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Revista Brasileira de Terapias Cognitivas

versão impressa ISSN 1808-5687versão On-line ISSN 1982-3746

Rev. bras.ter. cogn. vol.19 no.spe1 Rio de Janeiro  2023  Epub 15-Jul-2024

https://doi.org/10.5935/1808-5687.20230033 

Pesquisa Empírica

Processo de desenvolvimento e propriedades psicométricas da versão abreviada do Inventário de Pensamentos Automáticos Negativos e Positivos para Adolescentes (IPANPA-30)

Development process and psychometric properties of the brief version of the Adolescents Negative and Positive Automatic Thoughts Inventory (IPANPA-30)

Mariana Verdolin G. Froeseler1 

Ronaldo Santhiago Bonfim de Souza1 

Susana Ines Núñez Rodriguez2 

Maycoln Leôni Martins Teodoro3 

1Consultório particular, Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil

2Universidade Salgado de Oliveira, Programa de Pós-graduação em Psicologia - Niterói - Rio de Janeiro - Brasil

3Universidade Federal de Minas Gerais, Programa de Pós-graduação em Psicologia: Cognição e Comportamento - Belo Horizonte - Minas Gerais - Brasil


RESUMO

Pensamentos automáticos são produtos cognitivos que assumem importante papel no modelo cognitivo genérico de Aaron Beck. Essa importância fica evidente em pesquisas sobre os aspectos cogni tivos em diferentes problemas psicológicos, faixas etárias e culturas. No entanto, no contexto brasi leiro, verificava-se, até o momento, a ausência de uma ferramenta original destinada à avaliação do construto em adolescentes. O objetivo deste artigo é apresentar a versão abreviada do Inventário de Pensamentos Automáticos Negativos e Positivos para Adolescentes (IPANPA-30), instrumento de avaliação de pensamentos automáticos com evidências de validade e precisão. Participaram 1.132 adolescentes (entre 11 e 19 anos, M = 13,8) que preencheram coletivamente versões do IPANPA e outros instrumentos. Os resultados foram analisados por meio de análise fatorial exploratória, que indicou os itens com melhores cargas fatoriais para compor a versão reduzida do IPANPA, com 30 itens. Na análise fatorial confirmatória (AFC), o modelo teoricamente esperado foi consolidado como o mais ajustado aos dados. A análise de correlação de Spearman apontou para evidências de validade entre o IPANPA e os construtos adjacentes, e foram verificados índices adequados e ótimos de consistência interna do instrumento. Assim, o IPANPA-30 apresenta-se como uma ferramenta apropriada para avaliação de pensamentos automáticos em adolescentes.

Palavras-chave: Adolescente; Terapia cognitivo-comportamental; Cognição

ABSTRACT

Automatic thoughts are cognitive products that play an important role in Becks generic cognitive model. This relevance is evident throughout research on the cognitive aspects of different psych ological problems, age range and cultural groups. However, in the Brazilian context, until now, there was an absence of an original instrument designed to assess the construct in adolescents. Thus, the aim of this research is to present the brief version of the IPANPA 30, as an automatic thoughts assessment instrument with its evidence of validity and accuracy. For this aim, a total of 1,132 adolescents (aged between 11 and 19 yo, M =13.8) completed versions of the IPANPA and other instruments. The data was analyzed using exploratory factor analysis, which indicated the items with the best factor loadings to compose the reduced version of IPANPA with 30 items. In the confirmatory factor analysis, the theoretically expected model was consolidated as the best fit to the data. Spearmans correlation analysis pointed to evidence of validity between the IPANPA and adjacent constructs, and adequate and optimal indices of internal consistency were found. Therefore, IPANPA 30 presents itself as an appropriate instrument for evaluating auto matic thoughts in adolescents.

Keywords: Cognitive Behavioral Therapy; Adolescent; Cognition

INTRODUÇÃO

Pensamentos automáticos são um importante construto do modelo cognitivo geral de Aaron Beck, também chamado de modelo cognitivo genérico ou modal (Beck, 2012; Beck & Haigh, 2014). Nessa concepção, as psicopatologias, assim como os problemas psicológicos cotidianos, seriam explicados pela ativação acentuada e descontextualizada de padrões de funcionamento adaptativos, sendo a diferença entre funcionalidade e disfuncionalidade fundamentalmente quantitativa. A partir da rápida avaliação do estímulo pelo esquema orientativo, ocorre a ativação do modo, suborganização específica composta por sistemas (esquemas) cognitivo, emocional, fisiológico, motivacional e comportamental. Quando um modo específico é ativado (p. ex., modo defensivo), seus componentes esquemáticos atuam de forma integrada, produzindo respostas congruentes, sendo elas mais ou menos intensas a depender do grau de energização do modo e da exposição ao agente ativador (Beck, 2012; Beck & Haigh, 2014).

Do ponto de vista clínico, o modelo cognitivo genérico propõe que as psicopatologias, ou problemas clínicos, se diferenciam pelo conteúdo de seus esquemas, ou modos primários. A depender da natureza do modo mais energizado de um indivíduo, este irá responder de forma mais intensa e desproporcional a situações que preencham as regras de ativação do modo. Cabe, então, à psicoterapia de base cognitiva desenergizar o modo, modificar sua estrutura e conteúdo e, adicionalmente, contribuir para a formação de modos mais adaptativos e neutralizadores dos modos primários disfuncionais (Beck, 2012).

