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Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. v.6 n.1 Rio de Janeiro jun. 2006

 

ARTIGOS

 

Burnout: por que sofrem os professores?

 

Burnout: why teachers suffers?

 

 

Maria Emília Pereira da Silva *

Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana - UERJ

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Uma síndrome se instala no mundo do trabalho docente: o burnout, que significa perda de energia, desistência. Síndrome que não representa uma ameaça apenas à saúde do professor, mas à saúde dos demais trabalhadores e da sociedade como um todo. O artigo inicia com uma análise do trabalho docente em uma escola pública municipal. Discute a seguir o caráter não-material do trabalho docente e o sofrimento do professor, face aos mecanismos de organização e gestão do trabalho característicos do atual regime de acumulação flexível do capital. São abordadas causas e manifestações do burnout nos trabalhadores, e nos professores, em particular. Ao final, duas pesquisas são apresentadas, retratando o crescente aumento da síndrome e sua relação com as condições de trabalho dos docentes. É objetivo do artigo contribuir no debate sobre a organização do trabalho do professor e sua disposição de luta contra o atual modelo econômico e político hegemônico.

Palavras-chave: Sofrimento, Professor, condições de trabalho.


ABSTRACT

A syndrome takes place in the world of teachers work: the burnout, that means loss of energy. That syndrome does not represent a menace just against the health of teachers, but also against the health of the other workers and of the whole society. This paper begins with an analysis of the work of teaching in a local public school. In the sequence, examines the non-material character of that work and the suffering of the teacher vis-à-vis the mechanisms of organization and administration of the work, which are typical of the existing regime of flexible accumulation of capital. The causes and the manifestations of the burnout that victimize the workers, in general, and the teachers, in particular, are examined. In the end, two researches are presented, focusing the growing incidence of the syndrome and its relation with the conditions of the teacher’s work. The main purpose of this article is to contribute to the debate about the organization of the teacher’s work and to promote their disposition to fight against the present hegemonic political and economic model.

Keywords: Suffering, Teacher, Conditions of work.


 

 

INTRODUÇÃO

Um termo vem se configurando recorrente em estudos sobre o trabalho docente nos últimos anos. Trata-se do burnout, concebido como síndrome da desistência, relacionado à dor do profissional que perde sua energia no trabalho, por se ver entre o que poderia fazer e o que efetivamente consegue fazer. De fato, a realidade vivida pelos professores, nos últimos tempos, depõe sobre o crescente aumento do índice de burnout entre os docentes, em grande parte devido às condições de trabalho.

A presente exposição toma como ponto de partida a observação do trabalho realizado em uma escola do segundo segmento do Ensino Fundamental, localizada no Município do Rio de Janeiro, embora não seja um trabalho diferente do que ocorre em muitas outras escolas. Nos últimos anos, pôde ser observado um significativo aumento, entre os professores, da insatisfação com a profissão. Tal insatisfação é atribuída em grande parte ao desinteresse, à agressividade e à indisciplina dos alunos. Da parte destes, verifica-se a expectativa de que a escola propicie algo mais do que efetivamente é oferecido. Muitos a freqüentam buscando encontrar apenas um espaço de convivência, pois as favelas onde vivem os condenam ao isolamento social no próprio local de moradia, seja por decisão da família, que vê na atitude de “prender” os filhos em casa a alternativa possível ao assédio e riscos impostos pelo tráfico de drogas; seja por total falta de apoio e organização familiar, em conseqüência do estado de pobreza em que se encontra a família; seja porque precisam cuidar da casa e dos irmãos enquanto os pais estão no trabalho; seja, ainda, por total abandono da família. Para esses alunos, a escola não representa um espaço privilegiado de aprendizagem, mas um lugar onde esperam preencher suas dificuldades, obter os cuidados, que não encontram na comunidade onde moram, nem na sociedade mais ampla. Frustradas as expectativas dos alunos, pois também a escola não lhes supre as necessidades básicas, o resultado é desinteresse, indisciplina, agressividade, fracasso e conseqüente evasão escolar.

