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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687
Rev. bras.ter. cogn. vol.7 no.1 Rio de Janeiro jun. 2011
ARTIGOS ARTICLES
Investigação e manejo de eventos estressores entre estudantes de Psicologia
Investigation and management of stressful events among students of Psychology
Shirlei de Paula BonifácioI; Regina Cláudia Barbosa da SilvaII; Fábio Tadeu MontesanoIII; Ricardo da Costa PadovaniIV
IPsicóloga pela Universidade Federal de São Paulo - Campus Baixada Santista - (Aprimoranda em Neuropsicologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP)
IIDoutorado - (Professora Adjunta da Universidade Federal de São Paulo - Campus Baixada Santista)
IIIEstatístico - (Técnico para Assuntos Educacionais da Universidade Federal de São Paulo - Campus Baixada Santista)
IVDoutorado - (Professor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo - Campus Baixada Santista) - Santos - SP - Brasil
RESUMO
O objetivo do presente estudo foi investigar como eventos potencialmente estressores se apresentam entre estudantes do quarto e quinto anos do curso de Psicologia, bem como as estratégias comumente empregadas para o seu manejo. Adicionalmente, buscou-se avaliar a presença dos sintomas físicos e psicológicos relacionados ao estresse. Participaram do estudo 17 alunos. Instrumentos empregados: Roteiro de Entrevista de Investigação do Estresse e Inventário de Sintomas de Stress para Adultos. Os achados permitem supor que novas demandas relacionadas a moradia em repúblicas, adaptação às contingências de ensino e aprendizagem, necessidade de organização do tempo e de atividades e estabelecimento de novas relações interpessoais se apresentaram como fatores potencialmente estressantes para uma parcela significativa da população universitária.
Palavras-chave: estresse, estudantes, psicologia.
ABSTRACT
The aim of the present study was to investigate how potentially stressors events show up among undergraduate Psychology students of final grades and the strategies commonly used to manage it. Moreover, the presence of physical and psychological symptoms of stress was inquired. Seventeen students participated of the study. The instruments used were: Interview for Research on Stress and Stress Symptoms Inventory for Adults. The results allowed us to conclude that the new demands related to live in house ship, the adaptation to new and different obligations related to the experience of learning, the need to organize the time and activities, and the establishment of new interpersonal relations represented potential stressing factors for a significant portion of the college student population.
Keywords: psychology, stress, students.
INTRODUÇÃO
O ingresso na universidade é marcado por mudanças significativas para muitos jovens. Dentre alguns dos desafios a serem enfrentados, nesta nova etapa de suas vidas, estão a adaptação a novos saberes, a exigência de autonomia, a responsabilização no processo de construção do conhecimento, e as expectativas quanto à inserção no mercado de trabalho já nos últimos anos da universidade. Aliado a esses fatores, para uma parcela significativa de estudantes, as dificuldades financeiras podem também perpassar as diferentes etapas ao longo do processo de formação.
As exigências e demandas da vida universitária deixam evidente que o aluno, desde o seu ingresso, deve apresentar recursos cognitivos e emocionais complexos para o manejo das demandas deste novo ambiente. Atentos ao impacto desta experiência na saúde física e psicológica, estudiosos vêm explorando a temática do estresse entre universitários em diferentes culturas, reforçando a importância de um debate amplo na comunidade científica (Calais et al., 2007; Brougham, Zail, Mendonza & Miller, 2009; Igue et al., 2008; Leahy et al., 2010; Shah, Hasan, Malik & Sreeramareddy, 2010).
