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Ciências & Cognição

versão On-line ISSN 1806-5821

Ciênc. cogn. v.14 n.3 Rio de Janeiro nov. 2009

 

ARTIGO CIENTÍFICO

 

A árvore na poesia de Drummond: a construção de livro paradidático para a educação ambiental

 

The tree in Drummond´s poetry: a paradidatic book construction to environmental education

 

 

Teresa Julieta Santos AndradeI; Maylta Brandão dos AnjosII; Giselle RôçasIII

IFundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil
IICentro Universitário Plínio Leite (UNIPLI), Niterói, Rio de Janeiro, Brasil
IIIInstituto Federal de Educação Ciência e Tecnologia do Rio de Janeiro (IFRJ), Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

 

 


RESUMO

Em virtude do reconhecimento da necessidade da discussão acadêmica sobre material didático e paradidático de apoio à Educação Ambiental, o presente artigo apresenta, de forma breve, a construção de um livro infanto-juvenil em seus enfoques e trajetórias. O livro intitulado Procurar o Quê? A Árvore na Poesia de Drummonde com o sub-título Uma fotoviagem de Educação Ambientalfoi construído a partir de uma seleção de poemas de Carlos Drummond de Andrade, tendo como eixo o tema Árvore. Ele foi desenvolvido sob o enfoque social da educação ambiental com conteúdos que podem ser trabalhados por diferentes disciplinas e prevê em seu projeto global a inclusão de fotografias e ou ilustrações botânicas. Cada poema é acompanhado de um texto da autora, Professora de Biologia da rede pública do Estado do Rio de Janeiro. O presente artigo além de evidenciar o aspecto ecológico da obra poética de Carlos Drummond de Andrade nos instiga a pensar na associação entre arte e ciência remetendo-se a autores que discutem os aspectos da questão ambiental.

Palavras-chave: Carlos Drummond de Andrade; educação ambiental; livro paradidático; transversalidade.


ABSTRACT

In order to contribute to the discussion about didactic and paradidactic material to support Environmental Education, this article registers the proceedings to create a paradidactic book for children and teenagers, which contents might be worked upon a pedagogical interdisciplinary way. The book´s title is Procurar o quê? A Árvore na poesia de Drummond and the subtitle "Uma fotoviagem de Educação Ambiental". The contents were seletected based on the Carlos Drummond de Andrade's poetry, each one dealing with one or more botanical samples, most of them Brazilian native tree species. The aim of this study was to show up the ecological aspect of Carlos Drummond de Andrade's poetic work, linking his poetry to aspects related to the environmental conservation, the human rights and duties taking into account a maintainable equitable society. Along with the methodological description of the book, the article brings a theorical reflexion on Enviromental Education emphasized in some authors.

Keywords: Carlos Drummond de Andrade; enviromental education; paradidactic book; transversality.


 

 

1. Introdução

A Educação Ambiental (EA) envolve aspectos diferenciados do saber, lidando com elementos que devem "tocar corações e mentes" para favorecer a sua eficiência (Langenbach, 1997). Seguindo tal proposta, no Brasil, diversos projetos de EA utilizam-se do potencial sensibilizador das artes em geral para desenvolver os trabalhos junto ao público. Nesse sentido, buscamos a temática ambiental a partir da poética de Carlos Drummond de Andrade, para a construção de um livro paradidático com os objetivos básicos de envolver o leitor e de romper os limites disciplinares, inspirando atividades integradas à realidade dos sujeitos da educação. Sujeitos que reconstroem sua história, que modificam sua forma de ser e se fazer no mundo.

O tempo presente é legado de uma história rica em fatos e acontecimentos que poderão ser revistos para composição do presente e formulações futuras. Os poetas em seu fazer poético registram momentos históricos e mesmo subvertendo ordens fazem ligações entre tempos. O passado é reflexo de uma vida social que se mostra nas várias interpretações que dele se tem. Há de se observar que no mundo contemporâneo, de forma cada vez mais acessível, uma sobrecarga de informações rápidas, fragmentadas e, por vezes desconexas, são disponibilizadas através dos meios de comunicação, sem que haja uma devida reflexão de ambas as partes, não compondo um quadro satisfatório no campo do saber e, por conseguinte para a construção de conhecimento. Esta deve ser processada de forma crítica e criadora, a partir da observação do mundo e das relações que se faz deste com o saber. Os livros didáticos e paradidáticos, reunindo conjuntos de conteúdos significativos podem auxiliar o leitor a ampliar sua visão de mundo, a aprofundar seu olhar de forma crítica às situações que emergem do processo da vida.

