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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas
versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746
Rev. bras.ter. cogn. vol.16 no.2 Rio de Janeiro dez. 2020
https://doi.org/10.5935/1808-5687.20200012
ARTIGOS DE REVISÃO REVIEW ARTICLES
Esquemas iniciais desadaptativos e o consumo de álcool: uma revisão sistemática
Early desadaptive schemas and alcohol consume: a sistematic review
Flavia Salomoni Mansano; Karen Priscila Del Rio Szupzynski
Universidade Federal da Grande Dourados, Programa de Pós Graduação em Psicologia - Dourados - Mato Grosso do Sul - Brasil
RESUMO
O consumo de álcool entre jovens tornou-se um padrão na sociedade e os níveis de consumo mostram que este comportamento de risco pode levar a dependência da substância. Compreender qual a relação existente entre os Esquemas Iniciais Desadaptativos e o consumo pode colaborar para desenvolvimento de ações preventivas, além de nortear pesquisas empíricas futuras. Objetivos: Verificar os achados relacionados ao tema e compreender quais correlações existem entre os Esquemas Iniciais Desadaptativos e o consumo de álcool. Método: Foi feita revisão sistemática de artigos científicos dos últimos 10 anos, utilizando as bases de dados Scielo, PePSIC, LiLaCs e PubMED. Foram incluídos artigos de pesquisas empíricas e uma revisão narrativa, e os critérios de seleção utilizados foram tipo de amostra, instrumentos utilizados e discussões pertinentes ao tema. Resultados e Discussão: Foram encontrados poucos artigos na temática, principalmente no Brasil. Observações sobre metodologias e limitações são comentadas em todos os artigos, como heterogeneidade dos gêneros dos participantes, recorte transversal, características das amostras ou a questão do número/tipo de amostra. É enfatizada a necessidade de futuras pesquisas sobre a mesma temática, bem como as implicações positivas para o desenvolvimento de tratamentos mais efetivos na área.
Palavras-chave: consumo de álcool; terapia do esquema; questionário de esquemas de young.
ABSTRACT
Alcohol consumption among young people has become a standard in society and levels of drinking show that this risky behavior can lead to substance dependence. Understanding the relationship between Early Maladaptive Schemes and consumption can contribute to the development of preventive actions, as well as guide future empirical research. The aim is verify the findings related to the theme and to understand what correlations exist between the maladaptive Initial Schemes and alcohol consumption. Systematic review of articles from the last 10 years from the date of publication, using Scielo, PePSIC, LiLaCs and PubMED databases. Empirical research articles and a narrative review were included, and the selection criteria used were type of sample, instruments used and discussions relevant to the theme.There were few articles on the theme, mainly in Brazil. Observations on methodologies and limitations are commented in all articles, such as gender heterogeneity of participants, cross-sectional, sample characteristics regarding number and type (clinical or non-clinical) and the need for future research on the same theme, as well as the implications positive for the development of more effective treatments in the area.
Keywords: Alcohol Drinking; Cognitive Behavioral Therapy; Personality Inventory.
INTRODUÇÃO
A Terapia do Esquema foi criada por Jeffrey Young e se desenvolveu na área da Terapia Cognitivo-comportamental como uma proposta nova e integradora de tratamento, na qual o intuito principal seria a possibilidade de atender casos de pacientes que não apresentavam respostas positivas aos tratamentos a que eram submetidos, e casos de recidivas de sintomas.Trata-se de um modelo conceitual que busca, a partir da integração de várias escolas (Cognitivo-comportamental, Apego, Gestalt, Relações objetais, Construtivista e Psicanálise), abranger a compreensão integral dos pacientes e de suas demandas (Young, Klosko, & Weishaar, 2008).
