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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.13 no.3 Ribeirão Preto jul./set. 2017

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v13i3p148-155 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.v13i3p148-155

 

Dimensões teórico-práticas na formação do enfermeiro: crenças e atitudes relacionadas ao alcoolismo

 

Dimensiones teórico-prácticas en la formación del enfermero: creencias y actitudes relacionadas con el alcoholismo

 

 

Marcus Luciano de Oliveira TavaresI; Amanda Márcia dos Santos ReinaldoII; Belisa Vieira da SilveiraIII

IMestrando, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
IIPhD, Professor Associado, Escola de Enfermagem, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil
IIIMSc, Professor, Centro Universitário Una, Belo Horizonte, MG, Brasil

 

 


RESUMO

OBJETIVO: Identificar as crenças e atitudes de estudantes de enfermagem em relação ao tratamento de pacientes alcoolistas.
MÉTODO: Pesquisa quantitativa, descritiva, desenvolvida com 117 estudantes de enfermagem de uma universidade pública. Utilizou-se a escala de "Atitudes e Crenças Sobre o Alcoolismo".
RESULTADOS: Os estudantes compreendem a importância do enfermeiro no diagnóstico precoce dos sinais e sintomas do alcoolismo, da abstinência e das possibilidades assistenciais para a área, mas se sentem despreparados e inseguros frente ao fenômeno multidisciplinar que é o alcoolismo.
CONCLUSÃO: Percebe-se a necessidade de maior inserção teórico-prática acerca do uso de álcool e outras drogas no currículo de enfermagem.

Descritores: Alcoolismo; Estudantes de Enfermagem; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde; Enfermagem.


RESUMEN

OBJETIVO: Identificar las creencias y actitudes de los estudiantes de enfermería en relación con el tratamiento de los pacientes alcohólicos.
MÉTODO: Estudio cuantitativo, descriptivo desarrollado con 117 estudiantes de enfermería de una universidad pública. Se utilizó la escala  para "Actitudes y creencias sobre el alcoholismo".
RESULTADOS: Los estudiantes comprenden la importancia del enfermero en la detección precoz de los signos y síntomas de alcoholismo, abstinencia y de las oportunidades asistenciales en esta área, pero se sienten sin preparación e inseguros frente al fenómeno multidisciplinar que es el alcoholismo.
CONCLUSIÓN: Se percibe la necesidad de una mayor inclusión teórico-práctica sobre el uso de alcohol y otras drogas en el plan de estudios de enfermería.

Descriptores: Alcoholismo; Estudiantes de Enfermería; Conocimientos, Actitudes y Práctica en Salud; Enfermería.


 

 

Introdução

O uso e abuso de álcool é um problema atual, recorrente e responsável por agravos que afetam a sociedade. O alcoolismo é definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como doença e, em seu relatório sobre a situação do álcool no mundo, este foi responsável por cerca de 3,3 milhões de óbitos, o equivalente a 5,9% das mortes no mundo em 2012. Esse percentual elevado decorre das consequências causadas pelo álcool como o câncer, diabetes, doenças cardiovasculares e neuropsiquiátricas, além da violência interpessoal e no trânsito(1-2).

Pessoas em uso abusivo de álcool e outras drogas são estigmatizadas. Tal característica é responsável pelo agravamento do estado de saúde e do impacto social aos usuários. Esse estigma, frequentemente, advém de um desconhecimento sobre a doença e sua complexidade(3). Assim, é comum que o consumo etílico contumaz ainda seja visto como uma fragilidade de caráter e de autocontrole, o que altera o modo de uso – de social e agregador para individual e vexatório – devido à carga estigmatizadora incutida no usuário. Desse modo, ações preventivas ao uso são necessárias para reduzir o impacto imaginário, real e social do alcoolismo.

A avaliação da implantação de programas de prevenção em saúde aponta para a importância do aspecto humano referente às atitudes, crenças e expectativas dos profissionais de saúde em relação à prática das novas propostas de atenção à saúde das pessoas e seus modos de vida. Estudos que contemplam esse tema são poucos frequentes em nosso país(4). Faz-se necessário, portanto, que tal temática seja abordada na formação profissional da área da saúde desde a graduação, para que o trabalhador inicie o processo reflexivo sobre as suas representações acerca de situações de saúde e de vulnerabilidade, a fim de minimizar o possível impacto de tais crenças na assistência prestada ao paciente.