Para o desenvolvimento da proposta de se trabalhar na interface ambiente e produção didática, foram levantados vários assuntos que mediam as temáticas. Neste contexto, foi verificada, segundo o relatório apresentado pela Assessoria de Comunicação Social do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) no ano de 2007, a importância que os professores atribuem a escolha dos livros didáticos, sobretudo no que se relaciona a adequação ao projeto político-pedagógico das escolas e à realidade da comunidade escolar. Sendo assim, neste cenário, reconhece-se a necessidade da ampla discussão nacional sobre a construção de material de apoio à Educação Ambiental. Considerando também os livros paradidáticos como uma ferramenta de enriquecimento do trabalho educativo, este estudo relata as etapas de construção de um livro paradidático1 de educação ambiental, com foco na poética de Drummond, buscando envolver conteúdos inter-relacionados.

Seguindo este pressuposto, foram analisados e utilizados, como suporte teórico, alguns conceitos de interdisciplinaridade e de transdisciplinaridade, tendo em vista a perspectiva de formulações de livros paradidáticos. Consideramos aqui a definição de Houaiss e Villar (2001) que assumem o livro paradidático como um material escolar que não sendo exatamente didático é empregado com esse objetivo. No início do projeto de estudos procuramos descrever em seus aspectos teóricos e metodológicos a educação ambiental, na busca de adequação do livro a ser construído. Como produto final do estudo, ele almeja atender o público-alvo infanto-juvenil, tendo em vista que a articulação entre literatura e educação ambiental deva ocorrer em todos os momentos da formação do conhecimento e que um dos meios privilegiados para atender a esta questão, que se torna uma problemática dentro do ensino formal, é a leitura que sensibiliza pela identidade cotidiana.

Drummond passeou pela lógica de apreender o mundo nas suas dimensões, diversidades e beleza. Um livro que se proponha a isto, constrói, informa e sensibiliza para a problemática posta em questão na contemporaneidade. Cria significado para a mesma que ultrapassa a visão ingênua e simplificada das circunstâncias e fatos que tangenciam a vida social. Esta se traduz numa das grandes contribuições dos livros paradidáticos, sobretudo para a formação crítico-social dos sujeitos que estão inseridos no processo de educação formal.

 

2. Metodologia

O livro Procurar o quê? A árvore na poesia de Drummond -Uma fotoviagem de Educação Ambiental2, coletânea poética, comentada e ilustrada, foi escrito por uma professora de biologia3 da rede FAETEC do Rio de Janeiro e pretende contribuir como material de apoio na construção de agendas 21escolares, de acordo com o Programa "Vamos Cuidar do Brasil com as Escolas", elaborado pelo Órgão Gestor de Educação Ambiental do Ministério da Educação e do Ministério do Meio Ambiente. A coletânea é constituída por uma seleção de 18 poemas de Drummond, onde 30 exemplares da flora, na maioria árvores nativas do Brasil, estão referenciados, representando em seu conjunto 17 famílias botânicas.

Critérios nortearam a escolha dos poemas em função do público-alvo; os longos e os particularmente densos, ainda que sob mesmo tema não foram incluídos. Em alguns, a árvore presente não se constitui em figura central, comparecendo aparentemente como mera citação. A partir da premissa de que no verdadeiro poema, tudo há que se levar em conta, essas referências foram valorizadas como manifestações simbólicas, melhor dizendo, como fortuna simbólica implícita.

No livro, associado a cada poema, encontra-se um texto da autora e uma ilustração alusiva buscando formar uma imagem que estabeleça um vínculo entre a realidade e a poesia. Os textos referentes aos poemas constam de uma parte inicial com informações biológicas (classificação científica dos exemplares vegetais ali encontrados acompanhada de breve descrição botânica dos mesmos e de algumas de suas relações com a fauna) e de uma segunda, com breves comentários da autora, sob o enfoque da educação ambiental crítica. Não é da natureza da poesia ter propósitos, deles se ocupa a educação ambiental. No conjunto dos comentários as árvores surgem em contextualização geográfica, histórica, econômica, social, estética e cultural. Contextualizar com fatores da realidade é proposta freireana que coaduna criatividade, literatura e questões ambientais. Tal fato instiga o leitor no campo técnico-científico, despertando para a importância do entendimento interdisciplinar da EA. Os exemplares vegetais, presentes no livro, foram relacionados aos seus biomas naturais de origem.