Os pensamentos automáticos, elemento-alvo no presente artigo, compõem o esquema cognitivo (ou de processamento da informação) juntamente às crenças, memórias e expectativas. Esse esquema é responsável pelo processamento de informação e atribuição de significado, sendo que tais processos, apesar de ocorrerem fora da consciência, podem ser acessados conscientemente. De maneira específica, há dois sistemas no esquema cognitivo: o primitivo (primário) e o consciente (secundário). Os pensamentos automáticos são produtos do primeiro, mas são refinados ou corrigidos pelo trabalho metacognitivo do sistema consciente (Beck, 2012; Beck & Haigh, 2014).

Conceitualmente definidos como o produto mais superficial, mas ainda não plenamente consciente, da ativação dos esquemas cognitivos, os pensamentos automáticos são a “porta de entrada” das intervenções cognitivas na terapia cognitivo-comportamental (TCC) de Beck (Beck, 2013; Fenn & Byrne, 2013) e são frequentemente avaliados nas pesquisas empíricas sobre os modelos cognitivos de diferentes condições psicológicas, faixas etárias e culturas (Du et al., 2015; Hou et al., 2020; Irfan, & Zulkefly, 2019; Ishak et al., 2023; Kumar, 2023; Yavuz et al., 2022).

Junto aos pensamentos automáticos, a tríade cognitiva é outro importante construto do modelo cognitivo geral (Beck, 2013), e, mais especificamente, do modelo cognitivo da depressão (Golonka et al., 2023; Pössel & Smith, 2020). A tríade cognitiva é o conjunto de crenças centrais que um indivíduo apresenta sobre si mesmo, sobre o mundo e outras pessoas e sobre o futuro. Essas crenças são ideias rígidas, generalizadas e que, a partir de seu desenvolvimento na infância e adolescência, influenciam o modo como novas informações e experiências são interpretadas e experenciadas. No modelo cognitivo da depressão, a tríade cognitiva é essencialmente negativa e vem acompanhada de crenças intermediárias (atitudes) disfuncionais e uma maior propensão a distorções cognitivas (Pössel & Smith, 2020).

De acordo com Neufeld e Cavenage (2010), as crenças centrais aparecem em duplas, uma positiva e outra negativa, que podem ser funcionais ou disfuncionais, a depender do contexto de ativação: uma crença positiva sobre o self pode ser disfuncional, por exemplo, se é ativada na ausência de evidências favoráveis. Pensamentos automáticos e tríade cognitiva interagem dentro do modelo modal considerando que ambos são conteúdo dos esquemas cognitivos: o primeiro mais superficial e acessível à avaliação, e o outro mais interno e arraigado, mas que pode emergir eventualmente como um pensamento automático (Beck & Haigh, 2014).

Avaliação quantitativa de construtos do modelo cognitivo

Em importante e clássico artigo sobre instrumentos de avaliação de construtos cognitivos, Clark (1988) sintetizou achados de 20 anos de estudos na área e concluiu que, apesar de importantes avanços, muitos problemas conceituais e metodológicos permaneciam presentes. Fracas evidências psicométricas, dúvidas acerca da validade da avaliação a processos e produtos de difícil acesso consciente via instrumentos de autorrelato e dificuldade de generalizar os achados foram apontados pelo autor como principais problemas. Outra questão importante é o uso indiscriminado de questionários de “final de livro”, que não apresentam evidências psicométricas consistentes que subsidiem seu uso (Teodoro et al., 2014).

De acordo com as diretrizes internacionais (American Educational Research Association, American Psychological Association, & National Council on Measurement in Education [AERA/APA/NCME], 2014; International Test Comission [ITC], 2001) e nacionais (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2022), instrumentos que avaliam construtos psicológicos precisam apresentar bases teóricas e evidências empíricas que sustentem sua adequada utilização. Entre elas, cabe destacar as definições conceitual e operacional do construto-alvo, evidências de que o instrumento produz informações pertinentes e precisas sobre ele, assim como referências de correção e comparação dos resultados que possibilitem que diferentes níveis de intensidade da característica sejam diferenciados.

Em revisão narrativa da literatura, Froeseler et al. (2013) encontraram 28 instrumentos de avaliação de pensamentos automáticos, sendo apenas quatro destinados à população infantojuvenil, aliada à ausência de instrumento original no Brasil e apenas um estudo de adaptação transcultural (Teodoro et al., 2013). Para uso profissional por psicólogas e psicólogos, atualmente está disponível a Escala de Pensamentos Depressivos (EPD; Carneiro & Baptista, 2012). Com base na tríade cognitiva de Aaron Beck, a EPD avalia pensamentos distorcidos comumente associados à depressão. Com parecer favorável no Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi; Conselho Federal de Psicologia) e estudos normativos válidos até 2030, esse teste psicológico pode ser utilizado para avaliar pensamentos depressivos em indivíduos de 18 a 59 anos.

Para uso em pesquisas, o número de instrumentos que avaliam construtos do modelo cognitivo é consideravelmente maior. Destacam-se aqui o Inventário da Tríade Cognitiva (ITC; Teodoro et al., 2016) e sua versão para crianças e adolescentes (ITC-CA; Teodoro et al., 2015), que avaliam a tríade cognitiva; a Escala de Atitudes Disfuncionais para Crianças e Adolescentes (DAS-C; Ohno et al., 2018), que mensura crenças intermediárias disfuncionais; e a Escala de Pensamentos Automáticos (EPA; Teodoro et al., 2013), também destinada a crianças e adolescentes, que avalia o construto pensamentos automáticos, diferenciando-se do IPANPA por sua ênfase em pensamentos automáticos relacionados a sintomas internalizantes (ansiedade e depressão) e externalizantes (agressividade e hostilidade). A despeito do cuidadoso processo seguido pelos autores nos processos de adaptação desses instrumentos para o contexto brasileiro (Cassepp-Borges et al., 2010), destaca-se a contribuição do IPANPA como uma ferramenta originalmente desenvolvida em nossa realidade, tendo como ponto de partida uma teoria sólida (modelo cognitivo geral), voltada para a avaliação de pensamentos positivos e negativos e um estudo empírico sobre pensamentos que adolescentes costumam experienciar.

