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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.14 no.1 Ribeirão Preto jan./mar. 2018

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.000405 

ARTIGO ORIGINAL
DOI: 10.11606/issn.1806-6976.smad.2018.000405

 

Atitudes de estudantes iniciantes da graduação em enfermagem diante do paciente alcoolista

 

Actitudes de iniciantes de la graduación en enfermería frente al paciente alcohólico

 

 

Samuel Barroso RodriguesI; Jacqueline de SouzaI

IUniversidade de São Paulo, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, Centro Colaborador da OPAS/OMS para o Desenvolvimento da Pesquisa em Enfermagem, Ribeirão Preto, SP, Brasil

 

 


RESUMO

OBJETIVO: analisar as atitudes de alunos iniciantes do curso de graduação em enfermagem diante do alcoolista.
MÉTODO: estudo quanti-qualitativo, no qual foi aplicada a Escala de Atitudes Frente ao Álcool e ao Alcoolista, um questionário sociodemográfico e realizada uma simulação realística.
RESULTADOS: as atitudes foram mais positivas e houve associação significativa entre a atitude e a faixa etária (p = 0,014). Identificaram-se três categorias: 1) Aspectos de âmbito comportamental; 2) Aspectos de âmbito conceitual; e 3) Aspectos de âmbito emocional.
CONCLUSÃO: é importante conhecer as atitudes dos estudantes diante do alcoolista por meio de abordagens também qualitativas a fim de que as práticas educacionais lhes assegurem um preparo mais adequado no cuidado prestado a essa clientela.

Descritores: Transtornos Relacionados ao uso de Álcool; Alcoolismo; Estudantes de Enfermagem; Conhecimentos, Atitudes e Prática em Saúde.


RESUMEN

OBJETIVO: Analizar la actitud de los alumnos principiantes del curso de graduación en enfermería frente al alcohólico.
MÉTODO: Estudio mixed-method en el cual se aplicó la Escala de Actitudes Frente al Alcohol y al Alcoolista, un cuestionario sociodemográfico y realizada una simulación realista.
RESULTADOS: Las actitudes fueron más positivas y hubo una asociación significativa entre la actitud y el grupo de edad (p = 0,014). Se identificaron tres categorías: 1) Aspectos de comportamiento conductual; 2) Aspectos de ámbito conceptual y 3) Aspectos de Ámbito emocional.
CONCLUSIÓN: Es importante conocer las actitudes de los estudiantes frente al alcohólico a través de enfoques también cualitativos a fin de que las prácticas educativas les aseguren una preparación más adecuada en el cuidado prestado a esta clientela.

Descriptores: Trastornos Relacionados con Alcohol; Alcoholismo; Estudiantes de Enfermería; Conocimientos; Actitudes y Práctica en Salud.


 

 

Introdução

O uso de álcool tem se constituído como uma frequente demanda no cotidiano da enfermagem nos diferentes settings de cuidado, tais como unidades clínicas, cirúrgicas, hospitais gerais e na atenção primária(1).

Em geral, quando um paciente busca atendimento nas unidades de saúde, o seu primeiro contato ocorre por meio da assistência dos profissionais de enfermagem. Assim, a atitude desse profissional em relação ao paciente reflete em todo o curso do seu tratamento, sobretudo nos casos de usuários de álcool, que podem apresentar tanto comprometimentos orgânicos quanto psíquicos, além de baixa adesão ao trabalho(2).

Embora seja uma temática amplamente estudada e fruto de numerosas definições, o termo atitude ainda não possui um significado preciso. Para alguns autores, atitudes são condutas resultantes de valores derivados de outros valores mais básicos, os quais, durante o processo de desenvolvimento, foram internalizados durante a sua infância ou o seu cotidiano(3). Os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS) definem atitude como uma predisposição adquirida e duradoura para agir sempre do mesmo modo diante de uma determinada classe de objetos, a partir da maneira como são concebidos.

Assim, considerando que os enfermeiros são profissionais-chave para a identificação de indivíduos com problemas decorrentes do uso de álcool, devido à sua posição privilegiada em relação à equipe e ao acolhimento dos usuários dos serviços de saúde, é importante que esse profissional assista os pacientes isentando-se de atitudes negativas, ou seja, quaisquer tipos de discriminação, preconceito e sem se deixar influenciar pelos valores morais, inclusive aqueles que estigmatizam os indivíduos que consomem bebidas alcoólicas(4).