A proposta da formulação do livro nasceu, então, da interface própria e cabível entre dimensões ambientais, educacionais e poéticas. Esta problemática posta instiga novas questões e atravessam o campo político no que se relaciona a novas propostas de formulação dos livros paradidáticos.

A poesia, na elaboração do livro, é o componente maior para a sensibilização e identidade do sujeito adolescente e criança com a árvore. Árvore por sua vez, que em seu sentido lato e poético é o estímulo para a reflexão ambiental. A poesia e a informação se aliam num momento privilegiado para despertar o sentimento e o afeto de cuidado com o meio. É forma indispensável de uma linguagem que busca o diálogo, a introspecção e a reflexão do sujeito no mundo e do mundo que os sujeitos constroem. Nesta perspectiva a autora caminhou, tendo claro que fazer poesia é construir novos mundos contribuindo para a consolidação do conhecimento e para a formação dos sujeitos em processo. E, assim, de uma proposta simples, a problematização acontece.

De acordo com a premissa de que é direito do leitor o conhecimento dos motivos e métodos do autor para a feitura do livro, foi elaborada uma Carta ao Leitorexplicitando o conteúdo do livro e os procedimentos metodológicos empregados.

2.1. A interdisciplinaridade e a transversalidade na construção de um livro paradidático

Ao construir o livro, o foco na perspectiva da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade foi considerado relevante, o que não poderia ser diferente, já que ambos os termos se constituem expressos como balizadores na Lei brasileira Nº 9.795, promulgada em 1999. Sendo assim, tivemos claro que seus conceitos deveriam ser historicamente analisados, para que fossem devidamente trabalhadas na tríade proposta no livro: poética, ensino, e ambiente.

Para tanto Morin (1996), um dos teóricos da interdisciplinaridade, foi trazido à luz do debate. Em sua fala, o autor afirma a necessidade de se conscientizar sobre a complexidade de todas as realidades físicas, biológicas, humanas, sociais e políticas. De um lado, observa que as ciências humanas não percebem os caracteres físicos e biológicos dos fenômenos humanos e, de outro, que as ciências naturais não percebem sua inscrição numa cultura, numa sociedade, numa história. Essa distância existente entre as ciências assinala a necessidade da interdisciplinaridade e, como narra o autor, esse problema não se resolve dentro de uma concepção simplista de adição ou acoplagem de conhecimentos.

Este artigo ao registrar o processo de construção do livro, estabelece um foco na dinâmica da constituição dos sentimentos que estão postos na vida, pela palavra de Drummond, buscando uma conexão interdisciplinar entre literatura e ciência. Historicamente é registrada, numa prática disciplinar e linear a cisão civilizacional com os aspectos de preservação e conservação da natureza. Ao trabalhar com a educação buscamos mobilizar conhecimentos para que esta se dê com melhores resultados na formação dos alunos. A poética em Drummond teatraliza a vida, traz e desperta para o contexto do mundo que se constrói e se reconstrói. Coloca um mundo onde se aprende mais, sendo nesta vertente que o ambiente se insere de forma viva e dinâmica e onde a ciência pode criar outros significados e significantes.

No processo de construção do conhecimento estão presentes a associação de idéias, a compreensão do mundo na sua perspectiva crítica e histórica, e a transformação. Fundamentados no campo do saber interdisciplinar, os alunos passam a compreender os fenômenos históricos, políticos, sociais e ambientais sob vários pontos de vista e assim utilizam conhecimentos de várias disciplinas para resolver problemas concretos. A interdisciplinaridade supõe um eixo integrador, que no caso do livro paradidático construído neste estudo é a Árvore.

Na esfera do ensino, interdisciplinaridade e contextualização são dois conceitos intimamente ligados. A aplicação da interdisciplinaridade se traduz em contextualização. A contextualização, situação indispensável no universo do conhecimento deve estar presente também no espaço do texto.

