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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) v.6 n.1 Ribeirão Preto  2010

 

Percepções de adolescentes grávidas acerca do consumo de álcool durante o período gestacional

 

Las percepciones de adolescentes embarazadas acerca del consumo de alcohol durante el período de embarazo

 

Pregnant teenagers' perceptions about alcohol consumption during pregnancy

 

 

Tarciana Sampaio CostaI; Tatiana Cristina VasconcelosII; Leilane Barbosa de SousaIII; Camilla Pontes BezerraIV; Francisco Arnoldo Nunes de MirandaV; Selda Gomes de Sousa AlvesVI

IEnfermeira. Mestranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN). tarcianasampaio@yahoo.com.br
IIPsicóloga. Docente da Universidade Estadual da Paraíba (UEPB) e Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ). vasconcelostc@yahoo.com.br
IIIEnfermeira. Doutoranda pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
IVEnfermeira. Coordenadora do curso de Enfermagem da Faculdade Santa Maria (FSM) e Doutoranda pela Universidade Federal do Ceará (UFC)
VEnfermeiro. Docente da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN) e Doutor em Enfermagem pela Universidade de São Paulo (USP)
VIEnfermeira. Mestranda em Enfermagem pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN)

 

 


RESUMO

O objetivo deste estudo foi verificar percepções de adolescentes grávidas acerca do consumo de álcool durante o período gestacional. Realizou-se estudo com 20 adolescentes grávidas, usuárias de Unidades Básicas de Saúde da Família de um município no interior do Ceará. Verificou-se que as adolescentes percebem a ingestão de bebida alcoólica durante o período gestacional como "atitude inconsequente", "algo natural" e "algo errado, mas impossível de resistir". Ficou demonstrada a necessidade de assistência voltada ao modelo holístico, em que cada paciente é tratado como um ser biopsiquicossocial, como também a realização de trabalho educativo.

Palavras-chave: bebidas alcoólicas, gravidez, adolescente.


RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo verificar las percepciones de adolescentes embarazadas acerca del consumo de alcohol durante el embarazo. Se realizó un estudio con 20 adolescentes embarazadas, usuarias de unidades de atención básica de salud de la Familia de un municipio en el estado del Ceará. Se verificó que las adolescentes perciben la ingestión de alcohol durante el embarazo como una "actitud inconsecuente", "algo natural" y "algo malo", pero imposible de resistir. El análisis demostró la necesidad de adoptar un modelo de atención centrado en el paciente, holístico, en el paciente es tratado como un ser biopsicosocial, y también con trabajos educativos.

Palabras clave: bebidas alcohólicas, embarazo, adolescente.


ABSTRACT

This study aimed to verify the perception of pregnant teenagers about alcohol consumption during pregnancy. It involved 20 pregnant adolescents, registered in Family Health Units in a city in the interior of the state of Ceará. It was found that teenagers perceive the alcohol intake during pregnancy as an "careless attitude", "something natural" and "something wrong", but impossible to resist. The analysis showed the need to adopt a holistic care model, patient-focused, in which patients are treated in a biopsychosocial approach, also including educational actions.

Keywords: acoholic beverages, pregnancy, adolescent.


 

 

INTRODUÇÃO

A gestação na adolescência tem se tornado importante problema de saúde pública. Assim, a idade de 15 a 19 anos, período de adolescência tardia, que, durante muito tempo, foi tida como etapa ideal para engravidar, hoje é considerada idade precoce para a mulher ter filhos. Estima-se que cerca de 20% de todos os nascimentos ocorram em mulheres adolescentes e, embora a frequência de partos em adolescentes esteja em declínio nos países desenvolvidos, há somente modesto declínio ou até ascensão nessas taxas nos países em desenvolvimento(1-6).

O aumento da fecundidade no grupo etário das adolescentes tem se tornado não apenas problema de saúde pública como também sério problema social, em virtude do impacto que pode trazer à saúde materno-fetal e ao bem-estar social e econômico de um país, devido às repercussões biológicas, psicológicas e sociais que podem ser acarretadas nessa faixa etária, problemática denominada epidemia da maternidade na adolescência(1-2,6).