A reação ao estresse pode ser dividida em três fases: alerta, resistência e exaustão. A primeira fase ocorre quando o indivíduo entra em contato com o agente estressor e o seu corpo perde o seu equilíbrio natural. Na segunda fase, o organismo tenta recuperar este equilíbrio, podendo se adaptar ao problema ou eliminá-lo. Na terceira fase, de exaustão, começam a falhar os mecanismos de adaptação e ocorre déficit das reservas de energia (Greenberg e et al., 2002). As doenças aparecem com muita frequência tanto em nível psicológico quanto físico. Doenças que permaneciam latentes podem vir a se manifestar nesta fase, tais como: úlceras, gengivites, hipertensão arterial, problemas dermatológicos, alergias, herpes, piora das doenças autoimunes, redução da qualidade e quantidade de sono. No âmbito cognitivo e emocional são observados: cansaço mental, dificuldade de concentração e atenção, apatia e indiferença emocional. A produtividade e a criatividade ficam prejudicadas. Crises de ansiedade e depressão se apresentam, a libido fica reduzida afetando consideravelmente a qualidade de vida do indivíduo (Pinho Júnior, 2003; Lipp, 2003).
Calais e colaboradores (2007) mostraram que, em uma amostra constituída por estudantes universitários calouros e veteranos, os primeiros apresentavam mais os sintomas físicos relacionados ao estresse, enquanto os veteranos apresentavam predominância dos sintomas psicológicos. Os estudos de Brougham e colaboradores (2009) apontaram para um maior nível de estresse entre os estudantes universitários do sexo feminino.
Estudos recentes conduzidos por Shah e colaboradores (2010), Montoya e colaboradores (2010) e Al-Dabal e colaboradores (2010) revelaram uma relação significativa entre eventos estressores acadêmicos e o surgimento de quadros de ansiedade e depressão. Algumas das seguintes situações foram consideradas, pelos participantes destes estudos, como potencialmente estressantes: volume de temas de estudo, complexidade da matéria, frequência de avaliações, preocupação quanto ao futuro e desempenho acadêmico, alta expectativa parental. Tais achados deixam evidente o impacto das situações acadêmicas potencialmente estressantes na saúde mental de universitários, reforçando a necessidade da investigação de como se dá a percepção dos eventos estressores, bem como quais seriam as alternativas ou estratégias de manejo em face destes eventos entre estudantes universitários.
Um aspecto importante diz respeito à vulnerabilidade do indivíduo e a seu repertório de enfrentamento a estes eventos, que irão determinar como ele reagirá aos eventos estressores (Lipp, 2003; Lipp, Pereira & Sadir, 2005). Nessa perspectiva, o surgimento do estresse será determinado pelas características cognitivas do indivíduo empregadas na interpretação dos eventos ambientais que o cercam (Lipp, 2003; Lipp et al., 2005; Rangé, 2003).
O objetivo do presente estudo foi investigar como eventos potencialmente estressores se apresentam entre estudantes do quarto e quinto anos do curso de Psicologia, bem como as estratégias comumente empregadas para o seu manejo. Adicionalmente, buscou-se avaliar a presença dos sintomas físicos e psicológicos relacionados ao estresse.
MÉTODO
Triagem
A amostra foi constituída por estudantes do quarto e quinto anos do curso de Psicologia. Este critério foi estabelecido a partir da hipótese de que nesse período do curso os alunos têm que cumprir uma carga horária maior em atividades práticas e se aproximam da demanda do exercício da profissão e ingresso no mercado de trabalho: fatores que podem contribuir como eventos estressores.
Participantes
Participaram do estudo 17 alunos (7 homens e 10 mulheres) das séries finais (4º ano e 5º ano) do curso de Psicologia.
Local
A pesquisa foi realizada em uma sala designada pela Universidade Federal de São Paulo - Campus Baixada Santista.
Instrumentos empregados:
a) Roteiro de Entrevista Semiestruturada de Investigação do Estresse. O referido roteiro buscou circunscrever as características de moradia, a distância dos familiares e amigos, a exigência acadêmica, o manejo de tempo e a interrupção de atividades de lazer. Adicionalmente, o participante tinha a oportunidade de associar a temática investigada a aspectos de sua trajetória na universidade. O tempo médio de entrevista foi de 50 minutos.
b) Inventário de Sintomas de Stress para Adultos (ISSL) (Lipp, 2000). Possui uma lista de sintomas físicos e psicológicos. O ISSL permite diagnosticar se a pessoa tem estresse, em que fase do processo se encontra (alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão) e se sua sintomatologia é mais típica da dimensão física ou psicológica. O tempo médio de duração para responder ao instrumento foi de 10 minutos.