Poucos estudos estão direcionados a estudar as atitudes dos ingressos na graduação em enfermagem, emergindo a necessidade de se conhecer de forma mais aprofundada esse fenômeno(1-2,5-7). No entanto, em virtude da complexidade desse tema, o uso exclusivo de componentes quantitativos, muitas vezes, pode não ser suficiente para acessar aspectos subjetivos que envolvem as atitudes.

Assim, acredita-se que o presente estudo seja relevante por gerar tanto dados objetivos (de aspecto quantitativo) referentes às atitudes dos alunos iniciantes no curso de graduação em enfermagem diante do alcoolista quanto qualitativos por meio da captura de aspectos subjetivos e atitudinais dos indivíduos de forma espontânea.

 

Objetivo

Avaliar as atitudes de alunos iniciantes do curso de graduação em enfermagem frente ao paciente alcoolista.

 

Materiais e Método

Trata-se de um estudo de abordagem quanti-qualitativa (mixed-method), que permite a combinação de técnicas quantitativas e qualitativas em um mesmo trabalho(8-9). O estudo foi realizado com alunos do primeiro e segundo anos do curso de enfermagem de uma Escola de Enfermagem no interior de São Paulo.

Em um primeiro momento, aplicou-se a EAFAA (Escala de Atitudes Frente ao Álcool e ao Alcoolista) e um questionário sociodemográfico. A EAFAA é subdividida em 4 fatores e, entre eles, destaca-se o Fator 2: A pessoa com transtornos relacionados ao uso de álcool, composto de 12 itens, os quais envolvem opiniões e sentimentos dos estudantes perante as características físicas e psíquicas do indivíduo alcoolista(10). O questionário sociodemográfico contemplou questões como gênero declarado, idade, participação em evento sobre alcoolismo, entre outras. O recrutamento dos participantes se deu por meio do convite em sala de aula.

Em um segundo momento, 20 estudantes foram sorteados para participar da estratégia de simulação realística com paciente simulado. Para contemplar todos os estudantes, a simulação foi realizada em três dias para um número equivalente de estudantes e sua operacionalização contou com um ator (devidamente capacitado e padronizado a simular o roteiro previamente construído para o cenário planejado), sendo a técnica gravada em vídeo e com dois observadores participantes. A filmagem foi transcrita na íntegra, juntamente com o diário de campo dos observadores.

Nessa fase, o recrutamento dos participantes se deu por meio de sorteio e o convite foi feito via e-mail. A coleta foi realizada no Laboratório de Atenção Primária (Casa Simulada) da universidade(11).

Os critérios de inclusão foram estar regularmente matriculado nos cursos de Bacharelado ou Bacharelado e Licenciatura de Enfermagem da EERP-USP e ter no mínimo 18 anos completos no ato da coleta de dados. Aplicando-se os critérios de inclusão e exclusão obteve-se uma amostra de 170 participantes na etapa quantitativa e 19 participantes na etapa qualitativa.

Com relação à análise dos dados quantitativos, foram feitas análises descritivas para identificar a correlação entre as variáveis sociodemográficas e as atitudes dos estudantes a partir do fator 2 da EAFAA ("A pessoa com transtornos relacionados ao uso de álcool"). Seu escore mínimo possível é 1 e o máximo 5, sendo que quanto mais próximo de 5, mais positiva é a atitude. Quanto aos dados qualitativos, realizou-se análise de conteúdo dos registros das observações participantes e das transcrições dos vídeos(12).

Com base na resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde que determina as diretrizes e normas regulamentadoras da pesquisa envolvendo seres humanos, o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto (EERP-USP), sob número de registro CAAE 56421516.9.0000.5393.

 

Resultados

A média de idade dos estudantes foi de 20,1 anos (DP = 3,5), gênero declarado feminino (145; 85,3%), não católicos (protestantes, espíritas, agnósticos, outros ou não possuem) ou sem religião (88; 51,85%), sem companheiro(a) (163; 95,9%). O convívio atual ou pregresso com alcoolista foi referido por 118 (69,4%) estudantes. Quanto aos aspectos profissionais, a maioria referiu não ter trabalho, formação adicional na área de saúde (149; 87,6%) ou participação de eventos sobre alcoolismo (154; 90,6%) (Tabela 1).

