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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.6 n.1 São Paulo jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Experiências com um grupo de crianças através da música: um estudo psicanalítico

 

Experiences with a group of children through music: a psychoanalytic study

 

Experiencia con grupo de niños a través de la música: un estudio psicoanalítico

 

 

João Paulo Evangelista Carvalho1; Antônios Térzis2

Pós-Graduação em Psicologia, Centro de Ciências da Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Brasil

 

 


RESUMO

Entendimento de um pequeno grupo de crianças que freqüentam um Centro Comunitário, com idades entre dez e onze anos, de ambos os sexos, homogêneo, fechado e com a mesma queixa de desajuste escolar, através da aplicação da técnica grupo de psicodiagnóstico (Kaës & Anzieu, 1989). Levantamos a hipótese do uso de instrumentos musicais como uma alternativa lúdica para as crianças manifestarem suas emoções. A análise qualitativa do conteúdo foi realizada por dois psicólogos com conhecimento sobre psicanálise de grupo através da técnica de interpretação de Mathieu (1967). Concluímos que o manejo de instrumentos musicais facilitou a técnica de grupo de psicodiagnóstico, onde as crianças puderam expressar seus sentimentos e se conscientizarem deles, fazendo com que atingissem o sentimento de pertinência grupal, que elaborassem suas inibições, que ampliassem sua capacidade de sociabilidade e que fortificassem seu ego.

Palavras-chave: Psicanálise, Grupos, Crianças, Música.


ABSTRACT

Understanding of a little group of children who regularly attend a Community Center, with ages ranging from ten to eleven years, of both genders, homogenous, closed and with the same complaint of mismatch school, through the application of the group of psychodiagnosis technique (Kaës & Anzieu, 1989). We raised the hypothesis of the use of music instruments as an alternative playful facilitator of emotional expressions. The qualitative analysis of the content was conducted by two psychologists with knowledge in psychoanalysis-group based on the Mathieu (1967) technique of interpretation . We conclude that the management of music instruments facilitated the group psychodiagnosis technique, where the children could express and be self conscious about their feelings, were able to work on their inhibitions, increase their ability to socialize, strength their ego.

Keywords: Psychoanalysis, Groups, Children, Music.


RESUMEN

Comprensión de un pequeño grupo de niños que asisten a un Centro Comunitario, con edades entre diez y once años, de ambos sexos, homogéneo, cerrado y con la misma queja de desajuste escolar, a través de la aplicación de la técnica del grupo psicodiagnóstico (Kaës y Anzieu, 1989). Levantamos la hipótesis del uso de instrumentos musicales como una alternativa lúdica para los niños expresaren sus emociones. El análisis cualitativo de los contenidos fue realizado por dos psicólogos con conocimiento del psicoanálisis del grupo por la técnica de interpretación de Mathieu (1967). Concluimos que el manejo de instrumentos musicales facilitó la técnica del grupo psicodiagnóstico, donde los niños pudieron expresar sus sentimientos y concienciarse de ellos, que alcanzasen el sentimiento de pertinencia grupal, que elaborasen sus inhibiciones, que ampliasen su capacidad de sociabilidad y fortificasen su ego.

Palabras clave: Psicoanálisis, Grupos, Niños, Música.


 

 

INTRODUÇÃO

O estudo dos grupos e a prática de técnicas grupais psicanalíticas mostram-se eficientes ferramentas na promoção de transformações sociais. Dentre os principais objetivos da psicanálise de grupo estão: tornar consciente o inconsciente; rememorar a história de vida dos sujeitos do grupo e dar-lhes ferramentas para resolverem seus conflitos internos através do autoconhecimento e da fortificação do ego, trabalhando a capacidade de realizarem auto-análise, diminuindo o medo do conhecimento das realidades externas e internas; propiciando-lhes a evolução de um estágio de amor narcísico (objeto primário) para um estágio de amor social. Dentro do trabalho psicanalítico grupal, é possível que os sujeitos elaborem seus conflitos intrapsíquicos, gerando o crescimento e o desenvolvimento da personalidade, que diminuam seus sentimentos negativos através da observação das dificuldades comuns aos outros, gerando o conhecimento de si e do outro, melhorando aspectos da socialização e tendo o grupo como apoio; facilitando o objeto transferencial, ao diluir a dependência do terapeuta.

 

APORTES TEÓRICOS

A psicanálise clássica, em sua aplicação terapêutica, desenvolveu-se através da díade analista-paciente e assim permaneceu nas primeiras décadas do século XX. No entanto, a teoria freudiana não deixou de considerar a importância do homem enquanto ser social, estudando as origens da sociedade humana, dos ritos, religiões e mitologias. As teorias elaboradas a partir desta díade – teoria da libido, teoria estrutural, teoria edípica, teoria do superego – reportam-se ao sujeito relacionado com objetos a uma psicologia multipessoal (TERZIS, 2006).