Os enfermeiros compõem um dos maiores grupos de profissionais de saúde. Sua assistência é prestada aos pacientes de modo geral, incluindo-se os usuários de substâncias psicoativas em diversos setores de um sistema de saúde. Supõe-se, portanto, que deveriam ser capazes de avaliar suas próprias crenças e atitudes com relação ao alcoolismo para desenvolver cuidados humanos e sem julgamentos de valor, porém, conforme mostram os estudos sobre o tema, esses profissionais carecem de capacitação sobre a temática desde a sua formação, o que reflete diretamente na assistência oferecida, sendo essa carregada de estigma e valores morais(3,5-6).

Avaliações sobre as crenças e os valores envolvidos no ato de cuidar são fundamentais para uma assistência de qualidade. Por esse motivo, torna-se necessário incluir na prática assistencial do enfermeiro uma avaliação consciente dessa necessidade. No entanto, dado a magnitude do problema, pouco ainda é sabido sobre as atitudes (pensar, sentir e comportar-se) dos enfermeiros em relação aos pacientes usuários de álcool e drogas, além dos estudos serem escassos e pouco atuais, a literatura também mostra que em relação aos treinamentos (educação continuada) ou mesmo ensino formal com essa temática, tem sido pouco explorado nos currículos de graduação em Enfermagem, sendo que são considerados indispensáveis na formação dos enfermeiros com vistas à oferta de uma assistência qualificada a essa população(4,7-8).

Em razão da problemática envolvendo o uso e abuso do álcool e ao comprometimento da assistência prestada pelos enfermeiros aos pacientes alcoolistas devido à fragilidade da sua formação, optou-se neste estudo, identificar as crenças e atitudes de estudantes de enfermagem em relação ao tratamento de pacientes alcoolistas.

 

Método

Estudo quantitativo, descritivo, desenvolvido em uma escola de enfermagem de uma universidade pública do estado de Minas Gerais, Brasil. Como critérios de inclusão, definiu-se incluir todos os estudantes regularmente matriculados nos dois últimos períodos do curso de graduação em enfermagem e que desejarem participar da pesquisa. A amostra foi composta por 117 estudantes.

Os dados foram coletados de março a julho de 2013. Sendo a equipe de pesquisadores composta por alunos bolsistas de Iniciação Científica.

Como instrumento para coleta de dados, utilizou-se a escala de "Atitudes e Crenças Sobre o Alcoolismo", validada no Brasil, desenvolvida pelo projeto de Educação em Álcool do NEADA - Nursing Education in Alcohol and Drug Education, essa escala é composta por variáveis que foram desenvolvidas a partir da experiência profissional dos autores para trabalhar com pacientes alcoolistas. Ela tem como objetivo avaliar a percepção dos enfermeiros com relação ao uso do álcool, perfazendo um total de 30 avaliações, divididas em 5 (cinco) dimensões, sendo elas: I – Percepção dos enfermeiros com relação aos conceitos teóricos sobre uso e dependência de álcool, II – Percepção dos enfermeiros com relação à privacidade do paciente alcoolista, III - Percepção dos enfermeiros com relação aos sentimentos profissionais e pessoais em trabalhar com alcoolistas, IV – Percepção dos enfermeiros em relação ao preparo profissional para trabalhar com essa população, V – Percepção dos enfermeiros com relação às intervenções de enfermagem utilizadas para esses problemas.

A escala foi estruturada com respostas do tipo "Likert", sendo classificadas em 1 – concordo muito; 2 – concordo; 3 – indiferente; 4 – discordo; 5 – discordo muito. Com o propósito de promover uma visão mais concisa dos dados e propiciar maior consistência aos resultados, optou-se, durante a análise, por agrupar as alternativas em três itens apenas: concordo, indiferente e discordo.

Para caracterização da amostra, foram coletadas informações sobre sexo e idade dos participantes.

O processo de análise dos dados foi realizado percorrendo as seguintes etapas: criação de um banco de dados e inserção dos mesmos por meio de digitação dupla; verificação da consistência dos dados; análise dos dados realizada por meio de estatísticas descritivas. Durante todo o processo foram utilizados os programas estatísticos Epi Info (versão 7.1.5.2) e Data Analysis and Statistical Software - STATA (versão 11.1).

A pesquisa teve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Parecer nº 0107.0.203.000-11.