É possível pontuar diferenciais na abordagem da Terapia do Esquema pelas vantagens que podem ser obtidas por seu modelo cognitivo estruturado e sistemático, nos quais sua especificidade permite delinear as estratégias de tratamento para cada Esquema, Estilo de Enfrentamento e Modo. A fase de avaliação conta com inventários que possibilitam uma intervenção ativa e diretiva que ultrapasse o insight e resulte na mudança cognitiva, emotiva, interpessoal e comportamental. Salienta-se que esta abordagem, considerada sensível e humana, normaliza os transtornos psicológicos e os torna mais fáceis de entender, facilitando e beneficiando a construção de uma relação terapêutica satisfatória, fundamental para o tratamento (Young et al., 2008).
Conforme Young et al. (2008), os esquemas podem ser a base de transtornos clínicos ou de personalidade, bem como de comportamentos de risco ou abuso de substâncias. Logo, a compreensão do funcionamento de tais estruturas é fundamental para desenvolver e planejar tratamentos eficazes aos pacientes. A formação dos Esquemas Iniciais Desadaptativos (EIDs) se dá a partir das experiências nas etapas iniciais do desenvolvimento do sujeito e de fatores genéticos, sociais e ambientais em que não foram satisfeitas as necessidades emocionais da criança. Uma vez que o sujeito vivencia, na vida adulta, situações percebidas como semelhantes, os esquemas podem ser ativados e se tornar responsáveis pelos padrões cognitivos e comportamentais do indivíduo (Young et al., 2008).
Os 18 EIDs são estruturados e divididos em 5 categorias amplas de necessidades emocionais não-satisfeitas, chamadas Domínios de Esquemas (Young et al., 2008). Cada Domínio refere-se a crenças gerais que podem ser formadas a partir das situações vividas com a família de origem e que podem ter sido percebidas como insuficientes para suprir as necessidades da criança. Crenças mais específicas podem ser identificadas pelos esquemas de cada categoria. Assim, os Domínios organizam e classificam as crenças e comportamentos característicos de cada grupo de EIDs (Quadro 1), bem como suas singularidades e tratamentos específicos.
Com uma abordagem sistemática e instrumentos específicos, construídos a partir desta "nova roupagem" da Terapia Cognitivos-comportamental, o arcabouço teórico metodológico da Terapia do Esquema permite identificar os Estilos e Modos de Enfrentamento a partir da avaliação dos EIDs e seus respectivos padrões disfuncionais da percepção de si e do meio (Young et al., 2008). Além da identificação das estruturas cognitivas, o autor oferece técnicas de intervenções e implicações diretas e claras para o tratamento de cada paciente, considerando que cada um possui um perfil único.
A validação do Questionário de Esquemas de Young - Short Form no Brasil foi realizado por Cazassa e Oliveira (2012) em uma amostra não clínica e os resultados obtidos mostraram grau satisfatório para confiabilidade e capacidade de discriminação do instrumento (Cazassa, & Oliveira, 2012). Foi realizado também o estudo psicométrico em alcoolistas, que avaliou os EIDs de uma amostra clínica e não clínica (Silva, Cazassa, Oliveira, & Gauer, 2012). O estudo observou diferenças estatisticamente significativas nos 5 domínios e 15 esquemas avaliados pelo questionário YSQ-S2. Além disso, foi testada a capacidade do instrumento em detectar a diferença entre os grupos comparados. Este foi o primeiro estudo no Brasil que realizou comparações entre amostras de populações clínicas e não clínicas com este instrumento.
Os esquemas não possuem caráter estável, ou seja, podem oscilar sua ativação ao longo da vida do sujeito ou em determinadas situações (Young et al., 2008). Isto é considerado no estudo de Shorey, Stuart, Anderson e Strong (2013), que examinaram a mudança dos EIDs em pacientes dependentes de substâncias que passaram por um programa de tratamento de quatro semanas. Os resultados demonstraram que houve uma diminuição dos escores em oito esquemas ao final do programa e indicam os EIDs como componentes importantes para planejamento de tratamentos na área (Shorey et al., 2013).
Destaca-se que o consumo de álcool no Brasil, segundo Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD, 2012), apresentou um aumento de 20% na proporção de usuários frequentes de álcool (que bebem uma vez na semana ou mais) entre os anos de 2006 a 2012. Os dados subiram de 45% para 54%, apontando aumento significativo para o consumo entre mulheres. No que se refere ao uso nocivo da substância, foi possível verificar que 17% dos pesquisados apresentam critérios para abuso e/ou dependência de álcool.
