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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687
Rev. bras.ter. cogn. vol.7 no.2 Rio de Janeiro dez. 2011
ARTIGOS
Entrevista motivacional no tratamento de sobrepeso/obesidade: uma revisão de literatura
Motivational interviewing in the treatment of overweight/obesity: a literature review
Igor da Rosa FingerI; Juliana Rausch PotterII
IPsicólogo (PUCRS). Mestre em Psicologia pela PUCRS. Especialista em Terapia Cognitivo-comportamental (INFAPA). Professor do curso de graduação em Psicologia da ESADE - Laureate International Universities. Integrante do Núcleo Docente Estruturante do curso de Psicologia da ESADE - Laureate International Universities
IIPsicóloga (PUCRS). Especialista em Terapia de Casais e Família e em Terapia Cognitivo-comportamental (INFAPA). Psicóloga responsável pelo Serviço de Psicologia do Hospital da Criança Santo Antônio, do Complexo Hospitalar Santa Casa de Porto Alegre
RESUMO
A prevalência e a incidência do sobrepeso (SP) e/ou obesidade na população é elevada. A mudança comportamental em relação à comida ainda é difícil, até mesmo em casos nos quais foram utilizadas técnicas cirúrgicas, quando no estágio mais crítico da obesidade. A técnica da entrevista motivacional (EM), utilizada inicialmente para tratamento de dependência química, surge como possibilidade de incentivo à mudança comportamental duradoura em indivíduos com SP e obesidade. O presente artigo tem por objetivo revisar os resultados de estudos publicados entre 2008 e 2010 que aplicaram EM no tratamento de SP ou obesidade. Foram utilizados os descritores motivational interviewing e obesity (entrevista motivacional e obesidade) nas seguintes bases de dados: Academic Research Library, Academic Search Premier, CBCA Complete (ProQuest), CINAHL (EBSCO), Dissertations & Theses, Electronic Journals, Latin American Newsstand, Medical Library, ProQuest, Pubmed/Medline, Scielo e Web of Science. São apresentados resultados no tratamento infantil, adolescente e adulto, bem como pesquisas com resultados preliminares.
Palavras-chave: entrevista motivacional, obesidade, sobrepeso.
ABSTRACT
The prevalence and incidence of overweight and/or obesity in the population is high. The behavior change regarding food is still difficult, even in cases in which surgical techniques were used, during the most critical stage of obesity. The Motivational interviewing (MI) technique, first used to treat drug addiction, emerges as a possibility to encourage lasting behavioral change in individuals with overweight and obesity. This article aims to review the results of studies published between 2008 and 2010 which applied MI in overweight or obesity treatment. The descriptors motivational interviewing and obesity were searched in the following databases: Academic Research Library, Academic Search Premier, CBCA Complete (ProQuest), CINAHL (EBSCO), Dissertations & Theses, Electronic Journals, Latin American Newsstand, Medical Library, ProQuest, Pubmed/Medline, Scielo e Web of Science. Results in child, adolescent and adult treatment as well as researches with preliminary results are presented.
Keywords: motivational interviewing, obesity, overweight.
Há algum tempo o sobrepeso (SP) e a obesidade se tornaram problemas de saúde pública. Aspectos associados ao excesso de peso, tais como hipertensão, diabetes, colesterol elevado, asma e demais transtornos crônicos potencializam os problemas tanto em adultos quanto em crianças e adolescentes (Yamaki, Rimmer, Lowry, & Vogel, 2011). No Brasil, a prevalência de 20,9% de jovens com sobrepeso e 5% com obesidade (Terres, Pinheiro, Horta, Pinheiro, & Horta, 2006) é um dado alarmante. Em adultos brasileiros se encontram as seguintes taxas: 47% dos homens e 39% das mulheres com sobrepeso e 11%, para ambos, com obesidade (Gigante, Moura, & Sardinha, 2009).
