SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.23 número especialDesfazer o Mestre, ou Reinventar a Ordem: Apontamentos para uma Psicanálise PolíticaNeguentropia Algorítmica e a Gestão Digital do Gozo índice de autoresíndice de assuntospesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

artigo

Indicadores

Compartilhar


Estudos e Pesquisas em Psicologia

versão On-line ISSN 1808-4281

Estud. pesqui. psicol. vol.23 no.spe Rio de Janeiro  2023  Epub 20-Maio-2024

https://doi.org/10.12957/epp.2023.80352 

DOSSIÊ PSICANÁLISE E POLÍTICA: A INSISTÊNCIA DO REAL

A Psicanálise nos Conflitos Políticos: Clínica, Ciência e Coletivos

The Psychoanalysis in Political Conflicts: Clinic, Science and Collectives

El Psicoanálisis en los Conflictos Políticos: Clínica, Ciencia y Colectivos

Frederico Santos Alencar* 

Graduando em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (Campus de Sobral).


http://orcid.org/0000-0003-4808-8913

Luis Achilles Rodrigues Furtado** 

Professor do curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará (Campus de Sobral).


http://orcid.org/0000-0003-1606-2073

*Universidade Federal do Ceará - UFC, Sobral, CE, Brasil

**Universidade Federal do Ceará - UFC, Sobral, CE, Brasil


RESUMO

O artigo desponta da construção de um amplo panorama que localiza afinidades estruturais e tensões problemáticas entre a psicanálise e os coletivos. Nossa revisão de literatura, sobre psicanálise e política, discerne o valor da análise do psicanalista na sustentação da tarefa de subversões políticas do divã às praças públicas. Na sequência, pensamos as repercussões da política da psicanálise frente aos debates que envolvem neurodiversidade/autismo, cientificismo psicoterápico e capitalismo. Pretendemos criticar uma versão alienante da política, versão protagonista dos diferentes temas que abordamos e veiculada pelo agente na função do semblante - a lei, o saber-todo ou o indivíduo hedonista servo de seus mais-de-gozar (discurso capitalista). Na contrapartida dessa versão, está a prática advinda de um Judeu - ou seja, de um corpo que viveu os efeitos do racismo dos discursos, antes mesmo da ascensão do Nazismo - e elaborada através da escuta de algo amordaçado na potencialidade da sexualidade feminina. A partir de tais fatos, argumentamos uma crucial chave de leitura à psicanálise nos conflitos políticos: interrogar a subjetividade de quem psicanalisa. Resultando no questionamento de modalizações conservadoras que marcaram a história da clínica psicanalítica e ainda ressoam no fazer teórico-prático.

Palavras-chave: psicanálise; política; movimentos sociais; ciência.

ABSTRACT

The article emerges from the construction of a large panorama that locates structural affinities and problematic tensions between psychoanalysis and collectives. Our literature review on Psychoanalysis and Politics discerns the value of the psychoanalyst's analysis in sustaining the task of political subversions from the divan to the public space. In the sequence, we consider the repercussions of the politics of psychoanalysis in the face of debates involving neurodiversity/autism, psychotherapeutic scientificism and capitalism. We intend to criticize an alienating version of politics, a version that is the protagonist of the different themes we approach and which is conveyed by the agent in the function of the semblant - the law, the all-knowing or the hedonistic individual who is the servant of his own surplus-jouissance (capitalist discourse). The counterpart to this version is the practice coming from a Jew - that is, from a body that lived the effects of the racism of discourses, even before the rise of Nazism - and elaborated by listening to something muzzled in the potentiality of female sexuality. Based on these facts, we argue that there is a crucial key to psychoanalysis in political conflicts: questioning the subjectivity of those who psychoanalyze. This results in the questioning of conservative modalizations that have marked the history of the psychoanalytic clinic and still resonate in the doing of theoretical-practical.

Keywords: psychoanalysis; politics; social movements; science.

RESUMEN

El artículo surge de la construcción de un amplio panorama que localiza afinidades estructurales y tensiones problemáticas entre el psicoanálisis y los colectivos. Nuestra revisión bibliográfica, sobre Psicoanálisis y Política, discute el valor del análisis del psicoanalista para sostener la tarea de subversiones políticas del diván a las plazas públicas. En seguida, pensamos en las repercusiones de la política del psicoanálisis frente a los debates sobre neurodiversidad/autismo, cientificismo psicoterapéutico y capitalismo. Pretendemos criticar una versión alienante de la política, una versión que protagoniza en los diferentes temas que abordamos y que es vehiculada por el agente en el papel del semblante - la ley, el saber-todo o el individuo hedonista siervo de su propio más-de-gozar (discurso capitalista). En la contrapartida de esta versión está la práctica proveniente de un judío - es decir, de un cuerpo que vivió los efectos del racismo de los discursos, incluso antes del ascenso del nazismo - y elaborada al escuchar algo amordazado en la potencialidad de la sexualidad femenina. A partir de estos hechos, sostenemos que hay una clave de lectura crucial del psicoanálisis en los conflictos políticos: cuestionar la subjetividad de quienes psicoanalizan. Esto resulta en el cuestionamiento de las modalidades conservadoras que han marcado la historia de la clínica psicoanalítica y aún resuenan en el hacer teórico-práctico.

Palabras clave: psicoanálisis; política; movimientos sociales; ciência.

Ao admitirmos uma gênese política da psicanálise, podemos indicá-la historicamente no advento do enlace social direcionado ao mestre Freud para que este produzisse um saber concernente aos mistérios do amor, do sexo e da morte. Laço provocado pela histeria, uma enigmática doença nervosa que despertava descrédito e derrisão. Essa categoria nosográfica foi restituída em sua dignidade de pesquisa clínica com Jean-Martin Charcot, quando este, utilizando pacientes histéricos que pôs em estado de sonambulismo mediante a hipnose, explicou pela primeira vez o mecanismo de um fenômeno histérico. Exemplo que será retomado por seu discípulo Pierre Janet, por Breuer e outros, “para esboçar uma teoria da neurose que coincide com o entendimento da Idade Média, após substituir por uma fórmula psicológica ‘o demônio’ da fantasia clerical” (Freud, 1893/2023b, p. 30). O demônio da Idade Média - encarnado, por exemplo, na figura das bruxas caçadas durante a Santa Inquisição da Igreja Católica - é um dos nomes do desejo, o movimento indestrutível e invariável no núcleo do nosso ser (Freud, 1900/1991a, p. 593). Determinado pela operação de inscrições dos traços mnêmicos ou de inscrições significantes, realizadas na relação com os personagens que ocuparam o lugar do Outro linguageiro para cada humano. Esta operação ocorre desde o início da existência do infans - no mais profundo desamparo -, quando um indivíduo auxiliador/próximo opera uma ação específica no indivíduo desamparado, ação capaz de escoar a tensão do estímulo endógeno, inscrevendo-se como uma vivência de satisfação.