O texto, que é mediação do homem no mundo, texto que é interatividade e interlocução, que rompe com o pensamento linear e disciplinar de uma visão de mundo. Para tanto o termo transdisciplinaridade apresentado por Jean Piaget em um congresso sobre interdisciplinaridade em 1970; referia-se ao sufixo trans, como o que atravessa, o que está entre e além das disciplinas. Japiassú (1976: 75), citando Piaget, afirma que na ocasião, foi argumentado que:

"As etapas das relações interdisciplinares são sucedidas por etapa superior, a transdisciplinar, e que essa não se contentaria em encontrar interações ou reciprocidades entre pesquisas especializadas, mas situaria essas ligações no interior de um sistema total, sem fronteiras entre as disciplinas."

O documento Carta da Transdisciplinaridade, produto do I Congresso Mundial de Transdisciplinaridade, ocorrido em Arrábida, Portugal, e que teve como redatores, Lima de Freitas, Edgar Morin e Basarab Nicolescu (1994), afirma em seu Artigo 3º:

"A transdisciplinaridade é complementar à aproximação disciplinar: faz emergir da confrontação dados novos que as articulam entre si; oferece-nos uma nova visão da natureza e da realidade. A transdisciplinaridade não procura o domínio sobre as várias outras disciplinas, mas a abertura de todas elas àquilo que as atravessa e as ultrapassa."

Entendemos que a poesia nas várias mediações que possibilita se faz ela própria transdisciplinar. O livro Procurar o quê - A Árvore na poesia de Drummond-Uma Fotoviagem de Educação Ambiental,utiliza-se da poesia como ponto de partida e assim reflete a educação transdisciplinar. Reflete este novo momento integrador, dinâmico e questionador sobre o qual estamos caminhando.

Pode-se dizer ainda que o sentido conceitual da palavra transdisciplinaridade se traduz em uma ética educacional que reflete basicamente o respeito às diferenças culturais e que alarga conceitos, provocando novas dinâmicas relacionais.

No livro, o respeito às diferenças foi contemplado pela apresentação de usos e costumes do povo brasileiro, em suas relações de convivência com a flora citada, como por exemplo, nos relatos da técnica do domínio da Peconha pelo apanhador de açaí ou da criatividade de artesãos ao moldar as fibras das folhas do buriti.

2.2. A opção pela linguagem literária

A literatura, em seu poder de instigar, de encantar de "como-ver" gera comportamentos, sentimentos e atitudes, sem falar que algumas obras literárias se constituem como antevisões de teorias ou descobertas científicas. Podemos constatar tal feito nas palavras de Drummond, que parece antever em sua obra literária as discussões acerca do ambiente, que iriam se travar no mundo acadêmico e científico contemporâneo. A literatura em Drummond clama pelo cuidado com as formas e com o passar do tempo. É profunda e, essencialmente, verdadeira e factível. Neste contexto e segundo Coutinho (1978), a relação com a literatura é experiência vital: "através das obras literárias, tomamos contacto com a vida, nas suas verdades eternas, comuns a todos os homens e lugares, porque são as verdades da mesma condição humana" (Coutinho, 1978: 9-10).

Como argumenta Lajolo (1997), a literatura atua na construção, difusão e alteração de sensibilidades e de representações do imaginário coletivo. É também representativa de situações e desejos. De projeções e fazeres. De ambiente e vida. Para tanto, trazemos Reigota (1995), quando assinala que meio ambiente e principalmente Educação Ambiental, ambos, por seu caráter difuso e muito variado, devem ser considerados como representações sociais. Os textos literários, por suas circunstâncias, também se constituem como representações de realidades, que são vividas e experimentadas na vida social, cultural, educacional, afetiva, política e ambiental.

A literatura é a linguagem não oficial, é a linguagem da liberdade, da reflexão, dos silêncios e da criação. É a linguagem da livre expressão que torna autônomo o sujeito e o reconhece no campo de sua liberdade, no fazer autoral da sua capacidade de ver e fazer-se na vida. Nessa perspectiva, trabalhar EA no sentido mais sensível do ser humano é trazer a literatura para a construção das idéias, visões e discursos. É proporcionar ao aluno mais opções dentro de uma lógica processual de ensino, uma lógica de reafirmação do mesmo num processo maior de busca escolar.

