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Vínculo
versão impressa ISSN 1806-2490
Vínculo vol.14 no.2 São Paulo 2017
ARTIGO
Clínica das configurações vinculares: do estabelecimento do vínculo terapêutico às transformações possíveis
Clinic of linking configurations: from the establishment of the therapeutic relationship to the possible transformations
Clínica de las configuraciones vinculares: del establecimiento del vínculo terapéutico a las transformaciones posibles
Manoel Antônio dos Santos1, I; Tomaz Alvarez Ciani2 ,II; Sandra Cristina Pillon3, III; Kelly Graziani Giacchero Vedana4, III; Adriana Inocenti Miasso5, III; Jacqueline de Souza6, III; Mayara Colleti7, I; Eduardo Name Risk8, I; Pedro Ernesto Rodrigues Maçaranduba9, I; Érika Arantes de Oliveira-Cardoso10, I
IFaculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP)
IILaboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde - LEPPS (FFCLRP-USP-CNPq)
IIIEscola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo
RESUMO
A teoria psicanalítica elege o processo vincular como eixo estruturante do psiquismo, destacando um tipo especial de vínculo emocional, a transferência, que se estabelece entre analista e paciente, como viga mestra do processo analítico. Este estudo tem por objetivo apresentar um relato de experiência clínica que descreve o processo terapêutico de um adulto jovem, colocando em foco a análise do vínculo transferencial na perspectiva da Psicanálise das Configurações Vinculares. O paciente buscou atendimento psicológico queixando-se de sintomas de ansiedade, com manifestações repentinas de taquicardia e apneia, especialmente quando submetido a situações de maior estresse. Ao longo do processo terapêutico, o vínculo terapêutico pôde se fortalecer e a confiança no psicoterapeuta foi progressivamente incrementada e tonificada, tornando possível sustentar o desenvolvimento gradual de condições emocionais que abriram possibilidades de o paciente se reconhecer nas relações significativas que constituíam sua trama vincular, o que suscitou mudanças nos vínculos.
Palavras-chave: psicoterapia; transferência; psicanálise das configurações vinculares.
ABSTRACT
Psychoanalytic theory chooses the linking process as the structuring axis of the psyche, highlighting a special type of emotional relationship (transference) between a therapist and a patient, as the mainstay of the analytic process. This study aims to present an experience report that describes the therapeutic process of a young adult, focusing on the analysis of the transference link from the perspective of bonding configurations. The patient sought psychological care complaining of anxiety symptoms, with sudden manifestations of tachycardia and apnea, especially when subjected to situations of greater stress. Throughout the therapeutic process, the therapeutic link strengthened and confidence in the psychotherapist became progressively increased and toned, making it possible to sustain the gradual development of emotional conditions that opened up possibilities for the patient to recognize in the meaningful relationships that constituted their emotional connections, which led to changes in the linkings.
Keywords: psychotherapy; transference; psychoanalysis of linking configurations.
RESUMEN
La teoría psicoanalítica elige el proceso vincular como eje estructurante del psiquismo, destacando un tipo especial de vínculo emocional, la transferencia, que se establece entre analista y paciente, como viga maestra del proceso analítico. Este estudio tiene por objetivo presentar un relato de experiencia clínica que describe el proceso terapéutico de un adulto joven, poniendo en foco el análisis del vínculo transferencial desde la perspectiva de las configuraciones vinculares. El paciente buscó atención psicológica quejándose de síntomas de ansiedad, con manifestaciones repentinas de taquicardia y apnea, especialmente cuando se sometió a situaciones de mayor estrés. A lo largo del proceso terapéutico, el vínculo terapéutico pudo fortalecerse y la confianza en el psicoterapeuta fue progresivamente incrementada y tonificada, haciendo posible sostener el desarrollo gradual de condiciones emocionales que abrieron posibilidades de que el paciente se reconoció en las relaciones significativas que constituían su trama vincular, que suscitó cambios en los vínculos.
Palabras clave: psicoterapia; transferencia; psicoanálisis de las configuraciones vinculares.