Muito da definição, em pesquisas de prevalência, de estar ou não com SP ou obesidade é embasado no índice de massa corporal (IMC). O IMC é determinado por meio do cálculo de peso (em kg) sobre altura (em m) ao quadrado. Resultados entre 25 e 29,9 são considerados SP. A partir de 30, são considerados obesidade. Quanto à obesidade é incluída pela Classificação Internacional de Doenças (Organização Mundial da Saúde, 1993) como uma condição médica geral e, conforme o Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais (American Psychiatric Association, 2002), não tem classificação como transtorno mental, por não haver evidências consistentes de que seja uma síndrome psicológica ou comportamental. De toda forma, há um comportamento alimentar em pessoas de SP ou obesas que pode ser modificado, auxiliando na redução do peso e na normalização do IMC.
A terapia cognitivo-comportamental (TCC) tem sido utilizada, em pesquisas e na clínica, como auxiliar no tratamento da obesidade. Há resultados promissores em diversos estudos, indicando diminuição do IMC e alteração no modo e na quantidade da alimentação (Corbalán et al., 2009; Tsiros et al., 2008). Porém, ainda se tem resultados apenas em curto prazo, que não se mantêm a médio e a longo prazos (Dorsten & Lindley, 2008). O mesmo problema era visto em transtornos como dependência química ou outros comportamentos dependentes.
Uma possível justificativa para a falha na manutenção da mudança do comportamento está na ambivalência presente no paciente entre mudar ou não o comportamento alimentar. Muitas vezes, os pacientes acreditam não ter condições de mudar suas atitudes quanto ao comer e, com isso, não aderem ao tratamento com TCC. Um dos modelos clínicos que melhor trabalha com a ambivalência, fazendo dela uma aliada, não um objeto de resistência, é a entrevista motivacional (EM).
Segundo Miller e Rollnick (2001), a EM é um meio de ajudar as pessoas a reconhecerem e a fazerem algo a respeito de seus problemas presentes ou potenciais, sendo extremamente útil a pessoas que estejam ambivalentes quanto à mudança. Ainda que inicialmente tenha sido projetada para o tratamento de dependências químicas, a técnica pode ser utilizada em outros comportamentos dependentes, tais como jogo patológico (Carlbring, Jonsson, Josephson, & Forsberg, 2010) e transtornos da alimentação (Geller & Dunn, 2011), além de ansiedade generalizada (Angus & Kagan, 2009) e até depressão na adolescência (Brody, 2009). A maioria desses estudos apresenta a EM como a etapa inicial do tratamento, seguida da terapia cognitivo-comportamental (TCC). É importante ressaltar, porém, que a EM não é igual ou faz parte da TCC. De acordo com os próprios desenvolvedores da EM, ela não envolve ensinar novas habilidades, psicoeducar ou realizar a reestruturação cognitiva (características da TCC), e sim estimular, orientar à mudança, tendo uma base muito mais humanista do que comportamental ou da TCC (Miller & Rollnick, 2009).
A EM utiliza-se dos estágios da mudança propostos por Prochaska e DiClemente. São eles: pré-ponderação, ponderação, determinação, ação, manutenção e recaída. Ela é uma técnica centrada no paciente e tem por objetivo reforçar a motivação intrínseca para a mudança, sem críticas ou julgamentos por parte do entrevistador (Schwartz, 2010). O sucesso da EM dependerá da postura do terapeuta (sendo empático, evitando a argumentação, trabalhando com a resistência); da capacidade do terapeuta de desenvolver a discrepância, alimentando a ambivalência até o momento de o paciente ter que decidir pela mudança; e da promoção, por parte do terapeuta, da autoeficácia do paciente, tornando-o o maior responsável pelas mudanças de seus comportamentos (Miller & Rollnick, 2001).
Por saber da dificuldade em modificar o comportamento alimentar disfuncional crônico, acredita-se, a partir dos resultados com dependência química, que a EM pode auxiliar na melhora terapêutica do SP e da obesidade, tanto infantil quanto adolescente e do adulto. O objetivo deste artigo é apresentar uma revisão de estudos que utilizaram, em algum momento da intervenção, técnicas da EM para o tratamento de sobrepeso e obesidade, destacando aspectos favoráveis ou não ao uso da EM isolada ou em conjunto com a TCC e, dessa forma, motivar pesquisas no Brasil com a utilização dessa técnica.