A população de jovens universitários que faz uso de álcool no Brasil foi estudada por Pedrosa, Camacho, Passos e Oliveira (2011) em uma amostra de estudantes de Faculdades das Ciências da Saúde de duas universidades públicas de Alagoas no ano de 2002. O estudo seccional, descritivo e analítico observou a frequência, quantidade e informações relacionadas ao consumo de álcool, tabaco e comportamento sexual, ou seja, variáveis ambientais que poderiam influenciar o consumo. Os resultados mostraram o consumo de álcool por 90,4% dos sujeitos da amostra, sendo 8,7% classificados como consumo abusivo da substância e com prevalência três vezes maior entre os homens. Observando o alto índice de consumo de álcool entre a população de estudantes desta amostra brasileira (Pedrosa et al., 2011) e já conhecendo os fatores ambientais que podem vir a influenciar o consumo, torna-se relevante o conhecimento de fatores psicológicos que possam estar ligados à experimentação e/ou consumo excessivo da substância em amostras semelhantes.
Bakhshi e Nikmanesh (2013) estudaram qual o papel dos EIDs no comportamento de jovens potencialmente suscetíveis à dependência de substâncias, e encontraram, a partir dos instrumentos utilizados, relações positivas e significativas entre todos os cinco Domínios de Esquemas e o potencial de dependência. Os Domínios de "Desconexão/Rejeição", "Autonomia e Desempenho Prejudicados" e "Direcionamento para o Outro" apresentaram maiores coeficientes na análise regressiva.Este estudo indicou a correlação existente entre os EIDs e adição, confirmando a relevância desta associação ao planejar estratégias de prevenção e tratamento, além da necessidade de identificar grupos que possam apresentar maior potencial para abuso e dependência de substâncias (Bakhshi & Nikmanesh, 2013). Notando-se esta tendência, o objetivo desta revisão sistemática foi o levantamento da literatura científica acerca de estudos sobre a relação entre EIDs e o consumo de álcool já realizados nos últimos 10 anos.
MÉTODO
Foi realizada uma revisão sistemática dos artigos encontrados nas bases de dados SciELO (Scientific Eletronic Library Online), PubMed (National Library of Medicine, USA), PePSIC (Periódicos Eletrônicos de Psicologia) e LiLACS (Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde). Mediante consulta aos Descritores de Assunto em Ciências da Saúde (DECs), foram selecionados os descritores "Esquemas Iniciais Desadaptativos" e "álcool", e as traduções para o inglês "Early Maladaptive Schemas" e "alcohol". Foi utilizado o operador booleano "AND" para combinar os descritores e rastrear as publicações. Os artigos selecionados foram submetidos aos critérios de inclusão/exclusão: período de publicação (2009 a 2019); instrumentos utilizados (obrigatoriedade do YSQ); e a identificação dos Esquemas correlacionados ao consumo de álcool.
2.1. Procedimentos Para coleta de dados
As buscas foram realizadas em bases de dados nacionais e internacionais visando resultados mais abrangentes e diversificados. O procedimento de pesquisa desta revisão compreendeu em uma busca geral, exclusão de artigos duplicados, aplicação dos critérios de inclusão na leitura dos resumos, leitura dos textos completos e amostra final. Durante a leitura dos resumos foram aplicados os seguintes critérios de inclusão para os estudos empíricos: (a) Aplicação do Questionário de Esquemas de Young como instrumento para identificação dos Esquemas; (b) Correlação entre os EIDs identificados nas amostras com o consumo de álcool. Posteriormente foi realizada a leitura integral dos estudos e seleção final dos artigos incluídos para revisão.
RESULTADOS
Os resultados obtidos através da aplicação do método possibilitaram o acesso a 31 artigos por meio das quatro bases de dados previamente selecionadas devido à relevância científica que possuem. Os resultados foram sistematizados na Figura 1, em diagrama feito pelo PRISMA Diagram Generator, especificando o número de estudos obtidos através das bases e quantos estudos foram considerados ao final da aplicação dos critérios de seleção/exclusão.