Procedimento
Inicialmente, a primeira autora entrou em contato com docentes do curso de Psicologia que ministravam módulos para os alunos do quarto e quinto anos deste curso apresentando a proposta da pesquisa. Aqueles alunos que demonstraram interesse em participar da pesquisa receberam informações detalhadas do estudo, e foram então agendados dia e horários para realização da coleta de dados. Na data e horários previstos, o participante da pesquisa realizava a leitura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), e, após a assinatura, formalizando sua participação, a coleta era iniciada. Quando autorizado, o processo de coleta de dados foi gravado. A aplicação dos instrumentos foi realizada individualmente, com duração média de 60 minutos. A pesquisa foi iniciada com a aplicação do Roteiro de Entrevista Semiestrtuturada de Investigação do Estresse, seguida da aplicação do Inventário de Sintomas de Stress para Adultos (ISSL).
Cuidados éticos
A pesquisa foi realizada em conformidade com a Resolução do Ministério da Saúde 196/96 do Conselho Nacional de Saúde e com a deliberação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da UNIFESP (CEP 0241/10).
Análise de dados
Para a análise de dados, optou-se pela metodologia qualitativa e quantitativa, permitindo uma melhor compreensão do fenômeno. Tal proposta permitiu investigar não só a regularidade e a frequência com que o fenômeno se apresentava, mas também a análise de relações, representações e lógica dos sujeitos em ação (Minayo, 2010). Para análise do desempenho dos participantes no Inventário de Sintomas de Stress para Adultos (ISSL) (Lipp, 2000), foram utilizados o teste exato de Fisher e o teste t de Student (Agresti, 2002). Foram avaliadas ainda as relações entre presença de estresse versus escolaridade e presença de estresse versus gênero.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
1. Perfil dos participantes
A Tabela 1 apresenta a caracterização dos participantes quanto à idade, série e moradia. Foi utilizada a sigla P para designar participantes do sexo masculino e PP para participantes do sexo feminino.
Os dados da Tabela 1 mostram que a amostra foi constituída em sua maioria por mulheres, sendo o participante mais velho: do sexo masculino (P2), com 30 anos, do quinto ano, residindo sozinho; e o mais novo: do sexo feminino (PP14), com 20 anos, do quarto ano, residindo com amigas. A família daqueles sujeitos que moravam em república ou sozinhos eram de cidades distantes do local de ingresso na universidade. Quanto à moradia, 9 relataram morar com amigos, em espaços denominados de repúblicas, 4 sozinhos e 4 com a família. O maior número de estudantes residindo em "repúblicas" reproduz a situação mais comum dos estudantes universitários.
2. Estresse e vida universitária
2.1 Moradia
Morar distante da família e dos amigos foi descrito por 7 participantes como uma experiência difícil no momento inicial na universidade. O relato de 2 participantes revela como este processo foi vivenciado: "No começo foi meio ruim. Mas, hoje já acostumei bastante [...] No começo eu voltava mais (para a casa dos pais), hoje eu volto menos. Eu acho que é bom pra já ir se desligando um pouco" [...] (P12, 4º ano); "No começo achei bem mais difícil [...] mas, agora, eu já tô totalmente adaptada" (PP7; 5º ano).
Os achados mostram que o processo de integração ao ambiente universitário é complexo, construído a partir de relações estabelecidas com seus pares, bem como as proporcionadas pela própria instituição de ensino superior. Atentos à realidade da permanência estudantil e ao estado de saúde dos universitários, Millan e Arruda (2008) discutem a relevância da criação de serviços de assistência psicológica ao aluno. Características do próprio indivíduo como história de vida, modelo parental, motivação, expectativa, nível de autonomia e independência merecem ser consideradas neste processo de adaptação e integração (Igue et al., 2008; Liu, Nagata & Shono, 2009; Teixeira et al., 2008).
Outra dificuldade apontada pelos participantes no início da graduação foi a convivência em "repúblicas" com estudantes na qual ainda não existia uma relação de amizade. O relato de um participante (PP7) do quinto ano ilustra tal situação: "É complicado, principalmente no começo porque você não conhece muito as pessoas. A partir do momento que você vai conhecendo as pessoas, vai tendo mais liberdade [...] para falar aquilo que você acha. Acho que vai ficando mais fácil".