A psicanálise contemporânea vem abrindo cada vez mais espaço para o reconhecimento da relevância do processo vincular. Segundo Zimerman (1999), o sentimento universal relacionado à necessidade básica de reconhecimento do ser humano aparece na literatura psicanalítica desde os seus primórdios até a atualidade, sendo identificado na obra de autores das mais diversas correntes teóricas, com denominações, abordagens e contextos distintos. A clínica psicanalítica tem dado ênfase ao princípio de que o processo psicanalítico consiste sempre em uma interação dinâmica entre analisando e analista. A partir dos vínculos que se estabelecem entre ambos, é criado o campo psicanalítico, solo transicional que possibilita e oferece sustentação a um trabalho de análise.
O tema do vínculo, portanto, não constitui nenhuma novidade na clínica psicanalítica. Freud deixou bastante evidente a importância dos vínculos primários que a criança estabelece com suas figuras parentais, modelo que se estende para os laços estabelecidos pelo indivíduo com seus semelhantes e com as massas. De acordo com Ávila (2003), Freud argumenta que a felicidade individual é uma ideia inviável devido à natureza da vida pulsional. Os impulsos egoístas do homem devem ser superados pelas inclinações altruístas, que o levam a se vincular a seus semelhantes. O homem deve combater sua tendência à agressão e destruição, e submeter-se aos desígnios de Eros, que tem por vocação servir de elo de ligação que vai unir os indivíduos, as famílias, os povos e as nações. Desse modo, não há um "eu" interno que subsista independentemente do mundo e das vinculações que constroem o ego, tanto na sua faceta mergulhada no mundo interno, quanto na parte mais superficial do aparelho psíquico, que se coloca na fronteira com o mundo externo. Na formação do psiquismo, o outro emerge como aquele que permite ao ego incipiente estabelecer um limite, um ponto de confronto e, por seu próprio movimento, busca seus pontos de vinculação com base em suas semelhanças e diferenças.
Melanie Klein teorizou acerca da importância primitiva das relações do bebê com a mãe, ou objeto materno. Apresentou suas ideias referentes à relação objetal, mais precisamente a articulação do bebê com o objeto parcial (o "seio"), que fica dividido na mente primitiva naquilo que a autora denominava de "seio bom" e "seio mau", sendo este o protótipo da primeira relação objetal da criança com o mundo externo, representado pela figura materna (Klein, 1946/1991). Com isso, Klein marca a distinção da figura materna e sua importância primordial para sustentar o desenvolvimento infantil, impedindo que o bebê, ainda precariamente constituído, se veja precocemente imerso no desespero do mais profundo desamparo, provocado pelo contato com as ansiedades de aniquilamento acentuadas pela dependência absoluta dos cuidados maternos. A descrição da formação do aparelho psíquico proposta por Klein é elaborada, predominantemente, a partir da postulação de movimentos do mundo interno que se esmeram na tarefa de lidar com os conflitos gerados pela ambivalência e frustração, mediados pelo seio materno (Coelho, 2002).
A Psicanálise das Configurações Vinculares é uma corrente do pensamento psicanalítico criada pelos psicanalistas argentinos Isidoro Berenstein e Janine Puget a partir dos anos 1950, para abarcar os múltiplos vínculos estabelecidos pelo indivíduo e suas estruturas inconscientes (Fernandes & Svartman, 2003). Representa um avanço na teoria psicanalítica, que possibilitou repensar a clínica, colocando o trabalho analítico em um eixo vincular.
Essa perspectiva decorre da necessidade de oferecer respostas às questões complexas com as quais nos deparamos na clínica contemporânea e que não podem ser apropriadamente expressas nos termos do modelo psicanalítico clássico. A teoria das Configurações Vinculares reescreveu o modelo clássico do inconsciente freudiano, reunindo o enquadre individual ao enquadre de grupo.
O inconsciente, pensado a partir da chave vincular, pode ser entendido como uma estrutura em rede, que está subjacente aos vínculos que o indivíduo estabelece nos vários contextos relacionais nos quais interage: família, casal, grupos e instituições (Berenstein & Puget, 1997). As Configurações Vinculares ampliam a compreensão do mundo psíquico, incluindo tanto a dimensão intrasubjetiva como a intersubjetiva (as redes vinculares familiares e sociais), além da transubjetiva - campo da transmissão psíquica cultural, segundo Kaës (2005).