Estudos demonstram que cada vez mais aumenta o consumo de álcool pela população feminina e, em consequência disso, grande parcela de mulheres e seus fetos são expostos a doses variáveis desse agente. As bebedoras moderadas têm maior chance de parar ou reduzir seu consumo durante o período de gestação, porém, entre as bebedoras mais assíduas, dois terços diminuem o consumo e um terço continua a abusar do álcool durante toda a gestação(3). Desse modo, duas problemáticas se associam: a gravidez precoce e o consumo de álcool durante o período gestacional.

A adolescência é caracterizada como período de curtição de sociabilidade e lazeres específicos, cujas regras sociais sinalizam que há um tempo finito, uma idade de se fazer, de ser de um jeito. Tal fato permite inferir que a adolescência é uma fase de vida que pode predispor para o consumo de álcool, levando a gestante adolescente a usufruir dessa medida para garantir seu bem-estar em lazeres presentes em seu cotidiano(7). Mas será isso realmente verdadeiro? Como as próprias adolescentes vivenciam e percebem essas problemáticas?

Nesse contexto, destaca-se que são vários os benefícios que uma assistência pré-natal, enfocando a questão do alcoolismo poderá oferecer à mãe, ao feto e à família, uma vez que a mãe assistida poderá retirar suas dúvidas e ter o conhecimento concreto das consequências que seu filho poderá sofrer ao ser exposto ao álcool. Desse modo, poderá ser sensibilizada e refletir sobre esse ato. Já no que diz respeito ao feto, estará menos exposto ao álcool e, em consequência disso, terá gestação e parto mais saudáveis, como também o desenvolvimento fisiológico não dependente do álcool, já que uma pessoa exposta ao álcool durante sua fase embrionária terá ampla probabilidade de dependência desde a fase infantil que poderá se perpetuar por toda a vida, ocasionando outros problemas familiares decorrentes do álcool, tais como violência e desemprego, fatores esses que contribuem para a desestruturação familiar e ocasionam impacto negativo na sociedade.

Isso posto, pode-se dizer que o enfermeiro, juntamente com os demais profissionais de saúde, desempenha importante papel na detecção e acompanhamento do uso de álcool durante a gestação. Essa problemática acentua-se pelo fato de a adolescência ser fase em que há várias transformações físicas e psicológicas, merecendo acompanhamento atento e eficaz durante as consultas de pré-natal. No entanto, a enfermagem pouco tem produzido sobre o alcoolismo em geral. Em se tratando do alcoolismo feminino, percebe-se desinteresse ainda maior, talvez pelo fato de esse acontecimento ser mais discreto do que o alcoolismo masculino(3).

Pelo fato de o enfermeiro ser um dos profissionais que mais tem contato com a gestante, considerando a pouca atenção da enfermagem sobre a questão do alcoolismo feminino e levando em consideração que a adolescência é uma fase complicada da vida é de suma importância o estudo das percepções das adolescentes envolvendo alcoolismo e gravidez, uma vez que esse é capaz de expressar os pensamentos que podem refletir nas ações do cotidiano das gestantes adolescentes.

Considera-se de grande importância analisar aspectos mais subjetivos daquela que vivencia uma gestação. Assim, objetivou-se verificar as percepções das adolescentes grávidas acerca do consumo de álcool, durante o período gestacional, no intuito de ajudar a enfermagem a buscar e obter algumas respostas no nível da intersubjetividade e na singularidade do sujeito como ser psicossocial, proporcionando meios para oferecer à população estudada assistência pré-natal atenta a tal situação.

 

METODOLOGIA

Este estudo caracteriza-se por ser de campo, de caráter exploratório e adotar abordagem do tipo qualitativa.