A convivência em novos grupos sociais exige do ingressante repertórios elaborados de comunicação e socialização. A diversidade das relações interpessoais estabelecidas no ambiente universitário favorece o crescimento pessoal, bem como auxilia na ampliação da rede de apoio (Igue et al., 2008). Para os que moram sozinhos, 3 participantes afirmaram que o fato de não precisar dividir responsabilidades com os cuidados da casa como acontece em repúblicas e o fato de não precisar se adequar a regras estabelecidas nas repúblicas se apresentaram como os aspectos mais importantes. Uma participante (PP10), do quinto ano, indicou dificuldades inerentes ao morar sozinho: "Às vezes me sinto muito sozinha em casa. Sinto falta de conversar com alguém".
A liberdade e a responsabilidade advindas da vivência universitária foram apontadas como positivas, corroborando os achados da área (Calais et al., 2007; Teixeira et al., 2008). Teixeira e colaboradores (2008) ressaltam que a percepção de apoio emocional dos pais, a qualidade da relação parental e o apoio à vida na universidade se apresentam como fatores que influenciam a adaptação à universidade.
Para aqueles que moram com os pais, o conforto e a comodidade são um dos aspectos positivos destacados, e a falta de liberdade como um dos negativos. Os relatos a seguir ilustram tais situações: "É confortável, é gostoso. [...] Eu acho que ia sentir falta se eu não tivesse isso sempre. Então eu gosto muito. Comidinha da mamãe" (PP9, 5 º ano); "De certa forma é bom, mas ao mesmo tempo também tem seu lado negativo. Por exemplo, às vezes eu não tenho toda liberdade que eu gostaria" (P4, 5 º ano).
2.2 Exigência acadêmica
Ao serem questionados sobre a exigência acadêmica, a questão da falta de tempo livre se apresentou como o tema mais recorrente. Os exemplos a seguir ilustram tal percepção: "Bem difícil. Porque não tem tempo pra pensar em nada, além disso. [...] E é muita matéria. [...] Você não tem tempo livre pra fazer nada" (PP16, 4 º ano); "Eu me programo, basicamente. [...] eu separo o tempo pra fazer tudo [...]. Dificilmente eu entregava um trabalho fora [...]. Muita dificuldade. Muito sofrimento pra conseguir fazer tudo" (PP10, 5 º ano).
A estrutura da grade curricular do curso de Psicologia em que as aulas ocorrem em período integral (manhã e tarde) mostrou um impacto significativo na avaliação dos participantes como eventos estressantes, indicando a necessidade de uma investigação cuidadosa por parte dos órgãos gestores da universidade. Adicionalmente, a gestão de tempo e o repertório de estudo, assim como sua organização, merecem atenção. Estes aspectos foram discutidos por Calais e colaboradores (2007); Igue e colaboradores (2008); Teixeira e colaboradores (2008), Al-Dabal e colaboradores (2010). Tais achados reforçam a necessidade de programas de orientação de estudo e de atendimento psicológico. A relação entre exigência acadêmica e depressão, apontada no estudo de Montoya e colaboradores (2010), vem reforçar a necessidade de ações interdisciplinares na área da saúde para a população universitária.
Quando questionados se já haviam se sentido sobrecarregados pelas atividades da universidade, apenas 1 participante afirmou não se sentir sobrecarregada, o que evidencia a relevância da análise da carga horária e programas voltados ao desenvolvimento discente. 11 participantes relataram que a sobrecarga afetou o aproveitamento das atividades oferecidas pela universidade. Como exemplos dos sinais da sobrecarga percebida pelos participantes destacam-se: cansaço físico, sensação de esgotamento mental, preocupação excessiva, alteração do sono e da alimentação, irritação, desânimo, gastrite nervosa, enxaqueca, crise de choro, tremores, suor e dermatite. Tais achados reforçam os dados da literatura referente aos sinalizadores do estresse (Lipp, 2003, 2009). Barnett e Cooper (2008) mostraram os efeitos adversos da privação do sono no desempenho cognitivo, no estado de humor e nas funções autonômicas e eletrofisiológicas. Tal achado vem reforçar os efeitos negativos de situações avaliadas como estressantes. Lipp (2003, 2009) e Rangé (2003) ressaltam que os maiores níveis de estresse são produzidos pelo indivíduo e que a sua percepção da realidade tem um papel central nesse processo (Lipp, 2003, 2009; Rangé, 2003). Portanto, o desenvolvimento do estresse será determinado não apenas pela característica do evento, mas também pela forma como o indivíduo interpreta sua realidade.