 

 

 

No fator 2 da EAFAA (A pessoa com transtornos relacionados ao uso de álcool), os estudantes obtiveram uma média de 3,66 (mediana = 3,62, DP = 0,49). Houve diferença estatisticamente significativa entre o Fator 2 da EAFAA e a idade (p = 0,011). Para as demais características sociodemográficas (gênero declarado, idade, situação conjugal, convívio com alcoolista, trabalho ou formação adicional na área de saúde e participação em evento sobre alcoolismo), da mesma forma que não houve diferença estatisticamente significativa entre o padrão de uso de álcool e o Fator 2 da EAFAA.

No conjunto dos registros das observações participantes e das transcrições dos vídeos, identificaram-se 61 unidades de significado e 10 códigos que foram agrupados em três categorias específicas, a saber: 1) Aspectos de âmbito emocional do estudante; 2) Aspectos de âmbito conceitual do estudante; e 3) Aspectos de âmbito comportamental do estudante (Figure 1).

 

 

No que se refere ao volume de dados, a categoria cujas unidades de significado foram mais recorrentes foi "Aspectos de âmbito conceitual" (26; 42,6%), seguida das categorias de "Aspectos de âmbito emocional (20; 32,8%) e "Aspectos de âmbito comportamental" (15; 24,6%).

Categoria 1 - Aspectos do âmbito emocional do estudante frente ao alcoolista

As atitudes nesta categoria refletem o campo afetivo dos estudantes, ou seja, aquelas relacionadas à maneira como são expressas as emoções perante os estímulos do cenário. Nesta categoria, a análise do conjunto de dados (falas e transcrições dos vídeos) sugeriu que durante a cena os alunos mencionaram ou tiveram posturas corporais que sugeriram certa inquietude e ansiedade.

Para diferenciar as falas e trechos das transcrições e observações dos três dias de simulações, designaram-se os seguintes códigos: S1 (Simulação 1);
S
2 (Simulação 2); S3 (Simulação 3). Cada estudante recebeu uma numeração diferente e sequencial (de 1 a 19) à frente da letra "E".

De forma geral, os alunos aparentaram-se inquietos e ansiosos durante a visita ao paciente. Os que estavam participando ativamente do cenário ficaram com as mãos entre as pernas grande parte do tempo, a voz era trêmula e os corpos estavam inquietos (S1).

Eu travei. Nós estávamos um pouco ansiosas e nervosas também, tanto que as vezes o momento de silêncio que era meio... desconfortável, sabe? (E2; S2)

Se fosse eu que estivesse no atendimento, eu me sentiria muito ansiosa e insegura, porque mesmo tendo outras pessoas comigo, poderia, sei lá, acontecer alguma coisa comigo (E3; S1).

Os estudantes também mencionaram a sensação de medo da violência por parte do paciente alcoolista: No começo da visita eu estava sentindo um pouco de medo assim sabe, se eu iria levar um tapa na cara. (E2; S1)

Foi observado um episódio de choro:

Eu tenho duas pessoas próximas na família: uma que é usuária de drogas mais pesadas e uma que é usuária de bebida alcóolica... [choro] então assim... pela vivência, pela convivência que tenho com eles, eu faria diferente. Ai gente... me desculpa, fico muito emocionada quando falo disso. (E3; S3)

Conforme observado, tanto as falas quanto a expressão corporal dos alunos denotaram diferentes emoções que foram concentradas nesta categoria.

Categoria 2 - Aspectos do âmbito conceitual do estudante frente ao alcoolista

Esta categoria abarcou características relacionadas tanto ao entendimento que o estudante tem sobre o usuário de álcool quanto sobre a bebida alcoólica e o seu uso. O conjunto de dados sugere que os estudantes concebem o alcoolismo considerando a concepção integral de saúde, uma vez que se preocuparam em investigar aspectos biopsicossociais do indivíduo durante a visita domiciliar:

Vamos conversar mais, vamos ver o que está acontecendo (...) vamos cuidar dos seus machucados e pensar no tratamento para o senhor parar de beber e você irá se recuperar (E1; S1).