O Inventário de Pensamentos Automáticos Negativos e Positivos para Adolescentes (IPANPA)

O IPANPA é um inventário de autorrelato desenvolvido por Froeseler (2015) que visa avaliar a frequência de pensamentos automáticos positivos e negativos em adolescentes. Sua construção foi norteada pelo modelo cognitivo de Aaron T. Beck (Beck, 2012; Beck & Alford, 2011), mais especificamente pela tríade cognitiva, e pelos construtos autoconceito, otimismo e positividade (Beck et al., 1990; Bastianello et al., 2014; Caprara et al., 2012). A versão preliminar do inventário, com 136 itens, foi construída a partir da revisão da literatura e da verificação empírica dos pensamentos positivos e negativos mais frequentes entre uma amostra de adolescentes (Froeseler, 2015). As respostas ao IPANPA são dadas a partir de uma escala Likert de quatro pontos que indicam a frequência do pensamento na última semana, variando de “não passou pela minha cabeça” (0 ponto) a “não saiu da minha cabeça” (3 pontos).

O IPANPA com 136 itens foi respondido por 652 adolescentes, sendo a maior parte do sexo feminino (66,4%), com idades entre 10 e 19 anos (M = 14,2 anos; DP = 1,9 anos). Todos os participantes da pesquisa eram estudantes de escolas públicas (n = 517; 79,3%) e privadas (n = 135; 20,7%). Os resultados foram submetidos a análises fatoriais exploratórias, pelo método de análise dos eixos principais e rotação oblíqua (Direct Oblimin), pois assumiu-se que poderia haver correlações entre os fatores. Foram adotados como procedimentos de extração dos fatores o critério de Kaiser (autovalores maiores que 1,00), a análise visual do gráfico de sedimentação e a avaliação do grau de variância explicada por cada fator originalmente encontrado.

Como esperado teoricamente, Froeseler (2015) encontrou em cada fator teórico (tríade cognitiva positiva e negativa) uma estrutura unifatorial. A fim de produzir uma versão com 60 itens (IPANPA-60) que pudesse ser posteriormente utilizada em pesquisas, foram selecionados, em cada um dos seis fatores teóricos, os 10 itens com maiores cargas fatoriais, considerados como melhores representantes dos traços latentes em questão. Novas análises fatoriais foram empreendidas com os 60 itens selecionados, que apontaram para a solução bifatorial como a mais adequada, com separação total entre os itens positivos e negativos. A solução com seis fatores também se mostrou adequada, levando a autora a indicar uma possível estrutura hierárquica no IPANPA-60, com seis fatores de primeira ordem (self, mundo e futuro positivos e negativos) e dois fatores de segunda ordem (positividade e negatividade).

Além da evidência preliminar de validade de construto, fornecida pelos resultados das análises fatoriais exploratórias, Froeseler (2015) também apresentou evidências de fidedignidade do instrumento por meio de estimativas de consistência interna. Os valores dos alfas de Cronbach variaram entre 0,88 e 0,93 para as seis subescalas, sendo 0,92 para a escala negatividade (itens negativos) e para a escala total (60 itens) e 0,95 para a escala positividade (itens positivos). Considerase como desejável que instrumentos psicológicos apresentem valores de alfa superiores a 0,80 (Peixoto & Ferreira-Rodrigues, 2019).

Desde a sua construção, o IPANPA apresenta-se como uma ferramenta adequada na avaliação de pensamentos automáticos em adolescentes no contexto de pesquisa e um instrumento promissor para a clínica em terapia cognitiva. Os resultados apresentados até aqui (Froeseler, 2015; Froeseler et al., 2018) são evidências preliminares de sua validade e precisão, mas, considerando que a adequada utilização de instrumentos e testes psicológicos depende de uma coletânea de evidências de suas propriedades psicométricas em diferentes contextos, há espaço para estudos de validação mais robustos. Além disso, para que a utilização do IPANPA seja difundida entre pesquisadores da área, mostra-se relevante o desenvolvimento de uma versão abreviada que mantenha características vantajosas da versão com 60 itens (como a aplicação coletiva) e que, por conta de seu menor tamanho, demande menos tempo e menos desgaste caso venha a compor um protocolo de avaliação.

Diante disso, o presente estudo tem por objetivo apresentar o IPANPA-30 como alternativa viável na avaliação de cognições de adolescentes no contexto de pesquisa, o qual, por seu tamanho reduzido, demanda pouco tempo para aplicação e pode compor avaliações com outros instrumentos. Também objetiva-se verificar, via análise fatorial confirmatória (AFC), se o modelo hierárquico com seis fatores de primeira ordem (tríade cognitiva positiva e negativa) e dois de primeira ordem (positividade e negatividade) é o mais adequado aos dados. A seguir, serão apresentados o processo de produção do IPANPA-30 (estudo 1) juntamente a evidências iniciais de fidedignidade (consistência interna) e validade (fatorial, convergente e discriminante) (estudo 2). O instrumento está disponibilizado ao final deste artigo (Anexo 1). Sua utilização para fins de pesquisa está permitida sem que haja necessidade de contato com os autores, desde que o presente artigo seja devidamente citado.

