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Estudos e Pesquisas em Psicologia
versão On-line ISSN 1808-4281
Estud. pesqui. psicol. vol.21 no.3 Rio de Janeiro set./dez. 2021
https://doi.org/10.12957/epp.2021.62741
Estudos e Pesquisas em Psicologia
2021, Vol. 03. doi:10.12957/epp.2021.62741
ISSN 1808-4281 (online version)
RESENHA
Desvendando o Comportamento Econômico
André Luiz Picolli da Silva*
Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará - Unifesspa, Marabá, PA, Brasil
Endereço para correspondência
RESUMO
Nesta resenha do livro "Misbehaving: construindo a economia comportamental", demonstra-se como a mais recente obra de Richard Thaler, ganhador do prêmio Nobel em Economia de 2017, configura-se como uma obra fundamental para todos que possuem interesse em compreender a relação entre a Psicologia e a Economia, bem como a formação dos comportamentos econômicos de indivíduos e grupos. Por meio de dezenas de exemplos apresentados com humor e alguma ironia, o autor demonstra como as pessoas se comportam quando o assunto é a tomada de decisão envolvendo escolhas econômicas desde as mais básicas, como fazer compras, até as mais complexas, como realizar investimentos financeiros. O livro também apresenta como ocorreu o surgimento e o desenvolvimento da Economia Comportamental, um campo muito próximo da Psicologia Econômica e que vem ganhando cada vez mais destaque no mundo, tanto dentro quanto fora da academia. Trata-se de uma obra essencial para profissionais e estudantes de Psicologia e Economia, assim como para todos que tenham interesse em compreender o comportamento humano relacionado a decisões econômicas e de consumo.
Palavras-chave: comportamento, tomada de decisão, economia comportamental.
Unraveling Economic Behavior
ABSTRACT
This review of the book "Misbehaving: the making of Behavioral Economics", demonstrates as the latest work Richard Thaler, winner of the 2017 Nobel Prize in Economics, is a fundamental work for anyone interested in understanding the relationship between psychology and economics, as well as the formation of behaviors. of individuals and groups. Through dozens of humorously presented examples and a bit of irony, the author demonstrates how people actually behave when it comes to decision making involving the most basic economic choices, such as shopping, to the most such as making financial investments. The book also presents how the emergence and development of Behavioral Economics occurred, a field very close to Economic Psychology and that has been gaining more and more prominence in the world, both inside and outside academia. It is an essential work for professionals and students of Psychology and Economics, as well as for anyone interested in understanding human behavior related to economic and consumer decisions.
Keywords: behavior, decision making, behavioral economics.
Revelando el Comportamiento Económico
RESUMEN
Esta revisión del libro "Misbehaving: Building Behavioral Economics", demuestra cómo el último trabajo de Richard Thaler, ganador del Premio Nobel de Economía 2017, es un trabajo fundamental para cualquier persona interesada en comprender la relación entre psicología y economía, así como la formación de comportamientos de individuos y grupos. A través de docenas de ejemplos presentados con humor, y un poco de ironía, el autor demuestra cómo se comportan realmente las personas cuando se trata de la toma de decisiones que involucran las opciones económicas más básicas, como ir de compras, como hacer inversiones financieras. El libro también presenta cómo se produjo la aparición y el desarrollo de la Economía del Comportamiento, un campo muy cercano a la Psicología Económica y que ha ido ganando cada vez más protagonismo en el mundo, tanto dentro como fuera de la academia. Es un trabajo esencial para profesionales y estudiantes de psicología y economía, así como para cualquier persona interesada en comprender el comportamiento humano relacionado con las decisiones económicas y del consumidor.
Palabras clave: comportamiento, toma de decisiones, economía del comportamiento.
Quem nunca comprou algo de que não precisava por impulso? Ou, então, pagou mais caro por algo que desejava muito, mesmo sabendo que o preço não correspondia ao valor do produto? Isso ocorre porque, quando o assunto é comportamento econômico, tendemos a agir de modo mais focado na emoção do que razão. É essa a premissa defendida por Richard Thaler, ganhador do Prêmio Nobel de Economia, em seu livro "Misbehaving: a construção da economia comportamental", publicado no Brasil em 2019 pela editora Intrínseca. No livro, Thaler explana sobre o surgimento e desenvolvimento por mais de 40 anos da Economia Comportamental, área de convergência entre a Economia, a Psicologia e as Ciências Sociais, ainda pouco conhecida no Brasil. Segundo o próprio autor, o trabalho não é o que se esperaria de um tradicional livro de Economia e, com bom humor, ele mesmo dá o tom do que o leitor encontrará: um livro escrito por um homem comprovadamente preguiçoso, e que devido a sua preguiça em escrever, só incluiu no livro temas interessantes (pelo menos para ele). Na obra, que possui um total de 447 páginas divididas em 33 capítulos, o autor faz narrações onde mescla eventos da própria vida com o desenvolvimento da Economia Comportamental. Trata-se de um livro agradável de ser lido, pois é um misto de biografia, registro histórico e construção conceitual, constituindo-se em uma referência para o entendimento da relação entre a Psicologia e a Economia, sendo uma leitura bastante recomendada para estudantes e profissionais das áreas de Economia, Psicologia, Administração, Contabilidade e Finanças.
