INTRODUÇÃO
O estresse figura como construto central em diversas teorias contemporâneas relacionadas à saúde e ao comportamento humano, sendo um termo utilizado para descrever experiências negativas de diversas ordens e relativas a inúmeros problemas, como dificuldades de relacionamento, no trabalho, na saúde, entre outras (Monroe & Slavich, 2016; Robinson, 2018; Slavich, 2020; Slavich & Sacher, 2019; Shields et al., 2023).
Epel et al. (2018), por exemplo, apresentaram o chamado “modelo transdisciplinar do estresse”, que contempla um conjunto de processos interativos e emergentes, incluindo estressores vivenciados no contexto de vida, características individuais (fatores de personalidade e demográficos), exposição ambiental a adversidades atuais e passadas, e fatores de proteção. A interação entre esses elementos configura um estado alostático básico da regulação fisiológica, bem como conforma as lentes pelas quais os estressores são percebidos pelo indivíduo. Assim, tais fatores influenciam as respostas psicológicas e fisiológicas aos estressores vivenciados pelas pessoas. Acredita-se que essas respostas, quando desreguladas, levam à carga alostática e, em última instância, ao envelhecimento e adoecimento precoce (Epel et al., 2018). Diante dessa definição bastante abrangente do construto de estresse, torna-se possível identificar que qualquer medida que avalie a exposição biológica ou neural, bem como a percepção do sujeito sobre o contexto e/ou as respostas despertadas pelos estímulos estressores, podem ser consideradas pertinentes à mensuração do construto (Epel et al., 2018).
Um considerável número de estudos na literatura científica tem averiguado os impactos do estresse sobre a saúde física e mental dos indivíduos (Juster et al., 2010; Sadir et al., 2010; Slavich & Irwin, 2014; Slavich et al., 2010). Dada a relevância dos achados, especialmente em função dos significativos prejuízos que o estresse é capaz de causar na saúde humana, inúmeros também são os instrumentos de medida desenvolvidos com o objetivo de mapear o estresse e as sintomatologias correlatas (Slavich, 2019).
Alguns estudos sugerem escassez de pesquisas que investiguem o estresse de forma sistemática ao longo de toda a vida dos indivíduos, na medida em que tendem a considerar medidas de estresse da última semana, mês e ano (Epel et al., 2018; Slavich & Shields 2018). Segundo os autores acima citados, as pesquisas utilizam-se de instrumentos que medem diversas variáveis relativas ao estresse, o que pode dificultar um diálogo científico mais coerente e coeso acerca da temática. Nesse sentido, um dos desafios para a mensuração do estresse envolve contemplar a complexidade do construto, na medida em que ele tende a impactar múltiplos níveis, entre eles o social, o psicológico e o fisiológico (Epel et al., 2018).
As ferramentas disponíveis atualmente aos pesquisadores e clínicos voltadas à avaliação do estresse têm sofrido críticas quanto à sua condição de mapear de modo abrangente esse construto complexo, em especial no que diz respeito a conhecer as adversidades e a severidade do estresse experienciado pelo sujeito ao longo de sua trajetória existencial (Epel et al., 2018; Slavich, 2019). O termo Stressnology (Slavich, 2019) foi cunhado justamente para caracterizar esse estudo limitado da exposição ao estresse, especialmente no sentido de detectar dimensões essenciais relacionadas ao construto, como:
índice de exposição ao estresse (contagem de estressores e severidade do estresse);
tempo de exposição (infância, vida adulta ou estresse continuado ao longo do ciclo vital);
tipos de estressores (agudos ou crônicos);
domínios de vida (moradia, educação, trabalho, tratamento/saúde, relação conjugal, reprodução, financeiro, legal/crime, outras relações, morte, situações de ameaça à vida, posses);
características psicossociais centrais (perda interpessoal, risco físico, humilhação, aprisionamento, ruptura/mudança de papéis) (Slavich, 2019).
