerca de 11 milhões de pessoas). Os estados que compõem a região Sul do país, somam 37,8% de toda a população nacional com depressão (IBGE, 2014). Para a WHO (2017), a depressão é considerada um grave problema de saúde pública, que gera grande sofrimento e repercute negativamente no contexto social, de trabalho e familiar, podendo levar ao suicídio. Estima-se que, no Brasil, a principal causa de morte por suicídio esteja ligada à depressão e que, por ano, 800 mil brasileiros com idade entre 15 e 29 anos tiram sua própria vida (WHO, 2017).

A partir da análise das fichas de triagem, constatou-se que as faixas etárias em que ocorreu a prevalência de sintomas depressivos foram entre 10-19 anos (maior parte da adolescência) e 30-39 anos (adultos). Conforme dados da Organização Mundial da Saúde (WHO, 2014), a depressão é considerada a doença mais frequente na adolescência e o suicídio é a terceira causa de morte nesta fase do ciclo vital (Moreira & Bastos, 2015). Os dados do IBGE (2014) mostram que, ao contrário do que foi identificado nesta pesquisa, a faixa etária em que há maior prevalência da depressão no Brasil é entre 60-64 anos. Por outro lado, os resultados desta pesquisa convergem para o que aponta o IBGE (2014), no que tange à prevalência da depressão no gênero feminino, em idade adulta e em pessoas com ensino superior completo.

Sobre as queixas apontadas pelos casais que chegaram para a triagem, foram relatados conflitos conjugais relacionados, principalmente, à falta de comunicação, violência física e psicológica, ciúmes e desconfiança. Em revisão de literatura realizada por Neumann e Wagner (2015), as principais razões pelas quais os casais procuraram psicoterapia foram: distância emocional entre parceiros, conflitos frequentes, dificuldade de comunicação e preocupação com a possível separação conjugal. Destas, a razão que coincide com a dos casais que fizeram a triagem que resultou neste estudo, refere-se às questões de comunicação. Desses resultados, pontua-se, ainda, o ciúme e a desconfiança que, segundo Krenkel et al., (2015) são alguns dos desencadeadores da violência e podem estar relacionadas aos tipos de violência física e psicológica, mencionadas durante a triagem.

De acordo com Neumann e Wagner (2015), nos casos de terapia de casal, as queixas apresentadas no processo de busca por terapia nem sempre refletem o tamanho real do problema, inclusive, em alguns momentos, as dificuldades conjugais podem estar obscurecidas por questões parentais, motivo pelo qual se busca ajuda. No trabalho de Adams et al., (2013), os casais procuravam por familiares e amigos até decidirem buscar por ajuda profissional. Sob outra perspectiva, o estudo de Mosmann e Falcke (2011) aplicou um questionário a 149 casais, os quais relataram que o principal motivo do conflito conjugal era por conta da relação com os filhos. As demais razões de conflito mencionadas por eles foram: tempo em que passam juntos, dinheiro, tarefas domésticas, sexo e questões legais, diferindo dos resultados encontrados na presente pesquisa.

Já no caso dos atendimentos de família que não estiveram diretamente ligados a problemas nas relações familiares (como queixa principal), as queixas giraram em torno do comportamento agressivo ou dificuldades de aprendizagem do filho pequeno. Diferentemente desta pesquisa, o estudo de Féres-Carneiro e Magalhães (2008) mostra que as razões pela busca por terapia de família foram problemas financeiros ou emocionais, sobrecarga e dificuldades parentais.

Entre os fatores relacionados a essas queixas, a maior parte das famílias que buscou atendimento, está na fase do ciclo vital denominada família com filhos pequenos, corroborando com os achados na pesquisa de Zuanazzi e Sei (2014), em que houve predomínio de famílias com crianças e adolescentes. Nesta fase, o princípio-chave do processo emocional de transição é aceitar a entrada de novos membros na família, sendo necessárias algumas mudanças. Dentre elas destacam-se: a) realizar ajustes na relação conjugal para criar espaço em que o(s) filho(s) possa(m) ser inserido(s), b) unir-se para realizar as tarefas de cuidado dos filhos e compartilhar as tarefas financeiras e domésticas, c) realinhar as relações com a família extensa, de modo a incluir novos papéis, como o de pais e avós (Bradt, 1995). A chegada de um novo filho em uma família compreende uma transição de ciclo de vida; o casal passa a ter um novo papel: o de pais e, junto a ele, a necessidade de aprenderem e se adaptarem às mudanças emocionais e financeiras que este momento exige (Bradt, 1995).

Nessa direção, o estudo de Neumann e Wagner (2015) evidenciou as razões que motivam casais e famílias a buscarem terapia. A partir da revisão realizadas, as autoras chegaram a algumas conclusões que corroboram aos resultados encontrados na presente pesquisa: 1) a busca por terapia pode ser por diferentes tipos de conflito, 2) as mulheres tomam mais iniciativa para buscar terapia, 3) as exigência mentais de casais e famílias nem sempre coincidem com as razões manifestas para procurar ajuda profissional, 4) a decisão de procurar assistência profissional também tem relação com características específicas do casal, 5) a frequência que os problemas emocionais são mencionados na terapia nem sempre refletem a intensidade que esses são sentidos.

