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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746
Rev. bras.ter. cogn. vol.16 no.1 Rio de Janeiro jan./jun. 2020
https://doi.org/10.5935/1808-5687.20200004
ARTIGOS DE REVISÃO REVIEW ARTICLES
As contribuições da terapia cognitivo-comportamental para a prevenção do suicídio em pacientes com depressão: revisão narrativa
The contributions of cognitive-behavioral therapy for the prevention of suicide in patients with depression: narrative bibliographical review
Priscila Vargas Gatti; Ana Irene Fonseca Mendes
Universidade de Araraquara, Pós-graduação em Psicologia Clínica - Terapia Cognitivo Comportamental - Araraquara - SP - Brasil
RESUMO
O suicídio é considerado um problema de saúde pública e o Brasil está em oitavo lugar no ranking de países com os maiores índices de suicídio. A Terapia Cognitivo-Comportamental tem sido intensamente indicada para o tratamento de diversos transtornos psicológicos e faz-se necessário avaliar também a sua eficácia para a prevenção do suicídio. Essa pesquisa visou identificar, reunir e analisar as contribuições da TCC para a prevenção do suicídio em pacientes com depressão, investigando as principais estratégias e técnicas e verificando a eficácia desta terapia. Trata-se de uma revisão narrativa em que foram selecionados e analisados cinco artigos. Diversas estratégias e técnicas foram encontradas, entre elas: psicoeducação, aprimoramento da rede social de apoio, conceituação cognitiva, reestruturação cognitiva, treino de habilidades sociais, treino de habilidades de resolução de problemas, estabelecimento de planos de segurança e controle de impulsos. A eficácia da Terapia Cognitivo-Comportamental para a prevenção do suicídio também foi comprovada. Ficou evidente que existem poucos estudos em língua portuguesa que unam Terapia Cogntivo-Comportamental e prevenção do suicídio. Portanto,essa revisão narrativa pretende servir de alerta para a necessidade de mais pesquisas nesse âmbito.
Palavras-chave: Suicídio; depressão; Terapia Cognitivo-Comportamental.
ABSTRACT
Suicide is considered a public health problem and Brazil is in eighth place in the ranking of countries with the highest suicide rates. A Cognitive-Behavioral Therapy has been intensely indicated for the treatment of several psychological disorders and it is also necessary to evaluate its effectiveness to prevent suicide. This research allows to identify, gather and analyze how CBT contributions to suicide prevention in patients with depression, investigating the main strategies and techniques and verifying the effectiveness of this therapy. It is a narrative review in which five articles were selected and analyzed. Several strategies and techniques were presented, among them: psychoeducation, improvement of the social support network, cognitive conception, cognitive restructuring, training of social skills, training of problem solving skills, establishment of security plans and impulse control. The effectiveness of Cognitive-Behavioral Therapy for preventing suicide has also been proven. It was evident that there are few studies in Portuguese that are not Cognitive-Behavioral Therapy and Suicide Prevention. Therefore, this narrative review should serve as an alert to the need for more research in this area.
Keywords: Suicide; Depression; Cognitive Behavioral Therapy.
INTRODUÇÃO
O suicídio pode ser definido como o ato deliberado executado pelo próprio indivíduo, com a intenção de morte, de forma consciente e intencional, ainda que possa ser ambivalente, usando um meio que o indivíduo acredita ser letal. Este é um fenômeno complexo e que foi observado em toda a história da humanidade e em todas as culturas. O Brasil está em oitavo lugar no ranking de países com os maiores índices de suicídio (CFM/ABP, 2014).
Dados indicam que, no Brasil, as maiores taxas de suicídio estão nos seguintes estados (em ordem decrescente): Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Mato Grosso do Sul. Já as menores taxas estão nos estados do Pará, Alagoas e Bahia (Silva, Prates, Cardoso & Rosas, 2018). As taxas de suicídio são mais altas entre pessoas com idade acima dos 70 anos de idade. Em alguns países, os jovens lideram as taxas e isso coloca o suicídio como a segunda principal causa de morte entre jovens com idade entre 15 e 29 anos (WHO, 2014).