O estudo foi realizado em uma Unidade Básica de Saúde da Família (UBSF), localizada no município do interior do Ceará, com 3 equipes de Saúde da Família cadastradas, sendo duas localizadas na zona urbana e uma na zona rural. Escolheu-se uma unidade da zona urbana que atende mais adolescentes grávidas do que as demais, no que diz respeito às consultas de enfermagem de pré-natal, embora as três prestem esse acompanhamento. Elegeram-se os seguintes critérios de inclusão dos sujeitos psicossociais da pesquisa: 1) estar na faixa etária entre 15 e 19 anos e 2) realizar acompanhamento na referida UBSF.

Os sujeitos selecionados para a pesquisa configuram 20 adolescentes grávidas, sendo 10 solteiras e igual número de adolescentes casadas, com idade variando entre 15 e 19 anos, com média de 17 anos; em relação à situação econômica, 16 afirmaram que possuem renda inferior a um salário mínimo (R$ 415,00) e quatro afirmaram possuirrenda de um a três salários mínimos. Quanto ao grau de escolaridade, 16 informaram a conclusão do ensino fundamental e quatro o ensino médio. Ressalta-se que todas estavam em acompanhamento pré-natal.

As participantes deste estudo responderam um roteiro de entrevista semiestruturado, composto por duas partes: a primeira contendo questões sociodemográficas, a fim de caracterizar as participantes, e uma segunda contendo questões subjetivas, relacionadas ao objetivo do estudo, apresentadas a partir de um Roteiro-estória, proposto pelos autores, mostrado a seguir.

Ana Maria, 15 anos, solteira, namorando há 2 anos. Recebeu resultado do teste de gravidez positivo e, em decorrência desse, resolveu se casar com seu namorado, Luiz Fernando, de 16 anos. No período de namoro, o casal sempre gostou de sair nos finais de semana para barzinho e, durante o casamento não foi diferente, mas, por causa da gravidez, Ana Maria começou a rejeitar a bebida alcoólica com medo que prejudicasse o bebê, mas como seu marido bebia e oferecia a ela, resolveu aceitar, pois, como ele, ela também tinha o direito de se divertir. Na escola, Ana Maria foi convidada a participar de um grupo de gestantes. Nesse, conheceu Flávia, 17 anos, que também estava grávida e resolveu comentar sobre a ingestão de álcool durante o período gestacional, e Flávia referiu ser algo prejudicial para o bebê e que preferia evitar. Ana Maria foi contra o pensamento de Flávia, afirmando que era jovem, não iria deixar de se divertir e que tinha que acompanhar seu marido, pois, se assim não fizesse, poderia perdê-lo para outra mulher.

Para guiar a entrevista, o instrumento ficou composto por dois questionamentos a respeito da conduta das personagens citadas no Roteiro-estória: 1) você concorda com Ana Maria ou com Flávia? Por quê? E 2) qual seria sua reação, caso presenciasse uma gestante consumindo álcool? Por quê? Tais questionamentos buscaram apreender as percepções das adolescentes grávidas acerca do consumo de álcool durante o período gestacional, levando em conta a sua classificação em eixos temáticos.

Após autorização da Secretaria de Saúde do Município e aprovação do Comitê de Ética [Protocolo n.01380109], deu-se início a coleta de dados propriamente dita, realizada a partir da agenda do pré-natal. As gestantes foram recebidas em uma sala colocada à disposição pela UBSF para realização da pesquisa, sendo essa próxima à sala de espera. A referida UBSF foi escolhida por possuir maior número de gestantes adolescentes cadastradas e pela acessibilidade à mesma. A coleta foi realizada no mês de dezembro de 2008, excetuando-se o período das festividades natalinas,nos turnos matutino ou vespertino, de acordo com o cronograma da unidade.

Para o processo de coleta de dados, levaram-se em consideração as exigências contidas na Resolução 196/96, que regulamenta a pesquisa com seres humanos. Assim, a cada participante foi informado o caráter acadêmico da pesquisa e apresentou-se o termo de consentimento livre e esclarecido. Além disso, informou-se que suas respostas seriam mantidas em sigilo e que seriam tratadas em conjunto, dessa forma, as participantes tiveram assegurados o anonimato, a privacidade e a desistência em qualquer etapa da pesquisa(8).

