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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.19 no.spe1 Rio de Janeiro  2023  Epub 15-Jul-2024

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20230032 

Pesquisa Empírica

Avaliação de fatores de influência na adesão ao tratamento de hipertensão e diabetes

Evaluation of influence factors on adherence to the treatment of hypertension and diabetes

Raquel Ayres de Almeida1 

Lucia Emmanoel Novaes Malagris1 

1Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto de Psicologia, Programa de Pósgraduação em Psicologia - Rio de Janeiro - Rio de Janeiro - Brasil


Resumo

Objetivo:

realizar levantamento parcial dos aspectos clínicos, psicológicos, comportamentais e sociais que interferem na adesão ao tratamento da hipertensão arterial sistêmica (HAS) e diabetes mellitus (DM) utilizando-se dois questionários elaborados pelas autoras.

Método:

o estudo foi realizado no Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis e aplicado à população geral em diversos contextos. Participaram 82 indivíduos com HAS e DM. Utilizaram-se como instrumentos o Questionário de Indicadores de Adesão e o Questionário sobre Fatores que Interferem na Adesão, desenvolvidos pelas autoras do estudo.

Resultados:

observou-se que pacientes com HAS foram prevalentes (71,6%) e 83,1% não foram considerados aderentes ou aderiram parcialmente às recomendações médicas. Os participantes identificaram como fatores que mais influenciavam negativamente a adesão ao tratamento a falta de melhora imediata dos sintomas, a falta de recursos psicológicos para lidar com a doença, os horários e a duração das consultas médicas e a falta de conhecimento do profissional; já os que mais influenciavam positivamente foram motivação do paciente, conhecimento do profissional, explicação do médico e acesso aos medicamentos.

Conclusão:

acreditase que o presente estudo possa colaborar no planejamento de ações voltadas a ajudar a população na adesão ao tratamento de HAS e DM e melhora da qualidade de vida.

Palavras-chave: Doença crônica; Avaliação de Processos e resultados em cuidados de saúde; Comportamentos relacionados com a saúde

Abstract

Objective:

To carry out a partial survey of the clinical, psychological, behavioral and social aspects that interfere with adherence to the treatment of systemic arterial hypertension (SAH) and diabetes mellitus (DM) using two questionnaires prepared by the authors.

Method:

The study was carried out at the Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis, and in the general population in different contexts. 82 individuals with hypertension and DM participated. The Adherence Indicators Questionnaire and the Questionnaire on Factors that Interfere with Adherence, developed by the study authors, were used as instruments.

Results:

It was observed that patients with hypertension were prevalent in the study (71.6%) and 83.1% were not considered compliant or partially adhered to medical recommendations. Participants identified as items that most negatively influenced adherence to treatment, the lack of immediate improvement in symptoms, lack of psychological resources to deal with the disease, times and duration of medical appointments and lack of professional knowledge, which were those that most influenced positively were patient motivation, professional knowledge, doctors explanation and access to medicines.

Conclusion:

It is believed that the present study can collaborate in planning actions aimed at helping the population adhere to treatment and improving quality of life.

Keywords: Chronic Disease; Outcome and Process Assessment; Health Care; Health Behavior

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (World Health Organization [WHO], 2023) afirma que as doenças crônicas são as principais causas de morte, sendo responsáveis por 60% dos óbitos ocorridos no mundo. Nas últimas décadas, no Brasil, as doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) passaram a determinar a maioria das causas de morte e incapacidade prematura - ultrapassando as taxas de mortalidade por doenças infecciosas e parasitárias - e a representar uma grande parcela das despesas com assistência hospitalar no Sistema Único de Saúde (SUS) e no setor suplementar (Pinto & Quintal, 2021).

As doenças crônicas se desenvolvem lentamente, apresentam efeitos de longo prazo, são difíceis de prever e não têm chance de cura. A terapêutica oferecida possibilita apenas desacelerar ou impedir o seu progresso. Contudo, algumas podem ser prevenidas ou controladas por meio de diagnóstico precoce, mudanças no estilo de vida e acesso a tratamento adequado recomendado por profissional da saúde (WHO, 2023).

Quando diagnosticado com uma doença crônica, o paciente se depara com uma nova realidade e precisa mudar seus hábitos de vida, ou seja, incorporar e manter novos comportamentos, como uma alimentação saudável, atividade física regular e uso contínuo de medicamentos. Todas essas alterações na rotina do paciente geram grande impacto na sua vida cotidiana e podem resultar em baixos níveis de adesão. Isso é agravado pelo fato de as consequências potencialmente negativas dos comportamentos de risco serem, geralmente, distantes e obscurecidas pelos prazeres imediatos que tais comportamentos proporcionam (Straub, 2014).

A adesão ao tratamento é fundamental para o gerenciamento de uma doença crônica. Dessa forma, para seu efetivo controle, é preciso que o indivíduo siga as orientações médicas, como tomar a medicação, seguir a dieta e mudar o estilo de vida. Apesar da importância de aderir ao tratamento, é comum os pacientes não o fazerem. A OMS reconhece que muitos indivíduos têm dificuldade em seguir o tratamento recomendado e aponta que a baixa adesão é um problema mundial (WHO, 2023). Esse obstáculo pode ser encontrado tanto em indivíduos com doenças agudas quanto naqueles com doenças crônicas, sendo mais frequente em tratamentos longos, em que o número de recidivas ou recaídas é maior. A não adesão pode levar a complicações médicas, psicossociais e desperdício de recursos dos sistemas de saúde.