O ato de suicídio é composto por uma série de comportamentos. Primeiramente, temos os pensamentos, ou ideação suicida, seguido pelo planejamento, que são comportamentos autoagressivos não fatais, a tentativa de suicídio e o suicídio propriamente dito. Em relação às mentes suicidas, a OMS (2014) destaca três características: a ambivalência, que pode ser entendida como uma contradição entre o desejo de morrer e o desejo de viver, a impulsividade, já que o desejo de morrer pode ser transitório, indo e vindo, e a rigidez, pois as pessoas com tendências suicidas não são capazes de perceber outras formas de sair do problema, pensando constantemente em suicídio.
Existem muitos mitos em torno do comportamento suicida. Dentre os mais comuns podemos destacar:a crença de que o suicídio é uma decisão individual baseada no livre arbítrio, acreditar que as ameaças são evidências de que a pessoa está apenas querendo chamar a atenção e não há risco de suicídio de fato e acreditar que falar sobre o suicídio é uma forma de incentivar as pessoas a tirarem a própria vida e que, portanto, o tema deve permanecer encoberto (CFM/ABP, 2014).
Dados mostram ainda que homens cometem mais suicídio do que mulheres, mas, as mulheres comentem mais tentativas do que os homens (Abreu, Lima, Kohlrausch, & Soares, 2010) Além disso, a maioria das pessoas que comete suicídio possui um transtorno mental diagnosticável, sendo que a depressão é o diagnóstico mais comum em casos consumados de suicídio (Bertolote, 2000; WHO, 2014). Muitos estudos têm demonstrado que a maioria dos suicídios acontece quando há a presença de um transtorno psicológico, sendo a depressão o transtorno mais comum (Santos, Lovisi, Legay, & Abelha, 2009; Zatti, et. al, 2015). Na pesquisa realizada por Pires, Raposo, Pires, Sougey e Bastos Filho (2012), 98,2% dos 110 pacientes atendidos por tentativa de suicídio no Centro de Atendimento Toxicológico do maior hospital de Pernambuco apresentavam pelo menos um transtorno psicológico.Também é comum que entre as pessoas que consumaram suicídio, existisse algum transtorno mental não tratado ou tratado de forma inadequada (Bertolote & Fleishmann, 2002).
Pesquisas que objetivam identificar as representações sociais do suicídio têm demonstrado que o ato costuma ser associado a questões como: falta de fé em Deus (Cantão & Botti, 2017; Morais & Sousa, 2011), pecado, covardia e loucura (Ballesteros, et. al, 2010), fraqueza (Vieira, Saraiva, & Coutinho, 2010). Nota-se que são representações sociais que não dão abertura a um diálogo acolhedor, fazendo com que essas pessoas se sintam desamparadas.
Ao entrevistarem profissionais de saúde, Marquetti e Marquetti (2015) observaram que as falas sobre suicídio costumam negar e distanciar o tema, os entrevistados se referem às pessoas que cometem suicídio como pessoas doentes e incomuns. Os pesquisadores concluíram que o caráter de transgressão que se atribui ao ato suicida pode levar ao afastamento que, por sua vez, impossibilita que as pessoas percebam os sinais que os suicidas revelam no cotidiano.
Atualmente, o suicídio é considerado um problema de saúde pública e sua prevenção é uma tarefa difícil, já que um dos maiores desafios é identificar o risco de suicídio (Quevedo & Carvalho, 2014). Portanto, é importante compreender que o fenômeno é a consequência final de um processo, já que se trata de um comportamento com determinantes multifatoriais que resulta de uma complexa interação entre fatores psicológicos, sociais, culturais, biológicos e genéticos, não sendo possível indicar uma razão específica (CFM/ABP, 2014).
No entanto, alguns sinais podem ser observados: comportamento retraído, inabilidade para se relacionar com a família e os amigos, transtornos psiquiátricos, alcoolismo, ansiedade ou pânico, mudança de personalidade, irritabilidade, pessimismo, depressão ou apatia, alterações de sono e apetite, tentativa de suicídio anterior, sentimento de culpa, de solidão, de impotência, de desesperança, de desvalorização ou vergonha, perda recente importante, histórico familiar de suicídio, desejo súbito de concluir os afazeres pessoais, organizar documentos, doença física e menção repetida de morte ou suicídio, perda de emprego, mudança da área rural para a área urbana, mudança de região ou de país e acontecimentos estressantes no geral, como separações, perdas, luto, problemas financeiros e aposentadoria (Bertolote, 2000; OMS, 2014).