Trata-se de uma primordial vivência mítica que se configura como tal pelo complexo do próximo [Nebenmensch], decomposto em dois componentes: “um dos quais impõe por uma montagem constante, se mantém reunido como uma coisa do mundo [das Ding], enquanto que o outro é compreendido por um trabalho mnêmico, quer dizer, pode ser reconduzido a uma percepção do próprio corpo” (Freud, 1895/1992c, p. 377; tradução nossa; grifos nossos). Das Ding [a Coisa] é o ponto central da organização do mundo no psiquismo, o termo de estranho que resiste à significantização mnêmica, montagem em torno da qual gira todo o movimento da Vorstellung [Representação], governado por um princípio regulador, o princípio do prazer (Lacan, 1959-60, p. 44). A partir da falta, da disparidade entre a primeira vivência mítica de satisfação e as seguintes, engendra-se o desejo no humano, sulcando-se os caminhos de satisfações que não são simplesmente da ordem das necessidades vitais dos animais que, por sua vez, enchem a pança regularmente. Portanto, o inconsciente é demoníaco na medida em que envolve um aspecto quantitativo indomesticável, quantum que varia desde o prazer das cócegas até à devastação gozosa com as labaredas, por exemplo, na fruição de crueldade daqueles que lançaram as ditas bruxas às fogueiras. Em As neuropsicoses de defesa, Freud (1894/2023a) retoma a ideia de que, nas funções psíquicas, devemos distinguir algo (montante de afeto, soma de excitação) que possui todas as características de uma quantidade, “embora não tenhamos meios de medi-la [...] algo que é suscetível de aumento, diminuição, deslocamento e descarga e que se propaga pelos traços mnêmicos das representações, mais ou menos como uma carga elétrica sobre a superfície dos corpos” (p. 67). Mais tarde, ele precisará este fluído elétrico, que percorre os traços mnêmicos - ou significantes - afetando o corpo, com o nome de pulsão. Ao ampliarmos a anatomia pervertida do humano, identificamos o que eletriza o vínculo social promovido pela histeria: uma satisfação pulsional, um gozo experimentado no padecer sintomático. Nesse vínculo, o mestre, a quem os histéricos dirigem-se à procura de um saber que responda sobre tal padecimento, aparenta controlar sugestivamente tais sintomas, dirigir a cena, mas, os sintomas são determinados na Outra cena, no lugar do Outro inconsciente subjetivado.

Outro aspecto do enlace provocado pela histeria pode ser localizado através do exemplo clínico que Freud (1921/2020) nos traz sobre um pensionato no qual uma jovem reage com ataque histérico ao ficar enciumada em razão de uma carta do amado, e as demais garotas reproduzem esse ataque pela via da infecção psíquica (p. 180-181). Aspecto do enlace histérico que se refere à identificação do sujeito ao Outro como objeto, e mais precisamente à falta desse Outro, logo, identificação de desejo a desejo. Curioso observar que, nesse mesmo texto, Psicologia das massas e análise do Eu, Freud (1921/2020) - apoiando-se no fato de que, na vida psíquica do indivíduo, o outro é tomado como modelo, objeto, auxiliar e adversário -, demarcou o célebre sintagma: “a psicologia individual é também, de início, simultaneamente psicologia social, nesse sentido ampliado, mas inteiramente legítimo” (p. 137). Apesar de ter-se levado décadas de elaborações clínicas para que tal fórmula fosse anunciada, não esqueçamos que as suas bases estão desde a experiência de um Freud concernido pelo ensino de Charcot acerca da histeria. Feita essa contextualização histórica inicial, prosseguiremos na construção de um amplo panorama político-clínico que localiza conceitos fundamentais, afinidades e tensões entre a psicanálise e os movimentos sociais.

Conflitos entre a Vida Psíquica Individual e os Coletivos

Mais precisamente, o sintagma “a psicologia individual é social”, faz apenas reforçar o que o Sigmund Freud anunciou em Totem e tabu, nos indicando as primeiras vias de interlocução entre psicanálise e sociedade. Ao descrever o mito de Totem e tabu, propõe que, após o assassinato do Pai gozador da horda primitiva, no ato de devorá-lo, cada um dos irmãos realizava a identificação com o Pai; a refeição totêmica, talvez a primeira festa da humanidade, “seria a repetição e celebração recordatória daquele ato memorável e criminoso, com o qual tiveram começo tantas coisas: as organizações sociais, as limitações éticas e a religião” (Freud, 1912-13/1991c, p. 144; tradução nossa). Se o mito é a tentativa de dar forma épica ao que se opera da estrutura (Lacan, 1974/1993, p. 55), logo, o mito de Totem e tabu, assim como a mítica vivência de satisfação primitiva, elucubra acerca do ponto de real insondável que vem à luz na linguagem, o ponto inicial, logicamente e cronologicamente, da organização do mundo no psiquismo. A Lei é o que vem à luz no lugar do insuportável do Pai da horda primitiva, o Pai real, operando como interdição de um gozo desmedido, gozo do Pai detentor de todas as mulheres da horda. O totemismo inicia-se com a proibição do assassinato do substituto do pai, erigindo-se um Totem em seu lugar. Os irmãos haviam se unido para derrotar o pai, mas tornaram-se rivais uns dos outros em relação às mulheres; cada um desejaria, como o pai, tê-las todas. Ao tabu do parricídio, soma-se a interdição do incesto, a privação das mulheres que haviam liberado. O ato civilizatório de Totem e tabu - que instaura os dois tabus fundamentais do totemismo; a proibição do parricídio pela substituição simbólica do pai e a interdição do incesto -, é homólogo à estruturação psíquica pela instauração do Nome-do-Pai, o Pai simbólico, Nome que promove significação ao chamado enigma do Desejo da Mãe. Um enigma que se define como o lugar primeiramente simbolizado pela operação da presença-ausência do outro auxiliador, comumente encarnado, na cultura ocidental, pela mãe. Nos intervalos entre as inscrições das vivências de satisfação - na relação com o próximo/auxiliador [Nebenmensch] - uma ausência é simbolizada, subjetivação do enigma do desejo desse Outro que retirou o bebê de seu mortífero desamparo e erotizou o seu corpo nas águas da linguagem. Nessa relação primordial com o Outro materno, a lei de interdição do incesto situa-se no nível da relação inconsciente com das Ding, desde que o desejo pela mãe não poderia ser satisfeito, ele é o fim, o término, a abolição do mundo inteiro da demanda, que é o que estrutura mais profundamente o inconsciente (Lacan, 1959-1960). O Pai simbólico, como aquele que significa a ligação à vida e à Lei, é o Pai morto de Totem e Tabu. O que está em jogo não é o pai enquanto um dado ambientalista, se ele foi mais ou menos precário em sua presença física, pai do qual o sujeito pode se queixar - Pai imaginário -, antes, trata-se de um fato de estruturação subjetiva que produz efeitos de organizações sociais. Correlação estrutural que podemos demonstrar, por exemplo, no fato de que, mesmo adulto, o ser humano permanece, no fundo, tão desamparado como na infância e havendo notado que “o seu pai é um ser de poder limitado [...] recorre à imagem mnêmica do pai da infância, a quem superestimava tanto, o erige em divindade e o situa no presente e na realidade objetiva” (Freud, 1932/1991b, p. 151; tradução nossa), a intensidade afetiva desta imagem mnêmica e o intolerável do desamparo fundamental sustentam a crença em Deus.