Os relatos ilustram tal situação: "Assim, eu sou bem estressada. Eu tenho manifestações claras, dermatite, por exemplo. A faculdade me deixou com dermatite sempre. Antes que era uma coisa que vinha e ia embora. Agora sempre tô com elas" (PP15, 4º ano). O impacto da exigência também fica evidente no relato de uma participante do quarto ano:"Muito cansaço [...] um esgotamento mesmo, tanto físico como mental. De você ter dor no corpo, principalmente no final do ano. Ter dor no corpo, acordar cansado, já acordar cansado e dormir mais cansada ainda. É nem ter ânimo para fazer nada" (PP7).
Ao serem questionados sobre a percepção da situação mais estressante, pode-se observar uma frequência alta de relatos relacionados ao ambiente acadêmico: 68,3% dos participantes relataram situações ligadas à exigência acadêmica (prazos, carga horária, atividades extracurriculares, provas, final de semestre); 22,7% dos participantes relataram situações ligadas à formação universitária, como frustrações quanto às matérias, ao curso e à estrutura da universidade. As características e contingências envolvidas no ambiente universitário como fatores potencias de estresse foram apontados nos estudos de Al-Dabal e colaboradores (2010), Phun e Santos (2010) e Montoya (2010).
As condições de moradia e problemas familiares foram apontados por uma participante (PP13, 4º ano) como as situações mais estressantes vivenciadas durante sua formação universitária. O exemplo ilustra tal situação: "Foi recentemente com essa falta de moradia (o momento mais estressante). Que eu tava pulando de casa em casa. E problemas com a família. E eu tava me vendo sozinha" (PP13, 4º ano). O presente relato deixa evidente a importância da assistência estudantil durante sua trajetória na universidade, aspecto amplamente explorado por Vargas (2011).
Com relação às estratégias de enfrentamento normalmente empregadas para manejo da tensão e estresse, a maioria dos participantes relatou que buscam lidar sozinhos, os demais relataram compartilhar os problemas com amigos, pais e namorados(as). Somente 2 relataram que, além da utilização das estratégias citadas acima, contaram com ajuda profissional (médica e/ou psicológica). A referente constatação reforça a relevância das redes de apoio e de assistência aos estudantes, aspecto apontado por Peres, Santos e Coelho (2003) e Millan e Arruda (2008).
O abandono ou adiamento da realização de atividade física ou de lazer pelos estudantes também merece destaque. 10 participantes relataram que deixaram de fazer atividade tais como: curso de inglês, curso de instrumento musical, sair com amigos e visitar familiares. O principal motivo alegado pelos participantes foi a falta de tempo. O participante 11, do quarto ano, destacou: "Logo que entrei na faculdade desisti de fazer aula de baixo que eu fazia. [...] E teve alguns momentos que eu comecei a fazer atividade esportiva. Parei alguns momentos porque a faculdade tava exigindo."; por sua vez o participante 13, do quarto ano, relatou: "Deixei de fazer exercício. Deixei até de me cuidar um pouco. Deixei de, sei lá, ler coisas que eu gostava. Deixei a música. Deixei tudo praticamente". Quando questionados sobre as atividades realizadas para relaxar, destacaram: assistir à televisão, tocar instrumento musical, dormir, jogar videogame, realizar atividades físicas, leitura, sair com familiares e amigos, ir à praia e "ficar sem fazer nada". Os aspectos apontados pelos participantes (11 e 13) retratam uma situação que merece atenção, o impacto das contingências do terceiro grau na saúde mental de seus estudantes (Calais et al., 2007; Millan & Arruda, 2008; Montoya et al., 2010).