Além dos machucados tem alguma outra coisa que você tem sentido ultimamente? Algum outro sintoma emocional? (...) Você se sente bem ao se ver no espelho? (E2; S1)

Houve também preocupação, por parte de alguns alunos, com as consequências do padrão de uso problemático de álcool, sugerindo que tinham noções sobre seus prejuízos:

Como você fica quando você bebe? Você fica agressivo? Ou você fica calmo, você fica alegre? Como é? (E1;S1)

Alguns estudantes tiveram concepções baseadas no senso comum, tais como acreditar que o alcoolista seja um indivíduo imprevisível, que não busca ajuda e é mentiroso:

 Eu, como aluno que assistia ao atendimento, não sabia se o paciente iria ter um ataque de raiva e bater nas alunas ou ter uma crise de choro. Ele era bem imprevisível (E1; S1).

Essas pessoas usuárias de álcool não buscam ajuda no postinho, não marcam médico, sabe? Eu acho bem mais difícil você entrar em contato com elas (E5, S1).

Você nunca sabe se o fato de ele ter apanhado é uma história que ele está inventando, você pensa que poderia ser um monte de coisas (E3; S2).

Algumas falas sugerem que alguns estudantes entendem o alcoolismo como doença:

A gente tem que entender que o alcoolismo é uma doença, mas não uma doença contagiosa, porém subjetiva (E5; S3).

Na próxima visita a gente não vai saber como o paciente está. O alcoolismo não é igual uma doença orgânica, como por exemplo uma ferida, mas não deixa de ser uma doença, porque o paciente não está bem consigo mesmo (E2; S3).

Alguns estudantes referiram que algumas preocupações são necessárias ao lidar com o alcoolista:

É preciso tomar cuidado com o que falar, porque se você se escorrega na hora de falar com ele, a maneira como se fala e até a posição, a postura que você assume pode te comprometer (E3; S2).

A gente tem que saber se segurar muito sabe, não só com relação a isso, mas aos nossos sentimentos, também (E3; S3).

Conforme observado, esta categoria reuniu os principais conceitos que os estudantes parecem ter em relação ao alcoolismo e ao alcoolista, ilustrando uma série de questões do senso comum, por exemplo, imprevisibilidade, mentiroso, não gosta de trabalhar, entre outras. Por outro lado, apresentaram também noções sobre cuidado integral, consequências do uso de álcool, concepção do alcoolismo como doença de causalidade psicossocial e preocupações no trato com o usuário de álcool.

Categoria 3 - Aspectos de âmbito comportamental do estudante frente ao alcoolista

Esta categoria abrangeu os aspectos comportamentais dos participantes perante os estímulos do cenário. Alguns estudantes portaram-se de forma acolhedora e educada diante do paciente.

[Estudantes batem na porta]: Bom dia, seu João! Nós somos alunos da escola de enfermagem, a gente veio aqui fazer uma visita pra ver como o senhor está. A gente pode conversar um pouquinho? (...). É rapidinho (E2; S1).

Quando o paciente vai levantar, a E1 pergunta se ele quer ajuda e estende a mão, enquanto a E2 estende as mãos para ajudá-lo a se levantar. Agradecem e saem. (S2)

No entanto, outros alunos tiveram posturas menos educadas:

[João abre a porta e E2 fica em silêncio e não cumprimenta verbalmente o paciente. Nenhum dos estudantes em cena aperta a mão de João ao cumprimentá-lo] (S1).

[Ao abrir a porta, nenhum dos dois estudantes em cena cumprimenta tocando nas mãos de João, apenas fixam os olhos ligeiramente em seu rosto e, posteriormente, abaixam as cabeças] (S3).

Tal como apresentado, esta categoria concentrou os principais comportamentos que os estudantes parecem ter em relação ao alcoolista, ilustrando atitudes tanto acolhedoras e educadas quanto menos acolhedoras e/ou educadas.

 

Discussão

A maioria dos estudantes estava cursando o primeiro ano de graduação em enfermagem (86; 50,6%), a média de idade foi, respectivamente, igual a 20,1 anos, com a maior parte declarando-se do gênero feminino (145; 85,30%) e da religião católica (82; 48,2%). Sendo a pesquisa realizada com ingressos na graduação e em um curso na área de saúde, era de se esperar que a faixa etária encontrada neste estudo fosse predominantemente de estudantes jovens do gênero feminino, o que vai de encontro a outros estudos(1,13-15).