Foram encontradas 31 publicações através dos descritores selecionados, das quais 15 não possuíam duplicação nos resultados de busca. Ao serem aplicados os critérios de inclusão/exclusão, 9 artigos foram excluídos após a leitura do título e resumo. Os 6 artigos recuperados foram submetidos novamente aos critérios e após a leitura integral dos textos, 1 artigo foi excluído e 5 artigos foram selecionados e incluídos no estudo a partir desta revisão sistemática.
Quando separados por bases de dados, os resultados demonstraram que a plataforma PubMED e LiLACS obtiveram maior número de estudos (n=2) considerados na revisão sistemática. Todos os dados estão sistematizados na Tabela 1. A seguir, é realizada uma caracterização dos resultados obtidos, na qual são considerados aspectos bibliométricos, de metodologia e as correlações acerca do tema dos EIDs e o consumo de álcool.
Aspectos gerais dos resultados
No que se refere aos indicadores bibliométricos, foram discriminados os seguintes itens: autores, ano de publicação, revista de publicação e país de estudo. Quanto à autoria dos artigos, nenhum foi classificado como autoria única, sendo um artigo com autoria de dois autores, um com três autores e três artigos com quatro autores.
Em relação aos veículos de divulgação, distintas revistas publicaram sobre o tema, sendo elas das áreas de Psicologia, Medicina e Saúde em geral. Especialmente nesta revisão, considerou-se publicações de 2009 a outubro de 2019, estando os resultados descritos abaixo: tabela 2.
Tabela 2 - Clique para ampliar
Entre os anos de 2009 e 2019 foram encontradas 5 publicações, tendo uma publicação em cada ano. Os anos não representados na tabela não apresentaram publicações a serem incluídas a partir dos critérios estabelecidos pela busca. Em relação ao país de publicação, Estados Unidos e Brasil apresentaram duas publicações (cada país) e Colômbia apresentou uma publicação. O Qualis das revistas foi citado a fim de mostrar a relevância e avaliação das revistas em que foram feitas as publicações dos estudos.
Aspectos metodológicos
Os aspectos metodológicos analisados nos artigos foram: (a) tipo de amostra; (b) instrumentos utilizados e (c) principais resultados. Dos cinco estudos analisados, dois utilizaram amostras com estudantes universitários; dois realizaram a pesquisa com grupos clínicos e não clínicos em relação à dependência de álcool; e um estudo de revisão narrativa considerou artigos com o objetivo de verificar as relações entre EIDs e o transtorno por uso de álcool.
A respeito dos instrumentos utilizados nos estudos empíricos, todos os estudos (n=4) considerados utilizaram o instrumento de identificação dos EIDs (Young Schema Questionaire - YSQ) em suas diferentes versões (Long ou Short); 2 estudos utilizaram questionário/ entrevista para coleta de dados sociodemográficos da amostra; e 2 estudos utilizaram instrumentos para avaliar o consumo de álcool. O artigo de revisão narrativa realizou as buscas em bases de dados nacionais e internacionais, fundamentando-se nas principais obras e estudos relacionados à Terapia do Esquema e suas interações com a dependência química. As especificidades metodológicas, assim como os resultados de cada artigo incluído nesta revisão estão descritas na Tabela 3.
Esquemas Iniciais Desadaptativos relacionados ao consumo de álcool
Observou-se que a maioria dos artigos incluídos (n=4) apresentou a definição dos conceitos relacionados ao modelo cognitivo da Terapia do Esquema na introdução dos estudos, definindo os Domínios de Esquemas e os EIDs, não sendo observada divergência nas definições entre os autores. Todos os artigos buscaram discutir a associação entre o consumo de álcool e EIDs e as correlações que podem ser identificadas a partir das descrições e análises dos dados.