Ainda assim, é importante mencionar que a categoria de pacientes suicidas não é homogênea. Na verdade, existem muitos fenótipos diferentes de pacientes que se engajam em atos suicidas.Wenzel, Brown e Beck (2010) afirmam que existem pelo menos dois tipos de pacientes suicidas, aqueles que são caracterizados por uma sensação penetrante de desesperança e um forte desejo de morrer e, por outro lado, aqueles que tem dificuldade de regular o humor e o comportamento impulsivo, ou que fazem sua tentativa para comunicar algo aos outros.
O Transtorno Depressivo Maior é caracterizado por episódios de pelo menos duas semanas de duração, sendo que a maioria dos episódios duram consideravelmente mais do que isso. Os sintomas incluem humor deprimido, perda de interesse ou de prazer, alterações de peso e sono, fadiga, sentimento de inutilidade ou culpa e diminuição da capacidade de pensar ou de se concentrar (APA, 2014).
A Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) tem sido intensamente indicada para o tratamento de diversos transtornos psicológicos, dentre os quais está a depressão (Beck, 1997; Sudak, 2012). Portanto, faz-se necessário avaliar também a eficácia da TCC para o manejo da ideação suicida e, consequentemente, para a prevenção do suicídio. Conhecer as técnicas mais indicadas para esses casos é essencial para garantir que os terapeutas cognitivos- comportamentais prestem um trabalho de qualidade e contribuam para a melhora desses pacientes.
Resumidamente, o modelo cognitivo entende que não são as situações em si, mas a interpretação que se faz dos eventos que determina a forma como nos sentimos, ou seja, diante das situações, as pessoas interpretam e reagem de acordo com suas interpretações. O problema surge quando essas interpretações estão distorcidas, devido a crenças disfuncionais, podendo provocar comportamentos disfuncionais. No caso da depressão, a tríade cognitiva tende a se tornar negativa, logo, entende-se que pessoas com depressão estão interpretando o mundo a sua volta de forma falha (Wenzel, Brown, & Beck, 2010).
A tríade cognitiva é composta pela visão de si, visão de mundo e visão de futuro. A visão que as pessoas com diagnóstico de depressão possuem de si mesmas tende a incluir a percepção de ser anormal, defeituoso, falho e sem valor. Já a visão de mundo, ou dos outros, carrega uma tendência a analisar de forma negativa suas experiências, interpretando suas interações com o ambiente e tendendo sempre para a derrota. O terceiro componente da tríade cognitiva, a visão do futuro, também se torna disfuncional e incluí desesperança e a antecipação de frustrações e dificuldades (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1997).
Em TCC, compreendemos as crenças como determinantes em todos os quadros mentais. No caso da ideação suicida, a crença de desesperança merece destaque, já que é a distorção mais prevalente em pacientes com depressão (Medeiros & Sougey, 2010). A desesperança é considerada um sintoma central da depressão e é especialmente danosa por apresentar comportamentos desadaptativos (Wright, Sudak, Turkingdon, & Thase, 2012). Essa desesperança em relação ao futuro é tão forte que leva o paciente a pensar no suicídio como uma solução, ou seja, o suicídio passa a representar um alívio (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1997).
A desesperança pode ser compreendida como uma tendência de prever um futuro sem expectativas (Beck, 1997). Portanto, é indispensável que os terapeutas estejam preparados para lidar com a desesperança no paciente, conhecendo técnicas, estratégias e posturas que favoreçam um tratamento eficaz para quadros de ideação suicida.
Além da desesperança, Medeiros e Sougey (2010) também identificaram que as distorções de pensamento de hipocondria, ideias de fracasso e desejo de morte também são frequentes em pacientes deprimidos. Dentre os pensamentos automáticos mais comuns em pessoas com crença de desesperança estão: 'Eu não tenho nada, as coisas nunca irão melhorar', 'Não há razão para viver', 'Eu não suporto a vida', 'Jamais serei feliz','Eu sou um peso para meus familiares, é melhor que fiquem sem mim' e 'Só existe uma saída' (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1997).
Durante o processo psicoterapêutico da TCC, terapeuta e paciente trabalham juntos e o objetivo é ensinar o paciente a identificar e modificar suas crenças e pensamentos disfuncionais, buscando desenvolver processos conscientes e adaptativos de pensamento, por meio de pensamentos racionais e resolução de problemas (Wright, Brown, Thase, & Basco, 2008). As estratégias também devem visar a modificação da ideação suicida e o aumento da esperança (Wright, Sudak, Turkingdon, & Thase, 2012).