De acordo com Klatau e Salem (2009), Winnicott afirma que o recém-nascido vive um estado de dependência absoluta e necessita de um ambiente capaz de prover as condições suficientes para que se instale uma identificação tão íntima a ponto de ser capaz de responder adequadamente às suas necessidades. Esse ambiente seria representado, inicialmente, pela mãe, e possibilitado pelo fato de que ela estaria vivenciando um estado emocional especial, que Winnicott denominou de "preocupação materna primária". Trata-se de um estado peculiar que capacitaria a mãe a ser sensível às demandas específicas do recém-nascido.
Segundo Esteca (2012), essa identificação altamente específica vivida na intimidade da relação mãe-bebê só é possível pelo fato de a mãe ter sido, ela própria, um bebê que recebeu os cuidados de uma mãe suficientemente boa. Diante do desamparo total vivenciado pelo recém-nascido, a mãe vivencia seu próprio desalento e fica também vulnerável diante da enorme responsabilidade de ter de suprir integralmente as necessidades daquele novo ser. Uma adequada maternagem, a qual Winnicott denomina como aquela que provém de uma mãe suficientemente boa, refere-se ao fato de que essa mãe não frustra nem gratifica de forma excessiva, o que possibilita um crescimento sadio do self do lactante.
Essa concepção leva o psicanalista a colocar o pai na posição de protetor da mãe e guardião da relação em que mãe-criança se acham entranhados e embebidos um no outro, constituindo uma unidade psicossomática. Ou seja, a função do pai, nesse momento, é de transmitir confiança e proteção à sua mulher, para que ela possa desempenhar plenamente sua função materna, sentindo-se confortavelmente instalada em um ambiente estável e protegido.
Apesar de outros autores terem teorizado sobre a questão do vínculo e de suas vicissitudes no desenvolvimento emocional, Zimerman (1999) ressalta que foi Bion o psicanalista que mais enfaticamente aprofundou o estudo sobre os vínculos e que este conceito ocupa um papel central em sua obra. Anteriormente à contribuição bioniana, os psicanalistas basearam seus esquemas referenciais em torno de dois vínculos: de amor e de ódio. O amor implica em ligação, união para formar unidades cada vez mais complexas por meio do investimento afetivo no objeto. O vínculo amoroso guarda um caráter quantitativo que mantém um equilíbrio entre o investimento na própria pessoa e no objeto externo. Já o ódio é manifestado por meio da desvinculação e da fragmentação, voltadas inicialmente ao mundo interior, tendendo à autodestruição, sendo, secundariamente, dirigidas para o mundo externo como agressividade voltada ao objeto. Bion propõe uma terceira natureza de vínculo: o do conhecimento, o qual está diretamente relacionado à aceitação ou não das verdades, particularmente as mais penosas, tanto externas como internas, as quais dizem respeito mais diretamente aos problemas da autoestima dos indivíduos.
Além desses três vínculos primordiais, Zimerman (1999) acredita ser necessário acrescentar mais uma modalidade vincular, que permita caracterizar mais especificamente as vicissitudes radicadas desde a relação primária mãe-bebê. O autor denomina esse quarto vínculo de reconhecimento. Este reconhecer se desdobra em quatro aberturas: o reconhecimento de si próprio, o reconhecimento do outro, o reconhecimento ao outro e ser reconhecido pelos outros. O reconhecimento de si próprio está relacionado com o voltar a conhecer aquilo que está reprimido ou negado de alguma forma, e que o sujeito não está conseguindo pensar. O reconhecimento do outro é indispensável para o crescimento psíquico; o sujeito precisa reconhecer no outro um sujeito autônomo, com ideias próprias e existência autônoma, bem como valores e condutas muitas vezes diferentes daquelas nas quais que ele acredita, para que possa avançar frente à posição narcísica. Manifestar reconhecimento aos outros diz respeito ao desenvolvimento da capacidade de consideração e gratidão. Já ser reconhecido pelos outros alude a uma necessidade crucial de todo ser humano, em qualquer cultura e circunstância, de se sentir reconhecido e valorizado pelos demais, como alguém que realmente existe e tem continuidade na linha do tempo e espaço, como ser único, dotado de individualidade.
Especificamente em relação à situação de análise, o vínculo transferencial recria a história do paciente e, por meio dele, o sujeito sofre o impacto de uma contínua transformação de sua subjetividade, o que dota a relação analítica de poder curativo. O vínculo tem função analítica quando leva o sujeito a ir além da remoção dos sintomas, para estabelecer contato consciente com suas questões até então não pensadas nem verbalizadas, atingindo então um patamar de autoconhecimento mais amplo do que possuía antes de se dispor a empreender a aventura do processo analítico.