Assim, a presente revisão integrativa teve o objetivo de mapear questionários, escalas, testes e inventários publicados, com estudos de validação, para avaliação do estresse no País, apresentando as dimensões e/ou fatores que avaliam, a que contexto e população se aplicam, o número de itens que compõem essas ferramentas, o período que abrangem e as evidências de validade. Esse esforço visa fornecer um panorama dos instrumentos disponíveis a clínicos e pesquisadores para avaliação do estresse na realidade brasileira.
MÉTODO
Tratou-se de uma revisão integrativa da literatura conduzida em junho de 2017 e atualizada no corrente ano, visando conhecer os instrumentos que se encontram disponíveis para avaliar o estresse no Brasil. Dois juízes independentes consultaram as bases de dados Index Psi, SciELO, LILACS e PubMed. Nas três primeiras, os descritores foram estabelecidos em português brasileiro e utilizados os seguintes operadores booleanos: “(estresse OR “estresse psicológico” OR “estresse emocional” OR distress OR stress) AND (instrumento OR questionário OR validação OR psicometria OR adaptação OR “análise fatorial” OR “estudos de validação”)”. Na última base, os termos foram inseridos em língua inglesa: “(stress OR “psychological stress” OR “emotional stress” OR distress) AND (instrument OR questionnaire OR validation OR psychometry OR adaptation OR “factor analysis” OR “validation studies”) AND (Brazil OR “Brazilian Portuguese”)”.
As buscas seguiram os padrões do Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses (PRISMA) (Page et al., 2021) em termos de método e apresentação de fluxograma (Moher et al., 2009). Os seguintes passos foram respeitados: a) elaboração da pergunta norteadora; b) busca de publicações sobre o tema na literatura; c) seleção de artigos de acordo com os critérios estabelecidos; d) análise metodológica dos estudos; e) discussão dos resultados; e f) apresentação dos resultados (Batista & Kumada, 2021).
Além das bases de dados citadas, visitou-se também o site do Sistema de Avaliação de Testes Psicológicos (Satepsi) desenvolvido pelo Conselho Federal de Psicologia ([CFP], 2023). Nele, foi realizada busca de testes psicológicos e instrumentos disponíveis para avaliação do estresse no Brasil.
Foram incluídos artigos que abordassem o desenvolvimento, as propriedades psicométricas, a validação e/ou adaptação de instrumentos que mensuram estresse para a população brasileira. Os estudos deveriam ser redigidos em língua inglesa, português brasileiro ou espanhol. Incluíram-se artigos sem restrição de data, considerando-se que o objetivo deste estudo é mapear instrumentos de medida do estresse disponíveis para a realidade brasileira.
Foram excluídos artigos em que o instrumento avaliava construtos distintos ao estresse (p. ex., resiliência, coping, depressão, ansiedade, desesperança, etc.) ou que fossem voltados a avaliar a síndrome de burnout ou o transtorno de estresse pós-traumático (TEPT), especialmente pelo volume de estudos voltados a esse propósito. Além disso, também foram excluídas pesquisas qualitativas, entrevistas estruturadas, artigos que não estivessem disponíveis para acesso livre, capítulos de livros, dissertações e teses.
RESULTADOS
Como resultado da busca no site do Satepsi, detectou-se que a Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho (EVENT) e o Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp (ISSL-R) encontram-se favoráveis e validados para utilização pelos profissionais.
A busca nas bases de dados (Index Psi, SciELO, LILACS e PubMed), por sua vez, retornou 6.377 artigos, dos quais 6.229 foram excluídos por atenderem aos critérios de exclusão. Após avaliação dos títulos e resumos de acordo com os critérios de inclusão e de exclusão propostos, 148 artigos figuraram como potencialmente relevantes (Index Psi: 17; SciELO: 42; LILACS: 51; PubMed: 38). Destes, 63 foram excluídos por serem duplicados e outros 38 foram excluídos com base nos demais critérios de exclusão (18 por medirem outro construto que não o estresse, um por se tratar de pesquisa qualitativa, dois por serem entrevistas estruturadas, cinco por estarem indisponíveis, três por serem teses, seis por serem artigos de estudos conduzidos fora do Brasil e três por não abordarem o desenvolvimento/propriedades psicométricas/validação/adaptação de instrumentos que mensuram o estresse). Com isso, 47 artigos foram incluídos neste estudo, entre os quais somaram 35 instrumentos, conforme pode ser observado na Figura 1.