Cumpre dizer ainda que, os livros de linguagem literária se constituem num contraponto ao tempo fugaz, mormente aturdido por palavras, e carecem ser especialmente valorizados, o que não se situa em detrimento do fomento da expansão inclusiva do acesso ao texto eletrônico.

Para o autor de livros infanto-juvenis, Mundukuru (2004: 3):

"(...) palavra não é apenas o som que emitimos e que nos vangloriamos de sermos possuidores. Palavras também são os sons da natureza e do silêncio. O que calamos. Acho que os silêncios que faço em meus textos são mais eloqüentes que as palavras que escrevo. Neles mora o encantamento, pois traz ao universo do excesso de palavras da cidade o que é vivo no coração da floresta. A palavra silenciosa dá outras asas às palavras."

A interjeição Ave, de origem latina, é usada como saudação. Guimarães Rosa significativamente deu a um de seus livros o título de Ave Palavra.

Cavallo e Chartier (1998) referem-se à distinção entre o texto escrito e suas leituras, sendo estas, o uso e a interpretação que dele fazem os leitores, reconhecendo que a existência de um texto se dá porque existe um leitor para dar-lhe significado. Assim, deve-se entender que é na relação com os leitores que um texto se transforma, se expande horizontalmente, se atualiza, ou seja, é nessa relação que um texto acontece em sua plenitude; a própria etimologia da palavra texto (do latim textus, tecido), remete à metáfora, em uso na Educação Ambiental e na Informática, de emaranhado de fios, de rede de construção coletiva.

Neste sentido, a obra poética de Carlos Drummond de Andrade foi estudada e avaliada, desde 1930, para a construção da coletânea de educação ambiental. O público-alvo deste recurso paradidático deve ser composto no geral por aqueles que já tenham adquirido a plenitude do raciocínio hipotético dedutivo, ou seja, o desenvolvimento do pensamento formal, caracterizado por Piaget (1961) como ocorrente a partir dos onze aos doze anos de idade.

Mas é importante salientar, como analisa Lajolo (1997), que as barreiras entre literatura infantil e juvenil são tênues, "o que é literatura infantil, em determinado contexto, pode ser juvenil em outro e vice-versa" (p.24). A autora recomenda ainda que se entenda que a noção de jovem como a noção de criança altera-se com o tempo.

O mundo editorial, com suas regras próprias, talvez levando em conta a plasticidade da literatura, instituiu o chamado público infanto-juvenil, envolvendo uma faixa etária ampla e não exatamente definida. Em consonância a esta terminologia, é ao público infanto-juvenil, historizado no Brasil, país de várias culturas e de contradições sociais, neste início do século 21, que se destina o livro Procurar o quê? A árvore na poesia de Drummond.

 

3. Resultados e discussão

A partir da pesquisa bibliográfica feita em obras de autores que tratam dos diferentes enfoques da Educação Ambiental, se fez necessário incorporar mais um objetivo aos até então presentes no estudo: definir o enfoque da educação ambiental a ser utilizado no livro.

Para a construção do livro adotamos uma abordagem crítica, estabelecendo um diálogo entre o conservacionismo e a discussão de direitos e cidadania. Recuperamos pela poética o que consideramos maior nos sujeitos históricos, a sua própria história contada com vigor, competência, arte e profundo sentimento de encanto com as palavras. O livro busca extrair dos poemas "drummonteanos" a sensibilidade que o poeta mostrou ter em relação ao mundo que o abrigava. Acolhe a proposta de educação ambiental como lócus da interdisciplinaridade. Esclarece acerca da urgência de cercar o tema, aprofundando as análises, evitando assim o olhar ingênuo e apolítico. Sendo assim, assume um caráter de engajamento ambiental no viés literário.

Segundo Krasilchik (1986), nos conteúdos apresentados em muitos livros pouco se fala na ligação dos desequilíbrios ambientais ao modelo econômico vigente (causa), pois se enfatiza a esfera do consumo (efeito). Neste sentido, destacamos a necessidade da produção de livros paradidáticos que se estruturem a partir da Educação Ambiental em seus enfoques emancipadores ou críticos e que atuem como facilitadores da oficialmente pretendida transversalidade. Destacamos ainda, a importância das formulações de políticas educacionais que tenham como proposta o apoio às questões socioambientais e, neste caso, a construção de livros paradidáticos que reflitam esta necessidade. Desta feita, o enfoque social, incorporado formalmente à discussão ambiental através da Conferência de Tbilisi, foi adotado no livro Procurar o quê? A árvore na poesia de Drummond,sendo que, os princípios expressos no Tratado de Educação para Sociedades Sustentáveis e Responsabilidade Global e os expressos na Lei brasileira Nº 9.795/99 foram os escolhidos como seus princípios norteadores. Entretanto, alargar a discussão foi intenção maior.