Portanto, a Terapia Cognitivo-Comportamental pode ser compreendida como uma abordagem que visa auxiliar os pacientes a desenvolverem estratégias para avaliar as informações antes que estas informações sejam integradas aos esquemas negativos. Essa avaliação prévia diminui a força das estruturas cognitivas e ajuda no desenvolvimento de estruturas cognitivas mais adaptativas (Wenzel, Brown, & Beck, 2010).
É a partir dessas características cognitivas que os terapeutas cognitivos- comportamentais elaborarão o tratamento. A questão que será respondida neste trabalho é: Quais são as contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental para a prevenção do suicídio? Tudo isso torna a presente pesquisa relevante e pertinente, pois contribui para a compreensão da eficácia da TCC na prevenção do suicídio, fornecendo um aporte para os profissionais da área.
MÉTODO
A presente pesquisa trata-se de uma revisão bibliográfica narrativa que objetivou identificar e analisar as contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental para a prevenção do suicídio em pacientes diagnosticados com depressão. Revisões narrativas são publicações apropriadas para descrever e discutir o desenvolvimento de determinado assunto, não sendo objetivo desse tipo de publicação sistematizar ou informar o processo de busca e seleção do material a ser analisado. Por se tratar de uma revisão qualitativa que permite ao leitor adquirir e atualizar o conhecimento sobre determinado tema, essa categoria de pesquisa não possui metodologia que permita a replicação dos dados ou uma análise quantitativa (Rother, 2007).
Foram selecionados artigos que mantivessem relação direta com a temática pesquisada, ou seja, artigos que tratassem da eficácia e das contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental na prevenção do suicídio em pacientes diagnosticados com depressão. Dessa forma, após a leitura dos resumos dos artigos encontrados, foram excluídos aqueles que não possuíam relação direta com o tema.
O intuito dessa pesquisa foi reunir e analisar materiais que tratassem das contribuições da TCC para a prevenção do suicídio em pacientes com depressão. Afinal, poucos estudos e pesquisas têm se dedicado a testar a eficácia da TCC nesses casos. Desejou-se, aqui, elaborar um estudo da arte, para compreender o desenvolvimento atual desses conhecimentos.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Para fazerem parte desta revisão, foram selecionados cinco artigos publicados no período de 2009 a 2018, em língua portuguesa, que tratam sobre as contribuições da TCC na prevenção do suicídio em pacientes diagnosticados com depressão. Dos cinco artigos selecionados para compor essa análise, três são sobre depressão, sendo um caso clínico, uma revisão narrativa e uma revisão da TCC na modalidade grupal para pessoas com depressão, e dois são diretamente sobre suicídio, sendo um ligado ao manejo da desesperança e dos pensamentos suicidas e um especificamente sobre a técnica da Resolução de Problemas.
Os três primeiros artigos selecionados não tratam diretamente sobre suicídio, mas foram incluídos aqui por apresentarem algumas contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) para o tratamento da depressão, o que condiz com o objetivo desse estudo, que visa reunir as contribuições da TCC para a prevenção do suicídio em pacientes com depressão. Esses artigos foram incluídos nessa revisão também porque percebemos que seria inviável fazer uma revisão com critérios muito fechados. Afinal, há poucos artigos que visam associar TCC e prevenção do suicídio. Para compor essa revisão, incluímos também um artigo que trata de uma técnica específica, a técnica de Resolução de Problemas, que é utilizada dentro da Terapia Cognitivo-Comportamental.
Com isso, ampliamos nosso foco e pretendemos contribuir para a elaboração de uma revisão da TCC para a prevenção do suicídio em pacientes com o diagnóstico de depressão. Constam no Quadro 1 as características gerais dos cinco artigos selecionados. A título de organização, os artigos serão enumerados de 1 a 5.
No Quadro 2, constam características específicas dos artigos, incluindo transtornos ou sintomas pesquisados, abordagens terapêuticas, técnicas e estratégias analisadas. A numeração dos artigos segue a numeração do Quadro 1.
Camargo e Andretta (2013), visando demonstrar os efeitos da TCC no enfrentamento do Episódio Depressivo Maior, apresentam um estudo de caso em que uma mulher de 31 anos de idade foi atendida em uma clínica escola por uma estagiária do curso de psicologia através do referencial teórico Cognitivo-Comportamental.