Muitos são os “fatores” que contribuem para esse quadro no âmbito escolar, como demonstram inúmeros estudos e vasta bibliografia sobre o assunto. No entanto, percebe-se a necessidade de um maior aprofundamento acerca das questões fundamentais que estão na gênese dessa realidade. Nem as melhores intenções dos professores, a dedicação ao magistério, uma prática docente criativa, a presença da afetividade na relação professor-aluno, o apelo a inovações pedagógicas, entre outras práticas utilizadas em sala de aula, com o firme propósito de envolver os alunos nas atividades do cotidiano escolar, vêm conseguindo reverter tal tendência. Então, o que fazer? - perguntam-se muitos professores. As respostas, conforme revelam as pesquisas1, resultam da sensação de fracasso que o professor experimenta ao sentir-se impotente para modificar tal realidade e acabam se concretizando em diferentes formas de evasão, como desinteresse pelo trabalho, acomodação, mudança de escola, abandono do emprego e até de profissão. Assim reagem, alunos e professores, a uma realidade educacional que denuncia o quanto a escola está longe de cumprir o papel social que o mundo contemporâneo requisita.

Analisando a organização do trabalho e as relações sociais no interior da escola, pode-se ver o quanto ela está distante dos novos padrões de sociabilidade humana próprios a uma civilização técnico-científica: carteiras enfileiradas, alunos voltados para o quadro de giz, professor “dando sua matéria”, currículo distanciado da realidade prática, da vida produtiva. Por sua estrutura organizacional e de ensino, pode-se verificar a predominância nas escolas daquilo que poderíamos denominar uma sala de aula taylorista – lugar onde o processo de trabalho se faz tão alienante para seus profissionais, quanto estranho para os alunos, pois nele nem um nem outro se reconhecem, posto que é privado de sentido, de capacidade transformadora.

Contudo, seria o trabalho docente, se realizado em bases mais flexíveis, conforme demandam as novas formas de organização e gestão do trabalho, capaz de tornar-se fonte de auto-realização humana? As novas formas de organização e gestão do trabalho exigem procedimentos mais amplos do que a fragmentação que caracterizou o modelo taylorista-fordista de produção2, porém tais mudanças não têm convertido o trabalho em mais autônomo e criativo, mas acarretado sua precarização e intensificação, e provocado sofrimento para o trabalhador. Também o trabalho docente, apesar da sua especificidade, tem resultado em sofrimento para o professor.

 

POR QUE SOFREM OS PROFESSORES?

Pesquisa financiada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE)3, procurou melhor entender o conflito entre a possibilidade de transformação social do trabalho do professor e as “limitações que lhe são impostas, particularmente a partir das novas formas de materialização do trabalho no âmbito da reestruturação produtiva” (KUENZER, 2004, p. 115). Assim o autor da pesquisa define o burnout:

A dor de um profissional encalacrado entre o que pode fazer e o que efetivamente consegue fazer, entre o céu de possibilidades e o inferno dos limites estruturais, entre a vitória e a frustração; é a síndrome de um trabalho que voltou a ser trabalho mas que ainda não deixou de ser mercadoria (CODO, apud KUENZER, 2004, p. 115).

Segundo Kuenzer (2004), o trabalho do professor se objetiva na tensão entre o trabalho em geral (qualificador, transformador, prazeroso) e o trabalho capitalista (mercadoria comprada para valorização do capital), tensão acentuada pela natureza não-material desse trabalho, ou seja, não há separação entre produto e produtor. Esse caráter do trabalho docente permite tanto reafirmar o espaço da consciência e da subjetividade e, portanto, o poder do trabalhador, quanto cada vez mais diminuir o espaço de intervenção do trabalhador, com a crescente mercantilização dos serviços educacionais e “flexibilização” das relações de trabalho.