MÉTODO

Amostras

Participaram do presente estudo duas amostras diferentes de participantes, sendo ambas provenientes da população geral (amostras não clínicas). A primeira (estudo 1) contou com 656 jovens com idades entre 10 e 19 anos (M = 14,3 anos; DP = 1,9 anos), sendo 66,4% do sexo feminino (n = 433), estudantes de escolas públicas e particulares da capital mineira e de uma cidade na região metropolitana. A segunda amostra (estudo 2) foi composta por 476 adolescentes com idades entre 11 e 19 anos (M = 13,3 anos; DP = 1,6 anos), sendo 58,6% do sexo feminino (n = 279), estudantes de escolas públicas e particulares da capital e outras duas cidades nas regiões oeste e centro-oeste do estado de Minas Gerais.

Instrumentos

No estudo 1, que teve por objetivo produzir a versão reduzida do instrumento (IPANPA-30), o único instrumento utilizado foi o IPANPA-136 (versão preliminar), previamente apresentado na Introdução deste artigo e em Froeseler (2015). No estudo 2, que objetivou verificar evidências de validade e fidedignidade do IPANPA, todos os participantes responderam à versão com 60 itens (Froeseler, 2015). Da amostra total, 345 sujeitos (58,6% do sexo feminino; 11 a 19 anos; M = 13,3 anos; DP = 1,6 anos) também responderam a outros três instrumentos: o Inventário de Tríade Cognitiva para Crianças e Adolescentes (ITC-CA; Teodoro et al., 2015), a Escala de Resiliência (Pesce et al., 2005) e o Inventário do Clima Familiar (ICF;Teodoro et al., 2009).

O ITC-CA foi originalmente desenvolvido por Kaslow et al. (1992) como um instrumento destinado à avaliação da tríade cognitiva negativa da depressão em crianças e adolescentes. Sua adaptação para o português brasileiro foi feita por Teodoro et al. (2015) por meio de processo de tradução e retrotradução, seguido da verificação de evidências de validade (convergência com uma escala de pensamentos automáticos) e precisão. Nesse inventário, afirmações como “A maioria das pessoas é amigável e prestativa” e “O mundo é um lugar muito malvado” devem ser marcadas com “sim”, “não” ou “talvez” a depender do quanto descrevem os pensamentos atuais do jovem. Análises fatoriais confirmatórias sugerem uma solução de seis fatores (tríade positiva e negativa) como a mais adequada aos dados, tendo tais fatores apresentado alfas de Cronbach entre 0,6 e 0,74 (Teodoro et al., 2015). Neste estudo optou-se por acrescentar o cálculo dos escores de positividade (tríade positiva) e negatividade (tríade negativa) a fim de compará-los com os equivalentes do IPANPA. Do ponto de vista da precisão do ITC-CA, no presente estudo foram encontrados índices adequados de consistência interna (alfas de Cronbach [α] e ômegas de McDonald [ω] superiores a 0,70).

A Escala de Resiliência foi desenvolvida originalmente por Wagnild e Young (1993) para medir os níveis de adaptação psicossocial positiva diante de eventos de vida adversos em adultos (Pesce et al., 2005). A adaptação transcultural conduzida por Pesce et al. (2005) foi empreendida com escolares com idades entre 12 e 19 anos, tendo o processo englobado procedimentos teóricos e empíricos. Os 25 itens da escala se agrupam em três fatores: resolução de ações e valores que dão sentido à vida; independência e determinação; e autoconfiança e capacidade de adaptação às situações. A despeito da solução trifatorial, os autores da adaptação apresentaram apenas o índice de confiabilidade para a escala total (alfa de Cronbach de 0,85). No presente estudo, a escala total e o fator 1 apresentaram índices adequados de confiabilidade (> 0,7), o não foi encontrado ao considerar os itens dos fatores 2 (independência e determinação; ω = 0,34) e 3 (autoconfiança e capacidade de adaptação; ω = 0,45).

Por fim, o Inventário do Clima Familiar (ICF; Teodoro et al., 2009) destina-se à avaliação da dinâmica familiar na perspectiva de adolescentes, considerando um modelo composto por quatro fatores: coesão, apoio, conflito e hierarquia. O primeiro relaciona-se à percepção de vínculo emocional, e o segundo à percepção de suporte emocional e material entre os membros da família. Conflito e hierarquia relacionam-se, respectivamente, à percepção de relacionamentos familiares marcados por crítica e agressividade, e uma clara diferenciação de poder entre os membros (Teodoro et al., 2009). No estudo original, o ICF apresentou adequados índices de precisão (alfas de Cronbach entre 0,71 e 0,84) e evidências favoráveis de validade baseadas em análises fatoriais exploratória e confirmatória. No presente estudo, os índices de consistência interna do inventário ficaram todos acima do aceitável (> 0,70).

Procedimentos de pesquisa

As coletas de dados foram presenciais, conduzidas em escolas selecionadas por conveniência. Pesquisadores previamente treinados e familiarizados com os instrumentos visitaram os adolescentes em horário de aula e fizerem o convite para participação na pesquisa. Aqueles que se interessaram em participar e cujos responsáveis tivessem assinado o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido participaram, também em horário de aula, de aplicações coletivas dos instrumentos. Não foram fornecidos feedbacks individuais para os participantes, mas as escolas interessadas receberam relatórios gerais sobre os resultados dos alunos. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (Protocolo nº 0041.0.390.000-09).