Foram realizadas 20 sessões e, a partir da aplicação de técnicas cognitivas e comportamentais, ao fim do processo terapêutico, a paciente estava apta para ser sua própria terapeuta, havia aprendido a identificar, questionar e modificar seus pensamentos e apresentava remissão completa, ou seja, não apresentava nenhum sintoma de Episódio Depressivo Maior, atestando a eficácia da TCC no tratamento de sintomas depressivos (Camargo & Andretta, 2013).
Carneiro e Dobson (2016), visando apresentar uma revisão narrativa sobre as evidências e a aplicabilidade de diferentes técnicas cognitivo-comportamentais no tratamento dos transtornos do humor, analisaram a teoria cognitivocomportamental tradicional, a teoria de ativação comportamental, a prática de Mindfulness e a utilização de dispositivos on-line. Os autores concluíram que todas as técnicas se mostraram eficazes no tratamento da depressão.
Os autores também concluíram que as técnicas baseadas em TCC despontam nas evidências, sendo que a ativação comportamental e a TCC obtiveram evidências suficientes para serem classificadas como tratamentos de primeira linha. Das técnicas apresentadas, a TCC é a única que demonstra resultados que comprovam sua eficácia no tratamento de todos os três estágios da depressão (Carneiro & Dobson, 2016).
No estudo realizado por Carneiro e Dobson (2016) os autores encontraram evidências de que a prática de Mindfulness pode ser útil no tratamento da depressão, apesar de perceberam que ainda há a necessidade de mais estudos nesse sentido. O Mindfulness pode ser definido como uma forma de estar plenamente atento ao momento presente. A premissa básica é que quando não estamos vivendo o momento presente, mas apenas vivendo no piloto automático, estamos promovendo modos rígidos e limitados de reagir ao ambiente, não permitindo que lidemos de maneira flexível com os eventos.
Já no que diz respeito à Terapia Cognitivo-Comportamental em sua modalidade grupal, Freitas e Rech (2010) concluíram que, nessa modalidade, um número menor de sessões é necessário. A TCC em sua modalidade grupal apresenta evidências e pode ser considerada como um modelo eficaz de tratamento para depressão. No entanto, os autores apontam para a importância da avaliação de forma individual.
Marback e Pelisoli (2014) concluíram que, em geral, indivíduos que apresentam intenção suicida, possuem crença de desesperança. A desesperança é uma crença caracterizada pela visão de um futuro vazio e sem perspectivas. Os autores afirmam que o terapeuta pode vir a se tornar um alicerce para o paciente, gerando esperança no indivíduo com risco de suicídio. Para isso, o terapeuta se utiliza de técnicas da TCC.
Dentre as técnicas utilizadas, podemos destacar a elaboração de uma lista de problemas e metas e o treino de habilidades para resolução de problemas. Essas técnicas se fundamentam pela importância de mostrar ao paciente com ideação suicida que há outras formas de resolver seus problemas, já que uma das características comuns em pacientes suicidas é a rigidez cognitiva, que faz parecer que o suicídio é a única solução (Wenzel, Brown, & Beck, 2010). A rigidez também é uma das características das mentes suicidas que a OMS (2014) destaca.
Somado a isso, Marback e Pelisoli (2014) apontam para a importância de auxiliar o paciente a perceber que existem razões para viver, diminuindo assim a desesperança. Além de reduzir a crença de desesperança, também é importante reduzir a impulsividade. Afinal, a impulsividade é outra das características das mentes suicidas destacadas pela OMS (2014), colocando o desejo de morrer como um elemento transitório.
Já Coronel e Werlang (2010) concentram sua análise na técnica da Resolução de Problemas, partindo da premissa de que o indivíduo que atenta contra a própria vida não consegue modificar sua estratégia para resolver os problemas, o que contribui para a chamada rigidez cognitiva, com pensamento dicotômico. Isso favorece o comportamento suicida na medida que torna mais difícil para esses pacientes pensar em soluções para seus problemas, fazendo-os recorrer ao suicídio. As contribuições feitas nesta pesquisa corroboram com a importância da técnica de treino de habilidades para resolução de problemas.
Um protocolo de intervenção para prevenção ao suicídio, que tenha como base a Terapia Cognitivo-Comportamental, deve unir as técnicas mais eficazes no tratamento da depressão, assim como as técnicas empregadas na modificação da crença de desesperança e as estratégias mais empregadas na prevenção ao suicídio, favorecendo assim a criação de um modelo específico em seus objetivos e amplo em suas contribuições.