Em seguida, houve a aplicação do instrumento em forma de entrevista, quando a pesquisadora fez as devidas perguntas considerando o nível de entendimento de cada pesquisada. Finalmente, realizaram-se os devidos agradecimentos.

A análise dos dados realizou-se em duas etapas: inicialmente, analisaram-se os dados objetivos que descreveram as características sociodemográficas das participantes. A segunda etapa foi iniciada a partir da transcrição na íntegra das entrevistas. Os resultados foram analisados e discutidos à luz da literatura pertinente à temática(9).

 

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Visando conhecer melhor a subjetividade das adolescentes grávidasacerca do consumo de álcool durante o período gestacional, as participantes se posicionaram a partir das perguntas pré-estabelecidas, como também do roteiro-estória utilizado como técnica de coleta de dados. Para melhor compreensão dos resultados, esses se encontram agrupados em dois eixos temáticos, segundo a literatura pertinente, sendo eles: 1) "consumo de álcool na gestação" e seus subitens: "atitude inconsequente", "algo natural" e "errado, mas difícil de resistir" e 2) "reação das entrevistadas ao presenciar uma gestante consumindo álcool", sendo seus subitens: "conversar e aconselhar", "não interferir por não adiantar" e "não interferir por considerar tal comportamento normal".

Vale ressaltar que os trechos das falas foram avaliados de acordo com o posicionamento das entrevistadas diante dos questionamentos, apresentados no momento da entrevista. Os sujeitos da pesquisa são apresentados, aqui, codificados através das iniciais e, em seguida, da idade.

Desse modo, das 20 gestantes, 16 perceberam, a partir de interpretação autoral, o consumo de álcool durante a gestação como "atitude inconsequente", uma vez que relataram ser costume que pode prejudicar a criança, uma vez que o álcool proporciona mal ao feto e pode causar vários danos ao recém-nascido.

As entrevistadas afirmaram, ainda, que sair e beber é uma maneira de se divertir, coisa de gente jovem, e que as amizades e o companheiro (marido ou namorado) podem influenciar tal prática, mas que reconhecem o perigo e negam o consumo, o que pode ser expresso através das falas a seguir.

"Eu acho que sair para tomar uma cervejinha é muito bom, é coisa de gente jovem, a gente que é jovem gosta desses movimentos e quando tá a galera toda reunida, todo mundo me oferece a bebida, amigas e até mesmo o meu namorado, até parece que, naquela hora, todo mundo esquece que tô grávida, mas que fico esperta e não aceito, por que sei que pode prejudicar o meu filho" (EAL, 18 anos).

"Sempre nego a bebida, pode qualquer um me oferecer, por que penso mais em meu filho do que em qualquer outra coisa" (MLSE, 17 anos).

Pode-se perceber, através dos relatos, que as gestantes são incentivadas por pessoas de seu convívio ao consumo do álcool, mesmo estando numa fase em que cuidados devem ser adotados. O uso de álcool em adultos jovens é frequentemente um mal estimulado por pressão sociocultural, estando ligado a festividades, lazer e confraternizações, sua oferta ou estimulação, frequentemente, parte dos companheiros, como também a família da adolescente possibilita que essa retome parte de seu lazer, em que os pais corroboram para a manutenção de sentimento e prática juvenil, permitindo a continuação da adolescência durante o período gestacional. Nesses casos, uma porção adolescente é mantida e uma mais adulta é cobrada quando a jovem dá sinais de certo retrocesso no processo de se tornar adulta(7,10).

Nesse sentido, destaca-se, aqui, estudo realizado com adolescentes mexicanos, tendo como um de seus objetivos conhecer o efeito do fator de risco: relações com amigos que mostram condutas problemáticas no consumo de bebidas alcoólicas, demonstrando que a relação de amigos com condutas problemáticas mostrou efeito significativo no consumo de bebidas alcoólicas(11).