Então, em Totem e tabu já se proferia a ideia de que a psicologia individual é simultaneamente psicologia social, nos seguintes termos: na base do mito do assassinato do Pai da horda primitiva, supôs-se uma psique das massas na qual os processos anímicos se consumam como na vida anímica de um indivíduo (Freud, 1912-13/1991c, p. 159). Ainda que as elaborações psicanalíticas do social não possam ser verificadas em termos de efeitos de atos clínicos, isso não justifica a ideia de uma neutralidade psicanalítica indiferente às questões políticas. Na verdade, essa ideia coaduna-se com o equívoco histórico da tradução inglesa de James Strachey: Abstinenz/Indifferenz por Neutralidade, tradução que possibilitou um desenvolvimento de Edmund Bleger sobre uma neutralidade benevolente, quando, na verdade, “Freud, a rigor e em alemão, usou o termo Abstinenz que deveria ter sido traduzido em português por abstinência, e Indifferenz para se referir à escuta flutuante, sem saber prévio, do analista com relação ao que espera encontrar” (Alberti et al., 2021, p. 9; grifos nossos). Uma omissão política benevolente com o padecer das paixões humanas alimentaria a grande paixão do ser falante, a ignorância, posição incoerente ao fato de que consideramos a neutralidade do analista apenas na medida em que esta se define como sua não participação nas paixões do ser. Outro problema que pode decorrer do silêncio político da psicanálise é situável no simplismo das elaborações/intervenções clínico-políticas. As primeiras produções em psicanálise no Brasil atestaram isso, enfatizando-se a teoria geral do simbolismo ou aplicações no campo da estética, “virtualmente distantes do ponto de vista clínico, como o trabalho de Durval Marcondes [...] a psicanálise contribuiu para o próprio deslocamento do problema do âmbito antropológico para o psicológico” (Dunker & Neto, 2022, p. 23), problema convergente com o processo de individualização que atravessou a sociedade brasileira da época. Por outro lado, a responsabilidade política que sustenta uma psicanálise não tolera o individualismo neoliberal corrosivo dos laços sociais, os totalitarismos silenciadores do desejo e as psicopatologizações imprudentes dos fenômenos sociais.

Ademais, não concerne à psicanálise apenas indicar a correlação de funcionamento entre o estrutural conflito psíquico e as forças mortíferas de uma necropolítica calculada. Os psicanalistas brasileiros têm mais a fazer, temos de “estar ao lado das populações oprimidas, escutá-las, perceber sua potência histórica, seu desejo de registro e memória, valorizar o seu saber-fazer como a frente das soluções do país e com isso favorecer sua organização e sua alegria subversiva” (Mollica, 2022). Não esqueçamos que a psicanálise origina-se enfrentando a dimensão sociopolítica do sofrimento das histéricas, nasce validando a fala sintomática de corpos marginalizados pelo moralismo sexual civilizado. Outro exemplo de sua ampla responsabilidade política foi o trabalho realizado pelas clínicas públicas de Freud - no intervalo entre a Primeira Guerra Mundial e a Segunda -, onde muitos psicanalistas contribuíram com um movimento de renovação na chamada Viena vermelha, movimento aliado às artes, à literatura e à social democracia. Nesse florescimento político, houve o apoio direto do próprio Freud aos tratamentos gratuitos, públicos e de acesso à população mais carente (Danto, 2019), ele chegava a atender os pacientes de maior poder financeiro para custear as análises das clínicas públicas. No entanto, esse momento político fecundo da psicanálise será dissipado com a ascensão do nazismo. Resgatar esse capítulo das clínicas públicas de Freud e atualizar suas consequências subversivas no trabalho da psicanálise hoje é de suma importância para nos posicionarmos frente às convocações sociopolíticas.

Para avançarmos nessa conflituosa questão entre o individual e o coletivo, retomaremos a histeria na sua função de causa do desejo de saber ao interrogar, com a divisão subjetiva sintomática, os que ocupam o lugar de mestria. Na tensão entre o individual das coordenadas mnêmicas que determinam os sintomas e o coletivo do endereçamento ao mestre na busca de um saber, a virada que a psicanálise aí realiza é a de propor uma prática que implica o Ser de Saber do analista no sintoma que o interroga. Ou seja, desde que o princípio do poder da transferência está no elemento sugestivo nela embutido, a responsabilidade do analista é a de responder não fazendo uso desse poder de mestria, o que exige um Ser de Saber forjado em sua própria análise. Saber concernente às extrações dos significantes mestres, das marcas de gozo do sujeito - que terão sido determinantes de seus imbróglios neuróticos da vida cotidiana; e Ser feito substancialmente do objeto a (outro nome de das Ding). Objeto causa do desfiladeiro significante no qual se conduz o desejo, logo, índice da ausência de um significante que tudo possa dizer sobre o Ser: “o sujeito, seja qual for a forma em que se produza em sua presença, não pode reunir-se em seu representante de significante sem que se produza, na identidade, uma perda, propriamente chamada de objeto a” (Lacan, 1968-1969/2008, p. 21; grifos nossos). Em torno do luto desse objeto está centrado o desejo do analista; não há objeto que tenha maior preço que outro. O psicanalista opera na cidade dos discursos pela subversão, movido por um desejo impuro que, como efeito de sua própria análise, originou-se de sua posição assujeitada de objeto a. É desse lugar de objeto a-normal, avesso ao discurso corrente que institucionaliza as normas, os padrões egoais, que, nas homogeneizações coletivas que comungam de sentidos sobre a miséria real da vida, o psicanalista visa à diferença radical, à singularidade inventiva a partir do desamparo. Uma psicanálise aposta na transformação dos dejetos, ela banca a escória da civilização, aposta no que, de sua desnaturalização pulsional, o ser humano tende a não querer saber: o resto obscuro que os aparatos simbólicos, aparatos de linguagem - as organizações sociais - não significantizam e que retorna como o Mal-estar na cultura. É com tais rebotalhos que trabalhamos nesse oficio sórdido que se chama ser analista (Lacan, 1974/2005, p. 74).