De acordo com a OMS (WHO, 2023), o paciente tem um papel ativo tanto no planejamento quanto na execução de seu tratamento. Para ser considerada adesão, é necessário que ele siga adequadamente as orientações acordadas com a equipe de saúde, que extrapolam o uso da medicação, incluindo também uma dieta alimentar e uma mudança no estilo de vida, com adoção de atividade física regular e hábitos saudáveis.

Straub (2014) afirma que a adesão é uma atitude e um comportamento. Como atitude, acarreta a disposição de seguir conselhos de saúde e, como comportamento, está relacionada ao cumprimento real das recomendações. Segundo o autor, a não adesão seria uma recusa a acatar as instruções ou a falta de esforço prolongado ao seguir um regime de tratamento. Já segundo a OMS (WHO, 2023), a adesão é um complexo processo comportamental determinado por múltiplos fatores, que incluem atributos do paciente, ambiente (suporte social, características do sistema de saúde, funcionamento da equipe de saúde, disponibilidade e acessibilidade aos recursos dos cuidados de saúde), características da doença em questão e seu tratamento.

As DCNT, como o diabetes mellitus (DM) e a hipertensão arterial sistêmica (HAS), assumiram um ônus crescente e preocupante. Ambas são condições prevalentes e importantes problemas de saúde pública em todos os países, independentemente de seu grau de desenvolvimento. O aumento da incidência de DM em termos mundiais tem sido relacionado às modificações de estilo de vida e do meio ambiente trazidas pela industrialização, as quais levam à obesidade, ao sedentarismo e ao consumo de uma dieta rica em calorias e gorduras. A HAS também é um problema crônico comum, cuja prevalência é alta e aumenta em faixas etárias mais avançadas. Mesmo sendo assintomática, a HAS é responsável por complicações cardiovasculares, encefálicas, coronarianas, renais e vasculares periféricas (Monteiro, 2018).

Sabe-se que o impacto negativo de doenças crônicas na qualidade de vida dos indivíduos em muitos países está crescendo continuamente (WHO, 2023). Diante desse cenário, o desenvolvimento de ações que objetivem uma maior adesão dos pacientes com doenças crônicas às recomendações médicas torna-se extremamente importante. Essas ações podem reduzir o impacto de tais doenças, tanto individual quanto coletivamente, prevenindo sua progressão, reduzindo o custo com medicações e internações e, consequentemente, reduzindo a taxa morbimortalidade relacionada às DCNT e melhorando a qualidade de vida dos pacientes (Faria et al., 2019; Gouveia et al., 2019).

Ribeiro e Costa (2011) defendem que a adesão deve incluir a decisão do indivíduo em aceitar, iniciar e dar sequência às prescrições de medicamentos e procedimentos terapêuticos. Assim, o paciente é dotado de responsabilidade pelo êxito do regime terapêutico, tendo uma postura ativa na participação e na cumplicidade com a equipe de saúde, estabelecendo uma relação de concordância voluntária, tanto para o tratamento farmacológico quanto para o desenvolvimento de comportamentos de saúde. Leite e Vasconcellos (2003) afirmam que há adesão quando são seguidas pelo menos 80% das prescrições, observando horários e doses no uso dos medicamentos, tempo de tratamento, comparecimento às consultas, grupos de apoio, prática de exercícios físicos, seguimento de regimes alimentares e abandono de comportamentos de risco (Alves & Calixto, 2012; Delgado & Lima, 2001; Roquini et al., 2021).

Em suma, a não adesão ao regime terapêutico refere-se à atitude ou comportamento do indivíduo que não condiz com o conjunto de medidas terapêuticas prescritas para o controle da doença. Ela pode ser definida como: erros na dosagem ou na temporalidade da medicação, intencionais ou acidentais, faltas às consultas e comportamentos de mudança errados ou mesmo não implementados. A não adesão é conhecida como a principal causa para o aumento de morbidade e mortalidade, complicações de saúde e psicossociais, redução da qualidade de vida, aumento dos custos médicos e excesso na utilização dos serviços de saúde, implicando custos significativos em termos médicos e sociais (Cunha et al., 2021; Vanzella, 2019).

Embora possa parecer uma questão simples, muitos fatores podem contribuir para a dificuldade da adesão (Carvalho et al., 2019). Além de serem variadas, as barreiras que contribuem para a interrupção do tratamento podem agir simultaneamente. Gusmão e Mion (2006) afirmam que os fatores que interferem na adesão ao tratamento podem estar relacionados: ao paciente (sexo, idade, etnia, estado civil, escolaridade e nível socioeconômico); à doença (cronicidade, ausência de sintomas e consequências tardias); às crenças de saúde, hábitos de vida e fatores culturais (percepção da seriedade do problema, desconhecimento, experiência com a doença no contexto familiar e autoestima); ao tratamento, dentro do qual se engloba a qualidade de vida (custos, efeitos indesejáveis e esquemas terapêuticos complexos); à instituição (política de saúde, acesso ao serviço de saúde, tempo de espera e tempo de atendimento); às comorbidades; e ao relacionamento com a equipe de saúde.

De acordo com a OMS (WHO, 2003), a adesão é um fenômeno multidimensional determinado pela interação de cinco conjuntos de fatores. Segundo essa abordagem, as dimensões que concernem o paciente são apenas um dos determinantes e a crença comum de que eles são os únicos responsáveis por seguir seu tratamento é enganosa. Na maioria das vezes, essa crença ocasiona uma incompreensão de como outros aspectos podem afetar o comportamento e a capacidade de adesão ao tratamento. Os cinco grupos ou dimensões descritos pela OMS serão expostos a seguir.