Vale destacar, entretanto, que, apesar de os aspectos socioculturais serem considerados diante dessa problemática, enquanto profissionais de saúde, não se deve enfatizar o comportamento de risco, como encontrado com frequência na literatura, pois essa ideia traz para o indivíduo a culpa decorrente de tais condutas, como se fosse opção desse indivíduo se inserir nesse espaço. O profissional de saúde deve sair do seu lugar de especialista e ir ao encontro do outro, havendo, dessa forma, o processo de empatia, ou seja, a escuta deve ser prioridade para somente depois da efetivação dessa serem propostas atividades que tenham e possam construir novos significados, o processo deve ser dialógico.

Vale salientar, outrossim, que, apesar de "serem adolescentes" e viverem uma fase de grandes mudanças, se nota segurança e maturidade ao afirmarem "não aceito", "sempre nego a bebida" e "proteger o meu filho". Assim, a gravidez produz prioridades pessoais protetoras que as gestantes, instintivamente, agem no melhor interesse do feto e da espécie(2,10).

As participantes também configuram a ingestão de bebida alcoólica durante a gravidez como "algo natural", sendo exposto por duasadolescentes. Afirmaram ainda não haver problemas em beber e se divertir, uma vez que reconhecem que gravidez não é doença e, ainda, afirmam que jovem é para ser divertir mesmo, ou seja, sair, namorar, brincar e beber, sendo exemplificado pela fala abaixo.

"Cada um tem sua maneira de viver a vida, de pensar e de agir, eu sou assim, alegre, divertida e gosto muito de sair e não iria mudar, deixar de ser jovem, apenas por que estou grávida. Por isso que acho que a menina da estória deve acompanhar o marido dela e continuar bebendo e saindo, como sempre fez, Ana Maria é que tá certa" (FF, 17 anos).

Ao citar e concordar com a personagem "Ana Maria", apresentada no Roteiro-estória, a entrevistada demonstra ser a favor do consumo de álcool durante a gestação, uma vez que tal personagem afirma que "não iria deixar de se divertir apenas porque estava grávida", sendo tal percepção condizente com o depoimento da referida pesquisada. Observa-se o enorme desejo de se divertir e o medo de perder a juventude ao afirmar "deixar de ser jovem". As adolescentes possuem medo de perder a juventude, fase essa tida como tempo de "aproveitar a vida" que, em sua forma usual e corriqueira, significa inicialmente sair, namorar, ficar, divertir-se, paquerar, dançar e curtir, o que também implica em consumir álcool em determinadas ocasiões, tornando-se uma problemática entre as adolescentes durante o período gestacional(7).

Observa-se, nas falas, a ausência do reconhecimento de que o álcool prejudica o feto, sendo algo desconhecido pelas gestantes, ou pouco valorizado. Publicações recentes(2,12) têm ressaltado o problema do consumo de álcool entre gestantes brasileiras, assim como a relação entre consumo de álcool e sintomas psiquiátricos na gestação.

A assistência pré-natal no Brasil ainda carece do desenvolvimento de rotinas e instrumentos confiáveis que auxiliem profissionais de saúde nas ações de prevenção e diagnóstico precoce para esses problemas, relacionados ao consumo de álcool. Avaliação adequada durante a gestação é condição essencial para a prevenção da síndrome fetal do álcool e dos efeitos tardios do desenvolvimento neurológico em filhos de gestantes que consumiram álcool(12).

Nesse sentido, a importância da educação sexual, quando envolvidas desde muito cedo na complexa trama das decisões reprodutivas, as adolescentes necessitam participar de processo educativo que lhes permita, por meio do resgate das respostas produzidas por quem está diretamente afetado, usufruir sua sexualidade de modo saudável e com respeito mútuo, como, também, conhecer aspectos que podem interferir gravemente na sua saúde e dos demais, como é o caso da ingestão de álcool durante a gravidez(4).