Tornar-se Psicanalista: Uma Aposta Política

Ao ser um santo, como concebido por Baltasar Gracián (Lacan, 1974/1993), ao bancar o dejeto, o psicanalista faz descaridade. Não é a partir de um acolhimento pueril e assistencialista que uma análise pode caminhar, a santidade em questão não é a das beatitudes pudicas. Trata-se da santidade da virtude cardinal dos heróis, o que implica três artifícios: o silêncio, a ausência/falta [absence] e o parecer [paraître] (André, 1992). O silêncio é uma discrição, um meio-dizer como condição da ética do bem-dizer, supõe uma retórica elaborada que se sustenta no mistério e lança a pontuação à essência mesma da fala, desmontando as más-dicções familiares. A ausência/falta [absence] é a arte de se fazer ainda mais presente ao jogar com seu eclipse. O terceiro artifício, o parecer, é o mais sutil, o herói deve ser não-todo “para fazer desejar, ao invés de excitar o gozo que anima a inveja. Fazer com que as pessoas desejem um nada [...] lá onde a inveja empurra para o tormento do gozo de um ser em sua completude imaginária” (André, 1992, p. 174; tradução nossa). Eis os três artifícios políticos combinados no termo que propomos chamar de santos-heróis, construção que denota a responsabilidade ética a ser assumida pelos psicanalistas. Jacques Lacan (1974/1993) cogitava animosamente que houvesse mais santos assim, é “até mesmo a saída do discurso capitalista -, o que não constituirá um progresso se for somente para alguns” (p. 34). Voto explícito de que a psicanálise não seja para poucos, o que arriscaríamos aproximar de uma posição contrária a qualquer preciosismo que a isole em ilhas elitistas de psicanalistas de gabinete. Mas, como pode a psicanálise constituir uma saída, singular a cada sujeito e não em tropa, do capitalismo? Primeiro, fixando o gozo, pois, como regra geral, não se troca de psicanalista como se troca o carro ou o celular por um “modelo melhor”; “[segundo], procedendo de tal forma que o fim da análise permita a revelação do não-ser [non-être], ou, mais exatamente, do parecer/ser [paraître/parêtre] de todo objeto causa do desejo” (André, 1992, p. 171; tradução nossa; grifos nossos), descolamento entre a causa do desejo e os gadgets fascinantes expostos na vitrine das ilusões de tamponamento da castração, falsos brilhantes que se consomem instantaneamente. Como solução, o santo-herói ri das necessidades que preocupam os mortais comuns, sua missão é trabalhar por um desejo, mas seria preciso mais do que alguns santos-heróis para que eles tivessem peso frente à vilania tirânica do capital que consuma os laços civilizatórios. Não encobriremos o problema: é preciso interrogar se as curas psicanalíticas estariam à altura do desafio de produzir novos santos. Daí sucede a importância de sustentar a aposta política no passe a analista, criação de Lacan para que os analisantes que haviam finalizado sua análise pudessem testemunhar sobre como tinham chegado ao desejo de analista; esse dispositivo “caracteriza a Escola fundada por Lacan e responde ao problema de como garantir a qualificação do analista, sem apelar aos protocolos da análise didática, reinantes na IPA” (De Battista, 2020, p. 44). Portanto, que haja novos santos-heróis é um árduo desafio para as Escolas de Psicanálise, fazendo da missão ordinária do trabalho pelo desejo uma transmissão incomum do advento contingente de um analista, transmissão das mutações na economia do desejo que originam um novo santo-herói: um ponto que é completamente a-normal, que alguém que fez uma psicanálise queira ser psicanalista, é preciso uma espécie de aberração. A clínica do passe a analista se ocupa dessa aberração, investiga por que alguém que sabe o que é a psicanálise, por sua análise didática, ainda pode querer ser analista. O querer ser psicanalista está do lado do sujeito do conhecimento, erigindo-se enquanto atributo de uma ilusória profissão. Na contrapartida dessa reivindicação de reconhecimento, há o horror ao ato psicanalítico, à dessubjetivação que, após longas voltas e desenlaces de uma análise, esvazia o gozo rumo ao desser originário, rebento através do qual aflora um desejo capaz de sustentar a subversão política que banca os abjetos da dita civilização. O esvaziamento em questão é saldo do que se constitui, a posteriori - pelos seus efeitos de redução do gozo -, como interpretação. A interpretação-ato do psicanalista, ao visar o jogo de palavras, não deve alimentar o sintoma de sentido, e sim desvalorizar os engodos do gozo da fala, o “único exorcismo do qual a psicanálise é capaz [...] chegar a domesticá-lo [sintoma] até o ponto em que a linguagem possa com ele produzir equivocidade” (Lacan, 1974/2022a, p. 43). O analista, em sua interpretação-ato, deve reduzir-se a nomear o buraco estruturante de das Ding, ao redor do qual orbitam as formações do inconsciente. Ou seja, limitar-se a nomear o furo do Recalque Primordial, pois, ao termo dos cortes e costuras de uma análise, há o diz-cernimento de uma alteridade íntima que resta indizível.

A extimidade silenciosa, discernida na insistência das marcas de gozo que orientam uma análise ao real do sintoma, é o que protagoniza a difícil tarefa de situar algo da sexualidade feminina, desafio através do qual Freud esbarrou com a impossibilidade de responder à questão: o que quer/é uma mulher? É próprio da psicanálise que ela “não pretenda descrever o que é a mulher - uma tarefa de solução quase impossível para ela -, senão indagar como [a mulher] vem a ser” (Freud, 1932/1991b, p. 108; tradução nossa). Nessa tarefa impossível, a recusa à feminilidade surge como um obstáculo último das análises: o que não se pode nomear com as significações, uma marca do indizível, do real concernente à estranheza da alteridade que habita a cada ser de fala. Esse Outro subjetivado na neurose, é endereçando-se a ele que, contaminado pela fantasia, o neurótico ficcionaliza a atribuição de um gozo. Princípio mesmo que está na origem do racismo, “o ódio de meu próprio gozo [...]. Se o Outro está no interior de mim mesmo em posição de extimidade, trata-se igualmente de meu próprio ódio” (Miller, 2010). Considerar o modo de gozo desse Outro como um subdesenvolvido, impondo-o o nosso, é o que há de estrutural no racismo e não por acaso Freud (1909/1992a) chega a estabelecer numa mesma série as ficções de desprezo acerca dos judeus e das mulheres: o complexo de castração é a raiz inconsciente mais profunda do antissemitismo, “já no quarto das crianças o garotinho ouve que os judeus tiveram algo cortado em seu pênis [...]. Tampouco a arrogância frente à mulher tem uma raiz inconsciente mais poderosa do que esta” (p. 32; tradução nossa). Raiz inconsciente que remete à representação intolerável da castração materna, cerne cujo destino define a estrutura psíquica, o lugar da insondável decisão do ser. Ofertando um laço social capaz de tratar as paixões que arrebatam - na esfera do amor, do ódio ou da ignorância - a relação com a alteridade íntima, combatemos a tendência humana de horror ao saber acerca da castração estruturante do ser de fala. Tratamento que confere outro destino àquilo que ocupa o lugar de resto do processo civilizatório; o gozo das mulheres, do judeu, do negro, etc. Ao apostar nos rebotalhos, a psicanálise está do lado da potência subversiva dos movimentos sociais, daí o seu laço político ter surgido do corpo pulsional de alguém que viveu na própria libra de carne os efeitos do racismo dos discursos, conforme ele mesmo nos testemunha em suas decepções com a Universidade: “deparei com a insinuação de que eu deveria me sentir inferior e estrangeiro por ser judeu [...]. Nunca pude compreender por que deveria me envergonhar de minha origem - ou raça, como as pessoas começavam a dizer” (Freud, 1925/2011, p. 79).

Realizamos uma investigação introdutória da questão do lugar da psicanálise frente aos coletivos e movimentos sociais, desvelando que a sua intrusão política só pode ser feita reconhecendo-se que não há discurso que não seja do gozo, pelo menos quando dele se espera o trabalho da verdade. Levando em conta o percurso político que já estabelecemos sobre o ato psicanalítico, a seguir, traçaremos incidências da Política da Psicanálise nas relações sócio-históricas com a Nosografia do Autismo e com o triunfo da aliança entre o Capitalismo, a Ciência e o que nomearemos de Religiosidades Psicoterapêuticas.