Na Tabela 1, apresenta-se um panorama integrativo dos instrumentos, siglas, fatores/subescalas, contexto/população, números de itens, período que cada instrumento avalia, evidências de validade e referências de todos os artigos incluídos no estudo.
Instrumentos | Sigla(s) | Dimensões avaliadas pelo instrumento (Fatores/Subescalas) | Contexto/ População |
Itens (N) |
Período | Evidências de Validade | Referências |
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CONTEXTOS GERAIS | |||||||
Escala de Estresse | PSS/ EEP/ | Grau de percepção de estresse | Adultos de 18 a 84 | 14 | Último | VCO, α, | Yokokura |
Percebido e diferentes versões | BPSS-10 | frente a estímulos estressores do ambiente | anos, gestantes (PSS-10 mais indica-do a gestantes) | 10 4 |
mês | VCONV, AF, VCRI, VD | etal., 2017; Faro, 2015; Machado etal., 2014; Reis et al., 2010;Luftet al., 2007 |
Inventário de Sintomas de Stress para Adultos de Lipp | ISSL ISSL-R |
Itens de natureza somática e psicológica, além das fases do estresse: alerta, resistência, quase-exaustão e exaustão | Adultos e adoles-centes de 15 a 75 anos | 56 | Último dia, semana e mês | α, AF | Lipp, 2022 |
Relato de eventos de vida estressantes | EVE | Doença séria, internação hospitalar, morte de parente próximo, problemas financeiros severos, mudança forçada de moradia, separação/divórcio, agressão física, assalto/roubo, e experiência de diversos tipos de discriminação | Adultos de 29 a 50 anos | 9 | Últimos 12 meses | TR, CIE | Lopes & Faerstein, 2001 |
Eventos de Vida Produ-tores de Estresse | EVPE | Problema de saúde que gerou afastamento das atividades por mais de um mês; internação hospitalar por doença ou aci-dente; falecimento de parente próximo; dificuldades financei-ras severas; mudança forçada de moradia; separação ou divórcio; agressão física; e assalto ou roubo | Gestantes | 8 | Últimos 12 meses | VCO, AF | Rizzini et al., 2018 |
Stress and Adversity Inventory para adultos | STRAIN | Indice de exposição ao estresse (Contagem de Estressores e Severidade do Estresse); Tempo de Exposição (Infância, Vida adulta, ou Estresse ao longo da vida); Tipos de Estressores (Agudos ou Crônicos); 12 Domínios de Vida; 5 Características Psicossociais Centrais |
Adultos (18 anos ou mais) | Varia 55 cen-trais |
Ao longo de toda a vida | VCONV, VD, VCONC, VIP, TR | Cazassa et al., 2020 Cazassa, 2019 |
Questionário de Saúde Geral | GHQ-12 | Depressão e disfunção social (desconforto psicológico). | NI | 12 | Últimas sema-nas |
AF, α, VCONV | Gouveia et al., 2010 |
GHQ-60 | Estresse psíquico, ideação suicida, performance, distúrbios do sono e distúrbios psicossomáticos | NI | 60 | NI | AF, α | Carvalho et al., 2011 | |
Depression, Anxiety, and Stress Scale-21 Escala de Depressão, Ansiedade e Estresse para Adolescentes Escala de Ansiedade Depressão e Estresse -21 |
DASS-21 EDAE-A EADS-21 |
Depressão, ansiedade e estresse | Crianças, Adoles-centes e Adulto Jovem (10 a 19 anos) Adolescentes de 12 a 18 anos Adolescentes |
21 | Última semana | VCO, AF, α ,TR VC, VF, VCO, AF, α VCO, AF,α ,TR |
Vignola & Tucci, 2013 Patias et al., 2016 Silva et al., 2016' |
CONTEXTOS CLÍNICOS | |||||||
Inventário Neuropsiquiátrico Questionário do Inven-tário Neuropsiquiátrico |
INP Q-INP |
Escala de gravidade e escala de desgaste | Indivíduos com demência e seus cuidadores | 12 | NI Último mês |
VSEM, CIE, TR, α α,TR, VCONV |
Camozzato etal., 2008
Camozzato etal., 2015 |