No grupo de fatores sociais, econômicos e culturais destacam-se: nível de escolaridade, situação profissional, apoios sociais, condições habitacionais, preço dos transportes e dos medicamentos, distância até o local de tratamento e, ainda, guerras, raça, crenças culturais e desigualdades sociais. De acordo com a OMS (WHO, 2003), embora o nível socioeconômico não seja um preditor independente de adesão, nos países em desenvolvimento com baixa condição socioeconômica, os indivíduos se veem em uma posição de ter que escolher entre prioridades concorrentes, muitas vezes direcionando os escassos recursos disponíveis para atender à demanda de outros membros da família.

No grupo de fatores relacionados aos serviços e aos profissionais de saúde evidenciam-se: grau de desenvolvimento dos sistemas de saúde, sistema de distribuição e acesso aos medicamentos, grau de esclarecimento dos doentes diante das orientações de tratamento, recursos humanos e técnicos disponíveis nos serviços de saúde, horários, duração e frequência das consultas, conhecimentos dos profissionais da saúde acerca das doenças, qualidade da comunicação e interação estabelecida entre profissional e paciente durante a consulta. A OMS (WHO, 2003) considera que, do mesmo modo que uma boa relação médico-paciente pode melhorar a adesão, muitos desses fatores podem ter efeito negativo, como realização de consultas curtas e pobre distribuição de medicamentos.

No grupo de fatores relacionados com a doença de base e comorbidades encontram-se: gravidade dos sintomas, incapacidades física, psicológica, social e profissional que a doença acarreta, grau de risco que a pessoa atribui à doença, impacto que esta representa em sua vida e natureza da doença, isto é, se é aguda ou crônica, sintomática ou assintomática. O impacto desses aspectos depende de como eles influenciam a percepção dos pacientes quanto ao risco, à importância de seguir ou não o tratamento e à prioridade dada à adesão.

No grupo de fatores relacionados com o tratamento estão incluídos: realização de alterações frequentes na medicação, ausência imediata de melhora dos sintomas e efeitos colaterais da medicação, baixo custo do fármaco, regime terapêutico complexo, com grande quantidade de medicamentos a serem ingeridos e variedade de horários de administração, e mudanças nos hábitos de vida com exigências de alterações comportamentais.

Já no grupo de fatores relacionados ao paciente, destacam-se: recursos psicológicos, conhecimentos, atitudes e crenças do paciente acerca de sua saúde e enfermidade, percepções relativas a episódios de doenças (anteriores ou atuais) e expectativas individuais. Também estão incluídas motivação, ausência de informação, suporte, apoio social e familiar para a mudança de comportamentos, falta de capacidade, de motivação e de autoeficácia para gerir o regime terapêutico.

Como visto, aderir ao tratamento é imprescindível para o controle das DCNT. Todavia, há fortes evidências de que muitos indivíduos têm dificuldade em aderir aos esquemas terapêuticos recomendados, sendo a adesão resultante da interação de um conjunto de fatores e não apenas responsabilidade única e exclusiva do paciente. Dessa forma, qualquer ação que busque intervir na adesão de um ou mais indivíduos precisa considerar esses cinco grupos de fatores, caso contrário, há uma grande chance de os resultados esperados não serem atingidos.

Portanto, para compreender e lidar com o comportamento de não adesão é necessário, primeiramente, entender as variáveis comportamentais passíveis de intervenção para, posteriormente, elaborar um plano adequado à demanda. Este artigo apresenta parte de um estudo maior que teve como objetivo geral elaborar, administrar e avaliar um protocolo de intervenção para melhorar a adesão ao tratamento em pacientes com HAS e DM. Por se tratar de um trabalho complexo, o estudo original foi concebido em três etapas no que se refere ao método e cada uma delas teve um problema a ser respondido. Na primeira etapa, foi realizado um levantamento junto aos médicos sobre as recomendações feitas aos pacientes para o tratamento de HAS e DM. Na segunda etapa, que será apresentada aqui, objetivou-se fazer um levantamento parcial dos aspectos clínicos, psicológicos, comportamentais e sociais que interferem na adesão ou não adesão ao tratamento de HAS e DM por meio da administração de um questionário elaborado pelas autoras. Outro questionário foi construído e validado para avaliar o nível de adesão ao tratamento nas amostras pesquisadas. Por fim, na terceira etapa, foi elaborado e administrado um protocolo de intervenção que visou melhorar a adesão ao tratamento de diferentes doenças.

MÉTODO

O método do estudo consistiu na elaboração e na administração de dois questionários. Ambos visaram investigar a variável adesão, tanto no que se refere aos fatores que interferem na adesão quanto ao nível de adesão alcançado pelos participantes da amostra. Os instrumentos foram elaborados a partir de dados da literatura relativos aos comportamentos de adesão relacionados ao tratamento de HAS e DM, das diretrizes da Sociedade Brasileira de Hipertensão (SBH) e da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), além de dados da OMS relacionando fatores indicados como interferindo na adesão dos pacientes com doenças crônicas (Sociedade Brasileira de Diabetes [SBD], 2023; Sociedade Brasileira de Hipertensão [SBH], 2020; World Health Organization [WHO], 2003). O projeto de pesquisa foi aprovado pelo Comitê de Ética, por meio da Plataforma Brasil, parecer nº 952.089, CAAE 39311314.8.0000.5582.