O Triunfo das Psicoterapias: Capitalismo e Religião

Judy Singer, a criadora do Movimento da Neurodiversidade, afirma, a respeito da origem do termo: “Eu estava sonhando com um grande novo movimento social para grupos neurológicos marginalizados nos moldes do feminismo, liberação gay ou movimentos das pessoas com deficiência” (Singer, 2017; tradução nossa). Do autismo original ao autismo incluído no Neurodiversity Movement, o que mudou? Podemos organizar a genealogia histórica do autismo a partir de 1911, quando o psiquiatra suíço, Eugen Bleuler, em seu livro Dementia Praecox or the Group of Schizophrenias, cria o termo autism para descrever um dos sintomas da esquizofrenia: “o abandono da realidade em conjunto com a supremacia relativa e absoluta da vida no interior de si próprio é o que chamamos autismo” (Bleuler, 1911/1950, p. 63; tradução nossa). Adiciona, ainda, em nota de rodapé: o autismo praticamente coincide com o que Freud chamou de autoerotismo, “entretanto, como para este autor [Freud] os conceitos de libido e erotismo são muito mais amplos do que para outras escolas de pensamento, seu termo não pode ser usado aqui sem dar margem a muitos mal-entendidos” (Bleuler, 1950/1911, p. 63; tradução nossa). Do autoerotismo ao autismo há a exclusão de Eros, dos enlaces linguageiros que erogenizam o corpo humano, constituintes do movimento desejante. Logo, apagamento do desejo, o que podemos considerar como o “ponto central da diferença de perspectiva operada pelo discurso hegemônico do atual DSM-V criador do TEA (Transtorno do Espectro Autista) e o pathos [paixão/padecimento] sustentado pela psicanálise” (Prates, 2021, p. 23). A psicanálise não pode curvar-se ante ao reducionismo das estruturais paixões do ser a vagos transtornos do desenvolvimento de um manual supostamente neutro - quando é escancarada a sua afinidade com as neurociências e com a indústria farmacêutica. Um estudo realizado em 2006 por Lisa Cosgrove, da Universidade de Massachusetts, e Sheldon Krimsky, da Universidade de Tufts, determinou que 56% dos 170 psiquiatras que trabalharam nos critérios diagnósticos do DSM-IV e DSM-IV-TR mantinham pelo menos uma relação financeira com um fabricante de medicamentos (Aflalo, 2014).

Ao resgatarmos o Eros apagado por Bleuler, não cedemos à categoria do TEA e tampouco ao autismo enquanto uma estrutura psíquica - proposta pelos psicanalistas lacanianos Rosine e Robert Lefort -, que se definiria como tal pela imersão do sujeito no puro real, sem as marcas linguageiras que o humanizam. Ao contrário, nossa experiência clínica com o autismo indica a presença massiva e aterrorizante do Outro primordial, do qual o dito autista se protege, com todo o sofrimento que implicam os problemas na delimitação das bordas entre o seu corpo e o do Outro. O sujeito autista, como o sujeito psicótico, ainda que esteja na linguagem, não está submetido à lei que esta impõe - não houve o corte do Nome-do-Pai, franqueador da partilha do sentido comum, da comunhão neurótica. Como efeito dessa recusa, os ditos autistas e psicóticos em geral, “não entendem o equívoco, não suportam as mentiras e nem mesmo as meias verdades que o laço social por vezes exige [...] ao contrário do neurótico, estes sujeitos [autistas e psicóticos] demandam do analista uma verdade sem equívocos, sem artifícios” (Ribeiro, 2014, p. 53). No tratamento psicanalítico do autismo, lá onde a castração do Outro não se inscreveu, a mortificação alivia o sujeito, portanto, não se trata do psicanalista encenar fragilidade/falta, e sim de suportar estar à cotê, um pouco por fora, mortificado, não se deixando tomar pelo acolhimento psicoterapêutico e colocando-se à disposição para as surpresas dessa clínica em ato.

Entretanto, no cenário mundial da atualidade, o que impera quanto ao tratamento do autismo - ainda que os estudos científicos não localizem nenhum gene do TEA (Aflalo, 2014) -, é a ideologia vaga que conjuga os problemas psíquicos à neurobiologia humana. Assim, as psicoterapias polimorfas se proliferam com técnicas e com auxílios medicamentosos conformes às atualizações das roupagens diagnósticas do Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders (DSM), “o discurso da tecnociência, submetido à lógica do capital, organiza a crença mercantil que associa demanda e produto - no caso, doença mental e arsenal terapêutico - numa relação de evidência supostamente controlável” (Teixeira & Iannini, 2020, p. 21). Esse sucesso sustenta-se na medida em que as psicoterapias, ao atenderem às demandas do sujeito, satisfazem-se em nutrir as fantasias, em alimentar os sintomas de sentido e em perpetuar a ilusão de consistência do Outro, uma “trapaça bem-sucedida, ao passo que a psicanálise é uma operação destinada, em sua essência, ao fracasso. E é isso que é o seu sucesso” (Lacan, 1968, p. 6; tradução nossa). Nosso êxito com o fracasso concerne à insistência do real (Lacan, 1974/2022a), na medida em que a prática da psicanálise aponta para o sem sentido, para o acaso e desvela que o desejo é o verdadeiro sentido/direção da vida. Nossa eficácia é a de resgatar o fôlego do desejo numa civilização que progride acossada não só pelo mal-estar, mas, também pelo incremento da desumanização segregativa do capitalismo. À esteira dos fatores de sucesso das psicoterapias acopladas ao DSM, acrescenta-se a equivalência homogeneizante dos saberes no mercado da ciência; o processo pelo qual a ciência se unifica, reduz todos os saberes a um único mercado (Lacan, 1968-69/2008, p. 40). A partir do mercado dos saberes, sustenta-se e propulsiona-se a aliança: capitalismo, ciência e religiosidades psicoterapêuticas. Utilizamos esse último termo como um modo de designar a homologia entre a religiosidade e as psicoterapias, na medida em que ambas operam pululando sentido aos engodos neuróticos, tamponando o disruptivo das formações do inconsciente e, principalmente, apaziguando os corações quanto ao desamparo fundamental. Fator decisivo na fecundidade da articulação entre as religiosidades psicoterapêuticas e a ciência: “o real, por pouco que a ciência aí se meta, vai se estender [...]. Vão precisar dar um sentido a todas as reviravoltas introduzidas pela ciência [...] [e os religiosos são] capazes de dar um sentido realmente a qualquer coisa” (Lacan, 1974/2005, p. 65). Enquanto esse problema triunfa no discurso corrente, a sobrevivência da psicanálise depende de transmissões à altura da tarefa de sustentar um pulmão artificial - um laço social que se nutre do desejo de saber - aos rebotalhos de uma civilização cada vez mais tragada pelos avanços deletérios da segregação, do ódio e da ignorância. Tarefa que faz do enlace de amor dirigido ao saber (transferência) uma chance à desmontagem das fantasias, não cedendo às ilusões de completude e de autossuficiência vendidas pelo tecnicismo psicoterapêutico.