Diabetes Distress Scale | DDS | Carga emocional, insegurança relacionada ao médico, estresse relacionado ao regime terapêutico, e estresse nas relações interpessoais | Diabéticos | 17 | Atual | VT, VSEM, VI, VCONCE, VE |
Curcio et al., 2012 |
Termômetro de Distress | TD | Avalia o nível de distress e suas possíveis causas | Pacientes oncológi-cos | 35 | Última semana |
VC, VCONV, ROC | Decat et al., 2009 |
Type 1 - Diabetes Distress Scale | T1-DDS | Impotência, falta de controle no autocuidado, eventos hipoglicêmicos, percepções sociais negativas, angústia na alimentação, aflição sobre o médico, e aflição sobre amigos/familiares | Diabéticos | 28 | Atual | a,TR | Silveira et al., 2017 |
Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care Unit | PSS:NICU | Sons e imagens, aparência e comportamento do bebê e alteração do papel de pai/mãe | Pais de recém-nas-cidos internados na UTI Neonatal | 26 | Atual | VC, VF, AF,α ,TR |
Souza et al., 2012 |
Escala de Avaliação de Estressores em UTI | ESQ | Pacientes adultos internados em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) | Pacientes adultos em UTI | 50 | 72 hs a 7 dias em UTI | VC, VF, VCONV, a,TR | Rosa et al., 2010 |
Problem Areas in Dia-betes Scale | B-PAID | Distresse emocional, barreiras ao tratamento, problemas re-lacionados à comida, e falta de suporte social | Pacientes diabé-ticos | 20 | NI | VCONV, VD, AF, α | Gross et al., 2007 |
Questionário de Recur-sos e Estresse | QRS-F | Impactos positivos e negativos da criança com doenças crônicas ou deficiências nos demais familiares | Cuidadores fami-liares de crianças com deficiências ou doença crônicas | 52 | NI | VC | Zanfelici et al., 2016 |
CONTEXTOS OCUPACIONAIS | |||||||
Escala de Percepção de Estressores Ocupacionais dos Professores | EPEOP | Estressores ocupacionais em professores | Professores | 22 | Período de tra-balho atual | VCO, AFE, α | Vale et al., 2015 |
Escala para avaliação de estressores am-bientais no contexto off-shore oil | EACOS | Problemas de relacionamento e desempenho no trabalho, estrutura organizacional, interface trabalho/família, segurança, carreira e supervisão, fatores intrínsecos ao trabalho off-shore oil | Trabalhadores de plataforma de petróleo (off-shore oil) | 47 | NI | VSEM, VCO, AF, a, VT | Júnior & Fer-reira, 2007 |
Escala de Estresse no Trabalho | EET | Estressores variados e reações emocionais diversas | Estresse ocupacional geral | 13 23 |
NI | VC, VF, VCO, AF, α | Paschoal & Tamayo, 2004 |
Escala de Avaliação de Estressores Psicos-sociais no Contexto Laboral | NI | Conflito e ambiguidade de pa-péis, sobrecarga de papéis, falta de suporte social, insegurança na carreira, falta de autonomia, conflito trabalho/família e pres-são do grau de responsabilidade | Trabalhadores há pelo menos um ano em qualquer tipo de organização | 35 | NI | VC, VF, AF,α | Ferreira et al., 2015 |
Escala/questionário demanda-controle / Escala de estresse no trabalho | DCSQ/ DCS |
Demandas psicológicas, Auto-nomia para decisão, Suporte Social no trabalho | Adultos em exercí-cio profissional | 17 | Período laboral atual | AF, VSEM, VCONV, α , TR |
Hõkerberg etal., 2014; Hõkerberg etal., 2010; Aguiar et al., 2010; Griep et al., 2009; Alves et al., 2004 |
Effort-reward imbalan-ce/ Escala de desequi-líbrio esforço-recompensa | ERI | Esforço, recompensa, excesso de compromisso (comprometi-mento excessivo) | Estresse no trabalho | 23 | NI | VF, AF,α , TR |
Silva & Bar-reto, 2010; Griep et al., 2009; Chor et al., 2008 |