MÉTODO
Entre outubro e novembro de 2010, realizou-se uma busca por artigos com os descritores motivational interviewing e obesity (entrevista motivacional e obesidade) que foram publicados de 2008 a 2010. Definiu-se esse período para localizar artigos extremamente atualizados. As bases de dados verificadas foram: Academic Research Library, Academic Search Premier, CBCA Complete (ProQuest), CINAHL (EBSCO), Dissertations & Theses, Electronic Journals, Latin American Newsstand, Medical Library, ProQuest, Pubmed/Medline, Scielo e Web of Science.
Ao total, 672 artigos foram localizados com esses descritores. Excluindo artigos repetidos em mais de uma base de dados, artigos anteriores a 2008 e que eram referentes a transtornos da alimentação no geral ou não específicos a SP ou obesidade, 16 artigos foram identificados. Os resultados apresentados a seguir referem-se a esses 16 estudos.
RESULTADOS
Encontraram-se nove estudos que avaliam o uso da EM em adolescentes ou crianças e sete que o avaliam em adultos. Para melhor apresentar os resultados, copilaram-se as pesquisas já realizadas em três grupos: um de adolescentes ou crianças, outro de adultos e um terceiro com pesquisas em andamento (tanto com adolescentes ou crianças quanto com adultos).
A EM no tratamento com crianças e adolescentes
Em um estudo-piloto de 18 semanas com o objetivo de verificar a eficácia da EM em um grupo de meninas em uma escola com um programa de incentivo a atividade física e a redução de peso, Flattum, Friend, Neumark-Sztainer e Story (2009) avaliaram 41 meninas entre 16 e 18 anos. Durante as aulas de educação física foram focadas a alimentação saudável, a prática de atividades físicas e o suporte social. Das 41 meninas, 20 receberam sessões individuais baseadas na EM. Dessas 20, 81% chegaram ao final do programa e 100% destas atingiram o objetivo de realização de atividades físicas, adequação alimentar e suporte social. Os autores fundamentam que a EM é um instrumento promissor que deve ser aplicado em escolas em programas de prevenção a SP e obesidade por ser bem aceita entre o público adolescente. Embora o foco do estudo seja o tratamento de SP e obesidade, o artigo não deixa claro quantas meninas da amostra de 41 estavam com SP ou obesidade, dificultando a generalização e uma melhor análise dos resultados.
Söderlund, Nordqvist, Angbratt e Nilsen (2008) focaram seu estudo na aplicação da EM por enfermeiros, buscando identificar as barreiras e facilidades de sua implementação em crianças. Onze enfermeiros infantis foram treinados por dois dias e praticaram seis meses de EM com crianças de 5 a 7 anos acompanhadas pelos pais. No decorrer dos seis meses, os enfermeiros tiveram quatro supervisões. A base de cálculo para avaliar a melhora na criança foi o IMC. Ao final do estudo, os enfermeiros reconheceram que a EM é um bom instrumento a ser utilizado para a diminuição do peso infantil, desde que os pais sejam cooperativos e estejam empenhados em relação à saúde dos filhos. Há falhas metodológicas nesse estudo, que focou apenas no contato com os enfermeiros, sem avaliar os pais ou as crianças, o que pode causar um viés muito grande no resultado.
Outro estudo com pouca clareza metodológica, realizado com 30 pacientes com idade média de 14,3 anos, sendo a maioria do sexo feminino, indica que o tratamento que utilizar o "espírito da EM" para redução de peso em adolescentes (observa-se que não há uma estrutura de sessão definida e sim um jeito terapêutico de atuar) tem mais sucesso na redução de peso do que o tratamento sem o espírito. Quanto ao espírito, deixa-se claro que se refere a atitude não diretiva do terapeuta, centrada no oferecimento de escolhas por parte do paciente, respeitando o momento no estágio motivacional (Pollak et al., 2009).