Os Determinantes de uma Pesquisa: Ciência e Movimentos Identitários

Destacamos como mote de nosso percurso de revisão sobre as convergências e tensões entre Psicanálise e Política, a descoberta de que o desamparo inicial do ser humano é a fonte primordial de todos os motivos morais (Freud, 1895/1992c, p. 363). Ao ser arrancado do desamparo pelo Outro, que porta o leite e o significante, o corpo humano é desde cedo envolvido na política, é banhado pela ideologia do discurso desse Outro, discurso que se traduz como os preconceitos/ideais e os modos de pensar/falar das subjetividades de cada época e lugar. Exige-se da política da psicanálise, ao incidir nas marcas da ideologia do Outro, uma operação com o semblante, operação que esvazia o peso dos sintomas e franqueia a escrita/leitura do gozo. Vale ressaltar que o conceito de semblante não traduz uma aparência ou uma máscara do ser. Na língua francesa, semblant significa aparência, mas, com a psicanálise - a partir de sua subversão do sentido comum das palavras correntes que tocam o inconsciente -, semblant não é aparência, não é o que aparece ou o que parece ser:

O semblante será o que parésse, com acento agudo no primeiro é, na invenção de um neologismo verbal, [...]. Esse emprego da letra escreve, no próprio corpo da palavra, aquilo de que se trata: o ser só aparesse no paresser, está condenado a só paresser. Essa categoria, assim, pode ser confrontada com [...] [a] dualidade platônica entre modelo e cópia, sendo a cópia o pretendente legítimo ao modelo, enquanto o simulacro seria a falsa cópia, aquela que não tem legitimidade a aspirar ao modelo, não se faz à sua imagem e semelhança [...]. O simulacro é interessante, mas não tem a força do semblante lacaniano, pois este é que é capaz de meter-se com o real, e esse é o seu atrevimento discursivo, próprio ao discurso psicanalítico, que se faz agenciar pelo semblante por excelência, o objeto a, aquele que, uma vez situado no lugar de semblante, faz ruptura do próprio semblante. (Elia, 2021, pp. 25; grifos nossos)

Enfrentar o horror do ato de tornar-se um psicanalista é assumir as consequências de um ato alinhado a um semblante tão impudente que faz ruptura do próprio semblante com o qual se erigem a religião, a psicoterapia, os motivos ideológicos do Outro parental/social e tudo o que se atenua e se rejeita da economia do gozo, o lixo da dita civilização. Tornar-se analista é passar decidido por esse lixo que o ser humano terá sido em seu desamparo fundamental, para que se suporte operar a partir do semblante de objeto a. Essa posição de rebotalho, de resto de uma cópula - centro do nonsense absoluto -, é velada pela fantasia fundamental: “É preciso passar por esse lixo decidido para, talvez, reencontrar alguma coisa que seja da ordem do real” (Lacan, 1975-76/2007, p. 120). O término desse custoso processo não é a acomodação no gozo masoquista dos abjetos, pois, há de se reencontrar, na insistência do real, a marca de um amor instruído pelo impossível; uma aposta, sustentada com entusiasmo, no desejo de saber. O ato psicanalítico é um ato político por excelência, pois, o seu despertar fundamenta-se numa profunda transformação da relação com as águas linguageiras do Outro que, desde o nascimento do infans, banha de ideologias cada humano. Nessa perspectiva, a psicanálise acentua uma versão alienante da política, donde qualquer que seja “o agente em ação na função do semblante - a lei (S1), o saber-todo (S2) ou o indivíduo hedonista servo de seus mais-de-gozar (S barrado do discurso capitalista) -, a dimensão alienante do político permanece prevalente, se não exclusiva [e agravada pela dominância da ciência]” (Askofaré, 2013, p. 300). Ao longo de nossa pesquisa-revisão, demonstramos esse aspecto alienante no triunfo das religiosidades psicoterapêuticas e na condescendência dessas ao mercado dos saberes - reforçado pelo Movimento da Neurodiversidade. Para questionar essa aliança, retomamos a nosografia do autismo: como um sintoma que foi originalmente delimitado pela ausência de contato com a realidade, recusa ao laço social, é hoje tomado como uma bandeira para reivindicações que aglutinam coletivos de ditos autistas?

A relação de afinidade dos coletivos de neurodiversos com outros movimentos sociais não nos levou a sentenciar apressadamente - argumentando que eles se homogeneizariam sob a alcunha de movimentos identitários - que tais organizações coletivas possuam idênticas motivações estruturais e equivalentes incidências na esfera pública. Ainda assim, podemos traçar nítidas vias de confluência entre o Movimento da Neurodiversidade e o Movimento Trans, por exemplo, em seus aspectos de potencialidades subversivas; o de abalar os sistemas totalitários. O incômodo do Trans concerne ao furo no discurso, a começar no jurídico, por não se inscrever em nenhum sexo estabelecido. Todavia, sendo a identidade uma marca que relega o sujeito a subsistir apenas no suporte do objeto perdido, “[o problema] é quando essa marca se torna significante, e o sujeito que buscava sua marca de S1, novamente desaparece sob a barra da cadeia dos significantes, tornando-se tantas vezes objeto de intervenção do discurso científico ou do capitalismo” (Alberti, 2022) e enquadrando-se no agravamento da versão alienante da política. Nesse ponto, o mercado dos saberes se aproveita oferecendo produtos dos laboratórios de fármacos e de hormônios, a indústria das próteses e das cirurgias - travestidos de significantes. Da mesma feita, a Neurodiversidade, ao subsumir o sujeito sob o significante do TEA, contribui na objetalização empreendida entre ciência e indústria farmacêutica. Essa querela reforça-se com o fato de que tais movimentos podem conferir ainda mais consistência às particularidades, em consonância com o incremento da segregação fulminada pela precarização neoliberal. Portanto, fazer valer o despertar do ato analítico em sua força de desmontagem das ideologias hegemônicas de cada época, é uma alternativa frente às mencionadas problemáticas dos tensionamentos entre a vida psíquica individual e os movimentos sociais. Além disso, a responsabilidade política da psicanálise exige o posicionamento crítico às expressões de poder e de violência, o reconhecimento e o enfrentamento aos modos de intrusão do real obsceno no laço social e a denúncia às derivas reificantes do humano na redução dos significantes a signos objetificadores (Poli, 2022).