Em ambas as etapas do estudo, a maioria dos participantes revelou ter ou já ter tido convívio com paciente alcoolista (69,4%; 118). Esses achados revelam que o alcoolismo trata-se de um fenômeno bastante comum e mais próximo da realidade das pessoas do que se imagina, estando presente em diversas sociedades e camadas sociais indistintamente, chegando a ultrapassar os limites geográficos e culturais de cada povo(16).

Identificou-se associação estatisticamente significativa entre o Fator 2 da EAFAA e a idade (p = 0,011), sendo que a média de atitudes dos alunos com idade entre 18 e 19 anos foi de 3,76 e a dos alunos com idade acima de 19 anos foi de 3,57.

Esses dados corroboram com outro estudo realizado com alunos mais velhos matriculados em períodos mais avançados do curso, apesar de apresentarem ter mais conhecimento sobre o tema e confiança para lidar com o paciente, tiveram atitudes mais negativas, como acreditarem predominantemente que o ser alcoolista apenas pode ser tratado quando está "no fundo do poço" e que o problema do alcoolismo se restringe unicamente ao usuário(17). Apesar disso, essa diferença não pode ser analisada de forma isolada, não servindo de parâmetro para inferir se o aumento da idade, unicamente, influencia negativamente nas atitudes.

No que se refere aos dados qualitativos, foram identificadas três categorias com relação às atitudes dos estudantes diante do alcoolista, ou seja, aspectos de âmbito emocional, conceitual e comportamental, a saber:

Categoria 1 - Aspectos de âmbito emocional do estudante frente ao alcoolista

Nesta categoria, houve um predomínio de unidades de significado de teor negativo diante do paciente alcoolista, uma vez que foram identificadas, na maioria das situações observadas, sensações de inquietude e ansiedade, medo da violência e choro diante do paciente.
A OMS propõe que a atenção ao paciente em saúde mental deva se estabelecer a partir de uma comunicação simples e clara, sem apresentar hesitação, medo. Deve ser empática e responder às demandas do paciente adequadamente, sobretudo às suas informações privadas ou perturbadoras durante a visita domiciliar (a exemplo das agressões sofridas, dos hábitos de consumo ou de vida)(18).

Nesse sentido, é importante que o estudante de enfermagem, enquanto futuro profissional de saúde, esteja o mais isento possível de preconceitos e de seus julgamentos para que o cuidado prestado não sofra influência de suas reações emocionais, seja pelo impacto de ver o paciente em situações de vulnerabilidade ou em razão de aspectos subjetivos que ocasionalmente provoquem desconforto no cuidador.

Esse sentimento de inquietude e ansiedade parece ser bastante recorrente, mesmo em situações fora do contexto da simulação. Em estudo realizado com estudantes em fase final dos cursos de medicina e enfermagem na Escócia, evidenciou-se que os alunos se sentiram inseguros para aconselhar e lidar com os pacientes alcoolistas, sobretudo por possuírem pouco conhecimento sobre o tema(19).

O medo de serem violentados pelo alcoolista parece ser um sentimento também bastante característico dos alunos. Em outro estudo, por exemplo, 49% dos estudantes revelaram ter medo da agressividade, embora 75% neguem tal sentimento, além de que metade relatou não saber conduzir a situação(2). Da mesma forma, em outro trabalho, os participantes relataram medo do inesperado e insegurança para lidar o usuário de álcool(7).

Diante disso, é necessário implementar estratégias de ensino na graduação (como a imersão gradativa em atividades que os aproximem o máximo possível da realidade prática) a fim de que possam vivenciar tais experiências já no início do curso e para que possam, ao longo de sua formação, sentirem-se mais emocionalmente preparados para lidar com essa clientela.

Categoria 2 - Aspectos de âmbito conceitual do estudante frente ao alcoolista

As atitudes que se referem a questões de âmbito conceitual (como concebem o alcoolista) se apresentaram de forma mais positiva, uma vez que os estudantes tiveram uma concepção integral de saúde e das consequências do uso de álcool, parecendo entender o alcoolismo como doença.