Participantes

Participaram dessa etapa do estudo 93 indivíduos com HAS e/ou DM em tratamento médico, de diversas instituições, públicas e privadas, para obtenção de uma amostra diversificada. Destes 93, 11 foram excluídos da análise, de acordo com os critérios de exclusão estipulados, restando 82 participantes.

Os participantes atenderam aos seguintes critérios: estar em tratamento médico para HAS e/ou DM há pelo menos seis meses; ter entre 35 e 75 anos; e não sofrer de HAS secundária. A HAS é considerada secundária quando causada por outras doenças - como doença renal crônica e síndrome da apneia obstrutiva do sono - ou induzida por substâncias, abrangendo em torno de 3 a 10% dos hipertensos (Silva, 2019).

Foram adotados como critérios de exclusão da amostra: participantes que não responderam aos instrumentos por completo; participantes que marcaram apenas os extremos (0 ou 10) na escala analógica do instrumento; participantes que evidenciaram não estar entendendo ao que estava sendo solicitado ou questionado; participantes que sofriam de doença mental grave conhecida.

LocaL

Instituto de Atenção à Saúde São Francisco de Assis (HESFA), da Universidade Federal do Rio de Janeiro, e pacientes da população geral que faziam acompanhamento para HAS em outras instituições públicas e privadas. instrumentos

Foram utilizados como instrumentos da pesquisa:

  1. Questionário sobre Fatores que Interferem na Adesão (QFIA): elaborado pelas autoras com o objetivo de avaliar quais fatores agem como variáveis intervenientes na adesão dos participantes. É composto por itens listados pela OMS (WHO, 2003) como intervenientes na adesão, com opções de respostas no formato de uma escala Likert. No final do questionário, há uma pergunta aberta na qual o participante pode citar algum fator que não tenha sido relacionado no instrumento (Anexo A). O QFIA foi elaborado com base nos componentes citados na literatura, em especial a OMS, como possíveis intervenientes da adesão ou não adesão ao tratamento. Contém uma pergunta para cada fator e uma pergunta relacionada com o quanto o participante acredita que tal fator influencia na sua adesão ao tratamento, tendo como opção de resposta uma escala do tipo Likert com as seguintes alternativas: nada, um pouco, mais ou menos, muito e totalmente. Foi fornecida para o participante uma folha com as opções de resposta para as questões, visando facilitar a escolha da alternativa. Em seguida, baseando-se na resposta da primeira pergunta, o pesquisador assinalou no questionário se essa influência ocorreu de forma positiva, ou seja, se levou o indivíduo a aderir ao tratamento, ou se, ao contrário, ocorreu de forma negativa, levando o paciente a não aderir a ele.

  2. Questionário de Indicadores de Adesão (QIA): elaborado pelas autoras para investigar o nível de adesão dos participantes às recomendações médicas, as quais fazem parte das diretrizes médicas da SBH (2020) e da SBD (2023). O instrumento (Anexo B) é composto por perguntas fechadas relacionadas a essas recomendações e contém uma folha de respostas (Questionário de Nível de Adesão [QNA]) na qual cada item apresenta uma escala analógica de autoavaliação subjetiva relacionada ao nível de adesão ao respectivo comportamento (Anexo C).

Os questionários foram elaborados levando-se em conta o baixo nível socioeconômico e educacional da população a ser pesquisada, procurando-se usar uma linguagem clara e acessível para pessoas com pouca ou nenhuma instrução. Os instrumentos foram avaliados por quatro juízes (professores e estagiários) e aplicados em uma pequena amostra (cinco pessoas) da população a ser pesquisada posteriormente para verificar se estavam acessíveis e poderiam ser compreendidos pelo público-alvo. Algumas modificações foram realizadas após a avaliação dos juízes e dificuldades encontradas durante aplicação na amostra. Entre as alterações, estão o formato das perguntas, as alternativas de respostas, além de um item que foi acrescentado ao instrumento, por sugestão da banca de qualificação, por ser considerado útil para o objetivo da pesquisa.

Procedimentos de coleta de dados

As 82 pessoas que participaram dessa etapa foram selecionadas aleatoriamente em diversos contextos, incluindo a sala de espera para consulta dos médicos e outros ambientes externos à instituição, para que fosse possível uma abrangência maior do universo pesquisado. Para participar do estudo, era necessário ter diagnóstico de HAS e/ou DM e fazer acompanhamento médico há pelo menos seis meses. Os pacientes foram informados sobre os objetivos da pesquisa e convidados a participar respondendo aos questionários. Os que aceitaram assinaram o TCLE 2, também obedecendo às diretrizes e normas vigentes. Como já informado, alguns participantes (11) foram excluídos por não terem entendido o questionário, não terem respondido ao instrumento por completo ou por marcarem os extremos na escala analógica de nível de adesão. Optou-se por esse último critério de exclusão devido ao alto risco de o participante não ter compreendido completamente a escala ou estar oferecendo respostas pouco verídicas.

Os dados obtidos pela administração do QIA serviram para avaliar quais pacientes se encontravam com níveis de adesão acima da média, na média ou abaixo da média. Já os dados obtidos por meio da administração do QFIA serviram de base para o desenvolvimento do protocolo de intervenção que foi utilizado na terceira etapa do estudo. O protocolo foi desenvolvido levando-se em conta as questões que, de acordo com a percepção dos pacientes da amostra pesquisada, interferiam na sua adesão.