Análise de dados

Foram conduzidas análises de dados distintas em cada um dos estudos apresentados neste artigo. No estudo de produção do IPANPA-30 (estudo 1), foram realizadas análises fatoriais exploratórias com as respostas dos participantes à versão preliminar do IPANPA, com 136 itens. A análise fatorial exploratória objetiva conhecer a estrutura subjacente às variáveis empíricas por meio da verificação de padrões de variância e covariância entre os dados (León, 2011). Para a análise fatorial exploratória, optou-se pelo método de análise dos eixos principais e rotação oblíqua, utilizado quando se assume que os fatores podem correlacionar-se entre si. A possibilidade de fatoração dos dados foi avaliada pela medida de adequação da amostra de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO > 0,8) e o teste de esfericidade de Bartlett significativos (p < 0,05) (Field, 2009). A extração dos fatores foi empreendida tomando-se como base os seguintes critérios: autovalores (eigenvalues) superiores a 1, análise visual dos gráficos de sedimentação, verificação do percentual de variância explicada por cada fator e pertinência teórica.

No segundo estudo, cujo objetivo era verificar se o modelo fatorial hierárquico se ajustava aos dados, foi conduzida uma análise fatorial confirmatória (AFC), na qual parte-se de um modelo hipotetizado a priori e verifica-se o grau de ajustamento dele aos dados (León, 2011). Neste estudo, também foram verificadas evidências de validade e indicadores de precisão do IPANPA-30. Em relação às primeiras, optou-se por empreender análises de correlação de Spearman (dada a não normalidade dos dados) do inventário com os outros três instrumentos, esperando-se encontrar: coeficientes de correlação significativos e moderados entre IPANPA-30 e ITC-CA, entre os fatores negativos do IPANPA-30 e clima negativo no ICF (hierarquia e conflito), e entre os fatores positivos do IPANPA-30 e a Escala de Resiliência e com o clima positivo no ICF (coesão e apoio). Nos dois últimos casos, a expectativa teórica era de coeficientes mais fracos, especialmente em comparação ao ITC-CA. As análises estatísticas foram conduzidas nos softwares SPSS 17.0 (Statistical Package for Social Sciences), JASP 0.18.0 e MPlus 8. Na interpretação dos coeficientes de correlação foram utilizados como referência os critérios de interpretação de Cohen (Espírito-Santo & Daniel, 2017) - pequena: 0,1 a 0,29; moderada: 0,3 a 0,49; grande > 0,5. A precisão dos fatores do IPANPA-30 foi verificada por meio do cálculo de duas estatísticas de consistência interna: o alfa de Cronbach e o ômega de McDonald. Em ambos os casos, consideram-se aceitáveis coeficientes maiores que 0,70, e desejáveis os acima de 0,8 (Peixoto & Ferreira-Rodrigues, 2019).

Resultados e discussão

Estudo 1 - Produção do IPANPA-30

Seguindo os procedimentos adotados por Froeseler (2015), foram conduzidas análises fatoriais exploratórias separadas para cada um dos seis fatores teóricos do IPANPA-136. Tal escolha foi adotada pois a proporção de 10 sujeitos para cada variável (item) não seria cumprida caso todos os itens fossem analisados juntos. Foram encontrados KMOs superiores a 0,80 e testes de esfericidade significativos em todas as seis análises fatoriais exploratórias. Com relação às soluções fatoriais, em todos os fatores foram encontrados mais de um fator com autovalores superiores a 1,00. No entanto, comparando-se o peso do primeiro e dos demais fatores para a variância dos dados, a análise dos gráficos de sedimentação aliados à expectativa teórica de unifatorialidade, decidiu-se pela extração de um fator em todos os casos.

A partir das soluções fatoriais nas quais foi solicitada a extração de um fator, foram selecionados os cinco itens, por dimensão teórica (self, mundo e futuro positivos e negativos), totalizando 30 itens. Nessa seleção, foram usados dois grupos de critérios: estatísticos e teórico-práticos. No primeiro grupo de critérios, optou-se pelos itens que apresentaram carga fatorial superior a 0,3 exclusivamente na dimensão teórica a qual eles pertencessem, e que apresentaram correlações baixas com itens da mesma dimensão e muito baixas com itens das demais dimensões. Cabe ressaltar que quanto maior a carga fatorial, maior a força do relacionamento entre itens e fatores, e que coeficientes de correlação mais próximos de 1 indicam maior covariância entre variáveis (Field, 2009). Assim, deseja-se que um instrumento psicológico seja composto por itens que se relacionam fortemente e, de preferência, exclusivamente, com seus respectivos fatores teóricos e com os demais itens desses fatores. Por fim, do ponto de vista teórico-prático, analisou-se a abrangência temática dos itens, como no caso da exclusão do item “Meus colegas são inteligentes” (componente do fator mundo positivo) por apresentar menor carga fatorial comparado a outro item com temática semelhante.

