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Vínculo

versão impressa ISSN 1806-2490

Vínculo v.6 n.1 São Paulo jun. 2009

 

ARTIGOS

 

Percepções da família sobre a anorexia e bulimia nervosa

 

Family perception’s about anorexia and bulimia nervosa

 

Percepciones de la familia sobre la anorexia y bulimia nervosa

 

 

Laura Vilela e Souza1; Manoel Antônio dos Santos2; Fábio Scorsolini-Comin3

Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Universidade de São Paulo. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Este estudo tem por objetivo compreender de que modo as famílias de pessoas com Anorexia e Bulimia Nervosa entendem o que é transtorno alimentar, quais suas causas e como percebem a pessoa acometida. Foram incluídos nesse estudo 37 familiares participantes do Grupo de Apoio Psicológico oferecido pelo Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das Clínicas da FMRP-USP. Foram audiogravadas 10 sessões grupais, posteriormente transcritas na íntegra e submetidas à análise de conteúdo temática. Essa análise permitiu identificar “tópicos/temas” que emergiram espontaneamente durante as sessões e que estão relacionados aos objetivos do estudo. Os resultados apontam para o sofrimento vivido pelos familiares para significarem a experiência da doença e para a busca pela generalização do que seria a pessoa com anorexia ou bulimia como uma tentativa de dar conta de explicar o problema e torná-lo menos ameaçador. O grupo de apoio mostrou-se um espaço privilegiado para a exploração desses significados sobre a doença e suas causas, para o esclarecimento das dúvidas e para a construção conjunta das possibilidades de ultrapassar o desafio que o transtorno alimentar impõe.

Palavras-chave: Grupo multifamiliar, Grupo de Apoio, Transtornos alimentares, Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa.


ABSTRACT

This study aims to understand the way that families of people with Anorexia and Bulimia Nervosa understand these disorders, its causes and how they view the person with eating disorder. 37 family members participated in this study. They were participants at the psychological support group offered by the eating disorder assistance service called GRATA at the University Hospital of the Medical Faculty of Ribeirão Preto at University of São Paulo. 10 sessions of the group were audio taped and transcript and analyzed using the thematic content analysis. This analysis allowed the researchers to identify “topics/themes” that emerged spontaneously during the group sessions and that were related with the purposes of this study. The results show the pain suffered by these families in the process of giving meaning to the experience of the disease. These families generalize the description of the person with Anorexia and Bulimia as an attempt to explain the problem and make it less threatening. The support group was a significant space to explore these meanings about the disease, to clarify the family member’s doubts and to promote the joint construction of the possibilities to go beyond the challenge that the eating disorders pose.

Keywords: Multifamiliar group, Support group, Eating disorders, Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa.


RESUMEN

El objetivo de cuesto estudio fue comprender de que modo las familias de personas con Anorexia y Bulimia Nervosa entienden el que son los trastornos alimentares, cuales son sus causas y como miran las personas con trastornos alimentares. Participaran de cuesto estudio 37 familiares participantes del Grupo de Apoyo Psicológico ofrecido por el Grupo de Asistencia en Trastornos Alimentares (GRATA) del Hospital de las Clínicas de la FMRP-USP. Forran audio gravadas 10 sesiones de grupo, posteriormente trascritas en la integra y submetidas a analice de contenido temática. Cuesta analice permitió identificar “tópicos/temas” que emergieran espontáneamente durante las sesiones y que están relacionados a los objetivos del estudio. Los resultados apuntan para el sufrimiento vivido por cuestos familiares y para los significados de la experiencia de la enfermedad y la búsqueda por la generalización do que seria la persona con anorexia o bulimia como una tentativa de dar cuenta de explicar el problema y tornar menos amenazador. El grupo de apoyo muestro tener un espacio privilegiado para la exploración de estos significados sobre la enfermedad, para el esclarecimiento de las dudas y para la construcción conjunta de las posibilidades de ultrapasar el desafío que el trastorno alimentar impone.

Palabras clave: Grupo multifamiliar, Grupo del apoyo, Trastornos alimentares, Anorexia Nervosa, Bulimia Nervosa.


 

 

Os esforços para a compreensão do que são os transtornos alimentares têm mobilizado profissionais e pesquisadores ao redor do mundo (GOWERS; BRYANT-WAUGH, 2004). Todavia, a complexidade de tal fenômeno continua desafiando os profissionais que trabalham nesse contexto e todos os que convivem com as pessoas acometidas (APA, 2006). Nesse contexto, a família tem sido considerada uma parceira necessária no tratamento (FLEMINGER, 2005).