A contradição, que é parte da natureza do trabalho não-material - que não se objetiva em um produto, mas somente presta um serviço – é “uma das condições que podem trazer sofrimento e não realização, se não for adequadamente enfrentada” tanto pelo professor, quanto pelas “formas saudáveis de organização do trabalho” (KUENZER, 2004, p. 116).

Esta dimensão, específica do trabalho não-material, aliada a outras, típicas de todas as formas de assalariamento (baixos salários, condições precárias de trabalho, intensificação, estresse, medo de perder emprego, autoritarismo e outras) podem causar a síndrome da desistência, que envolve esgotamento emocional, desenvolvimento de atitudes negativas em relação ao trabalho, falta de envolvimento pessoal no trabalho e assim por diante (CODO, apud KUENZER, 2004, p. 116).

O estresse acentuado dos professores é um fenômeno que vem sendo observado em vários países (LAPO; BUENO, 2003) e por isso passou a constituir objeto de estudo nos últimos anos. Pesquisas indicam diferentes formas de abandono da profissão, tendo a síndrome de burnout como a principal causa de afastamento de professores em vários níveis de ensino. Consiste em tal esgotamento de energias que, se levado ao extremo, impossibilita-os de dar continuidade ao trabalho. Como se manifesta e o que causa esse fenômeno?

 

1. A PERDA DE ENERGIA DOS TRABALHADORES

O burnout é o termo utilizado por autores estrangeiros para designar o estresse associado ao trabalho e foi traduzido para a língua portuguesa como “perder o fogo”, “perder a energia”. Segundo Malagris (2004), representa desgaste e falta de produtividade, caracterizado por um aspecto relacional, na medida em que é uma resposta ao estresse laboral crônico e não o estresse em si. O conceito original, embora tenha se desenvolvido na década de 1970, surgiu em 1969, como fenômeno psicológico que atinge trabalhadores assistenciais.
Uma revisão da literatura desenvolvida por essa autora mostra a relevância do estudo sobre o tema, a partir de um conjunto de obras, dentre as quais selecionamos, para efeito deste artigo, as abordagens de Parkes, (1999), Vasques-Menezes e Codo (1999), Bontempo (1999), Maslach e Leiter (1999), Benevides-Pereira (2002), Reinhold (2002), Ferenhof e Ferenhof (2002).

Na abordagem de Parkes (1999), o burnout apresenta duas dimensões, relacionadas às demandas e ao controle do trabalho. Em termos de demandas, são considerados um aspecto quantitativo e outro qualitativo. O primeiro é relacionado à quantidade de trabalho imposto, levando em conta a sobrecarga de tarefas e a pressão de tempo para execução. Malagris (2004) verificou que as pesquisas revelam que a excessiva carga de trabalho associada a tempo inadequado para realizá-lo pode gerar prejuízo no desempenho cognitivo, aumento de distress e da reatividade fisiológica. Quanto ao aspecto qualitativo da demanda do trabalho, o burnout se refere ao tipo e conteúdo das tarefas. A natureza da demanda e a complexidade das tarefas mostram-se fundamentais e é relevante se a demanda é cognitiva, emocional ou física. A autora salienta, ainda, que estudos sobre o burnout revelam que, particularmente os trabalhadores que atuam junto ao ser humano, como enfermeiros, aconselhadores, assistentes sociais, professores, médicos, psicólogos e ocupações similares apresentam maior possibilidade de desenvolver estresse, posto que a principal demanda desse tipo de trabalho é o lidar com as necessidades emocionais do outro, geralmente em situações de estresse. Para Benevides-Pereira (2002), a maior freqüência da síndrome de burnout em profissionais das áreas assistenciais talvez se justifique pelo envolvimento afetivo implicado no exercício das atividades dessas áreas. Vasques-Menezes e Codo (1999) entendem que a necessidade de estabelecer um vínculo afetivo e a incapacidade de efetivá-lo pode gerar tensão nos profissionais cuja atividade é cuidar do outro, o que pode levar a um distanciamento emocional, como forma de proteção do próprio sofrimento, e, segundo Malagris (2004), até mesmo a um “comportamento de evitação” que pode levar ao burnout.