Para uma melhor visualização e a fim de se sistematizar os dados, a seguir foram tabulados os resultados obtidos pelos cinco estudos sobre a relação dos EIDs e o consumo de álcool concluído por cada autor (Tabela 4). Na Tabela 5 estão apresentados os EIDs mais frequentes de cada um dos cinco Domínios de Esquemas, em relação ao uso de álcool.
DISCUSSÃO
A partir da análise do conteúdo dos artigos provenientes do resultado do método aplicado, foi possível realizar uma discussão acerca da relação existente entre os Esquemas Iniciais Desadaptativos e o consumo de álcool, seja este excessivo ou não. Os estudos convergem em diversos pontos, não apenas na análise de Esquemas e as hipotéticas influências que estes possam exercer no consumo de álcool. Observações sobre metodologias e limitações são comentadas em todos os artigos, como heterogeneidade dos gêneros dos participantes (Maciel et al., 2013; Simons et al., 2018), recorte transversal (Simons et al., 2018; Shorey et al., 2012), características das amostras quanto a número e tipo (clínica ou não clínica) e necessidade de futuras pesquisas sobre a mesma temática, além das implicações positivas para o desenvolvimento de tratamentos mais efetivos na área (Díaz et al., 2010; Lima e Ferreira, 2015; Maciel et al., 2013; Shorey et al., 2012; Simons et al., 2018).
A revisão narrativa feita por Maciel et al. (2013) verifica as relações entre os EIDs e o Transtorno por Uso de Álcool (TUA) e indica divergências em relação a um perfil específico de EIDs para amostras clínicas. Este estudo correlacionou em sua busca o TUA com os EIDs, considerando a hipótese de que o transtorno possa manter os esquemas disfuncionais, além de funcionar como estratégia de alívio temporário. Destaca-se a relação encontrada nos estudos entre TUA e os Esquemas e a relevância de considerá-la ao planejar uma intervenção, uma vez que há conclusões de que existem EIDs mais frequentes em pacientes que apresentam o transtorno, tais como: Isolamento Social, Autossacrifício, Autocontrole e Autodisciplina Insuficientes, Subjugação, Inibição Emocional e Vulnerabilidade ao Dano ou Doença.
O estudo de Maciel et al. (2013) ainda destaca a Terapia do Esquema com Duplo Foco (TEDF), proposta por Ball e Young (2000), na qual são unidos conceitos da Terapia do Esquema com os princípios do protocolo de Prevenção à Recaída. Nesta abordagem são considerados os comportamentos compensatórios de esquiva e/ou hipercompensação, estratégias para mudança, construção de competências para resolução de conflitos, reações frente ao afeto negativo e controle de impulsos para o uso do álcool (Maciel et al., 2013).
Maciel et al. (2013) comenta a diferença entre os gêneros, no que se refere aos EIDs correlacionados ao TUA. Essa associação é corroborada nos resultados encontrados por Shorey et al. (2012), que avaliaram os EIDs de homens e mulheres dependentes de álcool que buscavam tratamento, além de investigar se havia diferenças entre os gêneros no que se refere aos Esquemas que apresentavam maior pontuação. Homens e mulheres apresentaram, de forma semelhante, as maiores pontuações nos 4 Esquemas:Autossacrifício, Padrões
Inflexíveis, Postura Punitiva e Autocontrole/Autodisciplina Insuficientes. No entanto, apenas as mulheres apresentaram os Esquemas de Autocontrole/Autodisciplina Insuficientes e de Autossacrifício como problemas, e pontuaram significativamente mais que os homens em 14 dos 18 Esquemas avaliados pelo YSQ. Os resultados gerais concluem alta existência dos EIDs na amostra e diferenças entre os gêneros na prevalência de Esquemas disfuncionais, além do fato de que alguns Esquemas estarem particularmente mais presentes em dependentes de álcool (Shorey et al., 2012).