As idéias mais importantes em relação à abordagem psicanalítica do grupo foram elaboradas em um período de aproximadamente 50 anos, desde a publicação de Totem e Tabu de Freud (1913) e Experiências com Grupos, de Bion (1961).

Bion (1961) em Experiências com Grupos demonstra um interesse simultâneo entre a subjetividade e a realidade externa, desenvolvendo uma teoria sobre o funcionamento dos grupos onde considera sua existência conforme duas modalidades que ocorrem simultaneamente: o grupo de tarefa ou trabalho (nível consciente) e o grupo de supostos básicos (nível inconsciente).

Pontalis (1963) foi pioneiro em estabelecer a visão do grupo enquanto um organismo vivo, possuidor de emoções que governam sua existência. Entende este organismo-grupo não como um objeto real, mas como uma representação mental do grupo na mente de seus membros. O grupo é um objeto de catexias psíquicas e sociais suscetíveis à organização da estrutura do processo grupal.

Anzieu (1993) aprofunda as idéias do grupo como objeto de representação mental. Um dos conceitos que exemplificam estas representações mentais é o imaginário do grupo. Parte da idéia de que “o grupo é uma colocação em comum das imagens interiores e das angústias dos participantes” (Anzieu, 1993 p. 21). O foco central do estudo dos grupos está no entendimento das emoções que os motivam e que fomentam sua imaginação. É notório que em todos os grupos haja conflitos de diversos tipos, como rivalidades, simpatias, ódios, acusações, que até então eram vistos como verdadeiros em seus conteúdos, sendo desconsiderado que os problemas que o grupo elegia só poderiam ser imagens criadas por eles mesmos: “entre o grupo e a realidade, entre o grupo e si mesmo, há outra coisa que não as relações entre forças reais; há primitivamente uma relação imaginária” (Anzieu, 1993, p. 42).

Anzieu (1993) entende que qualquer grupo, tanto os naturais como os psicoterápicos ou os de formação, pode ser visto de forma análoga a um sonho. Parte da idéia de Freud, que concebe o sonho noturno como a realização de um desejo, uma ilusão individual que ocorre no momento de desinvestimento máximo da realidade exterior, Anzieu entende que o grupo é igualmente o lugar de realizações imaginárias dos desejos. Um grupo isola-se do contexto cultural maior e da vida social ou profissional, suspendendo a realidade exterior de tal maneira que a libido se concentra toda na realidade presente no aqui - agora. Anzieu vê o grupo como um objeto de investimento pulsional; um espaço que possibilita a manifestação de desejos; um continente no interior do qual se ativam fantasias e identificações; um objeto de representações organizadas por formações psíquicas que possuem propriedades grupais.

 

METODOLOGIA

As regras utilizadas no trabalho em grupo de atividades musicais foram: associação e atividade livre, freqüência, horário, técnicas como escuta, atenção, empatia, transferência, trabalho no aqui - agora e apontamentos.

Existem duas características principais que diferenciam o enquadre do grupo em respeito ao setting individual: a) espacialidade, que privilegia a sincronia sobre o acontecer grupal através dos olhares, das pessoas sentadas em círculo face a face e a outra b) a presença real dos outros, que mostra que esses já não são virtuais personagens de um relato, mas presentes em sua corporalidade.

Participantes: um grupo de crianças

Os participantes da pesquisa foram dez crianças com idades entre 10 e 11 anos, com queixa manifesta de desajuste escolar, incluindo indisciplina, desempenho insuficiente na escola e de desrespeito aos professores. Formaram o grupo de psicodiagnóstico (Kaës & Anzieu, 1989) que teve como características: a) Ser misto: ambos os gêneros. b) Homogêneo: participantes têm em comum a faixa etária, social, bairro que residem, escola onde estudam e freqüentam o mesmo Centro Comunitário. c) fechado: por não admitir a entrada de novos membros e por limitar o processo em 12 reuniões de 60 minutos, 3 vezes por semana.

Local da Pesquisa e Projeto Recriança

A coleta de dados da pesquisa foi realizada em um Centro Comunitário
de um bairro periférico da cidade de Valinhos-SP, onde funciona o projeto Recriança.

Material

Com objetivo de motivar o grupo à realização da tarefa musical utilizamos treze tipos de instrumentos musicais. Demos preferência aos instrumentos percussivos por entender que requerem menor conhecimento musical em seu manejo. Dentre estes estavam diversos tipos de tambores, chocalhos e pandeiros, além da calimba (características melódicas) e o violão.