Ainda que exista um esforço na área para a proposição de estratégias para a inclusão da família no tratamento, é comum percebermos, no acolhimento desses familiares, intensa dificuldade de entenderem o transtorno alimentar e seus sintomas (SOUZA; MOURA; NASCIMENTO, 2007). Concepções equivocadas, muitas vezes de viés moralista, costumam impregnar o discurso social sobre a anorexia e bulimia.

Nesse contexto, torna-se importante conhecer como os familiares de pessoas com Anorexia e Bulimia Nervosa descrevem essas psicopatologias. Considerando essas premissas, este estudo tem por objetivo compreender de que modo as famílias entendem o que é transtorno alimentar, quais as suas causas e como percebem a pessoa acometida.

O contexto desse estudo

O Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA) é um serviço que conta com atendimentos individuais realizados por médicos nutrólogos (residentes e adidos ao serviço), nutricionistas (voluntárias) e psiquiatras, além de grupos de apoio a portadores e familiares, coordenados por psicólogos (voluntários), além de avaliação psicológica, psicoterapia individual e acompanhamento psiquiátrico.

Um dos espaços de atendimento disponíveis para o acolhimento da família é o Grupo de Apoio Psicológico aos Familiares. Trata-se de um grupo aberto, semanal, com uma hora de duração, coordenado por dois psicólogos. Tem como objetivo principal oferecer um espaço de troca de experiências entre as famílias que buscam ajuda. Entende-se que o enquadre grupal pode funcionar como potencializador de mudanças, que é facilitada pela promoção dos fatores terapêuticos grupais, tais como a universalidade, a aceitação, a aprendizagem por meio do outro, o altruísmo e a instilação de esperança (MACKENZIE, 1997).

 

MÉTODO

Participantes

Foram incluídos no estudo 37 familiares, que haviam participado de um conjunto de 10 sessões grupais. Tratava-se de um grupo aberto, composto por diferentes participantes a cada semana. Dentre os participantes do estudo, 20 eram mães de pacientes (54%), sete pais (18,9%), um padrasto (2,7%), dois irmãos (5,4%), uma irmã (2,7%), um tio (2,7%), uma tia (2,7%), um namorado (2,7%) e um marido (2,7%). Podemos perceber nessas sessões a predominância da participação das mães, seguida da participação dos pais, com uma participação pouco expressiva de irmãos, tios, namorados e maridos. Apesar de ser um grupo de portas abertas a todos os familiares e pessoas significativas da rede de apoio social dos pacientes, dele geralmente participavam as pessoas – em sua maioria familiares – que acompanhavam os pacientes em seu retorno ambulatorial.

No universo pesquisado, 11 participantes (29,7%), todas mulheres, trabalhavam em suas próprias casas, denominando-se “do lar”, 15 participantes (40,5%) eram profissionais autônomos, seis (16,2%) empregados, quatro (10,8%) aposentados e um (2,7%) estudante. A média de idade dos participantes foi de 48 anos, portanto, expressiva parcela dos participantes estavam em idade produtiva, havendo um menor número de pessoas já aposentadas.

Dentre os participantes, 10 (27%) completaram o ensino fundamental, 15 (40,5%) completaram o ensino médio e 8 (21,6%) completaram o ensino superior. Os demais participantes (10,8%) não completaram o ensino fundamental. Com relação ao estado civil dos participantes, 27 (72,9%) eram casados, três (8,1%) separados, três (8,1%) viúvos e quatro (10,8%) solteiros.

Procedimento

Foram audiogravadas 10 sessões consecutivas do Grupo de Apoio Psicológico aos Familiares durante um período de três meses. Os participantes presentes nessas sessões foram abordados individualmente e concordaram em participar da pesquisa, firmando sua anuência por meio da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

As sessões foram transcritas na íntegra e literalmente, e constituíram o corpus de análise. Posteriormente, foram lidas de forma exaustiva e em sucessivas vezes. Para a análise do material obtido foi utilizada uma metodologia qualitativa de avaliação do processo grupal, na qual as transcrições foram submetidas à análise de conteúdo temática, que permitiu operar os recortes das principais unidades de significado.

Essa análise permitiu a delimitação de alguns dos “tópicos/temas” mais significativos, que emergiram em contexto naturalístico, isto é, durante as sessões do Grupo, e que estavam relacionados aos objetivos da pesquisa.

Resultados e Discussão

A análise de conteúdo permitiu desvelar quatro categorias temáticas: Como é a pessoa com transtorno alimentar?, O que é o transtorno alimentar?, Quais são as causas?, Outras descrições para os transtornos alimentares.

