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SMAD. Revista eletrônica saúde mental álcool e drogas

versão On-line ISSN 1806-6976

SMAD, Rev. Eletrônica Saúde Mental Álcool Drog. (Ed. port.) vol.15 no.4 Ribeirão Preto out./dez. 2019

https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.smad.2019.159637 

EDITORIAL

 

Construção de políticas participativas na atenção integral aos usuários de álcool e outras drogas

 

Construcción de políticas participativas en la atención integral a los usuarios de alcohol y otras drogas

 

 

Márcia Aparecida Ferreira de Oliveira

Universidade de São Paulo. Escola de Enfermagem. São Paulo, SP, Brasil

Autor Correpondente

 

 

 

A construção de política pública aparece, constantemente, no discurso dos gestores e das lideranças da sociedade civil, mas dificilmente paramos para pensar em seu significado.

No século XV assentou-se a constituição do sistema-mundo moderno e colonial e, atualmente pós-colonial. Em um dado momento da história as pessoas perceberam que a burocracia estatal não deveria apenas garantir a ordem e a segurança social, mas também prover serviços destinados a diminuir as desigualdades sociais e promover o crescimento econômico. As organizações sociais foram reduzidas à relação dicotômica Estado/sociedade civil. Assim, o prefixo - pós| na expressão pós-colonial não indica simplesmente um depois| no sentido cronológico linear; trata-se de uma operação de reconfiguração do campo discursivo, no qual as relações hierárquicas ganham significado. Colonial, por sua vez, vai além do colonialismo e alude a situações de opressão diversas, definidas com base nas fronteiras de gênero, etnias ou raça(1).

Portanto, política pública no pós-colonialismo compreende o conjunto de intervenções e ações do Estado orientadas para a geração de impactos nas relações sociais, sendo as mais conhecidas as políticas de educação, saúde, assistência social, transporte, habitação, entre outras(2).

Neste editorial, a ênfase será dada às Políticas Públicas de Saúde, sobretudo, as políticas voltadas para a atenção integral dos usuários de álcool e outras drogas. Assim, após a Segunda Grande Guerra ressurge a idéia de política pública como um direito que todo cidadão possui, independente da sua condição social. Para isso, foi preciso definir dois aspectos básicos: como construí-las e como financiá-las. Neste momento detêm-se na construção das mesmas.

Durante esses 40 anos de Reforma Sanitária e 30 anos de Movimento da Reforma Psiquiátrica, o engajamento dos trabalhadores em saúde mental, dos familiares, dos usuários, dos pesquisadores, das associações, das Conferências de Saúde Mental e dos Conselhos Profissionais contribuiu efetivamente para a formulação das Políticas Públicas de Saúde Mental, e pode-se dizer que trouxe grande contribuição aos discursos da Saúde Coletiva.

Cabe ressaltar que assim como o processo do Movimento da Reforma Sanitária, que resultou na garantia constitucional da saúde como direito de todos e dever do Estado por meio da criação do Sistema Único de Saúde, o Movimento da Reforma Psiquiátrica resultou na aprovação da Lei 10.216 de 06 de abril de 2001, que trata da proteção dos direitos das pessoas com transtornos mentais e redireciona o modelo de assistência. Este marco legal estabelece a responsabilidade do Estado no desenvolvimento da Política de Saúde Mental no Brasil por meio do fechamento de hospitais psiquiátricos, abertura de novos serviços de base comunitária e participação social no acompanhamento de sua implementação(3).

E, em fase de implementação e consolidação a Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) propõe um novo modelo de atenção em saúde mental, com base no acesso e a promoção de direitos das pessoas, baseado na convivência dentro da sociedade. Além de mais acessível, a rede ainda tem como objetivo articular ações e serviços de saúde em diferentes níveis de complexidade.

Porém, com a Constituição de 1988 e outras leis infraconstitucionais que a sucederam atribuíram a outros atores sociais uma participação significativa em toda elaboração e monitoramento dessas ações e atividades, e aí se vê surgir um dilema: quem deve participar do conjunto de processos que garantem as políticas públicas, ou seja, o Sistema Único de Saúde possui instâncias legais de construção de políticas, em constante diálogo com a sociedade civil.

Neste contexto, deve-se estar atento a diversidade de interesses que se apresentam pelo/ao gestor público, pois, como a legislação prevê mecanismos de controle social sobre as políticas públicas em formato segmentado (conferências e conselhos), a tendência natural é cada movimento fechar-se em sua pauta específica. Portanto podemos ver que, tal qual o governo, a sociedade também não é um bloco único de interesses.

No entanto, os conceitos de clínica ampliada acompanhada de outras formas de produzir cuidado que não seja pelo viés da institucionalização; de Reabilitação Psicossocial, que produz cidadania, autonomia e inclusão social; de territorialidade lugar habitado pelas pessoas com transtorno mental e suas famílias e onde existem as suas redes de apoio e de sociabilidade; de desinstitucionalização no sentido de acabar com espaços que estimulem e favoreçam a institucionalização e de Direitos Humanos como base para o diálogo das pessoas com transtornos mentais decorrentes do uso de álcool e outras drogas possam criar condições para transformarem suas realidades(4), e que estes conceitos devem estar presentes nos discursos dos atores que fomentam as políticas públicas de saúde.

E, finalmente para que as Políticas Públicas em Atenção Integral aos Usuários de Álcool e outras Drogas do Ministério da Saúde brasileiro superem a epistemologia colonial, devem emanar nas demandas sociais e serem construídas por pessoas que representem os interesses dos diferentes grupos sociais, levando-se em consideração as diferenças culturais. Cabe ao Ministério da Saúde acolher e avaliar, mas não formular solitariamente as Políticas Públicas para o povo brasileiro(5).

 

Referências

1. Santos BS, Meneses MPG, Nunes JA. Introdução: para ampliar o cânone da ciência: a diversidade epistemológica do mundo. In: Santos BS, organizador. Reinventar a emancipação social: para novos manifestos. Semear outras soluções. Porto: Afrontamento; 2004. p. 19-101.         [ Links ]

2. Costa S. Desprovincializando a sociologia: a contribuição pós-colonial. Rev Bras Estudos Soc. 2006;21(60):118-3. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0102-69092006000100007.         [ Links ]

3. Silva ATMC, Barros S, Oliveira MAF de. Políticas de saúde e de saúde mental no Brasil: a exclusão/inclusão social como intenção e gesto. Rev Esc Enferm USP. 2002. doi: http://dx.doi.org/10.1590/S0080-62342002000100002        [ Links ]

4. Ventura CAA. Saúde mental e vulnerabilidade. SMAD, Rev Eletrônica Saúde Mental Álcool Drogas. 2017;13(4):174-5. doi: https://doi.org/10.11606/issn.1806-6976.v13i4p174-175        [ Links ]

5. Santos BS. Da ciência moderna ao novo senso comum. In: Santos BS, organizador. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. São Paulo: Cortez; 2000. p. 55-117.         [ Links ]

 

 

Autor Correpondente:
Márcia Aparecida Ferreira de Oliveira
E-mail: marciaap@usp.br

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