Thaler abre o livro contando uma história do início de sua carreira, quando conseguiu mudar o humor de seus alunos ampliando o tamanho das pontuações de seus exames sem que, contudo, alterasse o real valor dos mesmos. Proporcionalmente, as notas não mudaram, os alunos tinham uma pontuação até menor do que tinham antes da mudança, mas estavam mais felizes, pois tinham a sensação de ter tirado uma "nota mais alta", embora isso fosse falso. Isso, para um economista, não fazia o menor sentido. Por que os alunos ficavam mais felizes mesmo proporcionalmente tirando notas mais baixas? Thaler argumenta que isso ocorre porque na vida real, as pessoas reais (os Homo Sapiens) pensam (e se comportam) de modo totalmente diferente do Homem Idealizado (o Homo Economicus), que está na base das Teorias Clássicas Econômicas.
A premissa da teoria econômica clássica é de que o homem toma decisões racionais sempre escolhendo o melhor para si a partir de um orçamento limitado, buscando alcançar o equilíbrio nas finanças e na vida, sendo que esse comportamento também se refletiria nos mercados. Para Thaler, isso é completamente fantasioso e, mesmo enfatizando que a teoria clássica não pode ser colocada de lado, oferece um complemento a esse modelo, apresentando a Economia Comportamental – que não se constitui em um novo tipo de Economia, mas sim, uma Economia com grandes doses de Psicologia e Ciências Sociais.
No livro, o surgimento e o desenvolvimento dessa nova área é apresentado por meio de diversos exemplos que, ao mesmo tempo, explicam conceitos e ilustram como nos comportamos em relação a fenômenos econômicos. Em um desses exemplos, Thaler explica o surgimento e o desenvolvimento da "Teoria do Valor", que deu o Prêmio Nobel de Economia ao psicólogo Daniel Kahneman e ao economista Amos Tversky em 2002. A Teoria do Valor, também conhecida como a Teoria da Perspectiva, "buscou romper com a ideia tradicional de que uma teoria única do comportamento humano possa ser tanto normativa quanto descritiva" (Thaler, 2019, p. 41). Essa teoria se constitui como a teoria da Tomada de Decisão em Situações de Incerteza, sendo apresentada como uma alternativa à clássica teoria econômica da Utilidade Esperada.
Em outra parte do livro, Thaler mostra como a Economia Comportamental diferencia modelos normativos e descritivos do comportamento humano, demonstrando dessa forma uma das principais características da teoria, que é a de não considerar as diferentes formas de expressão do comportamento humano como algo único. De acordo com o autor, na vida real as pessoas percebem muito mais as situações de mudança de riqueza do que as situações de estado de riqueza, sendo que a Economia Comportamental foca justamente em estudar esses processos de mudança. Foi dessa forma que surgiu uma das ferramentas mais poderosas da Economia Comportamental, que é a compreensão de que as pessoas se expõem ao risco por terem uma aversão maior à perda do que ao ganho, ou seja, de que as pessoas tendem a se arriscar mais para evitar uma perda do que para conseguir um ganho. É o que vemos constantemente em jogos de azar, quando uma pessoa perde algum valor e tende a querer recuperar essa perda se expondo a maiores riscos. Tal exposição a um risco maior geralmente não ocorre caso a pessoa esteja apostando para obter um ganho que não envolva a recuperação da perda.
Outro ponto interessante na obra é que, além de trabalhar conceitos centrais da Economia Comportamental, são apresentados vários elementos que compõem esses conceitos. É o caso da contabilidade mental sobre "custos afundados", que são os custos que as pessoas aceitam perder porque a perda "faz parte do jogo" como, por exemplo, pagar por seis meses de academia de ginástica, mas só treinar dois meses. Em outros casos, Thaler demonstra também como os custos afundados podem ser sentidos pela pessoa como um bom investimento se esta, de algum modo, consumiu depois de um tempo um produto que custou no passado menos do que vale hoje. Como exemplo disso, ele cita os colecionadores de vinho que consomem com prazer garrafas de vinho compradas no passado por um preço módico, mas que de modo algum comprariam a mesma bebida (para consumo) no presente, devido ao alto valor que as mesmas alcançaram no mercado. Nesses casos, segundo Thaler, a pessoa tem a percepção de que teve um ganho (pois está consumindo algo muito valorizado), apesar de, na prática, a situação corresponder a uma perda financeira, visto que vinho também pode ser considerado como um investimento.