A EM no tratamento com adultos
Com o objetivo de estudar a influência da inclusão da EM em um guia padrão de autoajuda (GAA) no tratamento da perda de peso, DiMarco, Klein, Clark e Wilson (2009) avaliaram 39 pacientes de SP e obesidade, 7 homens e 32 mulheres, com idade entre 18 e 55 anos, e IMC entre 27 e 40. Como critério de exclusão, utilizaram: participação em outro programa de perda de peso, realização de cirurgia com o objetivo de reduzir o peso, condições médicas que incapacitam exercícios físicos, gravidez, sintomas depressivos (Inventário de Depressão de Beck, acima de 18), abuso de drogas e comportamentos purgativos mais de uma vez por mês.
Dividiu-se a amostra em dois grupos: um com seis sessões tradicionais do GAA mais duas sessões tradicionais focadas na motivação (os autores não deixam claro os conteúdos dessas sessões motivacionais tradicionais); e o outro com seis sessões tradicionais do GAA mais duas sessões usando a EM. Do total da amostra, 15 completaram o tratamento em grupo de autoajuda (GAA) mais EM e 11 só com o GAA. As únicas sessões diferentes nos grupos foram a 1ª e a 5ª (nelas, ou se tinha EM ou sessão focada na motivação), com duração de uma hora. No estudo, os autores não deixam claro em que exatamente diferem as técnicas motivacionais nos grupos. Só fica claro que no grupo de EM foi utilizada a balança decisional e, no outro grupo, sessões de encorajamento de perda de peso. As demais sessões eram iguais e tinham duração de 30 minutos.
Como resultado, constatou-se melhora no interesse alimentar e no controle da alimentação no grupo com EM, além de vantagem do grupo com EM em várias medidas de resultado (DiMarco et al. , 2009). Indivíduos do grupo GAA/EM experimentam maiores reduções nas preocupações alimentares (p. ex., o medo de perder o controle sobre a alimentação, a culpa de comer) do que aqueles no grupo GAA. Houve relatos de melhores escores no pós-tratamento naqueles que participaram do grupo GAA/EM. Mesmo com resultados promissores, os autores indicam limitações do estudo, tais como pequeno tamanho da amostra, o desequilíbrio entre os sexos nos grupos de tratamento e falta de dados de acompanhamento.
Rieger, Dean, Steinbeck, Caterson e Manson (2009) investigaram a eficácia da EM em um programa de modificação de estilo de vida para a manutenção da perda de peso e promoção de funções psicossociais de adultos obesos. Vinte e dois adultos obesos (IMC acima de 30) completaram 20 sessões semanais de TCC integrada com EM. O tratamento foi realizado em pequenos grupos. Três sessões foram especificamente centradas em EM (no início, no meio e no final), visando aumentar a motivação intrínseca do paciente para o controle do peso. O tratamento incluiu medição antropométrica, qualidade de vida, tendências para impulsividade ao comer, insatisfação com o corpo e cognições mal-adaptadas em relação ao pós-tratamento.
Ao final do tratamento, houve um decréscimo de peso dos pacientes. Os pacientes relataram melhora na qualidade de vida, diminuição na tendência impulsiva ao comer, diminuição da insatisfação com o corpo e cognições mal-adaptadas. Os autores fundamentam que a aplicação de EM em conjunto com a TCC resultou no sustento ou na manutenção da perda de peso contribuindo favoravelmente para a melhora da qualidade de vida. Porém, uma limitação do estudo foi não ter feito um grupo-controle de TCC sem a EM para fundamentar a afirmação de que a EM colabora para a melhora terapêutica.
A EM também foi utilizada em tratamentos via internet. Em um estudo piloto com 32 mulheres que desejavam reduzir o peso, Webber, Tate e Quintiliani (2008) estudaram a viabilidade e a aceitação da EM nos grupos de tratamento online. Todas receberam e-mails com tarefas e participaram de um grupo online por um período de oito semanas. Semanalmente eram avaliadas a motivação e a autoavaliação em relação ao seu peso. Como resultado, os autores observaram que aquelas que receberam a EM via internet (via chat) sentiram-se mais motivadas e perderam mais peso do que as que não a receberam. Com isso, os autores concluem que a EM é uma boa técnica para ser aplicada online a fim de manter a motivação e permitir a continuidade de perda de peso.