Foi utilizado um aparelho de mp3 para a gravação do som dos encontros, incluindo as falas do grupo para facilitar as transcrições das reuniões.

Procedimento

Foi entregue aos responsáveis pelas crianças o “Termo de Consentimento Livre e Esclarecido”. Após a concessão dos responsáveis, foi utilizada a técnica de entrevista individual semi-dirigida de Bleger (1993), onde adquirimos os primeiros conhecimentos acerca dos participantes como nomes, idade, o motivo pelo qual freqüentam o projeto e o que esperam da participação do grupo de atividades musicais, além de informar-lhes dos objetivos da pesquisa e esclarecer-lhes possíveis dúvidas.

No primeiro encontro, foi solicitado aos participantes que se acomodassem em um círculo, escolhendo seus lugares à vontade. A seguir, o coordenador apresentou-se e comunicou os objetivos do grupo diagnóstico através das atividades musicais. Na seqüência, foram sugeridas as regras do enquadre no contexto grupal: em primeiro lugar, a atividade e fala livre, remetendo aos participantes a possibilidade da escolha e o uso livre dos instrumentos, expressão dos pensamentos, sentimentos e fantasias a respeito da tarefa proposta pelo pesquisador.

O grupo de psicodiagnóstico se caracterizou por ser: a) dinâmico: o que significa que a atividade grupal não esteve rigidamente organizada, permitindo o livre fluir da interação e da comunicação. b) reflexivo: relativo à reflexão sobre o processo simultâneo no desenvolvimento da tarefa proposta, a atividade musical. c) não-diretivo: refere-se à idéia de que toda ação e pensamento desenvolvidos no grupo originaram-se no próprio grupo.

As transcrições das reuniões grupais foram realizadas imediatamente após o término destes encontros, com o auxilio de uma gravação de áudio. Os nomes utilizados para identificar as crianças são fictícios.

Avaliação da Técnica

A análise destes dados foi realizada por dois psicólogos com conhecimento em psicanálise de grupos, a partir do método utilizado por Mathieu (1967), que compreende que a interpretação de tais conteúdos é feita de forma análoga à interpretação de uma narrativa mítica. Assim como na interpretação dos sonhos, que se faz através das associações do sonhador relacionadas ao conteúdo de seu sonho, os conteúdos das reuniões grupais são vistos como narrativas míticas, porém das quais não dispomos de associações. Para tanto, considera-se o conteúdo mítico das narrativas sob o duplo registro de sua elaboração interna, por um lado, da manifestação dos desejos inconscientes e, por outro, enquanto a estrutura da narrativa manifesta. Considera-se que estão contidas na estrutura de uma narrativa ou no arranjo de seus elementos e seus temas, criações inconscientes que buscam a satisfação de seus desejos reprimidos. Desta forma, um sistema temático de um ciclo de mitos abre caminho para interpretação do mesmo modo que as associações abrem caminho para a interpretação do sonho. Para tanto, é necessário encontrarmos a espinha dorsal deste relato para a obtenção desse sistema temático, o que é feito através dos temas recorrentes ou da estrutura de base do relato. Esses temas resistentes são tidos como essenciais à economia de um tipo de narrativa e, portanto são suscetíveis à conferência de um sentido e um significado sendo vistos como um símbolo, onde está presente a condensação e o deslocamento, mecanismos próprios do inconsciente.

 

RESULTADOS

Da realização dos desejos

O grupo de diagnóstico se mostrou um lugar privilegiado para a realização dos desejos das crianças. Desta forma, puderam entregar-se à associação livre flutuante, e mostrar neste psicodiagnóstico temas que eram exclusivamente eleitos pelo próprio grupo.

Gustavo, na 3ª reunião disse: “_Amanhã não vai ter aula!” – e todos do grupo comemoravam. Esta frase demonstra que o grupo de diagnóstico foi visto como um objeto bom, onde podem realizar seus desejos sem nenhuma ameaça, de forma permitida pelo psicólogo. Observamos que foi criado um espaço lúdico no qual puderam demonstrar sua alegria enquanto, a sala de aula é um espaço onde comumente se impõe disciplina para ser possível educar as crianças, ameaçando seus desejos de brincar, de fazer bagunça.

Danilo, na 5ª reunião: “_A namorada dele chama Maria Clara!” – frase que despertou risos e um grande rebuliço no grupo. O desejo de falar de temas relativos à sexualidade também veio à tona no grupo diagnóstico. Observamos que esse desejo é em grande parte realizado de forma suja, onde as crianças utilizam palavrões, que por sua vez significam a própria mentalidade destas crianças em relação à sexualidade.