Admitida a importância do vínculo, cabe ao psicanalista a delicada tarefa de reconhecer e suplementar as eventuais falhas ambientais a que, desde a mais tenra infância, o paciente foi exposto e, assim, operar analiticamente através de sua ânsia por sentir-se acolhido, compreendido e, especialmente, ser reconhecido nas suas manifestações de ilusão onipotente, seja de amor ou de agressividade, que são inerentes aos processos de diferenciação, separação e individuação (Zimerman, 1999).
Nesse sentido, Gondim (2002) afirma que é importante que o paciente se sinta à vontade para compartilhar sua intimidade psíquica com o psicoterapeuta, da mesma maneira que é fundamental que o terapeuta seja capaz de estar envolvido afetivamente - evidentemente, afinado com os preceitos da ética e responsabilidades do cuidar - com o paciente, a fim de que a interação ocorra de modo a fomentar transformações a serviço do crescimento. Para tanto, o setting terapêutico precisa ser um espaço de escuta e acolhimento, de compartilhamento de experiências genuínas de sentimentos, empatia, cumplicidade e responsabilização, e também de tolerância frente ao desconhecido, para que seja possível construir sentidos nas vivências do ser e, assim, promover mudanças que serão fundamentais para a manutenção da saúde psíquica.
Levando em consideração esses pressupostos, este estudo tem por objetivo apresentar um relato de experiência clínica que descreve o processo terapêutico de um paciente adulto, colocando em foco a análise do vínculo transferencial estabelecido com um psicoterapeuta iniciante.
Material clínico
Apresentação do paciente
João, nome fictício, é um rapaz de 23 anos, que se mudara para Ribeirão Preto havia alguns anos com o objetivo de cursar pós-graduação. Buscou atendimento espontaneamente, queixando-se de sintomas de ansiedade, com manifestações repentinas de taquicardia e apneia. Durante a primeira entrevista realizada no plantão psicológico João relatou sofrer cobrança excessiva da família devido à sua decisão de dar continuidade aos seus estudos, em nível de pós-graduação, e pelo fato de não estar trabalhando. O paciente também se referiu à sua relação difícil com seu orientador e manifestou insatisfação em relação ao desenvolvimento de seu projeto de pesquisa. Na primeira entrevista também mencionou ser suscetível a um sentimento perturbador, que descreveu como pavor de ficar sozinho. Também referiu ter uma preocupação excessiva em agradar seus amigos para não os perder. Assim, associou esse pavor de ficar sozinho com sua dependência emocional de pessoas que lhe são próximas.
João conta que viveu em sua cidade natal, situada em outro estado, até alguns anos atrás, quando saiu de casa para morar sozinho pela primeira vez. Na cidade natal ele morava com sua mãe, seu padrasto, um irmão mais novo e o avô paterno. Seus pais são separados e ele tem pouco contato com seu pai biológico. Depois de alguns convites que ele lhe fez para eventos importantes como formaturas e aniversários, aos quais o pai não compareceu, João diz ter desistido de tentar uma aproximação.
O paciente contou que havia alguns anos namorava uma moça de sua cidade natal e que atualmente eles se encontram com frequência bimestral. Ele se caracteriza como uma pessoa tranquila, sensível, que sempre gostou muito de estudar e que tem interesse pela área de educação.
Após ter tido algumas sessões no plantão psicológico, João ficou aguardando em fila de espera da clínica, sendo chamado para o atendimento alguns meses depois, com frequência de uma sessão semanal. Após alguns meses de psicoterapia, o atendimento foi interrompido momentaneamente no período de férias escolares. Com a retomada da terapia após as férias de fim de ano, em fevereiro do ano seguinte, o paciente concordou com a proposta de aumentar a frequência dos encontros para duas sessões semanais. Durante todo o período de atendimento o paciente teve poucas faltas, geralmente antecedidas de justificativas, e quase não houve atrasos nas sessões em que compareceu. A assiduidade e compromisso demonstrados com sua psicoterapia possibilitaram a construção de um campo analítico bem estabelecido, permeado por diálogos que favoreceram a ampliação e aprofundamento das questões trazidas pelo paciente.