Devemos estar advertidos dessas contribuições quando levamos a psicanálise para a praça pública; por exemplo, para as institucionais de saúde mental. No alinhamento com os demais colegas do campo psicossocial, articulação que envolve o embate entre as conquistas da reforma psiquiátrica e as atuais reformulações das políticas de saúde mental, “os psicanalistas têm o dever ético-político de se opor às tentativas de imposição de uma uniformização do gozo - em nome de Deus ou do capital - que atropelam o outro e levam fatalmente à segregação” (Rinaldi, 2021, p. 199). Detalhamos alguns modos através dos quais esse dever ético-político da psicanálise na praça pública está vinculado à experiência íntima que pode forjar um analista; colocada à prova pelo passe. Ainda que, na história desse dispositivo, seu fracasso seja constatável, tal fracasso ocorreu enquanto o passe “se baseava na assimilação da condução da análise didática a uma operação científica, não porque colocasse uma questão fictícia” (Safouan, 2023, p. 332). Lembremos que; no fracasso, a psicanálise retira seu sucesso ao ocupar-se da insistência do real. Enquanto a aliança entre capitalismo, ciência e religiosidades psicoterapêuticas estimula a recusa do fulgurante sujeito do inconsciente - que se manifesta nos lapsos-fracassos de um Eu autossuficiente -, descartando-o em nome de um suposto purismo na objetividade. A clínica psicanalítica, por sua vez, toma a subjetividade de quem pesquisa como questão central de sua prática ao identificar, explicitar e formular os pressupostos que intervêm na escuta, teorizando a partir da necessidade interna da experiência e não se guiando por preconceitos insuficientemente questionados (De Battista, 2020). A interferência das concepções teóricas na prática foi assinalada por Freud (1923/1992b) quando demarcou que a originalidade científica é apenas aparente, pois, há um lado subjetivo da originalidade (p. 281; tradução nossa). Lado que inclui o determinismo da trama textual inconsciente de quem pesquisa, o seu desejo e os efeitos de incidência deste, através da relação transferencial, no objeto pesquisado. Todavia, a ciência moderna anula qualquer traço de subjetividade; por exemplo, despreza que, mesmo a teoria da relatividade distanciando-se da bússola que Einstein recebeu quando criança, esse episódio da infância teria sido decisivo na sua vocação científica (Sauret, 2000, p. 185).

Considerar a subjetividade nos debates políticos atuais é uma crucial chave de leitura, porque nos conduz ao questionamento de determinadas modalizações conservadoras que marcaram a história da psicanálise e que ainda ressoam na experiência da clínica psicanalítica. Questionar a subjetividade do pesquisador pode nos franquear a sintonização com leituras que, por exemplo, propõe um processo “de des-identificação aos ideais eurocêntricos [...]. [Resgatando] o que está subsumido na linguagem e que diz respeito às origens e marcas de um povo, de uma cultura e de sua herança polissêmica e multicultural” (Mollica, 2022, p. 83). Isso não implica que a intervenção do psicanalista deva levar ao fascínio por abstrações puramente conceituais ou à objetalização teórica. Não responder pelo fascínio teórico é o mesmo princípio político que aplicamos frente à expansão diagnóstica rápida e ilimitada do TEA. Ao apostarmos na insistência do real de cada caso, reafirmamos a posição freudiana de não enquadrar um caso antecipadamente numa categoria e sim de escutá-lo com total independência em relação a todos os conhecimentos adquiridos, sentir sua particularidade. O que justifica não falarmos de uma teoria do inconsciente (Lacan, 1968-1969/2008, p. 64), pois, não há como programar o advento, sempre surpreendente, das produções inconscientes de um ser de fala. A eficácia da psicanálise depende de demonstrarmos que, primordialmente, há sempre o recalcado, é irredutível: “Elaborar o inconsciente [...] não é nada além de produzir esse furo [...]. Isso me parece [...] confluir com a morte [...], que identifico ao fato de que, ‘como o sol’, diz o outro, ela não pode ser encarada de frente” (Lacan, 1980/2022b, p. 105). Por mais que conquistemos espaço na decifração das Constelações sintomáticas, que atravessemos as Órbitas significantes da fantasia fundamental, ao fim, reluz o incognoscível do Sol, lugar de das Ding, donde lampejam os raios implacáveis do desejo:

O implacável parteiro do ser [Jacques Lacan] [...] [era] generoso e do mesmo lado que seu analisante. Sensível à incurável condição do ser de fala, com alguma coisa como um tato extremo para diferenças, um senso inigualável para detalhes concretos, atento, malicioso, paciente mesmo, e receptivo aos tormentos do sujeito que ele sabia atenuar com um toque cômico. (Soler, 1992, pp. 53; tradução nossa)

Esse talento de Lacan em invocar o impossível que atormenta os enlaces do ser de fala nos ensina algo acerca do que elaboraremos como uma sensibilidade política do psicanalista. Se na história da psicanálise prevaleceu uma ignorância acerca dos efeitos da colonização e do racismo na constituição dos laços sociais; hoje, entretanto, vivemos um momento fértil de questionamento do lugar de escuta dos psicanalistas. A sensibilidade à extimidade incurável do humano implica uma abertura à escuta do sofrimento Racial, Trans, Indígena, LGBTQIA+... Não ensurdecer a tais saberes que convocam a implicação política da psicanálise, implicação marcada, em sua origem, pela escuta de algo silenciado na força da sexualidade feminina. Para alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época, há de se “verificar o desejo de psicanalista e, ao mesmo tempo, a conquista, feita pelo sujeito, de sua capacidade de ato - de fala, de invenção, de criação e inclusive de laços sociais” (Sauret, 2000, p. 192; tradução nossa), chance de uma invenção que faça o mundo mais respirável. Essa é a aposta, antirracista e decolonial, da psicanálise; o que fura as bolhas da ideologia patriarcal pequeno-burguesa e banca os rebotalhos sufocados pelo neoliberalismo. Tarefa que não encobre a existência de uma contaminação corrosiva do capitalismo nos coletivos - o que indicamos com o Trans e com o TEA -, mas, ainda assim, aposta que, da insistência do real que marca a singularidade, uma análise pode discernir novos modos de fazer enlaces sociais.

Agradecimentos:

Os autores agradecem a FUNCAP pelo apoio na realização da pesquisa.

Financiamento: O estudo teórico/revisão de literatura no manuscrito foi financiado pela Bolsa de Iniciação Científica e Tecnológica do primeiro autor (Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico - FUNCAP) e pela Bolsa de Produtividade em Pesquisa e Estímulo à Interiorização do segundo autor (FUNCAP).

Referências

Aflalo, A. (2014). Autismo: Novos espectros, novos mercados. Escola Brasileira de Psicanálise e KBR Editora Digital. [ Links ]

Alberti, S., Fuks, B. B., & Jorge, M. A. C. (2021). A psicanálise e os paradoxos da política da diferença. Trivium: Estudos Interdisciplinares, 13(spe), 1-2. http://dx.doi.org/10.18379/2176-4891.2021vNSPEAp.1Links ]

Alberti, S. (2022, Julho 26). Observaciones sobre la inmixión de la alteridad en la transexualidad [Video]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=aUXfCXHzrRgLinks ]

André, S. (1992). Être un saint. In J. A. Miller, & J. Miller (Orgs.), Connaissez-vous Lacan? (pp. 165-175). Seuil. [ Links ]

Askofaré, S. (2013). D’un discours l’Autre: La science à l’épreuve de la psychanalyse. Presses Universitaires du Mirail. [ Links ]

Bleuler, E. (1950). Dementia Praecox or the Group of Schizophrenias. International Universities Press. (Obra original publicada em 1911) [ Links ]