O autor destaca que esses são exemplos de contabilidades mentais que as pessoas realizam ficando satisfeitas com gastos que poderiam ser evitados e, ainda por cima, os consideram como investimentos, pois de modo geral as pessoas ignoram os custos afundados na hora de realizar suas práticas de consumo. Algumas pessoas até chegam a considerar o valor do frete (transporte da mercadoria) como fazendo parte do custo de um produto comprado pela internet, mas dificilmente alguém contabiliza o valor da gasolina ou do estacionamento quando pensa no preço do jantar prazeroso que teve na última vez em que saiu para comer fora. Esses gastos não entrariam na contabilidade mental dos custos da pessoa porque são entendidos como "fazendo parte" das ações necessárias para se obter o produto desejado. Na vida cotidiana, tais custos não representam grandes problemas no orçamento de uma pessoa comum, visto que na maioria das vezes são constituídos por valores baixos. Porém, o autor alerta para o risco de as pessoas usarem a mesma lógica de contabilidade mental em suas finanças pessoais como, por exemplo, na realização de investimentos. Nesses casos, a pessoa pode não prestar atenção nos valores das taxas cobradas (geralmente na forma de porcentagens), as quais, apesar de apresentarem um índice baixo (entre 0,1% a 2 % do lucro) podem corresponder a um alto valor monetário, levando o indivíduo a grandes prejuízos financeiros.
O livro evidencia como a Economia Comportamental pode ser útil não apenas no campo acadêmico, mas, sobretudo, em aplicações concretas no mercado. Embora grande parte do trabalho de Thaler seja teórico, voltado para a contabilidade mental e o autocontrole, constantemente ele pôde evidenciar que a Economia Comportamental é encontrada no mundo real em situações empíricas, especificamente naquelas relacionadas à determinação de preços. Nesse sentido, a Economia Comportamental pode ser utilizada por gestores ou empreendedores para aumentar o grau do valor percebido pelas pessoas sobre seus produtos ou serviços, contribuindo para que as mesmas não se sintam extorquidas em situações de aumento de preço e ampliem sua percepção sobre as transações econômicas, considerando-as justas. Um exemplo citado no livro é o fato de as pessoas aceitarem pagar mais caro por um almoço quando têm consciência de que o aumento do valor da refeição ocorreu devido à inflação sobre os alimentos, e não por uma vontade deliberada do dono do restaurante para obter mais lucro.
No final do livro, com seu humor e ironia peculiares, Thaler diz que depois de 40 anos de desenvolvimento da Economia Comportamental já pode escrever um artigo que seja bem aceito pela comunidade acadêmica afirmando que a pessoas se comportam como humanas (e não como anomalias), desde que esse artigo seja lido por economistas com menos de 50 anos. Uma maneira jocosa de afirmar que as novas gerações de economistas estão mais abertas para aceitar revisões das teorias clássicas do que os economistas da sua geração.
Thaler finaliza a obra levantando questionamentos sobre o futuro da Economia Comportamental e quais benefícios ela poderia trazer para a sociedade. Resumidamente, ele oferece três dicas para os jovens iniciantes da área que queiram se aventurar por esse universo: observe muito, colete dados e fale mais alto. Thaler explica essas dicas argumentando que a Economia Comportamental surgiu da observação de pessoas reais, mas isso não passaria do universo das anedotas dos departamentos universitários se ninguém registrasse e transformasse essas observações em dados analisáveis. Do mesmo modo, de nada adiantariam esses dados se ninguém falasse mais alto que o chefe do departamento quando visse que algo estava errado, mesmo que a teoria oficial do momento dissesse o contrário. Ou seja, Thaler enfatiza que não adianta descobrir algo diferente e não aplicar isso na vida prática.
Por fim, ao mesmo tempo em que o livro apresenta a história do nascimento de uma nova área da ciência na interface entre a Psicologia e a Economia, demonstra conceitos e, principalmente, explica os fundamentos teóricos necessários para compreender os comportamentos econômicos das pessoas na atualidade. É um livro ao mesmo tempo leve e denso, que se constitui em uma leitura essencial para estudantes e profissionais de Economia e Psicologia, sendo também indicado para profissionais de Administração, Gestão, e do Mercado Financeiro, ou seja, para pessoas que tenham interesse em entender como aspectos do psiquismo individual influenciam nos processos coletivos de tomada de decisões econômicas.
Referências
Thaler, R. H. (2019). Misbehaving: A construção da economia comportamental. Rio de Janeiro: Intrínseca. [ Links ]
Endereço para correspondência
André Luiz Picolli da Silva
Caixa Postal nº 168, Residencial Total Ville, Cond. Tocantins, Casa 35, Marabá - PA, Brasil. CEP 68508-970
Endereço eletrônico: anpicolli@gmail.com
Recebido em: 16/12/2019
Reformulado em: 10/11/2020
Aceito em: 30/11/2020
Notas
* Doutor em Psicologia - Professor do Curso de Bacharelado em Psicologia da Unifesspa.
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