ANÁLISE DE DADOS

A análise do QFIA foi realizada somando-se todas as notas dadas para cada fator, separando-as segundo sua influência - positiva ou negativa - e calculando-se a média para cada item. Para cada indicador de adesão, o escore variava de 0 (nenhuma influência) a 4 (totalmente). As influências foram consideradas positivas quando os participantes perceberam determinado fator como influenciando sua adesão para melhor; em contrapartida, foram consideradas negativas quando os participantes perceberam determinado fator como influenciando sua adesão para pior.

Para análise do QIA, somaram-se as médias de todos os participantes da segunda etapa (82), dividiu-se a soma pelo número de total de participantes, chegando a uma média (6,37), e calculou-se o desvio padrão (1,6). Dessa forma, foi estipulado como tendo uma “baixa adesão” os pacientes que tiveram média igual ou menor que a média do grupo menos o desvio padrão (4,77) e com “adesão” os participantes com média igual ou maior que a soma da média do grupo mais o desvio padrão (7,97). Os participantes que tiveram suas médias entre 4,78 e 7,96 foram considerados com “média adesão”.

Para a elaboração da intervenção, foi realizado um levantamento dos fatores percebidos pelos participantes como tendo maior “influência positiva” no grupo de adesão e dos percebidos como tendo maior “influência negativa” no grupo de não adesão. Ou seja, o que ajudava na adesão (influência positiva) e o que contribuía para a não adesão (influência negativa). Para isso, foram considerados os fatores que obtiveram escores médios acima de 3 (em uma escala de 0 a 4). Decidiu-se por esse critério no intuito de observar quais itens influenciam positivamente as pessoas que aderem ao tratamento e quais interferem negativamente na baixa adesão daqueles que não seguem as recomendações médicas. De posse desses dados, o protocolo de intervenção pôde ser elaborado de forma a reforçar os fatores positivos e neutralizar os negativos.

RESULTADOS

A análise do perfil sociodemográfico do grupo pesquisado nessa etapa demonstrou que a média de idade dos participantes foi de 63,46 anos; 75,3% eram do gênero feminino; 53% eram casados ou tinham companheiro; 71,6% tinham ao menos dois filhos; 33% tinham o ensino médio completo; 60% não trabalhavam fora; 71,6% tinham apenas HAS, enquanto 24,7% tinham HAS e DM e 3,7% apenas DM. Em relação à origem dos participantes quanto ao tratamento que realizava, 42% faziam tratamento no HESFA (SUS), 37% faziam tratamento pelo SUS em outras instituições e 21% tratamento particular.

De acordo com a análise da média e do desvio padrão dos resultados do QIA, 13 pessoas (18,3%) se enquadraram no grupo “não adesão”, 46 (64,8%) no grupo de “média adesão” e 12 (16,9%) foram consideradas aderentes ao tratamento recomendado pelos profissionais que as acompanhavam. Saber o nível de adesão foi importante não apenas para selecionar os pacientes que poderiam participar da terceira etapa do estudo (intervenção), como também para se conhecer o nível geral de adesão da amostra ao tratamento médico.

De acordo com os resultados do QFIA, optou-se por analisar quais fatores tiveram mais influência positiva no grupo de adesão (Quadro 1) e quais tiveram mais influência negativa no grupo de não adesão (Quadro 2).

Quadro 1 Fatores percebidos como influência positiva pelo grupo de participantes considerados com adesão em ordem decrescente (n=12). 

Fatores com influência positiva no grupo de adesão Média
Incapacidade social 4,0
Motivação 3,72
Distância do local de tratamento 3,66
Autoeficácia 3,54
Preço do transporte 3,5
Incapacidade psicológica 3,50
Grau de risco atribuído à doença 3,37
Conhecimento do Profissional 3,33
Incapacidade física 3,33
Expectativas 3,27
Violência na localidade 3,25
Efeitos colaterais da medicação 3,20
Qualidade da comunicação e interação com profissional de saúde 3,18
Explicação do médico ou equipe 3,16
Melhora imediata dos sintomas 3,12
Acesso aos medicamentos 3,11
Regime terapêutico complexo 3,11
Conhecimento acerca da doença 3,11
Apoio Social 3,0
Natureza da doença 3,0
Mudança de hábitos de vida 3,0

Quadro 2 Fatores percebidos com influência negativa pelo grupo de participantes considerados com não adesão em ordem decrescente (n=13). 

Influência negativa no grupo de não adesão Média
Acesso aos medicamentos 3,11
Conhecimento do profissional 3,5
Mudança de hábitos de vida 3,5
Horários e duração das consultas 3,0
Explicação do médico ou equipe 3,0
Incapacidade psicológica 3,0
Natureza da doença 3,0
Recursos psicológicos 3,0

DISCUSSÃO

Observa-se que a maioria dos participantes (71,6%) tinha apenas a HAS como doença crônica, enquanto 24,7% tinham HAS e DM concomitantemente e 3,7% apenas DM. Esses dados corroboram a diferença entre a prevalência de HAS (acima de 30%) e DM (em torno de 7,6%) na população adulta brasileira (SBD, 2023; SBH, 2020). Embora a pesquisa tenha sido aberta à participação de pessoas com HAS e/ou DM, é interessante observar que 96,3% dos participantes tinham HAS e que tal dado reforça que, no Brasil, se trata de uma doença crônica que merece grande atenção, a fim de que medidas preventivas sejam elaboradas e implementadas.