Evolução do caso
Para organizar o relato clínico, escolheu-se focalizar um fio condutor do processo terapêutico. O recorte recaiu sobre o conceito de vínculo e como ele havia sido estabelecido na relação de João com seu orientador, com seu amigo mais próximo e com o terapeuta. Esse recorte foi destacado a partir de reflexões do terapeuta sobre o retrospecto do processo terapêutico, mas esteve na pauta de discussões e trocas de percepções nas supervisões do caso.
Os primeiros meses do atendimento foram marcados por conversas quase que exclusivamente referentes à vida profissional de João, sua inserção no laboratório em que atuava como pesquisador sob supervisão de seu orientador, o relacionamento com seu amigo, que também esteve em pauta em muitas sessões, e as suas outras relações que também aconteciam no ambiente acadêmico.
Frequentemente, João contava os acontecimentos que vivenciava, associando-os com forte emoção. Parecia estar em um momento de intensa vulnerabilidade emocional. Mostrava-se insatisfeito nas funções que havia assumido junto ao laboratório e, sobretudo, na forma com que estava se relacionando com o orientador. Queixava-se de ser alvo de indiferença por parte do docente, que de acordo com sua percepção não compreendia nem considerava o momento difícil pelo qual ele estava passando. Entre os acontecimentos mais dolorosos e angustiantes, descreveu situações em que foi destratado pelo orientador na frente de outros colegas, algumas ameaças sofridas por outros membros do laboratório e a pressão contínua para a entrega de resultados. Acima de tudo, o paciente se sentia atacado em sua capacidade intelectual e postulava que estava sendo tratado de forma injusta.
João relatou que a pessoa com quem mais conversava nesse período era um amigo com quem dividia uma república de estudantes, e que também cursava pós-graduação com o mesmo orientador. Era alguém com quem ele sentia poder compartilhar suas angústias, no entanto, o descrevia como uma pessoa que tinha uma personalidade bem diferente da sua. Referia-se a esse amigo como uma pessoa mais pragmática e sem muita sensibilidade para o trato com os demais, ao passo que ele se definia como alguém com características opostas. Apesar disso, eles se davam bem e eram confidentes, principalmente em relação às situações ocorridas no laboratório de pesquisa.
No período inicial do processo terapêutico o terapeuta buscou acolher as queixas de João e tentar entender como ele se colocava nessas relações, que eram amplamente dissecadas durante as sessões. Buscou focar na escuta ativa e no estabelecimento de um vínculo terapêutico que possibilitasse compreender como João se relacionava com seu mundo interno e, ao mesmo tempo, favorecer maior abertura no discurso do paciente, deixando-o à vontade para se expressar da forma que preferisse na sala de análise, sem qualquer julgamento ou pretensão de interpretar rapidamente os fatos que ele trazia para análise.
Com o decorrer do tempo o terapeuta pôde perceber que o paciente começou a se sentir mais confiante e próximo de sua pessoa, o que favoreceu uma relação de maior intimidade, em contraste com as primeiras sessões, nas quais ele parecia estar deslocado ou com algum receio difuso - esse era o sentimento predominante ao longo do primeiro mês de psicoterapia. Um fato que ilustra essa atmosfera de apreensão e insegurança é que João nunca mencionava o nome de seu orientador, nem o de seu amigo. Sempre se referia a eles de forma genérica, mantendo-os no anonimato. Apenas por volta do terceiro mês de psicoterapia ele começou a referir-se aos dois pelos nomes próprios, que a partir daí apareciam frequentemente em seus discursos. O terapeuta reconheceu, de pronto, essa mudança e apontou-lhe, comunicando que o vínculo parecia estar se fortalecendo e, com isso, ele podia se permitir confiar mais em si e no processo de análise. João concordou com esse apontamento, reconhecendo que não havia percebido essa mudança, nem o fato de ter evitado, a princípio, nomear as pessoas relevantes com quem interagia.
É conveniente destacar uma fala do paciente que ilustra como ele se posicionava na relação com seu orientador:
Essa relação de poder com ele, como já te falei na sessão anterior, me deixa muito frustrado. Ele acabou com minha alegria de estudar e pesquisar, sabe. Antes eu era o cara que, se a professora, por exemplo, passasse para ler dois capítulos de Wallon, eu iria pegar e ler o livro inteiro. Agora parece que as coisas estão sem sentido. Meu projeto de pesquisa mesmo tem muito a influência dele, ele disse que só me pegaria como orientando se fosse com as alterações, assim como os outros orientados dele. Tudo bem que eu aceitei, em prol desse sonho que era estar aqui fazendo pós-graduação. Não sei se você é daqui ou não, mas para quem vem de fora, é uma realização chegar até aqui. Eu também tinha admiração pelo trabalho dele e tudo, mas hoje não vejo mais assim.