Ainda na 5ª reunião, Danilo cantava: “_Eu fiz sexo com a minha tia...”

Os desejos mais reprimidos, até mesmo os incestuosos vem à superfície. Nas primeiras reuniões, quando o grupo se censurava, estes desejos existiam no escuro, de forma inconsciente, entretanto, o grupo elegeu este tema, que apareceu tanto na realização da tarefa musical quanto em momentos de resistência a esta, permitindo assim que alguma consciência emergisse em relação a este tema.

Do amor narcísico ao amor social

Na 1ª reunião, Willian brigava com Talita: “_Eu quero o violão!”. Gustavo, o maior do grupo, escolhia o instrumento de sua preferência e não o dividia com ninguém. Nas primeiras reuniões esse tipo de disputa para conseguir os instrumentos preferidos foi comum e, igualmente, o desejo de conseguir a atenção do psicólogo.

Ao longo das reuniões, o grupo teve uma tendência de se ocupar mais da tarefa musical, se organizando para obter sucesso nesta tarefa. Para tanto, foi necessário que agissem conforme o processo secundário, isto é, que se organizassem, criassem regras para o trabalho fluir melhor, que aumentassem a noção do tempo, que fossem mais solidários uns com os outros. Foram aos poucos percebendo que a produção musical era melhor na medida em que o grupo como um todo estivesse afinado.

Na 12ª reunião, Talita entrou na sala alguns minutos antes do início da reunião, pegou diversos instrumentos e colocou-os lado a lado formando uma bateria. Quando Beatriz e Ramira chegaram, sentaram-se ao lado de Talita, que espontaneamente dividiu os instrumentos com as amigas. Desta forma, observamos mais esta transformação, onde as relações grupais se tornaram mais diluídas, ocorrendo de todos os participantes do grupo com eles mesmos.

Da evolução da musicalidade e oportunidade de criar

Na 12ª reunião, Willian comentou com o colega: “_Não era Idalgo, que eu não conseguia cantar música engraçada?” E Idalgo respondeu: “_Agora eu consigo inventar coisa engraçada e tudo.” E Talita disse: “_Eu evolui na minha aula de violão, pra fazer o ritmo!”. A evolução da musicalidade aconteceu de forma simultânea à evolução do espírito de coletividade grupal e do funcionamento do grupo em um nível do processo secundário. Nas primeiras reuniões, quase todas as frases rítmicas que inventavam eram basicamente realizadas por todos os integrantes de forma única, isso é, todos tocavam exatamente a mesma frase embora com instrumentos diferentes. Ao longo do processo grupal, passaram a surgir frases rítmicas complementares, isto é, frases rítmicas diferentes umas das outras, mas que combinavam entre si formando um todo harmônico.

Willian disse: “_Professor, olha o que eu consegui fazer, o cavalo!” e batucava um som parecido com o galope de um cavalo. Em apenas 12 reuniões, a evolução da musicalidade veio acompanhada a um sentimento de auto-estima positivo, de um autoconhecimento da capacidade criadora do grupo, do grupo vendo-se como um bom grupo, que triunfou sobre a tarefa.

Do sentimento de gratidão

Na última reunião puderam mostrar um sentimento de gratidão em relação ao psicólogo de diversas formas, tanto o convidando a participar da excursão da escola, quanto perguntando um pouco mais da vida do psicólogo, como fazendo um teatro em sua homenagem e até mesmo pela fala direta, onde agradeciam aquela oportunidade. Vicente (12ª reunião): “_João (psicólogo), cê vai tirar uma foto de nós, João?”. Nesta frase se evidencia o desejo de que o psicólogo tire uma foto deles, o que pode ser entendido como o desejo de que o psicólogo recorde-se deles, o que denota uma transferência positiva em relação à figura do psicólogo, o que significa, aquele espaço repercute internamente no grupo como algo bom.

Willian (12ª reunião): “Hoje é o último dia, né!” “_Então vamos apresentar alguma coisa pro João!” Beatriz diz: “_A gente vai fazer uma surpresa”. Novamente se evidencia uma transferência positiva em relação à figura do líder. Assim como em grupo de adultos, que muitas vezes se encerram com festas, as crianças também querem fazer uma festa, que é o lugar onde os sentimentos podem ser mostrados livremente, onde buscamos ampliar os vínculos emocionais com as pessoas. Uma festa de despedida é ainda uma maneira de vivenciar emocionalmente que o processo anterior a essa despedida foi bom, que valeu a pena e foi positivo. No final da sessão, entregaram um desenho ao psicólogo, que era uma folha de papel com o desenho de diversos corações, e em cada coração estava o nome de um dos participantes, com os dizeres: “Obrigado João”.