Ainda assim, há estudos que apresentam resultados não favoráveis à EM, indicando não haver alteração com seu uso ou não. Com o objetivo de avaliar o efeito motivacional a curto prazo em um programa de tratamento que utiliza a internet, McDoniel, Wolskee e Shen (2010) avaliaram 111 obesos, com idade média de 45,5 anos, sendo 62% deles mulheres, divididos em dois grupos. Em um dos grupos foram utilizadas duas sessões de EM. Não houve diferenças significativas entre os grupos em qualquer período de tempo da avaliação.
Em outro estudo que não apresentou resultados significativos, Befort e colaboradores (2008) objetivaram comparar a eficácia do uso de EM com mulheres afro-americanas e caucasianas. Quarenta e quatro mulheres obesas afro-americanas foram selecionadas para receber um programa de 16 semanas para mudança de comportamento acrescidas de sessões de EM ou de educação para a saúde. As afro-americanas de ambos os grupos melhoraram em alguns aspectos, como perda de peso e inclusão de vegetais na dieta. Porém, em relação à aderência ao programa de perda de peso, mudanças na dieta e atividade física, não houve diferença significativa entre as que receberam a EM e as que receberam apenas orientações para a saúde. Portanto, nesse estudo, não ficou clara a eficácia da EM em relação a outras técnicas comportamentais. Os autores justificam que é possível que a EM não se aplique a todos os grupos e, nesse caso, as dificuldades podem estar relacionadas a barreiras socioeconômicas e socioculturais (Befort et al., 2008).
Pesquisas em andamento
Na busca por estudos que cumprissem o objetivo deste artigo, observou-se a existência de pesquisas que apresentam apenas o desenho ou resultados preliminares, muitas delas longitudinais, que ainda não foram concluídas. Dessas, duas se destacaram: a primeira é um ensaio clínico randomizado controlado, que ainda está sendo realizado na Austrália, por Brennan, Walkley, Fraser, Greenway e Wilks (2008), com 63 adolescentes com idade entre 11,5 e 18,9 anos e seus pais. Os autores querem avaliar a eficácia da utilização de uma EM antes da TCC no tratamento para a mudança do comportamento alimentar resistente. Os integrantes participaram de uma EM ou uma entrevista de avaliação padrão semiestruturada e foram, então, aleatoriamente designados para uma intervenção cognitivo-comportamental ou permaneceram na lista de espera, tornando-se o grupo-controle. A TCC foi constituída de 13 sessões, sendo uma por telefone, mais nove sessões de manutenção, sendo sete por telefone. A avaliação foi feita antes da TCC, após a TCC e após a manutenção. O resultado primário era a melhora na composição corporal. Houve apenas uma sessão de EM ou de avaliação. Trinta e quatro jovens fizeram entrevista de avaliação. Desses, 23 fizeram TCC e 11 ficaram em lista de espera. Os resultados ainda não foram publicados, mas os autores esperam que o uso da EM venha aumentar a motivação para mudar, melhorando o resultado do tratamento.
Em outra pesquisa em andamento, focada nos pais de crianças de 4 a 8 anos com SP, que tem como objetivo comparar a EM com consulta usual, 1.500 crianças foram triadas e seus pais preencheram questionários sobre práticas alimentares, atividade física, dieta, motivação dos pais e dados demográficos. O retorno da avaliação das crianças com sobrepeso ou obesidade foi dado a alguns pais por meio de entrevista tradicional e, para outros, por meio da EM. Em um segundo momento, após avaliação de segmento, uma parcela dos pais será acompanhada por consultas comuns com um único profissional e outro grupo de pais receberá uma única entrevista e orientações de vários experts, sendo acompanhados ao longo de um e dois anos via telefone. Os autores da pesquisa objetivam observar, no retorno da avaliação quanto à saúde do filho, se a utilização da EM interferiu positivamente na redução do peso ao final de dois anos (Taylor et al., 2010). Ainda não há resultados, mas os autores esperam, por meio da EM, poder identificar com maior facilidade os entraves observados pelos pais na alimentação dos filhos e motivá-los a encontrar estratégias de enfrentamento para a mudança no estilo alimentar de seus filhos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nos estudos apresentados, é quase unanimidade apresentar a EM como uma excelente ferramenta para auxiliar no tratamento de obesidade, embora ainda faltem evidências mais concretas disso (Limbers, Turner, & Varni, 2008). A maioria dos estudos levantados apresenta falhas metodológicas que dificultam a análise e a generalização dos resultados. Os artigos, por exemplo, não clarificam como foi a intervenção da EM, exigindo que se suponha ter ao menos utilizado as características básicas da EM desenvolvidas por Miller e Rollnick (2001). O máximo que os estudos informam é a quantidade de sessões (e muitos deles apresentam resultados embasados em uma sessão de EM). A mesma dificuldade metodológica foi encontrada por DiRosa (2009) em sua metanálise sobre o tema. Ainda assim, DiRosa encontrou, em termos de eficácia geral, um efeito moderado da EM em todos os resultados, com uma taxa de sucesso de 57%. Pela metanálise da autora, a EM foi mais eficaz na mudança de comportamento alimentar, podendo-se concluir que a EM tem potencial para ser um tratamento eficaz para a obesidade.