Foi possível perceber um vínculo inicial fortemente idealizado com a universidade e o anseio de desenvolver um projeto de pesquisa que estivesse congruente com suas aspirações elevadas. Esse tipo de vínculo não tardaria a se transformar em uma experiência desagradável, um trabalho custoso permeado por um relacionamento percebido como difícil e desmotivador.
Escutar a dimensão vincular é entender que o sujeito que se queixa na sala de análise é expressão de um sofrimento multipessoal, que remete no mínimo a duas pessoas. A ênfase deve ser colocada no espaço entre as pessoas, espaço vincular que constitui e tece uma trama na qual se deve captar a angústia a ser compreendida.
Ao longo das sessões foi possível entender as manifestações das queixas que o levaram a buscar ajuda psicológica. Além da relação ambivalente com o orientador, seu relacionamento com o amigo mais próximo também sofreu transformações significativas, evoluindo de um vínculo de amizade idealizada para uma relação conflituosa, embora o desconforto fosse mantido em um nível latente e reprimido, perpassada por palavras não ditas e sentimentos velados. Com a interdição dos afetos desagradáveis, João supunha poder manter a situação sob controle. João relatou algumas situações nas quais sentia que seu amigo não respeitava seu espaço e seu modo de ser mais quieto e introspectivo. Por exemplo, a situação de jogar videogame com o amigo era relatada como extremamente ansiogênica para ele. O amigo o desafiava à competição e por vezes eles apostavam algum pequeno valor e João invariavelmente perdia a disputa, sentindo-se frustrado. No entanto, de forma calculada, guardava a raiva para si, afastando-se da contenda sem revidar as provocações do amigo, o que também gerava tristeza e descrença em seu próprio potencial. Assim, era capaz de manter as aparências, porém ficava abatido e ferido em sua autoestima.
Os vínculos com o amigo e com o orientador foram tematizados nas sessões durante os seis primeiros meses do processo terapêutico. A produção singular desses vínculos implicava a repetição de uma determinada configuração vincular que esvaziava e empobrecia a vida de relações do paciente.
O terapeuta pôde perceber que a relação terapêutica estabelecida nesse momento era marcada por forte ambivalência, um vínculo confuso que mesclava amor e ódio, desejo de reconhecimento e um ressentimento que ele não permitia que aflorasse e se tornasse reconhecido pelo outro. João não conseguia entender porque não era capaz de explicitar a profunda insatisfação que sentia com esses relacionamentos, pois entendia que tanto o amigo quanto o orientador faziam pedidos insistentes para que ele mudasse seu comportamento e ele sentia que não estava conseguindo se ajustar ao que eles esperavam de sua pessoa. O mal-estar permanente resultante dessa dinâmica se tornava crescente e a cada dia mais insustentável, potencializando alguns de seus sintomas.
João não se percebia inteiramente presente nesses vínculos ambivalentes, nem percebia que o relacionamento se dava em uma díade; apenas se culpava e se auto-responsabilizava excessivamente frente a uma relação desequilibrada, buscando assegurar o reconhecimento do outro. Por vezes, ele descrevia o vínculo que estabelecera com o amigo como uma relação de dependência emocional, a mesma que era percebida, na esfera profissional, em relação ao seu orientador, ambas com um invólucro afetivo-emocional muito forte.
Essa fala apontando a dependência remete ao que Winnicott teorizou sobre a dependência absoluta do bebê em relação ao ambiente, postulando-a como fator central para o desenvolvimento emocional infantil. Essa é a premissa fundamental para explicar como a pessoa enfrenta desafios para crescer e adquirir existência pessoal. Para Klautau e Salem (2009), a dependência e confiança básica, na teoria winnicottiana, são termos inseparáveis: as bases psicológicas da confiança começam a se estabelecer nos primórdios do desenvolvimento com o suprimento, pelo ambiente, das necessidades próprias ao início da vida infantil. Isso possibilita que a criança possa "descobrir" o ambiente espontaneamente, indo ao encontro da realidade em vez de ser abalroada e invadida por ela.