  1. Como é a pessoa com transtorno alimentar?

Ao descreverem seu familiar adoecido – no caso das sessões aqui analisadas eram todos familiares de adolescentes ou pessoas adultas do sexo feminino, que compõem cerca de 90% da população atendida pelo serviço – os participantes do Grupo sustentam uma noção de transtorno alimentar como uma entidade fixa, que reside na interioridade do paciente e que controla os seus comportamentos, alguns dos quais inaceitáveis ou francamente bizarros. É uma visão essencialista, que pode ser vislumbrada nas falas a seguir, coletadas em diferentes reuniões do grupo:

Mãe: Gente, como eles põem barreira na relação com os outros.

Irmã:Geralmente as pessoas... portadoras dessa doença... elas são impacientes, né?

Mãe: Tem esses altos e baixos, pois uma pessoa doente é muito carente.

Pai: Essas pessoas são muito nervosas.

Mãe:Toda pessoa envolvida nesse processo tem dificuldade de comunicação com a família.

Mãe: Essas pessoas que são doentes são muito sensíveis. Tem que ser delicado ao falar com elas.

Tal forma de perceber os transtornos alimentares deriva de sua descrição como categoria diagnóstica dentro da ciência médica, uma vez que foi por meio desse discurso que esses transtornos passaram a ser descritos como psicopatologias (HEPWORTH, 1999). Tal discurso dominante apareceu de maneira marcada nas sessões analisadas, independentemente do nível de escolaridade dos familiares participantes e do tipo de profissão que exerciam.

Nesses relatos é possível perceber uma tendência à generalização: “gente como elas põem...”, “geralmente as pessoas portadoras... são”, “uma pessoa doente é...”, “essas pessoas são...”, “Toda pessoa envolvida nesse processo tem...” Assim, pode-se perceber a construção do grupo-das-pessoas-com-transtornos-alimentares como um grupo diferenciado do restante das pessoas. Um grupo percebido por esses familiares como detentor de características exclusivas, no qual os membros que o constituem estão ou são adoecidos, impacientes, carentes, sensíveis, nervosos, com dificuldade de se comunicarem. Por terem supostamente a mesma “doença”, compartilham características semelhantes, como a impaciência, a carência e o nervosismo. Não só a “doença” é naturalizada, como também um determinado perfil de personalidade é claramente identificado como próprio das pessoas acometidas pelos transtornos alimentares.

Os familiares buscam dar sentido para a conduta que julgam estranha e inesperada do paciente. A justificativa para as ações do paciente ficam pautadas na sintomatologia da “doença”, que seria responsável pela dificuldade de comunicação entre os filhos e a família.

Zimerman (2000) chama a atenção para o fato de que um grupo pode ser homogêneo quanto ao diagnóstico ou sintoma, mas será heterogêneo em muitas, senão todas, as demais características dos participantes. Portanto, os familiares nessas sessões parecem negar essas diferenças, o que inviabiliza manter um olhar ampliado sobre o paciente. Os familiares também precisam de ajuda, uma vez que não vêem nada além da “doença”. A característica semelhante (ter transtorno alimentar) deixa de ser uma condição que promoveria um ambiente de trocas no grupo, devido aos processos de identificação entre seus participantes (KLEIN, 1996), para se tornar um aprisionamento da pessoa em sua doença.

Um evento comum, percebido nos diversos encontros do grupo, são os questionamentos de mães e pais, que querem saber se determinados comportamentos de seus filhos adolescentes são causados pelo transtorno ou se são próprios da fase da adolescência, o que mostraria, assim, uma dificuldade em definir limites claros entre o normal e o anormal, o saudável e o patológico do ponto de vista do curso desenvolvimental de seus filhos. Em meio a essa indeterminação, os pais buscam parâmetros a partir dos quais possam definir onde começa e acaba a “doença”.

  1. O que é o transtorno alimentar?

A dificuldade em compreender o que define a doença ou de delimitar precisamente quais são os seus contornos aparece nas falas a seguir:

Pai:Não é uma ciência exata, por isso tem que conversar muito.

Mãe: É algo que transcende, está entre a sanidade e a loucura.

Pai:Tenho a percepção exata de que estou diante de um problema psíquico, problema... problema psíquico... lógico... mas um problema.

Mãe:Acredito que a doença é a mesma para todas, quando não é anorexia, é bulimia.