 

Resultados

Na amostra estudada, os estudantes são predominantemente do sexo feminino (88%), com idade mediana de 25 anos, sendo a mínima 22 e máxima 36. Na Tabela 1, estão expostos os dados referentes às percepções dos estudantes em relação ao conhecimento de conceitos teóricos relacionados ao álcool e alcoolismo. Destaque para a variável "É importante o enfermeiro saber distinguir os problemas decorrentes do uso do álcool" (96,6%), onde quase todos os estudantes concordaram com essa afirmação.

 

 

 

Verifica-se na Tabela 2, variáveis referentes ao preparo para trabalhar com alcoolistas, nota-se que o aprendizado quanto ao alcoolismo na graduação (86,3) foi considerado inadequado pela maioria dos estudantes. Destaque também para a variável que afirma sobre a necessidade de dar mais ênfase na experiência teórica e prática sobre o alcoolismo na Escola de Enfermagem (94,8%).

 

 

 

Pela Tabela 3,  identifica-se as percepções dos estudantes em relação à privacidade do usuário alcoolista. Nesta dimensão, quase todos os estudantes discordaram das variáveis: "não é função do enfermeiro questionar sobre o consumo do álcool com os alcoolistas" (96,6%), "eu considero uma invasão de privacidade falar sobre o uso do álcool com o paciente" (97,4%) e "não é função do enfermeiro questionar sobre assuntos tão particulares quanto ao uso do álcool" (99,2%).

 

 

As percepções dos estudantes quanto à intervenção de enfermagem a pacientes alcoolistas encontram-se descritas na Tabela 4. Por meio dela, pode-se perceber valores expressivos de concordância nas variáveis que consideram que pessoas que bebem também podem ser ajudadas pelo enfermeiro para mudar seu hábito (96,6%), e que o diagnóstico da síndrome de abstinência do álcool em suas fases iniciais pode ajudar com sucesso no tratamento (91,5). Os estudantes discordam que o histórico de enfermagem não é necessário para avaliar os problemas do alcoolismo (95,7%) e que pacientes que bebem muito não deveriam receber aconselhamentos para diminuir o consumo da bebida (94%).

 

 

Na Tabela 5, encontram-se expostas as opiniões dos estudantes quanto ao sentimento que possuem ao trabalhar com alcoolistas. Torna-se importante salientar o expressivo percentual de estudantes que discordaram sobre o alcoolista que não obedecer às orientações dadas pelo enfermeiro, deve ser tratado com indiferença (98,3%).

 

 

Discussão

O desconhecimento é considerado fonte geradora de crenças e atitudes negativas, ele impede o homem de despertar seu senso crítico sobre um determinado assunto. Em se tratando especificamente da repercussão que o álcool tem na vida do usuário em uso prejudicial, o desconhecimento é apontado como fonte de preconceito, estigmas e incapacidade para lidar com o problema. Por meio da Tabela 1, na qual estão expressas as opiniões dos estudantes de enfermagem quanto ao conhecimento teórico acerca do álcool e alcoolismo, percebemos que em sua maioria (96,6%), concorda que é importante o enfermeiro saber distinguir os problemas decorrentes do uso do álcool. Isso corrobora com dados da literatura, os quais apontam que o preparo formal que o enfermeiro recebe durante a graduação influencia positivamente no manejo com pacientes alcoolistas(9-10).

O preparo prévio durante a graduação ou em uma pós-graduação foi apontado como preditores para atitudes positivas ao se trabalhar com pacientes alcoolistas(10). Ainda na Tabela 1, foi possível perceber que conhecer as diferenças entre os tipos de usuários de álcool (frequentes e esporádicos), reconhecer os agravos sociais decorrentes do abuso e conhecer os problemas orgânicos e psicológicos resultantes do uso do álcool foram apontados por mais da metade da amostra como informações de seu conhecimento. Isso é visto como algo positivo, pois conforme recomenda a literatura, é necessário que estudantes, ainda na graduação, tenham conhecimento prévio para então oferecerem uma assistência de qualidade a esses usuários(9-10).

O preparo para trabalhar com alcoolistas é um processo que deve iniciar com o ensino formal durante a graduação. O sentimento de insegurança pode vir do despreparo teórico e da carga de conteúdo moral que o estudante carrega em relação ao usuário de álcool. É preocupante percebermos que mais de três quartos da amostra discordam que o aprendizado sobre o alcoolismo na graduação foi adequado, esse resultado justifica os demais, os quais revelam que estudantes afirmam não se sentirem capacitados para falar e lidar com os problemas relacionados ao alcoolismo, conforme explicitado na Tabela 2(7-8).