Por último, duasparticipantes percebem o consumo de álcool durante a gravidez como "algo errado, mas impossível de resistir", em que afirmaram que sempre beberam e que é difícil parar.

"Concordo com o pensamento de Flávia, mas eu mesmo na minha gravidez eu bebo muito, pois minhas amigas me convidam para sair e eu saio com elas, como nós tudim sempre bebemos, fica difícil não aceitar, já que é costume da gente" (RMS, 15 anos).

"Eu sei que pode fazer mal, mas como na minha primeira gravidez eu bebi e não fez mal para meu filho, resolvi arriscar na segunda, pois não me controlo quando vejo todo mundo bebendo e eu só olhando" (MNT, 16 anos).

Ao fazer referência à personagem "Flávia" do Roteiro-estória, as gestantes se apresentam contra o consumo de álcool durante a gestação, mas confessam ser algo difícil de ser evitado, chegando a ser até incontrolável, ao optarem por colocar a vida do seu filho em risco. A associação de gravidez precoce ao uso e abuso do álcool, numa população jovem, demonstra a necessidade de abordagens específicas e urgentes no âmbito da saúde pública(2).

No presente estudo, foi possível identificar que "atitude inconsequente", "algo natural" e "algo errado, mas impossível de resistir" são elementos constituintes da percepção das adolescentes grávidas sobre o consumo de álcool nesta fase de vida. Assim, por meio dessa compreenção é possível pensar em estratégias e propor ações que considerem a vivência daquelas que, enquanto sujeitos sociais, experienciam uma realidade com diversos fatores interligados e, por isso, exigem assistência biopsiquicossocial.

O segundo questionamento realizado diz respeito à reação das adolescentes caso presenciassem uma gestante consumindo álcool, constituindo o segundo eixo temático. Das vinte entrevistadas, 14afirmaram que iriam conversar e aconselhar, falando sobre os riscos que a gestante estaria proporcionando ao feto, como também propor que parasse de beber, conforme exemplo abaixo:

"Daria conselho para não beber, pois causa muito mal à criança, sei disso porque minha prima bebeu durante a gravidez e a filha dela nasceu com um monte de problemas, o médico falou que tudo foi por causa da bebida e por isso a criança vai ter que tomar remédios para o resto da vida" (JSS, 16 anos).

A farmacologia de drogas obviamente determina o impacto patológico e é correto considerar-se que nenhuma droga é absolutamente segura para o uso durante a gravidez e, no que diz respeito ao álcool, a determinação de "doses seguras" na gestação não pode ser feita experimentalmente, pois seria obviamente antiético expor gestantes a doses variadas de álcool para testar seus efeitos. As informações disponíveis surgem de estudos com animais, nem sempre aplicáveis a humanos. Vários estudos admitem, entretanto, que baixos níveis de exposição pré-natal podem afetar negativamente o desenvolvimento fetal. Uma vez que não se pode afirmar se existe um "nível seguro" de álcool para ser consumido durante a gravidez, a Academia Americana de Pediatria e o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia recomendam abstinência não só para as mulheres que estão grávidas, mas também antes da concepção, pois os efeitos parecem ser maiores nas fases iniciais do desenvolvimento embrionário(10,13-14).

Outras quatro entrevistadas relataram que não tomariam nenhuma providência diante da situação, pois preferem não interferir na vida de ninguém, afirmaram ainda que não adiantaria falar nada, pois todo mundo sabe que o álcool prejudica a gravidez, sendo exemplificado a seguir.

"Ficaria na minha, não faria nada, pois ela tava sabendo o que tava fazendo e os riscos que tava correndo, cada pessoa faz da sua vida o que bem entende" (AFL, 16 anos).