Um processo psicoterapêutico deve sempre começar com a avaliação. No caso de Terapia Cognitivo-Comportamental, além da avaliação psicológica, com auxílio de manuais diagnósticos, também é preciso fazer a avaliação cognitiva, visando identificar os elementos do modelo cognitivo, como crenças centrais, crenças intermediárias e pensamentos automáticos, e a avaliação de sintomas emergentes e o risco de suicídio. Existem diversos instrumentos que avaliam depressão, desesperança e ideação suicida como, por exemplo, o Inventário de Depressão de Beck, a Escala de Desesperança e a Escala de Ideação Suicida (Marback & Pelisoli, 2014).
Nos artigos selecionados nesta pesquisa, as técnicas e estratégias mais frequentemente mencionadas foram: avaliação psicológica e cognitiva, avaliação do risco de suicídio, identificação de problemas e metas, psicoeducação, busca de ferramentas cognitivas para identificar razões para viver e promover esperança, aumento de atividades prazerosas, auxiliar no aprimoramento da rede social de apoio, conceituação cognitiva, reestruturação cognitiva, treino de habilidades sociais, treino de habilidades de resolução de problemas, estabelecimento de planos de segurança, controle de impulsos e prevenção de recaídas (Coronel & Werlang, 2010, Freitas & Rech, 2010, Camargo & Andretta, 2013, Marback & Pelisoli, 2014, Carneiro & Dobson, 2016).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Poucas pesquisas e estudos em língua portuguesa têm sido realizados visando identificar as contribuições da Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC) para a prevenção do suicídio. Nesta revisão, selecionados cinco artigos que, por diferentes meios, comprovam que a TCC é eficaz nesses casos. No entanto, a escassez de pesquisas empíricas que visem avaliar a eficácia da TCC em pacientes com ideação suicida demonstra que esse ainda é um campo que precisa ser trabalhado para que os profissionais possam ter mais embasamento em suas atuações.
Os artigos selecionados mencionam diferentes técnicas e estratégias que podem ser úteis para prevenir o suicídio, como a psicoeducação, a promoção de esperança, o aumento de atividades prazerosas, o aprimoramento da rede social de apoio, a conceituação cognitiva, a reestruturação cognitiva, o treino de habilidades sociais, o treino de habilidades de resolução de problemas, os planos de segurança e o controle de impulsos. Com isso, podemos concluir que existe uma ampla variedade de técnicas cognitivas e comportamentais das quais os psicólogos podem fazer uso quando necessário, contribuindo para a diminuição do risco de suicídio em pacientes com depressão e outras comorbidades.
O suicídio ainda é um tema tabu mesmo entre profissionais de saúde. Portanto, precisamos estudar e buscar compreender melhor esse fenômeno, assim como precisamos estar preparados para essa demanda na clínica. Apesar da existência de debates acerca do suicídio ser ou não evitável, precisamos nos ater ao fato de que existem dados que comprovam que a ideação suicida pode ser eliminada com a intervenção correta.
A presente pesquisa pode servir como uma base para começarmos a entender a importância da TCC na prevenção do suicídio. A partir de agora, mais pesquisas precisam ser realizadas para investigar mais a fundo a eficácia dessa linha de atuação, assim como é necessário desenvolver protocolos de intervenção eficazes para esses casos.
A nossa esperança é que a presente pesquisa sirva como um alerta aos profissionais de psicologia e que, a partir disso, possamos estar mais atentos a esse preocupante problema de saúde pública. Além disso, por meio das técnicas e estratégias encontradas nos estudos selecionados, esperamos que os resultados dessa pesquisa sirvam como proposta de modelo de intervenção.
A presente pesquisa conseguiu cumprir com seus objetivos ao identificar as contribuições, por meio de estratégias e de técnicas, da Terapia Cognitivo-Comportamental para a prevenção do suicídio em pacientes com diagnóstico de depressão, além de fornecer dados que comprovam a eficácia da TCC nesse sentido.
Como limitações desta pesquisa destacamos especialmente o fato de se tratar de uma revisão narrativa. Uma revisão sistemática se fez improvável por conta do pouco número de pesquisas encontradas sobre esse tema.
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Correspondência:
Priscila Vargas Gatti
E-mail: priscilavgatti@hotmail.com
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 20 de Junho de 2020. cod. 16.
Artigo aceito em 27 de Agosto de 2020.