 

CONCLUSÃO

A análise dos conteúdos pode ser realizada em dois níveis. O primeiro, através de uma atividade psíquica consciente, manifesta, e o segundo, em um nível inconsciente, que se compreende através de uma análise interpretativa que toma seus conceitos a partir das teorias psicanalíticas.

Nesta análise dos conteúdos dos encontros, buscamos centralizar nossas observações sobre sistemas como o Id e o Superego, entendendo que os fenômenos conscientes são conseqüências de processos inconscientes fundamentais, onde os fantasmas individuais dos membros do grupo entram em ressonância uns com os outros, o que torna o grupo como uma imago comum. Sendo assim, o foco de nossas análises se deu nos fenômenos afetivos ou sentimentais demonstrados pelo grupo de crianças.

Percebemos que formações e processos inconscientes se projetam nas atividades musicais do grupo. Assim como no sonho, o grupo é um lugar de realização alucinatória dos desejos, da exteriorização de processos internos (Kaës, 1976), e desta forma, o grupo também é uma representação ao fazer atuar os processos de condensação, deslocamento e simbolização.

Em todas as reuniões as crianças se realizam através de identificações, projetando no aqui - agora outros grupos da televisão, de imagos masculinas e femininas. Supomos que muitos dos aspectos das relações grupais estabelecidos no aqui - agora do grupo foram construídos dentro de um referencial semelhante ao modelo primário, que é ou foi o ambiente familiar. As representações do grupo ocorrem através destas mudanças. Portanto, percebemos que há neste espaço uma ruptura com esse modelo primário, onde as crianças, por formarem um grupo com seus pares, por estarem numa situação de fraternidade, buscam adquirir novos objetos de identidade, passando por uma angústia tão problemática como o desmame.

A tarefa musical foi vista pelo grupo como uma brincadeira, como uma fonte de prazer. Freud (1908) entende que o brincar exerce a função de reordenar o mundo infantil de forma gratificante, apoiando objetos e circunstâncias imaginados no mundo real, auxiliando a criança a começar diferenciar seu mundo fantástico da realidade.

Os nossos resultados expressam que as atividades musicais do grupo preenchem uma função de sublimação como uma tentativa de superar as exigências pulsionais e achar uma saída na reunião grupal, nos instrumentos e na música naquele espaço e tempo.

A técnica de grupo de psicodiagnóstico através da música foi bem aceita pelo grupo e, em pouco tempo, foi capaz de promover transformações em diversos níveis. As crianças encontraram a possibilidade de manifestar um espírito coletivo, de demonstrar sentimentos de compartilhamento e pertinência, garantindo assim que desenvolvessem suas capacidades de sociabilidade, melhorando o vínculo com o psicólogo e entre eles. Todas estas transformações se deram de profunda, agindo na formação destas crianças. Neste espaço grupal, foi possível a transformação de fezes em ouro, da bagunça em criatividade, do desrespeito em amor.

Em um âmbito político e econômico notamos que, com poucos recursos financeiros, foi possível a realização da técnica de psicodiagnóstico através da música, que se mostrou uma rica forma de intervenção social preventiva de amplo alcance.

Apresentamos através deste trabalho grupal uma sucinta contribuição no campo das experiências psicanalíticas com grupos infantis, utilizando a técnica de grupo de psicodiagnóstico através da música e as técnicas de interpretação de Mathieu. Entretanto, consideramos necessária a realização de novas experiências que utilizem esse delineamento metodológico, a fim de obterem uma compreensão ampliada das possibilidades de realização destas técnicas.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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MATHIEU, P. Essai d’interprétation de quelquer pages du revê celtique, Revista Interpretatión, Barcelona, 1967

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TERZIS, A. (2006). Construções para uma Teoria dos Grupos. Anais do VI Simpósio CEFAS, Campinas: CEFAS, 2006.        [ Links ]

 

 

Recebido em: 13.03.2008
Aceito em: 10.11.2008

 

 

1 Psicólogo, Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Centro de Ciências da Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Av. John Boyd Dunlop, s/n, Prédio Administrativo, Jd. Ipaussurama, 13060-904, Campinas, SP, Brasil. E-mail: joao.zabale@gmail.com
2 Psicólogo, doutor e orientador do programa de Pós-Graduação em Psicologia, Centro de Ciências da Vida, Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Av. John Boyd Dunlop, s/n, Prédio Administrativo, Jd. Ipaussurama, 13060-904, Campinas, SP, Brasil

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