Quanto à escolaridade, observou-se um equilíbrio entre os pacientes com ensino fundamental, completo ou incompleto, totalizando 40,7%, e os pacientes com ensino médio, completo ou incompleto, também totalizando 40,7%. Participantes com ensino superior completo representaram 18,5% do grupo. Todavia, as diretrizes brasileiras de hipertensão (SBH, 2020) indicam que a HAS é mais prevalente entre indivíduos com menor escolaridade, o que difere dos resultados encontrados. É possível que em estudos anteriores a baixa escolaridade tenha sido identificada como um fator importante para o desenvolvimento das doenças crônicas devido à falta de acesso à informação. Entretanto, atualmente, a informação parece estar sendo difundida por diversos meios de comunicação e nos diversos contextos, chegando a pessoas com menor nível de escolaridade. Pode-se supor, portanto, que, no lugar da baixa escolaridade, outros fatores estejam tendo maior influência no desenvolvimento da doença crônica, como estilo de vida pouco saudável, estresse, violência urbana, sedentarismo, obesidade, excesso de atividades e compromissos, entre outros. De todo modo, é importante que sejam realizados estudos com grande número de pacientes para que se possa esclarecer as principais influências no desenvolvimento das doenças crônicas.

Ainda nessa etapa, buscou-se investigar o nível de adesão dos participantes. Ainda que a adesão seja uma variável muito difícil de quantificar, diversos estudos já foram desenvolvidos e uma variedade de instrumentos foram criados com esse objetivo. A maior parte dos instrumentos busca medir a adesão a medicamentos ou à atividade física ou à dieta alimentar, sendo muito sucintos. Pensando em desenvolver um instrumento que medisse as distintas recomendações médicas importantes para o tratamento de HAS e DM, como medicação, exercícios físicos, mudança no estilo alimentar, controle do peso, entre outros, as autoras desenvolveram uma escala analógica que varia de 0 a 10, em forma de uma régua com 10 cm. A escolha desse formato se justifica pelo fato de a adesão poder variar em um contínuo de 0 a 10 ou de 0 a 100, conforme observado em alguns estudos (Osterberg & Blaschke, 2005; Barbosa & Lima, 2006; Santos & Andrade, 2020).

Alguns autores consideram adesão uma taxa acima de 80% de comportamentos correspondendo às recomendações médicas (Alves & Calixto, 2012; Delgado & Lima, 2001; Leite & Vasconcellos, 2003; Roquini et al., 2021). No presente estudo, a média máxima no QIA obtida poderia ser de até 10, sendo a média oito, equivalente à adesão de 80% das recomendações. Dessa forma, foram considerados aderentes 16,9% dos participantes, 18,3% não aderiam e 64,8% aderiam parcialmente às recomendações médicas. Outros estudos com pacientes com HAS mostram que cerca de 40 a 70% não fazem uso da medicação prescrita corretamente e esse valor tende a ser maior quando considerados outros comportamentos de adesão, como dieta e prática de atividade física. Refletindo sobre os participantes deste estudo que não seguem corretamente a prescrição médica, isto é, os não aderentes e os que aderem parcialmente, tem-se um valor bastante expressivo de 83,1%. Diversos fatores podem influenciar na não adesão e eles serão discutidos posteriormente, quando os dados do QFIA forem analisados. A não adesão às recomendações é um problema muito grave, considerando a prevalência da HAS e da DM e suas repercussões, como as doenças cardiovasculares (WHO, 2023).

Esses dados levam a pensar que as estratégias precisam ser elaboradas e colocadas em prática o quanto antes. Sabe-se que a adesão ao tratamento proposto pela equipe de saúde é fundamental para sua efetividade, para a redução dos sintomas e para o não agravamento da doença, levando a uma diminuição no número de internações e da taxa de morbimortalidade relacionadas às DCNT (WHO, 2023).

Analisando-se as médias de adesão para cada recomendação recebida, pode-se observar que o uso da medicação teve o grau de importância correspondendo a uma alta adesão, com média de 9,1 em uma escala de 0 a 10 - sendo, inclusive, o comportamento com a maior média de adesão. Outros comportamentos de saúde também considerados como muito importantes tiveram médias de adesão baixas: mudança no estilo alimentar ficou em 7º lugar, com média de 6,3; controle do peso aparece em 12º lugar, com média de 5,3; e prática regular de atividade física ficou em último lugar, com média de 3,7. Esses dados estão de acordo com várias pesquisas sobre adesão ao tratamento da doença crônica, nas quais percebe-se que a taxa de adesão diminui quando relacionada a comportamentos de estilo de vida (Moura et al., 2015). Supõe-se que o uso da medicação é visto pelo público geral como o comportamento mais importante para o efetivo controle da doença crônica. Além disso, tomar remédio exige menos esforços do que as mudanças no estilo de vida e traz resultados mais imediatos. Por esse motivo, acredita-se na importância de planejar e implementar campanhas com divulgação dos resultados de estudos científicos para o público geral.