Corroborando com os dados que revelam a falta de preparo dos estudantes, observa-se um expressivo percentual de estudantes que concordaram com a necessidade de enfatizar o ensino teórico pratico sobre o alcoolismo durante o curso de graduação (94,8). Em estudo semelhante realizado com estudantes de enfermagem, os autores sugeriram que atitudes negativas em relação ao alcoolismo se devem, majoritariamente, ao preparo insatisfatório que esses estudantes têm durante a graduação. Os mesmos autores sugerem a necessidade de abordar a temática nos currículos de enfermagem(8,11).

Ainda sobre o preparo para trabalhar com pacientes alcoolistas, pode-se observar uma alta frequência de respostas "indiferente". Tal resultado foi encontrado em outro estudo em que os autores sugerem se tratar de uma consequência decorrente da falta de conhecimento em relação à temática do álcool e alcoolismo. Os mesmos autores arriscam ainda um outro fator explicativo para essa situação: "a dificuldade que esses estudantes tem de assumirem suas reais atitudes, como se fosse mais confortável então para os mesmos colocarem-se em posições neutras ou sem uma opinião formada"(11). Entretanto, a ausência de posicionamento frente a um fenômeno é irreal e impossível. Ao se manter neutro ou imparcial, o indivíduo tende a corroborar com a ideologia dominante, por ser mais difundida e apresentar um maior peso social. Portanto, ao ser "indiferente" ao cuidado, o estudante pactua com o imaginário social do uso abusivo de álcool, privilegiando o uso e não as nuances do sujeito que faz uso.

Outro aspecto relevante evidenciado pela Tabela 2 é que uma parte significante dos estudantes apontou que as crenças em relação ao alcoolismo não se alteraram após a graduação (76,1%). O desenvolvimento inadequado de competências teórico-práticas relacionadas ao alcoolismo sustenta e consolida o imaginário social prévio a respeito do uso e abuso de drogas.

O imaginário social consiste em uma construção histórico-social coletiva que assume influência real devido à materialidade subjetiva que ocupa em uma sociedade. O imaginário absorve memórias, afetos e percepções cotidianas de uma dada sociedade, elencando os sujeitos aptos a viver dentro do considerado normal àquele grupo de pessoas. Assim, concomitantemente, diagnostica os contraventores desse imaginário social e os marginaliza inconscientemente, projetando tal experiência imaginária para o real. Permeado por afeto, aspectos racionais e irracionais, o imaginário origina uma imagem sólida que fundamentará práticas(12). Tendo ciência de tal imaginário, o alcoolista assume um comportamento defensivo frente ao uso, é dizer, esconde de familiares e de profissionais de saúde, ficando inibido quando questionado a respeito devido às sanções morais e sociais já recebidas decorrentes do uso, conforme explicitado na Tabela 3, em que se pode perceber que os estudantes concordam em questões relativas ao desconforto dos pacientes ao falar sobre o problema.

Em doenças e agravos estigmatizados socialmente, é comum que o paciente se espante ao vislumbrar no outro algo de sua própria subjetividade. Ademais, o reflexo do estigma vivenciado pelo outro incide sobre o sujeito, que registra o impacto do fenômeno na sociedade e das mudanças significativas do outro perante o doente(13). No caso de usuários de substâncias psicoativas é comum o constrangimento e, até mesmo, a negação quando questionado a respeito do uso, pelo registro do estigma social, como evidenciado pelos estudantes da pesquisa.

Como já fora percebido nos resultados, um elevado percentual dos estudantes sente-se "indiferente" ou despreparado para lidar com a complexidade da problemática relacionada ao alcoolismo. Na Tabela 4, os estudantes entrevistados apontam o encaminhamento para serviços especializados como a melhor alternativa de tratamento (42,8%). A priori, essa percepção dos estudantes é adequada uma vez que contempla a necessidade de acompanhamento por profissionais especializados, como psiquiatras, psicólogos, assistentes sociais, dentre outros. Entretanto, uma análise mais aprofundada demonstra, novamente, a dificuldade e insegurança por parte dos estudantes frente ao uso abusivo de álcool. Apesar de 96,6% relatarem que o enfermeiro também pode ajudar pessoas com problemas com álcool e que 95,7% discordam que o histórico de enfermagem não é necessário para avaliar o alcoolismo, os estudantes mesmo assim optam pelo encaminhamento.