Com base nos resultados deste estudo e conforme aponta Tillmans (2000), na prática clínica observa-se que as razões relacionadas à busca por psicoterapia nem sempre correspondem ao problema em si, e sim, a razões implícitas às questões mais complexas. De acordo com a referida autora, o paciente identificado, geralmente um dos filhos nos casos de atendimento de família, expressam os “não ditos” familiares. Também é importante considerar que o sintoma da criança possibilita a procura de ajuda para a família, sendo fundamental para o atendimento terapêutico que se analise o pedido de terapia e de ajuda vindos da família. As primeiras mensagens emitidas pela família sejam elas implícitas ou explícitas, são essenciais para a formulação de hipóteses que poderão ser vinculadas aos sintomas e à relação terapêutica (Tillmans, 2000).

Diante disso, faz-se necessário redefinir a demanda pessoal e o envolvimento da família na terapia como força e investimento na busca por mudanças. Nos atendimentos familiares, integrando a criança no processo, é possível identificar semelhanças intergeracionais, permitir que a “criança dos adultos” se manifeste, encontrar lealdades familiares e promover diálogo entre os pais (Tillmans, 2000). O acompanhamento da família por um determinado espaço de tempo evidencia o seu desenvolvimento como um sistema aberto, em constante transformação, que influencia seus membros individualmente ou a família como um todo (Cerveny et al., 2002).

 

Considerações Finais

O presente estudo buscou caracterizar o perfil clínico e sociodemográfico da clientela de uma clínica-escola de um instituto de Terapia Relacional Sistêmica, localizado na região Sul do Brasil. Esta pesquisa mostrou que as pessoas que procuraram por atendimento psicológico são, em sua maioria, do gênero feminino, estudantes, solteiros, na fase do ciclo de vida Adulto Jovem. As famílias atendidas se caracterizaram por filhos pequenos e os casais estavam na faixa etária de 30-39 anos. As principais queixas relatadas durante a triagem foram dificuldades nas relações familiares, sintomas depressivos e ansiedade.

A caracterização do perfil da clientela que procura por atendimento psicológico favorece o planejamento e a adequação às especificidades da clientela, possibilitando o aperfeiçoamento do local quanto aos modelos de atendimento e investimento na qualificação profissional. Também auxilia que os profissionais tenham um preparo prévio, no sentido de planejar intervenções efetivas, adequadas às necessidades e características específicas. Em termos sociais, estes resultados podem fornecer subsídios para a criação de programas de intervenção qualificados, voltados ao atendimento da população usuária da Atenção Básica, visando à prevenção dos agravos relacionados, principalmente, aos sintomas depressivos e à ansiedade.

No que se refere às limitações desta pesquisa, a falta de preenchimento de algumas informações nas fichas de triagem pode ter colaborado com a impossibilidade de uma análise mais aprofundada dos resultados. Outras pesquisas nesse contexto poderiam ser realizadas, a fim de avaliar a adesão dos pacientes ao processo terapêutico: quantos pacientes iniciaram psicoterapia depois da triagem, quantos permaneceram em atendimento, por quanto tempo e os motivos do desligamento. Também poderiam ser entrevistados pacientes individuais, famílias e casais durante e/ou após o processo terapêutico para identificar os fatores positivos dos atendimentos e outros que poderiam ser aperfeiçoados, no intuito de melhor qualificar o serviço prestado à comunidade.

Cabe lembrar, ainda, que este estudo teve como referência informações da triagem realizada em um instituto de Terapia Relacional Sistêmica do Sul do Brasil, no qual são desempenhadas práticas específicas, condizentes à área de formação, em uma região específica, o que sugere que esses resultados sejam usados com cautela quando relacionados a outros contextos e abordagens da Psicologia. Nessa direção, novos estudos poderiam ser realizados em clínicas-escola de outros Institutos de formação e/ou de diferentes abordagens, bem como nas demais regiões do Brasil, a fim de estabelecer uma análise comparativa entre as similaridades e disparidades sobre o tema, tendo em vista as diferenças sociais e culturais presentes no país.

 

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Endereço para correspondência
Scheila Krenkel
E-mail: scheilakrenkel@gmail.com

Enviado em: 21/12/2020
1ª revisão em: 09/03/2021
2ª revisão em: 13/04/2021
Aceito em: 28/05/2021

 

 

1 Psicóloga, Doutora em Psicologia (UFSC). Filiação Institucional: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Familiare Instituto Sistêmico, Florianópolis-SC.
2 Psicóloga, Doutora em Saúde Mental (UNICAMP). Filiação Institucional: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e Familiare Instituto Sistêmico, Florianópolis-SC.
3 Recursividade é o processo não linear nas relações causais, em que o indivíduo é produto e produtor dos processos interacionais (Vasconcellos, 2013).
4 Optou-se pela nomenclatura “sintomas depressivos”, tendo em vista que não é possível realizar uma avaliação psicológica aprofundada em uma única entrevista de triagem para diagnosticar “depressão”. Assim, consideraram-se sintomas depressivos, três ou mais das seguintes características: humor deprimido, tristeza, desesperança, sensação de vazio, perda de energia, dificuldade de concentração, desinteresse em atividades cotidianas, insônia ou hipersonia, pensamentos de morte recorrentes, ideação suicida (American Psychology Association, 2013).
5 Estimativa de renda domiciliar mensal:  Classe A: R$20.888,00, Classe B1: R$9.554,00, Classe B2: R$4.852,00, Classe C1: R$2.705,00, Classe C2: R$1.625,00 e Classe D-E: R$768,00 (ABEP, 2016).

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