Em termos da complexidade do trabalho, na descrição dessa autora, tem sido demonstrado que a monotonia e a super-simplificação das tarefas podem ter efeitos adversos para o trabalhador, além do fato de que a fragmentação do trabalho geralmente cria insatisfação, como é o caso da realização de tarefas relacionadas à linha de produção com seqüências repetitivas. A autora também considera importante registrar as tarefas que demandam atenção contínua, sobretudo se envolvem responsabilidades sobre custo e estão relacionadas à qualidade da produção. Outras atividades estressantes são as ligadas à segurança de outras pessoas, implicando riscos, pressão e responsabilidade (PARKES, 1999).

O controle do trabalho, que é a segunda dimensão do burnout apontada por Parkes (1999), reporta-se à autonomia e à amplitude da decisão e, de um modo geral, diz respeito a trabalhos que não oferecem a possibilidade de participação nas decisões sobre procedimentos e em que há falta de controle sobre o ambiente físico. De acordo com Malagris (2004), se, conforme indicam as pesquisas, a autonomia, num sentido positivo, é associada à satisfação, envolvimento, desempenho, comprometimento e motivação, por outro lado, negativamente, é associada a sintomas somáticos, distress emocional, absenteísmo e rotatividade. Conforme enfatiza essa autora, a síndrome de burnout também significa estado de exaustão, que ocorre por um esforço penoso na realização do trabalho, mas, curiosamente, também pode ocorrer com trabalhadores altamente motivados, que acabam se excedendo e não suportando a sobrecarga de trabalho.

1.1. Burnout: causas e manifestações

Bontempo (1999) atribui a manifestação do burnout a causas pessoais, institucionais e características dos pacientes. Nesse enfoque, as causas pessoais se devem a “aspirações nobres e elevado idealismo inicial, falta de critério para avaliar seus desejos, sobrecarga auto-imposta e alguns traços da personalidade” e, em relação às causas institucionais, a “sobrecarga de trabalho, discriminação sexual, falta de autonomia e de apoio institucional, ambigüidade, falta de apoio e feedback de chefia e colegas de trabalho” (BONTEMPO, apud MALAGRIS, 2004, p. 201). Quanto à terceira causa, reporta-se ao indivíduo que já foi acometido pela síndrome e, por diferentes motivos, não apresenta melhora.
Maslach e Leiter (1999) avaliam que o ambiente de trabalho e como este ambiente se organiza é o responsável, em grande parte, pelo desgaste sofrido atualmente pelos trabalhadores e que, apesar de todo esse desgaste, as empresas se eximem de responsabilidades, atribuindo o problema exclusivamente ao próprio trabalhador.

O estudo da arte realizado por Malagris (2004) apreendeu que o desenvolvimento da síndrome, segundo autores como Bontempo (1999) e Benevides-Pereira (2002), apresenta três aspectos básicos: exaustão emocional, despersonalização e redução da realização pessoal e profissional. A exaustão emocional, caracterizada por total esgotamento da energia física e mental, surge quando o profissional tem um demasiado envolvimento emocional com o trabalho, é sobrecarregado de tarefas e sente-se pressionado. O indivíduo, nessa situação, tem o sentimento de que está no limite das suas possibilidades e se imagina incapaz de recuperação. Torna-se intolerante, irritável, nada generoso, insensível, de comportamento rígido. Isola-se dos colegas e clientes. Mantém-se imparcial. Ainda nesse enfoque, caso ocorra exacerbação desse distanciamento emocional, o trabalhador chega à despersonalização, momento em que o vínculo afetivo é substituído por um mais racional e o trabalhador passa a não ver o outro como ser humano. Malagris (2004) sublinha que o modo entusiástico de trabalhar que caracterizava o início da carreira é substituído, nesse estado, por um modo depressivo. A autora entende que a atitude fria em relação ao outro, o distanciamento emocional e, muitas vezes, “a atitude cínica”, associados à despersonalização, podem levar o profissional a sentimentos de culpa e angústia, experimentando, então, reduzida realização profissional e pessoal. Verifica-se baixa auto-estima, senso de fracasso profissional. Contudo, a autora ressalva que, embora nem todos os trabalhadores nessas mesmas condições desenvolvam a síndrome de burnout, esses sentimentos podem levar a um desejo de abandono do trabalho, pois o profissional, frustrado e decepcionado, nele não vê sentido.