Estudo 2 - Evidências de validade e fidedignidade do IPANPA-30

Como apresentado na Introdução deste artigo, as análises fatoriais exploratórias iniciais com o IPANPA-60 (Froeseler, 2015) sugeriram a possibilidade de uma solução fatorial hierárquica para o instrumento, com seis fatores de primeira ordem (tríade cognitiva positiva e negativa) e dois fatores de segunda ordem (positividade e negatividade). A fim de verificar se essa estrutura fatorial estaria subjacente à versão abreviada (IPANPA-30), foi conduzida uma análise fatorial confirmatória (AFC) na qual foram testados e comparados quatro modelos teóricos: com dois fatores (positividade e negatividade), três fatores (tríade cognitiva), seis fatores (tríade cognitiva positiva e negativa) e o modelo hierárquico (anteriormente citado). A AFC fornece um número variado de índices de qualidade do ajuste que orientam a decisão pelo melhor modelo, dos quais serão utilizados aqui: a razão entre o qui-quadrado com os graus de liberdade (valores mais baixos indicam melhor ajuste, sendo &lt; 5 aceitável), o Root Mean Squared of the Residuals (RMSEA; valores iguais ou inferiores a 0,05 são desejáveis), o Comparative Fit Index (CFI) e o Tucker-Lewis Index (TLI) (em ambos, maiores valores são melhores, sendo &gt; 0,90 aceitável). Por fim, esperam-se valores iguais ou mais próximos de 1,0 para o índice Weighted Root Mean Square Residual (WRMR) (Cangur & Ercan, 2015; León, 2011; Teodoro et al., 2014). A Tabela 1 apresenta os valores dos referidos índices para cada um dos quatro modelos testados.

Tabela 1 Resumo dos resultados para os modelos de dois, três e seis fatores e para o modelo hierárquico. 

Modelo X2 GL X2/GL RMSEA CFI TLI WRMR
2 fatores 923,860 404 2,287 0,05 0,94 0,94 1,39
3 fatores 4780,223 402 11,89 0,15 0,53 0,49 4,03
6 fatores 803,782 390 2,061 0,047 0,96 0,95 1,22
Hierárquico 867,091 398 2,179 0,05 0,95 0,95 1,34

Legenda: X2 = valor de qui-quadrado; GL = graus de liberdade; RMSEA = Root Mean Squared of the Residuals; CFI = Comparative Fit Index; TFI = Tucker-Lewis Index; WRMR = Weighted Root Mean Square Residual.

A análise dos índices de ajuste indica que o único modelo inadequado aos dados, de acordo com as referências interpretativas anteriormente apresentadas (León, 2011), é o de três fatores. Considerando-se os demais modelos, verifica-se que o com seis fatores e o hierárquico têm os melhores indicadores de ajuste. Como as diferenças numéricas entre os índices de ambos são pequenas, opta-se aqui por uma decisão teórica, na qual o modelo hierárquico faz mais sentido para a compreensão da experimentação de pensamentos automáticos positivos e negativos sobre si, o mundo e o futuro em adolescentes. Resultados semelhantes foram encontrados por Teodoro et al. (2015) com o ITC-CA, indicando que a utilização do modelo hierárquico é a solução mais adequada.

Considerando-se a estrutura fatorial hierárquica, foram empreendidas análises de consistência interna com os seis fatores de primeira ordem e os dois de segunda ordem do IPANPA-30. Os alfas de Cronbach e ômegas de McDonald encontrados estão dispostos na Tabela 2. De acordo com a referência interpretativa (Peixoto & Ferreira-Rodrigues, 2019), todos os coeficientes encontrados são adequados, já que são superiores a 0,70. Esses resultados são relevantes, já que houve manutenção da consistência interna do IPANPA mesmo com a redução do número de itens.

Tabela 2 Índices de fidedignidade dos fatores do IPANPA-30. 

SP SN MP MN FP FN Pos Neg
α 0,74 0,74 0,74 0,80 0,77 0,77 0,87 0,91
ω 0,74 0,76 0,74 0,81 0,78 0,77 0,88 0,91

Evidências de validade do instrumento também foram verificadas por meio de análises de correlação entre os escores do IPANPA-30 e os demais instrumentos aplicados. A Tabela 3 apresenta os coeficientes de correlação encontrados. Optou-se, por motivos de espaço e objetivos do artigo, pela apresentação de apenas as correlações entre os fatores do IPANPA e os instrumentos, excluindo-se as correlações destes entre si.

Tabela 3 Coeficientes de correlação de Spearman entre os fatores do IPANPA-30 e os demais instrumentos aplicados na amostra. 

SP SN MP MN FP FN Pos Neg
ICF Apoio 0,37** -0,23** 0,32** -0,21** 0,35** -0,27** 0,38** -0,25**
ICF Coesão 0,36** -035** 0,36** -0,33** 0,33** -0,39** 0,38** -0,39**
ICF Conflito -0,16* 0,45** -0,17* 0,44** -0,12* 0,44** -0,16* 0,48**
ICF Hierarquia -0,07 0,33** -0,04 0,32** -0,002 0,36** -0,04 0,36**
ICF Clima positivo 0,41** -0,33** 0,38** -0,29** 0,38** -0,36** 0,43** -0,36**
ICF Clima negativo -0,14* 0,45** -0,13* 0,45** -0,06 0,44** -0,12* 0,49*
Resiliência fator 1 0,43** -0,38** 0,32** -0,34** 0,38** -0,41** 0,42** -0,4**
Resiliência fator 2 0,11* -0,07 0,08 -0,08 0,04 -0,03 0,08 -0,07
Resiliência fator 3 0,2** -0,02 0,1 -0,02 0,2** -0,06 0,18** -0,01
Resiliência total 0,38** -0,27** 0,25** -0,26** 0,31** -0,30** 0,35** -0,23**
ITC-CA SP 0,45** -0,52** 0,27** -0,42** -0,52** 0,32** 0,38** -0,52**
ITC-CA SN -0,32** 0,75** -0,19** 0,70** -0,18** 0,66** -0,26** 0,77**
ITC-CA MP 0,43** -0,55** 0,38** -0,53** 0,31** -0,5** 0,41** -0,57**
ITC-CA MN -0,28** 0,64** -0,18** 0,63** -0,20** 0,56** -0,25** 0,67**
ITC-CA FP 0,33** -0,41** 0,19** -0,4** 0,37** -0,46** 0,33** 0,48**
ITC-CA FN -0,17** 0,47** -0,10 0,43** -0,2** 0,51** -0,18** 0,51**
ITC-CA Pos 0,51** -0,60** 0,36** -0,54** 0,40** -0,59** 0,47** -0,62**
ITC-CA Neg -0,28** 0,72** -0,17** 0,68** -0,21** 0,67** -0,25** 0,76**