Nesses relatos produzidos no decorrer de diversos encontros grupais é possível perceber a construção de uma identidade psicopatológica e desviante, que seria algo de difícil definição (HEPWORTH, 1999). A não-palpabilidade do mal-estar, isto é, o fato de a doença ser entendida como uma entidade psicológica, não um problema concreto como uma patologia orgânica que pode ser comprovada por meio de exames físicos ou laboratoriais – por exemplo, com um raio-X, aumenta a dificuldade em torno de sua definição.

Do ponto de vista dos profissionais, anorexia e bulimia são tomadas como sinônimos não em termos de seus sinais e sintomas, mas no entendimento de que seriam transtornos que teriam as mesmas raízes emocionais.

A doença marcaria o momento no qual a(o) filha(o), até então sadia(o), passaria a não ser mais considerada(o) normal devido à adoção de comportamentos insólitos e inadequados. A doença seria uma espécie de marcador que assinalaria que a pessoa definitivamente transpôs “a fronteira entre a sanidade e a loucura”, desviando-se da normalidade. Nos segmentos de fala transcritos abaixo, percebe-se que a pessoa acometida, aos olhos dos familiares, adquire uma identidade social de doente e com o tempo tende a se tornar a própria doença:

Mãe: As pacientes não estão no seu normal, não estão em sã consciência e com a "cabeça firme".

Mãe: Era uma pessoa saudável!

Uma mãe conta, com uma ponta de orgulho, como que o filho sempre fora inteligente, que ele por si só não teria caído na “burrice” de “passar fome para emagrecer” ou “vomitar tudo fora”. Levando ao extremo essa linha de raciocínio, essa mãe conclui que foi o transtorno que “deixou ele burro”, tirando sua capacidade para discernir o certo e o errado em suas atitudes. Desse modo, a “doença” aparece ora como causa, ora como conseqüência. A dificuldade de entendimento do que é o transtorno alimentar parece derivar do fato de que se trata de uma psicopatologia que não é orgânica, mas psicológica – e, portanto, abstrata; um conhecimento que o especialista (profissional) detém, mas que é pouco esclarecido para as famílias (SOUZA; SANTOS, 2007).

É bastante recorrente no Grupo de Apoio Psicológico aos Familiares a discussão do que seriam as “questões psicológicas” envolvidas na gênese e/ou manutenção do transtorno alimentar, o que abre espaço para a explicitação das fantasias dos próprios familiares sobre a origem do problema, como veremos a seguir.

  1. Quais são as causas?

Aos conversarem sobre o que causa a anorexia e bulimia, os pais se questionam se seriam problemas que “vêm de fora” ou “de dentro”. Ou seja, se o transtorno é relacionado a fatores externos, tais como os meios de comunicação de massa, a pressão cultural para se alcançar um ideal de beleza física insustentável, dificuldades nas relações familiares, traumas de infância, entre outros, ou se seria algo “interno”, que se desenvolve em razão das condições emocionais da pessoa, do funcionamento de sua personalidade.

Esse questionamento parece derivar de dois discursos sociais muito propagados atualmente com relação à etiologia da anorexia e bulimia. O primeiro é o discurso do transtorno alimentar como fruto da pressão da mídia, no sentido de que as mulheres devem ser magras para serem belas (WEINBERG; CORDÁS, 2006). O segundo é o discurso da disfunção como consequência de dificuldades psicológicas vividas pelos pacientes (HEPWORTH, 1999).

Causas psicológicas ou ambientais, quais seriam mais decisivas e determinantes na deflagração de um transtorno alimentar?

Os familiares que estavam há mais tempo freqüentando o Grupo apontaram que a experiência de cuidar do paciente foi lhes mostrando que a doença parece decorrer de um somatório de aspectos internos e externos. Deixam de culpabilizar a mídia com a sua propagação do ideal de beleza magra. Afirmam que a vontade de ficar magra teria sido só o pretexto para o aparecimento do transtorno alimentar, que indicaria, assim, a presença de conflitos emocionais mais profundos:

Mãe:Não é influência negativa do outro, mas algo que já está dentro da pessoa, a doença.

Mãe:A comida da filha era muito seletiva, desde pequena.

Já as famílias iniciantes no tratamento mostram suas dúvidas sobre a etiologia do problema. Uma mãe se questiona se a doença pode ser em função de sua relação com a filha ser muito forte. Aqui ela parece estar se referindo ao discurso psicológico, também presente no senso comum, de que a Anorexia e Bulimia seriam decorrentes da relação simbiótica estabelecida entre mãe e filha (LANE, 2002).