Escala desequilíbrio esforço-recompensa no trabalho doméstico e familiar | DERdoméstico | Esforço, recompensa e excesso de comprometimento | Trabalho doméstico e familiar exercido pelas mulheres | NI | VSEM, VC, VF, α, TR | Vasconcellos etal., 2016 | |
Escala de Vulnerabi-lidade ao Estresse no Trabalho | EVENT | Vulnerabilidade ao estresse e saúde do trabalhador diante do Clima e funcionamento organi-zacional, pressão no trabalho, e Infraestrutura e rotina | De 17 a 54 anos | 40 | NI | NI | Santos et al, 2022 |
Escala Bianchi de Stress | EBS | Relacionamento com outras uni-dades e supervisores, funciona-mento adequado da unidade, administração de pessoal, assistência de enfermagem pre-stada ao paciente, coordenação das atividades e condições de trabalho | Enfermeiro hospi-talar | 51 | NI | VC, VF, AF,α | Bianchi, 2009 |
Instrumento para a Avaliação de Estresse em Estudantes de Enfermagem | AEEE | Realização das atividades práti-cas, comunicação profissional, gerenciamento do tempo, am-biente, formação profissional, atividade teórica | Estudantes de Enfermagem | 30 | Situ-ational | VC, VF, AF, α | Costa & Polak, 2009; Costa, 2007 |
Instrumento de Avaliação de Estresse em Estudantes de Enfermagem - versão reduzida | AEEE- versão Reduzida | Realização de atividades práti-cas, atividade teórica, ambiente e formação profissional | Estudantes de Enfermagem | 19 | Situacional | VCO, AF, α | Costa et al., 2017 |
Inventário de Estresse em Enfermeiros | IEE | Relações interpessoais, papéis estressores da carreira e fatores intrínsecos ao trabalho | Enfermeiros | 38 | Últimos 6 meses |
VC, CO, AF,α | Stacciarini &Tróccoli, 2000 |
CONTEXTO ESPORTIVO | |||||||
Questionário de Estresse e Recuper-ação para Treinadores Esportivos Questionário de Estresse e Recuperação para Atletas |
RESTQ- Coach - versão brasileira | Estresse geral do treinador, recuperação, estresse es-pecífico da atividade laboral, autoeficácia,bem estar físico, e aplicação de técnicas cognitivas pelo treinador | Treinadores esportivos | 80 | Período de 72 horas após os jogos | α, AF | Costa et al., 2012 |
RESTQ- Sport | Estresse geral, emocional e social, conflitos/pressão, fadiga, perda de energia, queixas físicas, sucesso, recuperação social e física, bemestar geral, qualidade de sono, distúrbios nos intervalos, exaustão emocional, lesões, estar em forma, aceitação pessoal, autoeficácia e autorregulação | Atletas | NI | Últimos três dias/ noites | VSEM, α, VCONV | Costa & Samulski, 2005 | |
Lista dos Sintomas de "Stress" Pré-Competitivo Infanto-Juvenil | LSSPCI | NI | Atletas a partir de 10 anos de idade | 31 | 24 horas antes de com-petição | VC, VF, α, VCONV | De Rose Junior, 1998 |
OUTROS CONTEXTOS | |||||||
índice de Estresse Parental |
IEP | Domínio da criança, domínio dos pais, e Escala de estresse de vida | Estresse em pais com filhos recémnascidos prema-turos | 120 | Inter-nação hospita-lar | VCO, α, AF | Pereira et al., 2016 |
Escala de Estressores do Tránsito | ESET | Veículo, condutor, vias e ambi-ente | Motoristas | 37 | NI | VCO, AF, α | Santos et al., 2012 |
Legenda: VC=Validade de Conteúdo, VF=Validade de Face, VCRI=Validade de Critério, VCO=Validade de Construto, VCONV=Validade Convergente, VD=Validade Discriminante, VCONC=Validade Concorrente, AF=Análise Fatorial, α= Análise de Confiabilidade (Alpha de Cronbach), TR=Teste-Reteste, VSEM=validação semântica (tradução, back translation), VT=Validade transcultural; ROC=Análise da curva; CIE=Confiabilidade Inter Examinadores; VIP=Validade Incremental e Preditiva; NI=Não informado.