Legenda:

* = p,0,05;

** = p < 0,001; ICF = Inventário do Clima Familiar; ITC-CA = Inventário da Tríade Cognitiva para Crianças e Adolescentes; SP = self positivo; SN = self negativo; MP = mundo positivo; MN = mundo negativo; FP = futuro positivo; FN = futuro negativo; Pos = positividade; Neg = negatividade.

Começando com os fatores positivos do IPANPA-30, foram encontrados, como esperado, coeficientes de correlação estatisticamente significativos, positivos e pequenos (entre 0,3 e 0,4) com os fatores positivos do clima familiar (coesão, apoio e clima positivo) e com a Escala de Resiliência. Também dentro do esperado, coeficientes positivos e pequenos foram encontrados entre os fatores negativos do IPANPA-30 e clima familiar negativo (entre 0,32 e 0,49). Outros coeficientes de correlação com significância estatística foram verificados, todos no sentido esperado e com magnitude pequena. Ainda em relação ao tamanho dos coeficientes de correlação, verificou-se menores magnitudes nas associações com os fatores 2 e 3 da Escala de Resiliência. Tal resultado pode ser parcialmente explicado pela inadequada precisão apresentada por tais fatores separadamente (vide seção Método). No entanto, quando todos os itens da escala são tomados juntos, os coeficientes de correlação com o IPANPA-30 aumentam.

Considerando a proximidade teórica entre os construtos tríade cognitiva e pensamentos automáticos, eram esperados coeficientes mais fortes entre os fatores do IPANPA-30 e do ITC-CA, o que foi verificado, especialmente entre os fatores negativos de ambos. Entre os achados estão coeficientes estatisticamente significativos, positivos e grandes entre as tríades negativas (entre 0,51 e 0,75) e entre as negatividades (0,76). Também foram encontrados coeficientes com significância estatística, positivos e moderados entre as tríades positivas (0,37 a 0,45) e entre as positividades (0,47). No geral, todos os coeficientes (exceto entre o futuro negativo do ITC-CA e mundo positivo do IPANPA) foram estatisticamente significativos e na direção esperada, sendo maiores os coeficientes obtidos entre o ITC-CA e os fatores negativos do IPANPA-30.

Tal resultado pode ser compreendido a partir de dois tipos de hipóteses: psicométrica e metodológica. Na primeira, considerar-se-iam possíveis diferenças na precisão das diferentes escalas que compõem cada instrumento, o que foi descartado pela adequação equivalente entre os coeficientes de consistência interna. A segunda versa sobre a possibilidade de que a amostra investigada poderia apresentar maior vulnerabilidade à depressão, apresentando, portanto, crenças negativas mais fortes e menos flexíveis em comparação às positivas. No entanto, por se tratar de uma amostra proveniente de população geral, e considerando que não foram avaliados indicadores de saúde mental, tal hipótese não é sustentada pelas informações disponíveis. Outra possível explicação metodológica está no fato de que fugiu ao escopo do presente artigo avaliar associações entre os pensamentos automáticos e tríade cognitiva e variáveis demográficas como sexo e idade. É possível que diferenças relacionadas a essas características tenham influenciado de forma desigual no perfil de associações entre os instrumentos.

Para que um instrumento possa ser utilizado de forma confiável, é importante que ele apresente características psicométricas de validade e precisão que sustentem o significado dos escores atribuídos em sua utilização. Nesse sentido, neste estudo foram verificadas evidências de validade baseadas na estrutura interna e na relação com outros instrumentos, juntamente à verificação de índices de confiabilidade das medidas produzidas pelo IPANPA-30. Quanto à validade baseada na estrutura interna, os resultados confirmaram que o modelo hierárquico, com seis fatores de primeira ordem (tríades cognitivas positiva e negativa) e dois de segunda ordem (positividade e negatividade), era a melhor solução fatorial para o inventário. A decisão por essa solução foi ancorada em critérios estatísticos e teóricos.

Em relação às evidências de validade baseadas na associação com construtos similares ou relacionados, os resultados também foram dentro do esperado. As análises de correlação de Spearman indicaram associações significativas, de moderadas a grandes, entre os fatores do IPANPA-30 e do ITC-CA, o que pode ser tomado como evidência favorável de validade convergente, dada a afinidade e proximidade teórica entre os construtos medidos em cada instrumento. Os coeficientes mais fracos, mas ainda estatisticamente significativos e na direção esperada, encontrados entre o IPANPA e as medidas de clima familiar e resiliência (sobretudo na escala total) também podem ser tomados como evidências favoráveis à validade do primeiro (CFP, 2022).