Reforça-se a ideia de a EM não ser uma TCC, ainda que os estudos apresentandos nesse artigo em grande parte a apresentam antecedente à TCC, pois não tem as mesmas bases teóricas e técnicas para a modificação do comportamento (Miller & Rollnick, 2009). Sugere--se que a crescente publicação de estudos unindo os dois modelos demonstre o quanto um potencializa o outro na mudança do comportamento, ainda que a base teórica seja diferente,,mas não oponente.
Faz-se necessária a realização de mais pesquisas, com criação de protocolos específicos para crianças e adolescentes e outros para adultos, respeitando as características do ciclo vital e potencializando o resultado da EM (Suarez & Mullins, 2008). Rosnicow, Davis e Rollnick (2006) vão além e sugerem que os princípios para aplicação da EM deveriam estar presentes em manuais de orientação para todas as profissões da área da saúde, não apenas psicólogos ou psiquiatras.
Outro aspecto a se destacar nos estudos revisados, e que resulta em grande interferência nos resultados, é a falha no treinamento dos aplicadores. Aplicar a EM não é fácil, exigindo bastante estudo e dedicação, não podendo ser baseada apenas no "espírito de EM" (Suarez & Mullins, 2008). O resultado positivo do uso de EM no tratamento de SP e obesidade está diretamente relacionado ao estilo pessoal daquele que a aplica. É importante que o profissional tenha a capacidade de transmitir a mensagem de motivação ao paciente, e isso depende muito de qualidades pessoais, além de treinamento na técnica. Na maioria dos estudos, a formação desses profissionais não era clara e o controle de qualidade também foi um problema em muitos casos. Portanto, o efeito negativo encontrado em alguns estudos pode ser decorrente da inexperiência da pessoa que realizou a entrevista (DiRosa, 2009).
A aplicação da EM para transtornos da alimentação na infância sempre deve passar primeiro pela motivação dos pais e a conscientização de que têm um filho acima ou abaixo do peso esperado. O primeiro aspecto no sucesso do tratamento com crianças é fazer com que os pais reconheçam o problema. Destaca-se a presença considerável de artigos com divulgação de resultados preliminares e/ou sem conclusão, o que demonstra o quão recente e merecedor de foco em pesquisas é esse assunto.
Não foi objetivo deste artigo apresentar a EM como a solução para o tratamento de SP ou obesidade, e sim, de apresentá-la, sendo ela tão eficaz na modificação de comportamentos difíceis, como uma boa opção no incentivo ao início de um tratamento de redução de peso ou na manutenção do tratamento. Pouco sobre a utilização de EM em SP ou obesidade é estudado no Brasil (nessa revisão não se encontrou nenhum estudo), o que deve ser objeto de reflexão, pois a EM é utilizada no País com muito sucesso em outros estudos. Espera-se que, a partir desta revisão, novas pesquisas com população brasileira e metodologia bem definida sejam feitas, a fim de confirmar a eficácia (ou não) da EM no tratamento de obesidade e SP.
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