O livro, a cada investida e apresentação poética, buscou propiciar ao jovem leitor uma oportunidade de reflexão sobre a realidade ambiental brasileira e sobre si mesmo como sujeito de direitos e deveres. Sujeito que tem voz e que interfere no mundo com suas decisões. Foi de profundo prazer e de grande determinação e porque não dizer coragem também, de a partir da fala de Drummond, ousar construir e propor uma nova fala e correr riscos.

Outro aspecto que foi pensado na estruturação do livro foi a necessária contribuição à Alfabetização Científica engajada nos preceitos formadores de uma leitura localizada na interface Sociedade, Educação e Ambiente. Levamos em conta o que os Parâmetros Curriculares Nacionais (Brasil, 1997) quanto ao ensino de Ciências salientam:

"Incentivar a leitura de livros infanto-juvenis sobre assuntos relacionados às ciências naturais, mesmo que não sejam sobre os temas tratados diretamente em sala de aula, é uma prática que amplia os repertórios de conhecimentos da criança, tendo reflexos em sua aprendizagem." (Brasil, 1997: 124)

Em todas as etapas, assinalamos que houve um cuidado com os comentários e com a apresentação da linguagem científica. Fato este que problematiza a questão posta em poesia. Um cuidado específico foi tomado em relação às ilustrações, ou seja, com o trato das imagens e suas adequações ao texto e contexto do livro.

Miranda e Araújo (2004), após análises do uso de imagens em livros didáticos e paradidáticos de Ciências, das últimas cinco décadas, referenciadas às células, moléculas e átomos, concluíram que essas são apresentadas muitas vezes de forma descontextualizada, servindo como advertência a escritores, professores e pais. Dessa feita, toda a produção de um livro, didático ou paradidático, deve vir envolta de um conjunto de pesquisas e preocupações, com o intuito de educar o leitor da melhor maneira possível.

3.1. Por que a opção pela associação de Drummond à educação ambiental?

Na obra literária de Drummond além dos aspectos de universalidade e de perenidade característicos da poesia em suas expressões privilegiadas, encontramos como salientado por Carpeaux (1943), um forte sentido social, mas também se diga uma vertente ambiental, ainda pouco explorada por seus pesquisadores. Por exemplo, em Discurso de Primavera e Algumas Sombras, livro seu publicado em 1977, ano da Conferência de Tbilisi, destaca-se um expressivo corpo de poemas com conteúdo sócio-ambiental. Lá estão, as Águas e Mágoasde um rio, a falta de moradia humana, o desaparecimento de matas, o sofrimento de animais, a poluição.

É interessante salientar que a pesquisa na obra poética de Drummond, a partir de seu livro de estréia em 1930, visando à seleção de poemas para a construção da coletânea de Educação Ambiental, mostrou que o elemento Árvore inicia uma trajetória de expressiva ocorrência, jamais interrompida, a partir de Lição de Coisas, publicado em 1962, estando o poeta, nascido em 1902, portanto com sessenta anos de idade.

Drummond presenciou as degradações ambientais sofridas por três cidades onde viveu: Itabira, Belo Horizonte e Rio de Janeiro e escreveu sobre isto em prosa e verso. Em entrevista concedida ao Jornal Pau-brasil(Andrade, 1986) sob o tema Ecologia e Cultura, demonstrando sua consciência ambiental refere-se à Itabira, sua cidade natal, com as palavras: "Hoje minha terra vive a sorte da região espoliada, com os intestinos à vista, sob o pó de minério que suja os corpos e torna as almas sombrias" (Andrade, 1986: 53). Desta forma, sua sensibilidade foi se formando numa visão da realidade intermediada pela denúncia, não menos contundente da poesia, mas, sobretudo de uma denúncia que de forma introspectiva e reflexiva nos toma.