Shorey et al. (2012) finalizam o artigo discutindo as limitações encontradas no estudo, bem como as implicações de seus resultados para tratamentos e futuras pesquisas. Uma limitação à fundamentação do tema é que a maioria dos estudos já realizados sobre Esquemas e sujeitos dependentes de álcool foram com amostras pequenas. Logo, a realização de estudos utilizando grandes amostras permitiria conclusões mais generalizáveis sobre quais Esquemas são mais frequentes em cada gênero, além de poder proporcionar diretrizes mais específicas de tratamento para cada grupo, ajudando cada paciente a lidar com seus Esquemas mais ativos. Além disso, todos os estudos realizados sobre o tema avaliaram os EIDs dos usuários de substâncias baseados na versão doQuestionário de Esquemas de Young que considera apenas 15 ou 16 esquemas e não a versão atualizada que abrange os 18 Esquemas. Destaca-se a relevância do estudo de Shorey et. al. (2012) por ser o primeiro com uma amostra de dependentes de álcool a trazer resultados baseados na identificação dos 18 Esquemas, a partir da versão atualizada do Questionário de Esquemas de Young (YSQ-L3).
Segundo os autores Shorey et al. (2012), o delineamento transversal de seu estudo pode ser outra limitação a ser considerada. Um recorte longitudinal poderia confirmar a hipótese de que os EIDs são estáveis ou não e se eles contribuíram para o início do consumo de álcool. Além disso, não houve mensuração do consumo de álcool, o que impediu que fosse executada a correlação dos EIDs com os níveis de consumo da substância. De acordo com Shorey et al. (2012), são necessárias futuras pesquisas para se poder determinar quais fatores etiológicos podem influenciar nas diferenças dos EIDs prevalentes entre os gêneros. Outrossim, entender a associação entre Transtornos clínicos e de Personalidade e EIDs poderia influenciar no desenvolvimento de tratamentos específicos e eficientes a pacientes que apresentem tais transtornos.
Lima e Ferreira (2015) partem da hipótese de que a base do abuso e da dependência de substâncias psicoativas podem ser os EIDs. Os resultados obtidos mostraram que os sujeitos usuários de álcool e outras drogas apresentam maiores scores nos Esquemas de Privação Emocional, Abandono, Defectividade/ Vergonha, Vulnerabilidade ao Dano ou Doença, Emaranhamento e Autocontrole/Autodisciplina Insuficientes. A presença destes Esquemas, que por sua vez são padrões rígidos que se formaram ao longo da vida dos sujeitos, pode explicar a recorrência e prolongada duração do comportamento adicto da amostra, podendo ser entendido como uma forma que estes sujeitos encontraram para lidar com seus Esquemas (Lima & Ferreira, 2005). Desta forma, o uso de álcool e outras drogas poderia se tornar um enfrentamento ilusório por parte dos usuários, assumindo a função de Resignação, Evitação e Hipercompensação dos Esquemas (Lima & Ferreira, 2005), corroborando assim com as considerações feitas por Maciel et al. (2013).
Os estudos empíricos revisados, nos quais as amostras eram de universitários, obtiveram resultados relevantes no que se refere aos EIDs que apresentam correlação ao consumo de álcool. A pesquisa realizada por Díaz et al. (2010) buscou identificar a relação entre o consumo excessivo de álcool e os EIDs em universitários na cidade de Bogotá, Colômbia. Os resultados obtidos mostram alto índice de consumo prejudicial entre os estudantes, além de EIDs com pontuações aumentadas nos esquemas de Autossacrifício e Padrões Inflexíveis. Houve correlação significativa entre o consumo de álcool e os EIDs de Abandono, Autocontrole/Autodisciplina Insuficientes, Desconfiança, Vulnerabilidade ao Dano ou Doença, Inibição Emocional e Arrogo/Grandiosidade (Díaz et al., 2010).
Díaz et al. (2010) afirmam que a relação entre consumo de álcool e os EIDs é relevante pelo fato de que é fundamental compreender a maneira como as pessoas processam as informações, já que assim é possível entender as motivações e causas dos comportamentos, entre os quais está o consumo de álcool. Desta forma, Díaz et al. (2010) concluem que o consumo excessivo de álcool se relaciona a Esquemas caracterizados por alta subestimação ao dano, baixa tolerância a frustação e processamento de emoções negativas, crenças de superioridade e desconhecimento do impacto social de seus comportamentos e a Esquemas em que há dependência emocional para manutenção da estabilidade, a partir do apoio ou presença de alguém (Díaz et al., 2010).