Dando continuidade ao levantamento feito no estudo por meio dos resultados do QFIA, os itens percebidos pelos participantes como os que mais influenciavam positivamente a adesão ao tratamento foram: conhecimento do profissional, motivação do paciente para seguir o tratamento, explicação do médico e acesso aos medicamentos. Observa-se que dois desses itens estão relacionados à relação médico-paciente, ressaltando a importância da manutenção de uma boa relação entre a equipe profissional e os pacientes. Supõe-se que tanto a postura quanto a forma como o profissional passa as informações para o paciente influenciam a percepção deste quanto à sua capacidade e conhecimento acerca da doença e do tratamento. Tal questão é ressaltada pela OMS (WHO, 2003), que considera que a relação médico-paciente tanto pode melhorar a adesão quanto ter o efeito contrário, pois depende do tipo de relação estabelecida entre ambos.

A comunicação empática na relação médico-paciente tem sido bastante valorizada e é definida como uma habilidade cognitiva que envolve a compreensão dos sentimentos do paciente. De acordo com Villar et al. (2021), nas relações interpessoais, inerentes ao exercício profissional da medicina, é a qualidade do encontro que determina sua eficiência. Segundo os autores, a doença pode provocar um sentimento de isolamento nos pacientes que desejam ter seus sentimentos, ideias e dilemas entendidos pelo profissional que os acompanham. Assim, a familiaridade, a confiança e a colaboração nos processos diagnóstico e terapêutico estão altamente implicadas no resultado da prática médica. Pode-se considerar ainda que, a partir de um encontro empático entre profissional e paciente, o médico tem a oportunidade de ajustar suas recomendações ao nível de entendimento do indivíduo, utilizando uma linguagem acessível, além de considerar as possíveis dificuldades e limitações que esse sujeito pode encontrar no seu dia a dia.

Outro item citado pelos participantes foi a motivação para seguir o tratamento, assinalando uma característica pessoal no processo de adesão. Supõe-se que os pacientes que mencionaram a motivação se percebem como responsáveis pelo próprio tratamento, não distinguindo apenas motivos externos para justificar seu comportamento de adesão. Quanto a essa característica, o indivíduo que se diz motivado tem maior chance de aderir ao tratamento. Guimarães (2019) afirma que a motivação é uma das estratégias para melhorar a adesão ao tratamento em pacientes diabéticos juntamente a prontidão para modificar o estilo de vida, aceitação da doença e apoio familiar.

O acesso aos medicamentos também foi um item considerado influenciando positivamente a adesão, o que vai de encontro à informação de que o uso de medicação é a recomendação com média de adesão mais alta, o que foi obtido no estudo. Provavelmente, como o uso do medicamento é um comportamento considerado pelos pacientes como importante para o tratamento, o acesso a ele ganha importância, por facilitar tal ação.

Acredita-se que o profissional da saúde tem um papel fundamental no processo de motivação dos pacientes para adesão ao tratamento proposto. Guimarães (2019) refere que não basta prescrever medicamento, dieta e atividade física para obter uma boa resposta à terapêutica em pacientes com DM, é necessário motivá-los e oferecer suporte adequado para as mudanças de comportamento necessárias, além de medidas educacionais. Nesse sentido, a entrevista motivacional (EM) desempenha um papel importante para melhorar a adesão, ativando a própria motivação do paciente para a mudança de comportamento. Dessa forma, ressalta-se a importância do conhecimento e do uso da EM pelos profissionais, de modo que tal ferramenta faça parte de programas de apoio a pacientes com doenças crônicas (Guimarães, 2019). Com base na importância da motivação verificada na literatura em termos teóricos e práticos, princípios da EM foram utilizados na intervenção elaborada neste estudo.

Entre os itens percebidos pelos participantes como os que mais influenciavam negativamente a adesão ao tratamento, encontram-se a falta de melhora imediata dos sintomas, a falta de recursos psicológicos para lidar com a doença, os horários e a duração das consultas médicas e a falta de conhecimento do profissional. Supõe-se que a expectativa de melhora imediata dos sintomas está relacionada com uso da medicação, tido por alguns pacientes como “milagroso”, gerando a expectativa de produzir efeito de maneira isolada, sem que seja necessário mudar seu estilo de vida. Quando o paciente percebe que o medicamento pode não ser suficiente para a melhora do quadro de sintomas, isso influencia negativamente sua adesão ao tratamento.

Outro fator agravante para a adesão é a falta de recursos psicológicos para lidar com a doença e as dificuldades que ela acarreta. White (2001) afirma que, geralmente, é aceito que cerca de 20 a 25% dos pacientes com problemas médicos crônicos experienciam sintomas psicológicos clinicamente significantes. Os indivíduos podem ter problemas psicológicos coexistentes, que muitas vezes podem complicar o manejo das questões médicas. Ainda segundo o White (2001), há um grupo de pacientes cujos problemas médicos crônicos, por si só, conferem vulnerabilidade psicológica para vivenciar problemas desencadeados por outros eventos da vida. Esses dados indicam a necessidade de a intervenção junto aos pacientes levar em consideração não apenas aspectos médicos do tratamento, mas também suporte emocional e utilização de estratégias eficazes de resolução de problemas.

White (2001) sugere que as intervenções para doenças crônicas precisam procurar entender o sistema de interpretações cognitivas pelo qual os pacientes atribuem significados às suas experiências da doença e tratamento. Nesse sentido, a terapia cognitivo-comportamental se revela bastante adequada para o entendimento dos significados atrelados ao diagnóstico e ao gerenciamento de doenças crônicas, uma vez que coloca a capacidade de construção de significado dos pacientes no cerne do esforço terapêutico. O protocolo desenvolvido buscou permitir que os participantes do grupo que recebeu a intervenção na terceira etapa do estudo desenvolvessem estratégias eficazes para compreender esse processo cognitivo e desenvolvessem recursos psicológicos mais adaptativos para lidar com as dificuldades encontradas ao longo do caminho.