No Brasil, as políticas de saúde direcionadas à assistência e rede de serviços para atendimento ao usuário abusivo de álcool são recentes. Até pouco tempo, o sujeito em uso abusivo não acessava o sistema de saúde ou, quando acessava, era somente para tratar das comorbidades decorrentes do uso e não dos motivos que levam ao uso. A partir das políticas públicas de saúde baseadas no território, propõe-se que esse sujeito passe a ser visto em sua totalidade, complexidade e subjetividade(14). Assim, cabe às equipes de saúde da família acolher esse usuário e trata-lo em seu território, considerando os recursos e dispositivos socioculturais e da saúde disponíveis. Sendo assim, o encaminhamento a serviços especializados não encerra o contato com o fenômeno, somente adia a criação de vínculo com o usuário em sua área de abrangência.

Ainda no que tange às políticas públicas brasileiras, ao analisar que só 8,6% dos estudantes acredita que o melhor caminho é encaminhar ao serviço de grupo Alcoólatra Anônimo, denota-se um conhecimento dos estudantes em relação à política de assistência ao usuário de álcool e outras drogas. Tal inferência pode ser feita uma vez que a política brasileira, em consonância à tendência mundial em álcool e outras drogas, preconiza-se a Redução de Danos como estratégia de sensibilização, abordagem e tratamento de usuários abusivos de álcool por contemplar a manifestação da subjetividade, respeitar as escolhas de uso e construir, conjuntamente e, ao mesmo tempo, individualmente saídas possíveis para a redução ou interrupção do uso(14-16).

Na Tabela 5, 74,4% dos estudantes reconhecem que, mesmo com ajuda, o alcoolista ainda pode continuar bebendo. Percebe-se, portanto, que há a compreensão de que a abstinência não é, necessariamente, o foco da assistência ao usuário de álcool. Deslegitimar o poder oculto da droga é apostar nas potencialidades do sujeito que faz uso. A interrupção abrupta do uso pode ser mais danosa que a sua manutenção em quantidade ou frequência menores.

Assim, uma abstinência imposta ou a síndrome de abstinência são condições clínicas importantes que demandam urgência assistencial e suporte em instituições hospitalares. Além disso, o uso abusivo de álcool, conforme já explicitado, relaciona-se a várias outras comorbidades que necessitam de acompanhamento clínico(17). Os estudantes corroboram tal afirmativa uma vez que 70,9% apresentaram que o alcoolista merece um lugar no hospital como qualquer outro paciente.

Ainda referente aos dados da Tabela 5, 99,1% dos estudantes afirmam que, mesmo o alcoolista não obedecendo às orientações dadas pelo enfermeiro, não deve ser tratado com indiferença. A clínica da dependência química é marcada por situações frustrantes para o profissional, uma vez que, comumente, o usuário não atende a todas as orientações prescritas. Por exemplo, a recaída ao uso é esperada e faz parte do tratamento de um usuário de álcool. Assim, não cabe ao enfermeiro imprimir no tratamento e no usuário de álcool as suas expectativas pessoais e morais frente ao uso, de modo que, o não cumprimento de tais expectativas não acarrete em acarretar em indiferença ou sanção/punição ao alcoolista(18-19).

 

Conclusão

Aponta-se a relevância da temática para a formação do enfermeiro. Identifica-se a necessidade de inserção teórico-prática acerca do uso de álcool e outras drogas no currículo de enfermagem. Os estudantes de enfermagem, compreendem a importância do profissional enfermeiro no diagnóstico precoce dos sinais e sintomas do alcoolismo, da abstinência e das possibilidades assistenciais para a área, mas se sentem despreparados e inseguros frente ao fenômeno multidisciplinar que é o alcoolismo.

 

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Recebido: 09.10.2016
Aceito: 27.10.2017

Correspondência:
Marcus Luciano de Oliveira Tavares
Universidade Federal de Minas Gerais. Escola de Enfermagem
Av Professor Alfredo Balena, 190, sala 422
CEP: 30130-100, Belo Horizonte, MG, Brasil
E-mail: tavares_mlo@yahoo.com.br

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