O cuidado integral em saúde consiste no direito que as pessoas têm de serem atendidas de acordo com as suas reais necessidades. Assim, o profissional deve atender os indivíduos de forma integral, visualizando a "pessoa como um todo" através de ações de promoção, prevenção de doenças, além da cura e da reabilitação(20).

Diante disso, percebeu-se que os estudantes souberam destacar a importância do tratamento ao indivíduo, estabelecendo metas, respeitando suas preferências, informando-o sobre a duração do tratamento. Ademais, demonstraram preocupação com o consumo de álcool do paciente, deram importância à adesão ao tratamento e facilitaram o encaminhamento do usuário para especialistas(18).

No que se refere à conotação de doença atribuída pelos estudantes ao alcoolismo vai de encontro com outro trabalho(2). Essa percepção foi entendida como uma atitude positiva, uma vez que as falas dos alunos no presente estudo sugeriram que o uso problemático de álcool vai além da questão organicista, não se tratando de uma doença que vem de fora para dentro, como uma infecção por exemplo, mas, sim, de dentro para fora.

Acerca das concepções sobre o alcoolismo, a OMS fornece boas práticas clínicas para as interações entre os profissionais de saúde mental por meio dos Princípios Gerais de Cuidados (PGC). O PGC propõe que o profissional, durante um atendimento em saúde mental, esteja livre de discriminação baseada em raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou outra, origem nacional, étnica, indígena ou social e status econômico ou de ordem de nascimento. Portanto, não deve, em nenhuma hipótese, emitir julgamentos, respondendo às demandas do paciente de maneira isenta de preconceitos e de estigmatização(18).

Assim, destaca-se a importância de serem inseridas noções básicas acerca dos saberes e práticas em saúde mental desde o início da graduação a fim de que a noção de integralidade seja aprimorada e preservada.

Categoria 3 - Aspectos de âmbito comportamental do estudante frente ao alcoolista

A partir desta categoria, identificou-se que os estudantes apresentaram postura educada, ética e profissional e acolhedora, embora, em alguns momentos, tenham apresentado atitudes menos acolhedoras e educadas.

O cuidado efetivo deve ser pautado em uma abordagem empática, ser o tempo todo amistoso, independente das diferenças de idade, de gênero, de cultura e de língua. Deve prestar os cuidados de maneira digna e holística, atendendo às demandas, sendo sensível, educado e compreensível, respeitando a privacidade e mantendo um bom relacionamento com o paciente(21).

Uma das limitações deste estudo compete ao fato de ter sido utilizada uma técnica de simulação, a qual, por mais fidedigna à realidade que tenha sido, tendo passado pelo crivo de especialistas na área antes de ser executada, não se tratou de um caso real. Em outras palavras, o fato de os participantes terem tido a ciência de que se tratava de uma simulação e que estavam sendo observados pode ter reproduzido algumas condutas que não condizem às suas reais atitudes, tendendo-os a agir de acordo com aquilo que é preconizado pela profissão.

Diante disso, destaca-se a importância de estratégias de ensino voltadas à compreensão do alcoolismo enquanto doença sob a perspectiva biopsicossocial a fim de que o estudante de graduação, enquanto futuro enfermeiro, possa lidar de maneira mais positiva com o alcoolista, assegurado por uma prática de cuidados pautada nos princípios éticos, humanos e da integralidade do cuidado em saúde.

 

Conclusão

Identificou-se que suas atitudes, de forma geral, tenderam a ser mais positivas. Os estudantes se portaram, a maior parte das vezes, de maneira educada e profissional, souberam destacar a importância do tratamento ao indivíduo, estabeleceram metas, respeitaram suas preferências. Os resultados desta pesquisa podem fornecer subsídios para o desenvolvimento de novos estudos na área, ressaltando a importância de se ampliar o entendimento das atitudes diante do alcoolista dos estudantes em diferentes níveis da graduação em enfermagem.

 

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Recebido: 26.07.2017
Aceito: 31.07.2018

Autor de correspondência
Samuel Barroso Rodrigues
E-mail: samuelbarroso88@gmail.com
 https://orcid.org/0000-0002-9832-5510

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