Outro fator que, segundo os participantes, influencia negativamente na adesão, e, possivelmente, na relação médico-paciente, são os horários e a duração das consultas. Segundo relatos dos participantes da pesquisa, quando o indivíduo é atendido pelo SUS os atendimentos não têm hora marcada - e esse é o caso a maioria dos pacientes do estudo. Em geral, são atendimentos por ordem de chegada, o que leva muitos deles a terem que chegar de madrugada ou muito cedo na instituição para conseguirem ser atendidos mais cedo. Ainda segundo os pacientes, se chegam e a fila já está grande, o tempo de espera pode demorar horas, por vezes uma manhã inteira. Outra reclamação constante é o tempo de consulta, considerado pelos participantes como sendo muito curto. Supõe-se que uma melhora nos atendimentos de saúde e um acesso facilitado a eles possa intervir positiva e diretamente na adesão dos pacientes ao tratamento médico. Dessa forma, sugere-se que estratégias a esse respeito sejam pensadas pelas políticas de saúde no sentido de melhorar o acesso aos atendimentos médicos. Como mencionado, a percepção a respeito do conhecimento médico também foi considerada importante na não adesão, sendo fácil supor que influencie a relação médico-paciente e, consequentemente, a adesão do paciente ao tratamento.

Tais dados levam a refletir sobre as estratégias que podem ser planejadas para melhorar a adesão. Parece fundamental que elas tenham em seu escopo ações direcionadas para melhorar a relação médico-paciente, além de ações organizacionais que pretendam melhorar a qualidade da estrutura onde o serviço é oferecido. De acordo com Villar et al. (2021), a qualidade da relação com a equipe de saúde é importante para formar uma aliança terapêutica entre profissional e paciente, de modo que dúvidas e dificuldades possam ser detectadas e resolvidas. Além disso, a receptividade no serviço e/ou atendimento médico funcionaria como fator motivacional para que os pacientes passem a frequentar os programas de controle da HAS.

Por fim, na análise dos dados coletados na segunda etapa do estudo, objetivou-se investigar quais fatores foram percebidos como influências positivas pelos participantes considerados aderentes às recomendações e quais foram percebidos como influências negativas pelos participantes considerados não aderentes às recomendações. Os fatores que contribuíram positivamente para os pacientes aderentes foram acrescentados ao protocolo de intervenção elaborado e administrado na terceira etapa do estudo, com o objetivo de serem reforçados para que, assim, possam agir para aprimorar o nível de adesão. São eles: apoio social, preço do transporte, distância até o local de tratamento, ausência de violência na localidade, acesso aos medicamentos, conhecimento do profissional, explicação do médico ou equipe, qualidade da comunicação e interação com profissional da saúde, ausência de incapacidades física, psicológica e social gerados pela doença, grau de risco baixo atribuído à doença, natureza da doença (saber que ela é crônica e não tem cura), melhora imediata dos sintomas, falta de ou poucos efeitos colaterais da medicação, regime terapêutico, mudança de hábitos de vida, conhecimento acerca da doença, expectativas, motivação e autoeficácia. Pode-se observar que diversos fatores são considerados do ponto de vista positivo, abrangendo múltiplas áreas de atuação. Para uma intervenção eficaz, na presente pesquisa buscou-se abordar todos os fatores, uns com maior e outros com menor ênfase, variando de acordo com o grau de importância de cada um e com a possibilidade de serem estrategicamente desenvolvidos.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

É sabido que para o sucesso do tratamento de uma doença crônica é necessário que o paciente participe ativamente e siga as recomendações da equipe de saúde. Contudo, dados mostram que a maioria dos pacientes não segue as recomendações correta ou completamente. A partir dos dados levantados neste estudo, observa-se a importância de analisar e entender os aspectos que interferem no comportamento de adesão ou não adesão ao tratamento proposto pela equipe de saúde, para que, assim, seja possível planejar estratégias personalizadas para mudança de comportamento. Os instrumentos desenvolvidos no estudo possibilitarão que outros profissionais possam utilizá-los para conhecer melhor seus pacientes e os fatores que atuam na realidade deles. Diante dessas informações, poderão elaborar um plano de ação específico e com maiores chances de eficácia.

Deve-se considerar que este estudo teve uma limitação importante relativa ao número de participantes. Sabe-se que quanto maior a amostra, mais significativos são os resultados, logo, os achados deste estudo não devem ser generalizados. Apesar dessa limitação, acredita-se que esta investigação pode trazer contribuições relevantes para a área e indicar quais fatores colaboram para a adesão, assim como aqueles que a dificultam. Além disso, os resultados encontrados podem servir de base para futuros estudos que procurem controlar variáveis que possam ter interferido nos resultados encontrados nesta pesquisa. Espera-se que tais conhecimentos possam colaborar no planejamento de ações que auxiliem a população a aderir às recomendações médicas, mudar hábitos pouco saudáveis e melhorar a qualidade de vida.

Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Recebido: 03 de Outubro de 2023; Aceito: 16 de Novembro de 2023

Correspondência: Raquel Ayres de Almeida. E-mail: quelayres@gmail.com

Editora responsável: Carmem Beatriz Neufeld.

Trabalho vencedor na categoria Tese de Doutorado do Prêmio Monográfico Bernard Rangé do ano de 2017

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