 

2. BURNOUT: O SOFRIMENTO DOS PROFESSORES

No caso dos professores, Reinhold (2002) observou diversas fases da síndrome de burnout: idealismo; realismo; estagnação e frustração ou quase-burnout; apatia e burnout total; fenômeno fênix. Na fase do idealismo, descrita como o momento de grande entusiasmo e energia, parece que o trabalho preenche a vida do professor. Na segunda fase, quando percebe que suas aspirações e ideais não correspondem à realidade, o professor começa a sentir frustração e percebe-se que não recompensado. Intensifica seu trabalho, em busca de realização, mas, vem o cansaço e a desilusão, acabando o professor por se questionar quanto a sua competência. Quando o entusiasmo inicial dá lugar à fadiga crônica, é o momento da estagnação e frustração, ou quase-burnout. É quando aparecem sintomas como irritabilidade, fuga dos contatos, atrasos e faltas. A seguir, vem a apatia e burnout total, momento no qual o professor já experimenta desespero, auto-estima corroída e até depressão. Pode perder o sentido do trabalho e até da vida. Nesse momento surge o desejo de abandonar o trabalho.

A fase denominada “fenômeno fênix”, segundo Reinhold (2002), significa renascer das cinzas e nem sempre ocorre. Representa o abandono do trabalho, mesmo antes da recuperação. Muitos o fazem, enquanto outros se limitam à ansiedade pela chegada da aposentadoria, feriados e finais de semana. Entretanto, ressalta Malagris (2004), há os que encontram, nesse momento, mecanismos de enfrentamento que podem ajudar a “crescer com burnout”.

 

3. DUAS PESQUISAS SOBRE O BURNOUT ENTRE OS PROFESSORES

3.1. Estado de São Paulo

Um estudo sobre a incidência de burnout entre professores (LAPO; BUENO, 2003), realizado entre 1990 e 1995, buscava examinar a questão do abandono do magistério público na rede de ensino do Estado de São Paulo. Procurava compreender de que modo esse processo é tecido, ao longo da vida e da experiência profissional dos professores. Baseou-se em dados quantitativos, obtidos na Secretaria Estadual de Educação, a partir dos quais verificou um aumento da ordem de 300% nos pedidos de exoneração do magistério. E em dados qualitativos, através de questionários a 158 ex-professores da rede pública e 16 entrevistas sobre histórias de vida profissional. Entre os motivos que mais contribuem para os professores deixarem a profissão, além dos baixos salários, estão as precárias condições, a insatisfação no trabalho e o desprestígio profissional. Segundo as autoras, as análises evidenciam também que esse processo se dá lentamente, por meio de uma série de mecanismos pessoais e institucionais que os docentes utilizam, até chegar ao abandono definitivo.