O conjunto de cuidados necessários ao desenvolvimento infantil oferecido pela mãe em seu estado de preocupação materna primária pode, portanto, ser compreendido como o fundamento da futura capacidade de confiar. Em outros termos, o curso inicial do estabelecimento do vínculo de confiança depende da vivência de uma atitude confiável com a qual o outro-ambiente se apresenta ao bebê de maneira sutil, gradual e aceitável.
No caso em questão, podemos compreender que o ato de sair pela primeira vez de sua cidade natal e se afastar do convívio com seus familiares e sua namorada exigiu que João depositasse a confiança de que necessitava nos novos vínculos que construiu na cidade em que fixou residência. Os novos vínculos foram modelados a partir dessa necessidade de se reconhecer e ser reconhecido no novo ambiente até então desconhecido. As pessoas que foram depositárias dessa necessidade foram o orientador, pela relação profissional e de autoridade, e seu amigo próximo. Mesmo se inserindo em relações desequilibradas, João aceitava, ainda que a contragosto, se submeter aos desejos do outro para preservar os novos vínculos, poupando-os de eventuais turbulências, e assim evitar os rompimentos e as angústias de desamparo e separação resultantes.
Na sua mente, caso ele desse vazão à raiva suscitada pela constante insatisfação vivenciada nas situações interpessoais que o desagradavam, poderia magoar as outras pessoas, fazendo com que elas se afastassem e o vínculo fosse desfeito. Para Zimerman (1999), uma pessoa pode, por meio de processos inconscientes, adaptar-se às expectativas que os demais valorizam e impõem como condição para oferecer aceitação, admiração e amor. Winnicott descreve esse mecanismo como manifestação de uma defesa do tipo falso self. Trata-se de um ajustamento superficial, baseado em um vínculo inautêntico com a realidade a qual sente que deve se submeter.
Ao longo do processo terapêutico, o vínculo foi se fortalecendo e a confiança de João no psicoterapeuta foi se instalando progressivamente, a ponto de, no período em que o acolhimento se mostrava fundamental, ter sido possível devolver de forma gradual novas possibilidades de ele se colocar nas relações com seu amigo e seu orientador. À medida que o excesso de carga emocional foi decrescendo, ele passou a compreender e a pensar nas quatro aberturas do vínculo de reconhecimento, desde uma nova perspectiva. Notou-se uma diferença na forma de se reconhecer, agora com preservação da autoestima e crença em suas potencialidades, o que transformou também o modo de enxergar suas relações e considerar a importância de se nutrir com trocas afetivas mais igualitárias e que fossem recíprocas e benéficas para ambas as partes, não se responsabilizando totalmente por tudo o que acontecia em suas relações.
Na clínica vincular o psicoterapeuta dirige sua atenção justamente para esse espaço no qual os sujeitos criam uma forma de se relacionar, constituindo uma trama ou rede de conexões na qual se entrecruzam aspectos conscientes e inconscientes. Mas é preciso pontuar que o foco na trama vincular não exclui a dimensão do sujeito. O intrasubjetivo não exclui o intersubjetivo. O que se faz é apenas deslocar o vértice de análise, mas essas duas facetas estão sendo sempre contempladas porque se completam.
Com o apoio do processo terapêutico, João pôde experimentar um vínculo de confiança em que não necessitva mais se adaptar superficialmente às expectativas do terapeuta para que pudesse se sentir confiante e seguro quanto à possibilidade de ser reconhecido e amado. No setting analítico ele pôde se mostrar de forma mais autêntica, com suas potencialidades e insuficiências genuínas, sem temer que o terapeuta pudesse criticá-lo ou abandoná-lo. Por meio de uma atitude de compreensão, disponibilidade e sintonia afetiva foi possível ao terapeuta adaptar-se empaticamente às necessidades do paciente, identificando-se parcialmente com seu sofrimento e reproduzindo uma situação na qual o ambiente se ajustava ativamente às suas necessidades, uma pré-condição para ativar seus processos de integração.
Ao reconhecer e nomear o sofrimento do paciente, o terapeuta pôde lhe emprestar sua sensibilidade, colocando seu funcionamento mental à disposição de seu crescimento, permitindo assim que ele pudesse retomar a linha interrompida de sua evolução.