Danto, E. A. (2020). As clínicas públicas de Freud: Psicanálise e justiça social. Perspectiva. [ Links ]

De Battista, J. (2020). O Desejo nas Psicoses. Larvatus Prodeo. [ Links ]

Dunker, C., & Neto F. (2022). Psicanálise e saúde mental. Criação Humana. [ Links ]

Elia, L. (2021). Tática, estratégia, política. In E. Pizzimenti, I. Estevão, & P. Corsetto, (Orgs.), Tática, Estratégia e Política da psicanálise (pp. 15-28). Calligraphie. [ Links ]

Freud, S. (1991a). La interpretación de los sueños. In S. Freud, Obras Completas (Vol. 5, pp. 345-612). Amorrortu. (Obra original publicada em 1900) [ Links ]

Freud, S. (1991b). Nuevas conferencias de introducción al psicoanálisis. In S. Freud, Obras Completas (Vol. 22, pp. 1-168). Amorrortu. (Obra original publicada em 1932) [ Links ]

Freud, S. (1991c). Tótem y tabu: Algunas concordancias en la vida anímica de los selvajes y de los neuróticos. In S. Freud, Obras Completas (Vol. 13, pp. 1-162). Amorrortu. (Obra original publicada em 1912-13) [ Links ]

Freud, S. (1992a). Análisis de la fobia de un niño de cinco años. In S. Freud, Obras Completas Sigmund Freud (Vol. 10, pp. 1-118). Amorrortu. (Obra original publicada em 1909) [ Links ]

Freud, S. (1992b). Josef Popper-Lynkeus y la teoría del sueño. In S. Freud, Obras Completas (Vol. 19, pp. 277-283). Amorrortu. (Obra original publicada em 1923) [ Links ]

Freud, S. (1992c). Proyeto de Psicología. In S. Freud, Obras Completas Sigmund Freud (Vol. 1, pp. 323-496). Amorrortu. (Obra original publicada em 1895) [ Links ]

Freud, S. (2011). Autobiografia. In S. Freud, Obras Completas. (Vol. 16, pp. 75-167). Companhia das Letras. (Obra original publicada em 1925) [ Links ]

Freud, S. (2020). Psicologia das massas e análise do Eu. In S. Freud, Obras Incompletas de Sigmund Freud (pp. 137-232). Autêntica. (Obra original publicada em 1921) [ Links ]

Freud, S. (2023a). As neuropsicoses de defesa. In S. Freud, Obras Completas. (Vol. 3, pp. 49-67). Companhia das Letras. (Obra original publicada em 1894) [ Links ]

Freud, S. (2023b). Charcot. In S. Freud, Obras Completas. (Vol. 3, pp. 15-31). Companhia das Letras. (Obra original publicada em 1893) [ Links ]

Lacan, J. (1959-60). Séminaire 7: L’éthique. http://staferlaLinks ]

Lacan, J. (1968). Discours de clôture au Congrès de Strasbourg. https://pas-tout-lacanLinks ]

Lacan, J. (1993). Televisão. Zahar. (Obra original publicada em 1974) [ Links ]

Lacan, J. (2005). Tiunfo da religião. In J. Jacan, O triunfo da religião, precedido de discurso aos católicos. Zahar. (Obra original publicada em 1974) [ Links ]

Lacan, J. (2007). O seminário. Livro 23. O sinthoma. Jorge Zahar. (Obra original publicada em 1975-1976) [ Links ]

Lacan, J. (2008). O seminário. Livro 16: De um Outro ao outro. Jorge Zahar. (Obra original publicada em 1968-1969) [ Links ]

Lacan, J. (2022a). A terceira. In J. Lacan, A terceira: Teoria de lalíngua (pp. 9-74). Zahar. (Obra original publicada em 1974) [ Links ]

Lacan, J. (2022b). Carta para a Causa Freudiana. In J. Lacan, Nos confins do seminário (pp. 105-106). Zahar. (Obra original publicada em 1980) [ Links ]

Miller, J. A. (2016). Racismo e extimidade. Derivas Analíticas: Revista Digital de Psicanálise e Cultura da EBP-MG, (4), n.p. https://www.ebp.org.br/correio_express/extra001/texto_MarceloVeras.htmlLinks ]

Mollica, M. (2022). O destino decolonial da sublimação: As mídias populares no combate ao racismo brasileiro. Ágora: Estudos em Teoria Psicanalítica, 25(2), 74-85. https://doi.org/10.1590/1809-44142022-02-10Links ]

Mollica, M. (2022, Outubro 22). Mesa Redonda: Ética do desejo ou moralidade subserviente [Video]. YouTube. https://www.youtube.com/watch?v=n29dJe09_0QLinks ]

Poli, M. C. (2022). Entre o clínico e político: O feminino na mira da violência. https://appoa.org.br/correio/edicao/320/apresentacao/1104Links ]

Prates, A. L. (2020). Autismo, Eros e o desejo do psicanalista. In L. A. Furtado (Org.), O sujeito na entrada da estação: Estudos sobre o caso Dick, a clínica psicanálitica e o autismo (pp. 21-24). Larvatus Prodeo. [ Links ]

Ribeiro, M. A. C. (2014). Um corpo sem fronteiras. In L. Furtado, & C. Vieira (Orgs.), O autismo, o sujeito e a psicanálise: Consonâncias (pp. 49-55). CRV. [ Links ]

Rinaldi, D. (2021). A direção do tratamento e o desejo do psicanalista: Tática, estratégia e política na clínica institucional pública. In E. Pizzimenti, I. Estevão, & P. Corsetto (Orgs.), Tática, Estratégia e Política da psicanálise (pp. 186-200). Calligraphie. [ Links ]

Safouan, M. (2023). A Psicanálise: Ciência, terapia e causa. 7Letras. [ Links ]

Sauret, M. J. (2000). Psychanalyse et politique: Huit questions de la psychanalyse au politique. Presses Universitaires du Mirail. [ Links ]

Singer, J. (2017). Neurodiversity: The birth of an idea. Judy Singer. [ Links ]

Soler, C. (1992). L’effet Jacques Lacan. In J. A. Miller & J. Miller (Orgs.), Connaissez-vous Lacan? (pp. 47-54). Seuil. [ Links ]

Teixeira, A. & Iannini, G. (2020). O futuro de uma classificação. In A. Teixeira, & M. Rosa, (Orgs.), Psicopatologia Lacaniana: Nosologia (Vol. 2, pp. 13-23). Autêntica. [ Links ]

Recebido: 14 de Maio de 2023; Revisado: 30 de Agosto de 2023; Aceito: 31 de Agosto de 2023

Endereço para correspondência Frederico Santos Alencar Rua Maria Anete Neves, 96, Cruiri, Iguatu - CE, Brasil. CEP 63501-265, Endereço eletrônico: fredericosalencar@gmail.com

Luis Achilles Rodrigues Furtado Avenida Lúcia Sabóia, 517, Centro, Sobral - CE, Brasil. CEP 62010-830, Endereço eletrônico: luis.achilles@gmail.com

Creative Commons License Este é um artigo publicado em acesso aberto sob uma licença Creative Commons.