3.2 Município de Duque de Caxias

A pesquisa se reporta ao estudo de Ferenhof e Ferenhof (2002), realizado em oito escolas, de vários níveis - da alfabetização ao ensino médio e escola especial -, no município de Duque de Caxias, no Estado do Rio de Janeiro. De um universo de 2450 professores, 71 participaram da pesquisa. O instrumento utilizado foi o MBI4 – um questionário que inclui itens que buscam investigar as três dimensões da síndrome: exaustão emocional, despersonalização e realização profissional. Segundo os autores, os resultados mostraram que o total de professores pesquisados apresentava despersonalização, significando que o tratamento dispensado às pessoas por esses profissionais era frio. Eram vistas como objetos. Dessa amostra, 67,6% dos professores apresentavam baixa realização pessoal no trabalho, para o que os autores da pesquisa aventaram a hipótese de que isto se deva às condições físicas das escolas, à ameaça de violência física e psicológica, às pressões, à realidade política educacional que não prestigia a profissão docente.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A perda de sentido do trabalho e o sentimento de impotência para torná-lo mais significativo têm levado muitos trabalhadores, e em especial os professores, à síndrome de burnout, entendida como perda de energia no trabalho, mas também como um processo de alienação. Várias podem ser as explicações acerca do que leva os trabalhadores a um estranhamento em relação ao próprio trabalho e a si mesmos. A julgar pelas pesquisas, as condições de trabalho e a falta de perspectivas profissionais dos professores vêm contribuindo decisivamente para o abandono da profissão. A acomodação, gerada por um distanciamento da atividade docente, mostra-se na indiferença por tudo que ocorre no ambiente escolar, também presente na inércia, no sentido de buscar alternativas, criatividade no ensino, o não envolvimento com o trabalho e os problemas da escola. Entretanto, uma análise mais acurada da manifestação desse fenômeno evidencia a necessidade de um olhar mais amplo e crítico sobre os reflexos, no trabalho docente. A reestruturação produtiva e as reformas neoliberais em curso, no campo educativo, representam mudanças que tendem a contribuir para a ampliação do burnout, em conseqüência da crescente precarização do trabalho do professor.
As questões suscitadas pelas abordagens contempladas neste artigo sinalizam a necessidade de se ultrapassar a descrição da síndrome da desistência como fenômeno crescente entre os professores. Sugerem que também examinemos possibilidades de resistência a um modelo econômico-político-social que, cada vez mais, precariza os trabalhadores em todo o mundo e, em particular, neste país.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Endereço para correspondência
E-mail: mariemil@terra.com.br

Recebido em: 05/07/2006
Aceito para publicação em: 18/08/2006

 

 

NOTAS

* Professora da Escola Municipal Francisco Manuel. Mestre em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC-Rio. Doutoranda no Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas e Formação Humana – PPFH – da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ.
1 Referência à pesquisa de Lapo; Bueno (2003).
2 Segundo Kuenzer, tais procedimentos demandam “conhecimento da totalidade do trabalho, e não mais apenas da parte, e simultaneamente ampliam a possibilidade de participação, de decisão e de controle do próprio trabalho, exigindo trabalhadores de novo tipo, com sólida base de educação geral, a partir da qual se construirá uma formação profissional densa e continuada” (KUENZER, 2004, p. 110).
3 A referida pesquisa foi coordenada por Codo (1999).
4 O MBI – Maslach Burnout Inventory – é o instrumento mais utilizado no mundo e vem sendo adaptado e/ou traduzido para vários idiomas. Trata-se de um questionário que utiliza uma escala de Likert de 7 pontos, em que 0 significa “nunca” e 6 significa “todos os dias”. Seu uso é adaptado ao tipo de trabalho, por meio da terminologia empregada, possuindo três versões: o Human Services Survey – HSS, para profissonais e serviços humanos (como médicos, enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais); o Educators Survey – ED, para professores e educadores em geral; e o General Survey – GS, para todos os trabalhadores de uma forma geral (BENEVIDES-PEREIRA, apud MALAGRIS, 2004). Ver: BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. Burnout: O processo de adoecer pelo trabalho. In: BENEVIDES-PEREIRA, A. M. T. (org.) Burnout: quando o trabalho ameaça o bem-estar do trabalhador. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2002. p. 21-91.

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