Considerações finais
A psicanálise clássica, de inspiração freudiana, dirige a escuta para o mundo intrapsíquico. Já a Psicanálise das Configurações Vinculares delineia um inconsciente que se configura na trama vincular. Tal postulado teórico de um inconsciente vincular serviu como o balizador que permitiu acompanhar o processo terapêutico de João ao longo de uma experiência singular.
A noção de configuração vincular exige que se considere sempre que há dois ou mais sujeitos, que estabelecem entre si laços que desenham um tipo de vinculação específica, permeada por elementos conscientes e inconscientes, no bojo de uma situação que se organiza e produz efeitos de subjetividade e alteridade. Portanto, a presença do outro está na gênese de todo o processo. A aposta na transformação dos vínculos permite que o paciente possa se fortalecer a partir da presença de um outro que tem disponibilidade para acolher sua dor.
Considera-se que a oportunidade de estar em um atendimento por um período de um ano e meio é um privilégio no período de graduação do psicoterapeuta. A possibilidade de acompanhar um paciente por um período relativamente longo, no bojo de uma experiência de ensino e aprendizagem, gera reflexões referentes à prática profissional que seriam impossíveis de serem pensadas em relações terapêuticas de curta duração. Emergem questões referentes ao lugar do terapeuta e do paciente na relação terapêutica e às condições necessárias para viabilizar as transformações possíveis nos vínculos no decorrer do processo analítico.
O terapeuta pôde compreender que sua postura nas sessões deve sempre implicar em abertura para as demandas do paciente, disponibilizando uma escuta apurada para tentar ajudá-lo em suas necessidades. Essa aprendizagem, gradual e dinâmica, possibilitou, ao longo do tempo, intervenções mais seguras e de impacto positivo sobre a trama vincular. Além disso, foi possível compreender que não basta o conhecimento teórico para exercer o ofício de psicoterapeuta, mas se faz imprescindível trabalhar com os próprios conteúdos emocionais, potencializando seus efeitos transformadores, de modo a transformá-los também em ferramentas de trabalho.
Foi um período em que emergiram dúvidas, incertezas, angústias, ansiedades e questionamento em relação às insuficiências do próprio saber psicanalítico. Ao enfrentar esses desafios, o psicoterapeuta em formação pôde desenvolver sua postura profissional mantendo-se ciente de sua responsabilidade na condução do processo, com atitude de respeito à realidade psíquica do paciente que mantém sob seus cuidados durante uma jornada de intenso e árduo trabalho com as configurações vinculares.
REFERÊNCIAS
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Endereço para correspondência
Manoel A. Santos
E-mail: manoelmasantos@gmail.com
Tomaz Alvares Ciani
E-mail: tomazciani@yahoo.com.br
Sandra Cristina Pillon
E-mail: pillon@eerp.usp.br
Kelly G. G. Vedana
E-mail: kelly.giacchero@gmail.com
Adriana Inocenti Miasso
E-mail: amiasso@hotmail.com
Jacqueline de Souza
E-mail: jacsouza2003@gmail.com
Mayara Colleti
E-mail: mayara_colleti@hotmail.com
Eduardo N. Risk
E-mail: eduardonrisk@gmail.com
Pedro Ernesto Rodrigues
E-mail: pedernesto@gmail.com
Érica Arantes Oliveira-Carsoso
E-mail: erikaao@ffclrp.usp.br
Recebido em: 30.10.2017
Avaliado em: 10.11.2017
Aceito em: 20.11.2017
1 Psicólogo. Professor Titular do Departamento de Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq nível 1B.
2 Psicólogo. Membro do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Psicologia da Saúde - LEPPS (FFCLRP-USP-CNPq).
3 Enfermeira. Professora Titular do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo.
4 Enfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (EERP-USP).
5 Enfermeira. Professora Associada do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (EERP-USP). Bolsista de Produtividade em Pesquisa do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).
6 Enfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem Psiquiátrica e Ciências Humanas da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (EERP-USP).
7 Psicóloga. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP).
8 Psicólogo. Mestre e doutorando pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP). Bolsista de Doutorado da CAPES.
9 Psicólogo. Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP).
10 Psicóloga. Mestre e Doutora em Psicologia. Docente do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (FFCLRP-USP).