No primeiro grupo de instrumentos (Tabela 1) vinculados a contextos diversos, nove mapeiam o estresse de modo mais generalista. Nesse cenário, figurou a Escala de Estresse Percebido e suas diferentes versões, as quais avaliam a percepção de estresse no último mês e não avaliam estressores específicos. Já o ISSL-R, com respaldo do Satepsi, avalia itens de natureza somática e psicológica do estresse nos últimos dia, semana e mês.
Quanto aos instrumentos Relato de Eventos de Vida Estressantes e Eventos de Vida Produtores de Estresse, ambos avaliam a presença de estressores específicos nos últimos 12 meses e apenas eventos agudos da vida. O Stress and Adversity Inventory (STRAIN), por sua vez, avalia o índice de exposição ao estresse (contagem de estressores e severidade do estresse), o tempo de exposição (infância, vida adulta, ou estresse ao longo da vida), 55 tipos de estressores (agudos ou crônicos), 12 domínios de vida atingidos pelos estressores e cinco características psicossociais centrais associadas ao estresse.
O Questionário de Saúde Geral, em sua versão original e em sua versão reduzida, utiliza outros construtos (p. ex., depressão) para indicar exposição ao estresse. A Escala de Ansiedade, Depressão e Estresse - 21, em suas diferentes versões, avalia os construtos ansiedade, depressão e estresse na última semana.
No segundo grupo de instrumentos (Tabela 1) vinculados a contextos clínicos, encontramos o Inventário Neuropsiquiátrico e sua versão reduzida. Uma das escalas desse instrumento avalia o desgaste em cuidadores de indivíduos com demência de acordo com os sintomas neuropsiquiátricos que o paciente apresenta. A Diabetes Distress Scale avalia o estresse emocional relacionado à diabetes melito e avalia a gravidade do estressor. O Termômetro de Distress, instrumento específico para pacientes oncológicos, avalia o nível de distresse no período referente à semana anterior, incluindo o dia em que a avaliação está acontecendo.
A Type 1 - Diabetes Distress Scale avalia o distresse em pacientes com diabetes tipo 1. A Parental Stress Scale: Neonatal Intensive Care Unit avalia o estresse em pais de recém-nascidos internados em Unidade de Terapia Intensiva Neonatal (UTIN) no período atual, isto é, no momento da avaliação. A Escala de Avaliação de Estressores em Unidade de Terapia Intensiva (UTI) mensura o quanto os estressores presentes na UTI são estressantes (p. ex., sentir dor e não conseguir dormir). A Problem Areas in Diabetes Scale avalia distresse emocional relacionado com a diabetes. O Questionário de Recursos e Estresse avalia o estresse de cuidadores familiares de crianças com deficiências, doenças crônicas ou transtornos de desenvolvimento.
No que diz respeito ao mapeamento do estresse em contextos ocupacionais, observou-se que dos 12 instrumentos identificados, somente o Inventário de Estresse em Enfermeiros (IEE) mapeia aspectos relacionados ao estresse (relações interpessoais, papéis estressores da carreira e fatores intrínsecos ao trabalho) em um período mais estendido de tempo (seis meses). Em quatro deles (Escala de Percepção de Estressores Ocupacionais dos Professores [EPEOP], Escala/questionário demanda-controle / Escala de estresse no trabalho [DCSQ/DCS], Avaliação para a Avaliação do Estresse em Estudantes de Enfermagem [AEEE] e AEEE versão reduzida) foi explicitado mapear o estresse na situação atual vivenciada pelo profissional, enquanto nas outras sete não se identificou explicitação de tempo. Além disso, das 12 ferramentas, cinco voltam-se à avaliação do estresse em qualquer contexto profissional Escala de Estresse no Trabalho (EET, Escala de Avaliação de Estressores Psicossociais no Contexto Laboral, DCSQ/DCS, Effort-reward imbalance/ Escala de desequilíbrio esforço-recompensa ERI e Escala de Vulnerabilidade ao Estresse no Trabalho (EVENT), sendo os demais para contextos específicos (professores, trabalhadores de plataformas de petróleo, trabalhadoras domésticas, estudantes de enfermagem e enfermeiros).