Pelos aspectos expostos se justificaria associar o autor de Fala Amendoeirae de Sentimento do Mundoa um projeto de Educação Ambiental, mas prosa e poesia drummondianas" oferecem em sua riqueza outros motivos adicionais, como a crítica à visão antropocêntrica e a crítica a um tipo de educação, encontrada na crônica Da Utilidade dos Animais, presente no livro De Notícias & Não Notícias Faz-se a Crônica. O texto da crônica ironicamente descreve uma aula e os diálogos de uma professora com seus alunos. O discurso da mestra enquanto tenta expor que alguns animais são dignos de respeito por serem úteis, não resiste à lógica argumentativa das crianças; mas ela não se dá conta disso. Meyer (1996), em análise a essa crônica, a apresenta como um exemplo de crítica às contradições da educação. Segundo a autora, ali se encontra a concepção educativa "de uma professora, que ainda acredita ser o centro e o sujeito do ato de ensinar" (p.28).

Quanto ao aspecto de sua relação com a natureza, é evidente que Drummond percebia-se integrante e não apartado dela, "Sou um velho Jequitibá", disse o poeta à escritora Rosa Nepomuceno (2007: 154) na década de 80. "Sou um homem dissolvido na natureza", declara no poema Tempo de Ipê, em Amar se Aprende Amando. No poema Braúna, presente no livro Menino Antigo, integrante de Boitempo,o poeta expressa identificação, em forma de ser, com a árvore homônima em questão, assim como demonstrou identificar-se com os jequitibás e com a realidade outonal da Amendoeira na crônica-prefácio do livro Fala Amendoeira. Essa "magra" amendoeira de sua rua, "plantada em frente à porta, companheira mais chegada de um homem e sua vida, espécie de anjo vegetal proposto ao seu destino" (2003: 333), ganhou voz lhe dizendo: "simbolizo teu outono pessoal" (p.334).

Leão (1971), em análise a essa crônica, nela assinala, a presença entre outros, de dois dos grandes temas encontrados na obra de Drummond: o tema da natureza e o tema da sede destrutiva do homem civilizado. É desta forma que a crítica ao antropocentrismo acontece no seu viés de exploração absoluta da natureza.

Por ocasião do aniversário de 80 anos do poeta, em 1982, o Jornal do Brasileditou um suplemento em sua homenagem. Lá se encontra uma entrevista de Drummond, concedida pouco antes, ao jornalista João Máximo. Nela, diz o aniversariante em auto-análise: "Só lamento não ter chegado antes a esse profundo respeito, a esse amor pela natureza" (p.6). Ainda em 1982, Drummond escreveu, expressando revolta, o poema Adeus a Sete Quedas, também publicado na ocasião no Jornal do Brasil.

Drummond que havia traduzido o livro Beija-flores do Brasil(Oiseaux-mouches Orthorynques du Brésil) de Jean Théodore Descourtilz, editado pela Biblioteca Nacional em 1960, e escrito uma crônica em homenagem à Fundação de Conservação da Natureza (FBCN) em 1972, posteriormente, pôs sua poesia a serviço da Educação Ambiental em dois livros, Mata Atlântica e Pantanal, patrocinados pelo Chase Banco Lar, em 1984 e 1985 respectivamente. Eis exposto, então, o motivo maior da temática que traduz a construção do livro.

 

4. Considerações finais

Drummond em sua história de vida fez a passagem do mundo rural de seus ancestrais para o mundo urbano e carregando consigo esse mundo primeiro o recriou e o apresentou em sua poesia. E são estas poesias que trabalhadas de forma didática enlevam e ocasionam profundas reflexões acerca do mundo, da posição do homem no mundo e de sua ação no ambiente. Deste modo, a seleção dos poemas se deu também com o propósito de, em seu conjunto contemplar essas realidades expressas na obra do poeta. O mote inicial da antologia fica por conta do poema Andrade no Dicionário, presente no livro Boitempo, onde o poeta explica que Andrade é nome de árvore.

A seqüência dos poemas, todos propositalmente transcritos na íntegra, segue a ordem cronológica de suas publicações, como que acompanhando a linha da vida do poeta. Nos comentários aos poemas situou-se o desafio da autora de fazer pensar, de alcançar em breves textos, um enfoque emancipador e crítico que contemplasse basicamente os objetivos: destacar a vertente ecológica da poesia de Drummond, associar a questão de direitos humanos à Educação Ambiental, apresentar informações contextualizadas sob a ótica do desenvolvimento sustentável, relacionar a conservação da natureza a uma cultura humana, abordar diferentes saberes culturais presentes no Brasil, salientar a necessidade do exercício do olhar e salientar a importância da ética do cuidado.