Inventário de sintomas de stress para adultos
Dos 17 participantes da pesquisa, 9 não apresentaram estresse e 8 apresentaram na fase de resistência. Ao analisar a distribuição por sexo, verificou-se maior frequência entre participantes do sexo feminino (n=6), confirmando os achados da literatura (Brougham et al., 2009; Calais et al., 2007). Dentre os participantes que indicaram estresse (n=8), 5 apresentaram predominância de sintomas psicológicos, 2 apresentaram predominância de sintomas físicos e psicológicos e 1 de sintoma físico apenas. A fase de resistência tem como sintomas característicos a sensação de fadiga e dificuldades com a memória. Nesta fase o sistema imunológico é afetado, o que aumenta a chance de a pessoa adoecer (Lipp, 2003).
De acordo com a Tabela 2, há indícios de maior proporção de alunos com estresse no quarto ano. A diferença de 40 pontos percentuais não é desprezível. Com o emprego do teste exato de Fisher, obteve-se nível descritivo de 0,153. Considerando-se o tamanho reduzido da amostra, não se pode afirmar que as turmas de quarto e quinto anos diferem quanto à variável de estudo. A presente pesquisa não encontrou associação entre gênero e estresse (p = 0,376).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados desta pesquisa evidenciam a vulnerabilidade dos estudantes do quarto e quinto anos do curso de Psicologia ao desenvolvimento de estresse. Os achados permitem supor que demandas de moradia em repúblicas, adaptação às contingências de ensino e aprendizagem, necessidade de organização do tempo e de atividades e estabelecimento de novas relações interpessoais se apresentaram como fatores potencialmente estressantes para uma parcela significativa da população universitária. Tais achados reforçam, e possibilitam ampliar, a discussão do estudo de Montoya e colaboradores (2010). Pode-se supor que experiências semelhantes são observadas pelos demais estudantes. Como o próprio estudo apontou em seus achados, deve-se considerar não apenas o evento, mas também as características do próprio indivíduo, no processo de desenvolvimento ou não do estresse (Lipp, 2003; Lipp et al., 2005; Rangé, 2003). A utilização de um roteiro de entrevista semiestruturado, permitindo ao participante explorar com profundidade a temática investigada, bem como o emprego de um instrumento específico para mensuração dos níveis de estresse, Inventário de Sintomas de Stress para Adultos (ISSL), (Lipp, 2000), permitiram uma investigação mais elaborada do fenômeno em questão.
Deve-se ressaltar que os dados devem ser analisados com cautela tendo em vista o número de participantes e a seleção da amostra (séries finais). Portanto, investigações adicionais merecem ser realizadas. A reduzida composição da amostra e a não inclusão de participantes do primeiro, segundo e terceiro anos do curso de Psicologia devem ser considerados como limitações do estudo. Entretanto, deve-se considerar que se trata da primeira investigação do estresse entre universitários na instituição de ensino superior estudada. Adicionalmente, merece destaque o apoio do setor acadêmico e do corpo docente do curso de Psicologia para realização do presente estudo.
Para estudos posteriores seria de fundamental importância envolver os alunos de todos os anos do curso de Psicologia, ou ainda, pensando em uma proposta mais ampla, elaborar um protocolo que permitisse investigar o fenômeno do estresse entre alunos dos diferentes cursos e anos. Acredita-se que tal mapeamento poderia criar condições para o desenvolvimento de programas de apoio psicológico específicos para população universitária, bem como favorecer a discussão da assistência estudantil. O desenvolvimento de tais programas poderia favorecer não só a melhoria da qualidade de vida desta população como também favoreceria a motivação, a melhoria do desempenho e a permanência do aluno na universidade.
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Correspondência:
Av: Dr. Bernardino de Campos, 631, ap. 53. Campo Grande
Santos - SP. CEP: 11.065-003
Email: ricardopadovani@yahoo.com.br
Trabalho recebido em 6/7/2011
Universidade Federal de São Paulo - Campus Baixada Santista.