O consumo de álcool durante a gestação é associado ao conceito de imoralidade, agressividade e comportamento sexual inadequado, levando as gestantes a omitir esse ato durante a consulta médica. Essas mulheres geralmente possuem sentimento de culpa e vergonha, além do medo de perder a guarda dos filhos(12). Nesse sentido, o trabalho do profissional de saúde deve ser realizado considerando, em primeira instância, a vida da gestante, possibilitando, dessa forma, a construção de significados e não promovendo imposição do certo ou errado dito por especialista que, muitas vezes, pouco ou nada sabem do que é a vida do outro, suas dores e mazelas, suas experiências e conhecimento, o outro, no caso a gestante, tem muito a ensinar, mais do que se pensa, mas o orgulho que cerca o profissional não permite encontros verdadeiramente humanos.

E, por último, duas entrevistadas afirmaram que não fariam nada, pois consideram tal comportamento como completamente normal, sem problemas. Exemplificando a seguir.

"Não faria nada, pois acho normal a pessoa beber estando grávida. Gravidez não é doença e devemos aproveitar as fases boas da nossa vida" (FF, 17 anos).

Quando analisados os possíveis fatores etiológicos ligados às gestações entre as adolescentes, pode-se perceber a sua complexidade, apontando para uma rede multicausal(1). Esses fatores pertencem a uma rede de inter-relações que configura a gravidez na adolescência, merecendo destaque a impulsividade, o imediatismo, os sentimentos de onipotência e indestrutibilidade - próprios dessa fase da vida, a idade cada vez mais precoce da menarca e da iniciação sexual, a falta de informação sobre concepção, contracepção e a deficiência de programas de assistência ao adolescente, a baixa autoestima das jovens, a aspiração à maturidade para concorrer em nível de igualdade com os pais e o fato de a gravidez fazer parte do projeto de vida, na tentativa de alcançar autonomia econômica e emocional em relação à família de origem(4,6).

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os achados deste estudo revelam a subjetividadedo que é ingerir bebida alcoólica durante a gravidez de adolescentes. As adolescentes a percebem como "atitude inconsequente", uma vez que é um costume prejudicial à criança, "algo natural" por não haver problemas em beber e se divertir, como também "algo errado, mas impossível de resistir", em que, ao manter o hábito da bebida, se torna difícil parar. Assim, verificar aspectos vivenciados por adolescentes grávidas permite melhor concepção de como é trabalhada a saúde da mulher nos serviços brasileiros. Tal conhecimento pode colaborar para melhorar as políticas públicas conduzidas a esse grupo e contribuir para que os profissionais de saúde identifiquem e trabalhem esses problemas.

Embora a abstinência ao álcool durante a gravidez seja a prática recomendada às gestantes, os resultados deste estudo, particularmente em um pequeno município brasileiro, demonstraram que essa recomendação nem sempre é aceita por parte das pesquisadas, que consideram essa prática como natural e comum entre as jovens. Isso evidencia passividade dos serviços de saúde locais, que estariam apenas recebendo aquelas pacientes que procuram o serviço para a realização do pré-natal, sendo tais práticas restritas aos exames, como também prevenção e acompanhamento de agravos, necessitando de assistência direcionada ao contexto psicossocial.

Assim, é de suma importância para o enfermeiro compreender a concepção que a adolescente grávida possui sobre o consumo de álcool durante o período gestacional, uma vez que essa é problemática ainda pouco discutida no meio acadêmico e de grande incidência no âmbito da saúde pública. Tal aspecto exige do enfermeiro olhar crítico, no intuito de proporcionar meios mais eficazes para a realização de um pré-natal atento a tal problemática.

Ficou demonstrada a necessidade de assistência voltada ao modelo holístico, em que cada paciente é tratado como um ser biopsiquicossocial e espiritual, havendo, então, acompanhamento direcionado para todas as suas necessidades. É imprescindível a realização de trabalho educativo, ao observar nas falas das participantes o desconhecimento das consequências que o consumo de álcool, durante o período gestacional, pode acarretar. Ao observar tais lacunas existentes nesse âmbito, vale salientar que essas precisam ser estudadas, questionadas e principalmente trabalhadas.

 

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Recebido em: 04/2009
Aprovado em: 07/2009

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