Vale ressaltar que o projeto de ilustração deve cumprir, como os demais textos do livro, um papel mediador entre os dois discursos, o poético e o científico, com características de ambos. E nestes, poesia e realidade se encontram na perspectiva da emancipação intelectual, da formação do sujeito e, principalmente, na perspectiva de uma nova ação ambiental.

O título escolhido Procurar o quêé a expressão homônima de um dos poemas selecionados, contido no livro Esquecer para Lembrar, e a palavra Fotoviagemcontida no sub-título é colhida do poema Imagem, terra, memória, presente no livro Farewel, livro póstumo de Drummond.

Os critérios utilizados na avaliação de livros pelo Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) foram considerados como referenciais na estruturação do livro em seus aspectos de conteúdo textual, ilustrativo e diagramático. Como critérios eliminatórios do PNDL situam-se, correção dos conceitos e informações básicas, correção e pertinências metodológicas e contribuição para a construção da cidadania. Outros critérios podem ser citados quanto às ilustrações de caráter científico, que devem indicar a proporção dos objetos ou seres representados, e os referentes à adaptação das ilustrações, de maneira geral, aos contextos brasileiros, sem exorbitância de cores e tamanhos.

Gostaríamos de ressaltar ainda que no Brasil, além da avaliação das coleções didáticas existentes no mercado, e de sua distribuição em escala nacional, políticas públicas de fomento às bibliotecas são necessárias para se formar cada vez mais jovens familiarizados com o hábito da leitura, melhor dizendo, cada vez mais jovens leitores e escritores do mundo. Leitores que encontrem a disposição literatura que trabalhe diferentes dimensões no aspecto da formação humana, que coadune ensino, formação humana e ações transformadoras.

Os dados de pesquisas sobre o universo do livro devem contribuir para salientar a importância do fortalecimento de investimentos ao Programa Nacional de Incentivo à Leitura (PROLER), existente desde 1992, através de Decreto Presidencial, e vinculado à Fundação Biblioteca Nacional, órgão do Ministério da Cultura, assim como ao Programa Nacional de Biblioteca na Escola, desenvolvido pelo Ministério da Educação. Assim, a contribuição maior dos livros paradidáticos, para além da formação educacional no ensino formal, é oferecer uma leitura complementar que forme sujeitos capazes de intervir nos processos socioambientais.

Neste contexto, convém salientar que o processo de formação ambiental deve ser participativo e capaz de construir valores, conhecimentos, habilidades e atitudes que se voltem para a conquista e a manutenção do direito de todos ao meio ambiente equilibrado (BRASIL, MMA, 2002), assim sendo, estratégias de Educação Ambiental, onde se inserem a produção de livros e seu acesso democrático à população, devem ser buscadas e avaliadas continuamente. Estratégias estas que coloquem em xeque valores e o paradigma antropocêntrico que dilapidaram e dilapidam a natureza e a condição humana.

 

5. Referências bibliográficas

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Submetido em 02/09/2009
Aceito em 18/11/2009

 

 

Notas

(1) Estes livros podem ser utilizados de forma mais lúdica. São adotados de forma paralela aos materiais convencionais, entretanto não devem substituir os livros didáticos. Sua importância aumentou a partir do final da década de 90, com o advento das Leis de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). A utilização destes livros aumentou na rede pública de ensino com a descentralização dos recursos do PNLD.
(2) Este livro possui uma versão compactada, incluindo apenas árvores brasileiras e intitulada, Tempo de Ipê - Árvores Brasileiras na Poesia de Drummond.
(3) A primeira autora deste artigo.

G. Rôçasé Doutora em Ecologia (Universidade Federal do Rio de Janeiro). Atua como Docente do Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências (IFRJ). E-mailpara correspondência: grocas@gmail.com.

 

Agradecimentos

Agradecemos a Pedro Augusto Graña Drummond, que acolheu o projeto do livro Procurar o quê? A Árvore na Poesia de Drummonde autorizou generosamente seus originais.

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