Simons et al. (2018) testaram o papel da tolerância ao sofrimento como possível mediador na relação entre EIDs específicos (Defectividade/Vergonha, Abandono e Autocontrole/ Autodisciplina Insuficientes) e problemas com o consumo de álcool em universitários. As hipóteses dos autores são de que indivíduos com estes Esquemas possuem baixa tolerância ao sofrimento, podendo resultar em problemas como o consumo de álcool. Ou seja, supõem que sujeitos que possuem baixo nível de tolerância ao sofrimento podem ter associações mais fortes entre os EIDs e o consumo excessivo. O estudo utilizou instrumentos específicos para avaliar os Esquemas e mensurar a tolerância ao sofrimento, o consumo e problemas relacionados ao álcool. Os resultados obtidos mostraram que a tolerância ao sofrimento mediou a relação entre os Esquemas de Abandono e Autocontrole/Autodisciplina Insuficientes e problemas com álcool e que possivelmente Defectividade/Vergonha prejudique habilidades regulatórias de maneira diferente dos outros dois Esquemas. A associação entre Defectividade/Vergonha e problemas com álcool foi mais forte para indivíduos com baixa tolerância ao estresse e foi o único Esquema com efeito direto nas variáveis de consumo de álcool e problemas relacionados, além de gênero e sobre os outros dois Esquemas (Simons et al., 2018).
A tolerância ao sofrimento foi significativamente correlacionada com problemas relacionados ao álcool, apontando para uma questão de desregulação emocional. Desta forma, os autores afirmaram que para o sucesso de um tratamento seria necessário desenvolver maior tolerância ao sofrimento e desativação dos EIDs, uma vez que os dois fatores foram associados a problemas relacionados ao álcool e não ao consumo em si (Simons et al., 2018). Simons et al. (2018) destacaram as limitações de um estudo com delineamento transversal assim como Shorey et al. (2012), além da predominância de mulheres na amostra e a necessidade de futuros estudos sobre o tema.
Segundo Shorey et al. (2013) os EIDs podem ser modificados após intervenções breves de 28 a 30 dias em clínicas de reabilitação, como mostra seu estudo longitudinal com uma amostra de homens dependentes de substâncias em que houve diminuição nos scores dos esquemas de Defectividade/ Vergonha, Dependência/Incompetência, Inibição emocional, Arrogo/Grandiosidade, Isolamento social e Vulnerabilidade ao Dano ou Doença. Apesar da relevância destas informações, os autores apontam que o resultado na mudança dos Esquemas pode ter ocorrido tanto pela abstinência das substâncias como também pelo desenvolvimento de habilidades sociais através do programa de tratamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se que a relação entre os Esquemas Iniciais Desadaptativos e o consumo de álcool é significativa e pertinente. No entanto os EIDs que influenciam no consumo de álcool diferem de acordo com as características das amostras. Reconhecer que esta correlação existe é fundamental para o desenvolvimento de estratégias, não só de tratamento para pacientes, como também para conscientização do uso e prevenção ao consumo de risco.
Dessa forma, os resultados obtidos a partir da revisão sistemática dos estudos mais atuais ressaltam a pertinência e necessidade de pesquisas futuras relacionadas ao tema, considerando as limitações citadas pelos autores como heterogeneidade e tamanho das amostras para estudos empíricos. A escassa literatura publicada, evidenciada por este estudo, salienta a necessidade de estudos futuros que possam contribuir para disseminar a relação entre a Terapia do Esquema e o uso/dependência de substâncias.
REFERÊNCIAS
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Correspondência:
Flavia Salomoni Mansano
Email: flaviasmansano@gmail.com
Este artigo foi submetido no SGP (Sistema de Gestão de Publicações) da RBTC em 17 de Março de 2020. cod. 07.
Artigo aceito em 13 de Outubro de 2020.