Outra mãe acredita que a doença é o preço que se paga pelo desenvolvimento tecnológico, pela influência crescente da mídia sobre a vida das pessoas e pelo culto da imagem – que passa a adquirir vida própria na sociedade de consumo, dentro de um processo de fetichização, pela excessiva valorização da aparência física em detrimento dos valores morais, afetivos, intelectuais, espirituais e da integridade ética dos indivíduos. Alguns pais fazem uso de uma das explicações divulgadas por pesquisadores da área, que coloca a moda como fator predisponente e mantenedor de transtornos alimentares (MORGAN; VECCHIATTI; NEGRÃO, 2002).

Muitos pais sentem que foram responsáveis pelo aparecimento do problema. Os sentimentos de culpa transparecem nas falas das mães sobre momentos da infância ou adolescência dos filhos, quando elas lhes disseram que estavam acima do peso e precisavam de fazer regime. Essas mães contaram que, logo após esse período, perceberam o início dos sintomas.

Outros eventos na vida dos pacientes são aventados como possíveis causas do transtorno alimentar, como um irmão que associa o início da anorexia da irmã ao fato de ela ter ido morar sozinha.

  1. Outras descrições sobre o transtorno alimentar

Os familiares percebem que saber sobre a doença parece não adiantar muito, no sentido de ter efeito mutativo e propiciar que os pacientes modifiquem seu padrão de comportamento alimentar. Os pais relataram que as filhas são exímias especialistas sobre os sintomas e o que fazer para tratá-los, ajudando inclusive outras pessoas que passam pelo problema. Todavia, não conseguem traduzir em sua conduta esses princípios, nem colocam em prática esses conhecimentos. Desse modo, não incorporar em seu cotidiano possíveis mudanças.

O não saber como lidar com o paciente é uma experiência compartilhada por praticamente todos os familiares. Um pai mencionou perceber que a esposa é mais flexível com a filha, enquanto ele tenta parecer mais severo. Um irmão questionou aos coordenadores do grupo se deve ou não visitar sua irmã com anorexia durante sua internação no hospital, pois quando ele vem, “ela chora muito” e ele não sabe se isso ajuda ou atrapalha no tratamento.

Sobre como lidar com os sintomas, os participantes afirmaram entender que não existe uma fórmula única e que cada família vai encontrar a seu modo peculiar de enfrentamento. Uma mãe disse que “nunca” é possível encontrar um certo e um errado sobre como agir. Ela cria estratégias que têm que ser modificadas ao longo do tempo.

O grupo multifamiliar tem sido descrito na literatura como um espaço de troca que possibilitaria à família sair dessa posição de desconhecimento e passividade com relação aos desafios impostos pelo transtorno (SOUZA; SANTOS, 2007). Os familiares relataram que, após terem iniciado sua participação no grupo, perceberam que essas doenças não escolhem idade para aparecerem, nem classe social. Conheceram diferentes famílias e pacientes que passavam pelo problema, desde crianças de nove anos a senhoras de 70.

 

Considerações finais

Pôde-se depreender, a partir da análise das sessões grupais, o sofrimento vivido pelos familiares participantes do grupo para significarem a experiência da doença. A busca pela generalização do que supostamente seria a pessoa com anorexia ou bulimia parece ser uma tentativa de dar conta de explicar o problema.

Um problema que, por mais que o conhecimento científico esteja avançado, conserva algo de misterioso, incógnito, inexplicável e que resiste à significação. Isso muitas vezes provoca fascínio e desejo de conhecer de maneira mais aprofundada. Por outro lado, também induz repulsa e afastamento devido ao sentimento ameaçador gerado pela proximidade com o desconhecido.

Nesse contexto, o grupo de apoio é um espaço privilegiado para a exploração desses sentidos sobre a doença, para o esclarecimento das dúvidas e para a construção conjunta das possibilidades de se ultrapassar o desafio que o transtorno alimentar impõe.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
E-mail: lacake@uol.com.br

Recebido em: 13.11.2008
Aceito: 02.04.2009

 

 

1 Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Docente das Faculdades Integradas FAFIBE-Bebedouro. Membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde - NEPPS/FFCLRP-USP. Psicóloga do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, São Paulo, Brasil.
2 Psicólogo, professor doutor do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Diretor de Publicações e membro do corpo docente da SPAGESP. Coordenador do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde - NEPPS/FFCLRP-USP. Psicólogo do Grupo de Assistência em Transtornos Alimentares (GRATA) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto-USP, São Paulo, Brasil.
3 Mestrando do Programa de Pós-graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto. Bolsista de mestrado da FAPESP. Membro do Núcleo de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde - NEPPS/FFCLRP-USP, São Paulo, Brasil.

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