No que tange aos instrumentos voltados ao mapeamento do estresse no contexto esportivo, todos se referem a contextos de competição, um deles mapeando o estresse em atletas 72 horas antes do jogo Questionário de Estresse e Recuperação para Atletas (RESTQ-sport), o outro avaliando o estresse em treinadores até após 72 horas da competição Questionário de Estresse e Recuperação para Treinadores Esportivos (RESTQ-coach) e o terceiro mapeando o estresse em atletas nas 24 horas que antecedem os jogos Lista dos Sintomas de “Stress” Pré-Competitivo Infanto - Juvenil (LSSPCI). Por fim, outros dois instrumentos apresentaram populações bastante específicas, que foram o Índice de Estresse Parental IEP (estresse em pais com filhos recém-nascidos prematuros em contexto de internação hospitalar) e a Escala de Estressores do Trânsito ESET (motoristas).
DISCUSSÃO
Os instrumentos com estudos de validação na realidade brasileira para o mapeamento do estresse evidenciam um cenário muito semelhante ao observado no exterior. O panorama integrativo viabilizado por intermédio da pesquisa empreendida (ver Tabela 1) ofereceu como resultado 35 instrumentos com estudos de validação desenvolvidos com cientificidade no País, entre os quais nove mapeiam o estresse de modo mais generalista, nove são voltados a contextos clínicos específicos, 12 são direcionados ao estresse ocupacional, três ao contexto esportivo e, por fim, dois voltados a outros contextos.
Ao analisar os instrumentos de mapeamento do estresse utilizados nos estudos que compuseram a amostra deste artigo e a perspectiva da investigação do estresse realizada de forma mais limitada (Slavich, 2019; ver Tabela 2), observa-se que as características descritas como potencialmente limitantes para a realização de estudos mais abrangentes acerca do complexo construto do estresse são também observadas nos instrumentos brasileiros.
Traduzido de Slavich, 2019, p. 4; livre tradução.
Assim, cabe destacar que a maioria dos instrumentos selecionados mapeia a ocorrência de estressores e/ou a severidade do estresse ao longo dos últimos ano, mês ou semana, o que encontra consonância com uma das principais limitações observadas no cenário internacional, conforme citado no item 10 da Tabela 2 (Slavich, 2019). Embora inúmeros problemas de saúde estejam associados a estressores precoces e crônicos, identifica-se uma carência de pesquisas que investigam o estresse ao longo de toda a vida dos indivíduos, de maneira sistemática, o que pode limitar uma análise mais precisa sobre tais relações. Hipotetiza-se que essa limitação possivelmente ocorra também na realidade brasileira em função do enorme desafio em se obter essa medida longitudinal de maneira sistematizada no contexto da pesquisa científica (Epel et al., 2018; Slavich & Shields 2018).
Identificou-se que o STRAIN oferece uma possibilidade de avaliação do estresse longitudinal, ou seja, ao longo de toda a vida. Destaca-se que o STRAIN para adultos foi traduzido e adaptado ao português brasileiro com o intuito de oferecer uma alternativa para o mapeamento do estresse de modo mais abrangente, tendo demonstrado evidências de validade em uma amostra nacional (Cazassa et al., 2020). Na Figura 2, observam-se as dimensões do estresse ao longo da vida acessadas pelo inventário.
Limitações
As limitações desta pesquisa estão relacionadas às características das buscas, as quais não incluíram termos como adversidade e trauma. Tais descritores poderiam oportunizar o encontro de outros estudos que também pudessem ser relevantes para o cenário das pesquisas sobre o estresse, ficando como sugestão para futuras investigações.
Apesar dessa limitação, este estudo oferece um panorama geral sobre os instrumentos que mensuram o estresse no Brasil. A tabela integrativa permite fácil acesso às propriedades psicométricas, características e contextos para os quais os instrumentos foram desenvolvidos, possibilitando aos clínicos e pesquisadores um recurso prático para a seleção de medidas na área.