O IPANPA-30 está apresentado ao final deste artigo (Anexo 1). Sua aplicação pode ser feita coletivamente em adolescentes alfabetizados. A apuração dos resultados deve ser realizada ao final do instrumento, no qual o aplicador deverá somar as respostas dadas aos itens de cada fator. Itens marcados como “Não passou pela minha cabeça” pontuam 0, “Passou algumas vezes pela minha cabeça” pontuam 1, “Passou muitas vezes pela minha cabeça” pontuam 2 e “Não saiu da minha cabeça” pontuam 3. Assim, quanto maiores os escores, mais frequentemente os pensamentos passaram pela cabeça do adolescente. Não há referências normativas para interpretação dos resultados, mas sugere-se que em cada estudo sejam empreendidas análises descritivas a fim de calcular os percentis 25 e 75. Os valores correspondentes a tais pontos percentis podem ser usados como referência de escores baixos (< percentil 25), altos (> 75) e médios (≥ 25 e ≤ 75).

CONCLUSÃO

O presente artigo teve por objetivo apresentar a versão abreviada do IPANPA, seu processo de construção, evidências de validade e precisão. Destinado à avaliação quantitativa de pensamentos automáticos positivos e negativos em adolescentes, o inventário desenvolvido por Froeseler (2015) busca suprir a lacuna de ferramentas originalmente desenvolvidas no contexto brasileiro. Sua aplicação é coletiva e rápida, possibilitando compor protocolos de pesquisa de forma adequada.

Entre as limitações deste estudo estão a ausência de evidências de validade baseadas na correlação do instrumento com critérios externos, como a presença de transtornos mentais ou intensidade de sintomas psicopatológicos, assim como a falta de verificação de possíveis associações entre variáveis sociodemográficas e desempenho no IPANPA-30. Sugere-se que pesquisas futuras sejam realizadas visando contribuir para o acúmulo contínuo de evidências de validade do instrumento, com atenção especial a estudos que avaliem a pertinência da aplicação do IPANPA-30 em adolescentes que estejam vivenciando algum grau de sofrimento psicológico.

Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

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Anexo 1

INVENTÁRIO DE PENSAMENTOS AUTOMÁTICOS NEGATIVOS E POSITIVOS PARA ADOLESCENTES (IPANPA)

Nome: _______________________________________ Idade: _______________________________________

Escolaridade: ___________________ Data de nascimento: _/_/_ Data de aplicação: _/_/_

INSTRUÇÃO

Muitas vezes, diante de algumas situações, somos surpreendidos por pensamentos que aparecem em nossa cabeça de uma hora para outra. Gostaríamos que você procurasse se lembrar desses pensamentos que surgiram na sua cabeça.

Logo abaixo temos uma lista de pensamentos. Por favor, leia cada um deles e indique a frequência com que eles passaram pela sua cabeça na última semana, inclusive hoje.

Olhe o exemplo:

Pensamento Nào passou pela minha cabeça Passou algumas vezes pela minha cabeça Passou muitas vezes pela minha cabeça Não saiu da minha cabeça
No futuro, serei independente dos meus pais o o o o

Lembre-se de que não existem respostas certas ou erradas porque cada um pensa de maneira diferente!

Pensamento Não passou pela minha cabeça Passou algumas vezes pela minha cabeça Passou muitas vezes pela minha cabeça Não saiu da minha cabeça
1 Sou uma boa pessoa o o o o
2 As pessoas me tratam mal o o o o
3 Conseguirei um bom trabalho o o o o
4 Não gosto de mim mesmo(a) o o o o
5 Meus(minhas) amigos(as) gostam de mim o o o o
6 Não conseguirei fazer o que os outros esperam de mim o o o o
7 Sou uma pessoa inteligente o o o o
8 Meus(minhas) colegas não gostam de mim o o o o
9 Serei uma pessoa feliz no futuro o o o o
10 Eu não sirvo para nada o o o o
11 As pessoas são boas comigo o o o o
12 Serei sempre pior do que os outros o o o o
13 Gosto de aprender coisas novas o o o o
14 Para as outras pessoas, eu sempre serei o(a) culpado(a) o o o o
15 Terei bons(boas) amigos(as) no futuro o o o o
16 Sou culpado(a) por tudo o que acontece o o o o
17 Tenho pessoas que me ajudam quando preciso o o o o
18 Não serei amado(a) por ninguém o o o o
19 Consigo fazer bem várias coisas o o o o
20 Minha familia não me entende o o o o
21 Quando for adulto ajudarei minha família o o o o
22 Sou burro(a) o o o o
23 Meus(minhas) amigos(as) são divertidos(as) o o o o
24 Não vejo saída para meus problemas o o o o
25 Sou feliz o o o o
26 As pessoas não se importam com meus sentimentos o o o o
27 Serei um bom pai/uma boa mãe para meus filhos o o o o
28 Sou inferior aos outros o o o o
29 Minha família gosta de mim o o o o
30 As pessoas que me apoiam hoje me abandonarão no futuro o o o o

APURAÇÃO DOS RESULTADOS (reservado ao aplicador)

Fator Itens Escore Bruto
Self positivo 1-7-13-19-25 Σ=
Mundo positivo 5-11 -17-23-29 Σ=
Futuro positivo 3-9-15-21-27 Σ=
Positividade total Self mundo e futuro positivos Σ=
Self negativo 4-10-16-22 -28 Σ=
Mundo negativo 2-8-14-20-26 Σ=
Futuro negativo 6-12-18-24-30 Σ=
Negatividade total Self mundo e futuro negativos Σ=

Recebido: 03 de Outubro de 2023; Aceito: 16 de Novembro de 2023

Correspondência: Mariana Verdolin G. Froeseler. E-mail: marianaverdolingf@gmail.com

Editora responsável: Carmem Beatriz Neufeld.

Trabalho vencedor na categoria Dissertação de Mestrado do Prêmio Monográfico Bernard Rangé do ano de 2015

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