Serviços Personalizados
Journal
artigo
Indicadores
Compartilhar
Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. v.55 n.1 Rio de Janeiro jun. 2003
ARTIGOS
Representações sociais da adolescência/juventude a partir de textos jornalísticos (1968-1974 e 1996-2002)
Social representations of adolescence/youth from journalistic texts (1968-1974 and 1996-2002)
Maria Cristina Smith MenandroI; Zeidi Araújo TrindadeI; Angela Maria de Oliveira AlmeidaII
IUniversidade Federal do Espírito Santo
IIUniversidade de Brasília
RESUMO
A análise das informações sobre adolescência/juventude que circularam no Brasil na história recente pode contribuir para a compreensão de como a adolescência é representada. Partindo da perspectiva da Teoria das Representações Sociais investigamos representações sociais da adolescência/juventude em matérias jornalísticas publicadas na revista VEJA nos períodos de 1968 a 1974 e de 1996 a 2002. Utilizamos o software ALCESTE para organização e tratamento dos dados. Nos dois períodos estudados, pudemos identificar idéias de rebeldia, de dependência e imaturidade, e da condição de estudante na representação de adolescência/juventude. Observamos também a crescente atribuição de importância e responsabilidade à família no desenvolvimento dos jovens, com marcante presença de discurso profissional/especializado sobre sua imaturidade, com prescrições cada vez mais direcionadas à prevenção de comportamentos de risco. Estão presentes também histórias de exclusão e violência, indicando a associação de conteúdos negativos relacionados aos jovens nos meios de comunicação.
Palavras-chave: Adolescência; Juventude; Representações sociais.
ABSTRACT
The analysis of the information about adolescence/youth distributed in Brazil on recent years may contribute to the comprehension of how adolescence is represented in our society. Stemming from the perspective of Social Representation Theory, this work investigated social representations of adolescence/youth from journalistic news pieces published on VEJA weekly magazine from 1968 to 1974 and from 1996 to 2002. We utilized the ALCESTE software for data organization and treatment. In both studied periods ideas of rebellion, of dependence and immaturity, and of the student condition were identified in the adolescence/youth representation. It is also observed the growing attribution of importance and responsibility to the family on the development of the youths, markedly the presence of professional/specialized discourse on their immaturity, with prescriptions ever more directed to prevention of risk behavior. Also present are histories of exclusion and violence are present, indicating the predominance of the association of negative contents related to youngsters in the media.
Keywords: Adolescence; Youth; Social representations.
INTRODUÇÃO
As pesquisas pioneiras sobre o adolescente ao longo do século XX nas sociedades ocidentais estabeleceram um padrão descritivo de caracterização da adolescência que se firmou quase como inquestionável, servindo de fundamentação para grande parte da pesquisa subseqüente. O trabalho de sistematização de dados sobre a adolescência, publicado em 1904, por Granville Stanley Hall, pode ser considerado marco fundamental, com conseqüências ainda hoje visíveis. Hall caracterizou a adolescência como período de turbulência e instabilidade emocional, características diretamente relacionadas ao desenvolvimento sexual do adolescente. (GALLATIN, 1978).
Percebemos ainda vigente uma concepção de adolescência como período com características fixas naturalmente constituinte do desenvolvimento humano, presente em muitas produções dos meios de comunicação, na compreensão popularmente difundida e compartilhada do que seja a adolescência, e mesmo em algumas das proposições originárias de setores da Psicologia.
Steinberg & Morris (2001) apontam que a pesquisa sobre adolescência foi fortemente marcada pelas noções de que tal período é, inerentemente, marcado por dificuldades de vários tipos. Como tendência mais recente, os autores identificaram a focalização do adolescente e de suas práticas em estreita relação com as características do seu contexto socioeconômico e cultural. Entendemos que tais mudanças indicam uma nova abordagem da Psicologia ao estudo dos processos de interesse em relação à adolescência. Considera-se que a adolescência envolve questões a serem tratadas no âmbito da Psicologia Social e das demais ciências sociais. Além disso, há o reconhecimento cada vez maior de que o adolescente integra uma classe social, pertence a um gênero, possui características étnicas, vive em um contexto cultural específico.
Ao mesmo tempo em que se reconhece essa heterogeneidade, manifesta-se uma pressão no sentido da homogeneização da experiência da juventude em decorrência do processo de internacionalização dos interesses econômicos e do papel que a circulação de informações nos meios de comunicação de massa tem em relação aos interesses comerciais em quase todas as sociedades com acesso à tecnologia da informação.
Vale notar que grande parte das avaliações realizadas pelos meios de comunicação sobre os adolescentes da atualidade indica a diversidade de concepções, mas com acento em aspectos negativos. Predominam interpretações que assinalam como características o consumismo, o individualismo, o conservadorismo, o pouco senso de rebeldia. Em comparação com o material divulgado pelos meios de comunicação, a pesquisa acadêmica sobre adolescência tem mostrado uma imagem mais favorável, menos estereotipada e sem o mesmo tom de acusação moral (SCHMIDT, 2001).
A análise das informações sobre adolescência que circularam em momento histórico recente pode contribuir para a compreensão de como a adolescência é representada pelos sujeitos que produzem e disponibilizam tais informações e por aqueles que as consomem. Partimos do referencial teórico da teoria das representações sociais uma vez que o tema da adolescência/juventude reúne as condições essenciais para ser trabalhado conceitual e metodologicamente a partir de tal perspectiva, pois é parte importante da vida cotidiana em nossa sociedade.
A Teoria das Representações Sociais tem seu olhar voltado tanto para a influência dos contextos sociais sobre os indivíduos como para a participação destes na construção de sua realidade social (SÁ, 1993). Desde sua proposição inicial, a Teoria das Representações Sociais tem sido instrumento importante para a compreensão do processo de conhecimento de fenômenos sociais e do efeito do cotidiano na sua construção (TRINDADE, 1996).
As representações sociais são uma forma de conhecimento social que nos permite interpretar e pensar os acontecimentos da vida cotidiana. Formam um conjunto de conhecimentos de senso comum, socialmente elaborado e compartilhado, constituído a partir de nossas experiências, das informações a que temos acesso e dos modelos de pensamento recebidos e transmitidos em nossa sociedade (JODELET, 1986). Nesse sentido, A Teoria das Representações Sociais resgata a importância do conhecimento do sujeito comum e do seu modo de conhecer (TRINDADE, 1996).
Consideramos que a adolescência/juventude é objeto que foi construído culturalmente em nossas sociedades e transformado ao longo da história e dos contextos sociais. O conhecimento a seu respeito é importante para o entendimento de características, funcionamento e transformações que ocorrem na sociedade em diferentes aspectos das relações cotidianas. Desta forma, o presente texto baseia-se no trabalho de Menandro (2003), cuja pesquisa teve como objetivo investigar representações sociais de adolescência/juventude na história brasileira recente, tomando como base matérias publicadas na revista Veja.
MÉTODO
Utilizamos como fonte de informação notícias e comentários sobre adolescência/juventude e sobre adolescentes/jovens, disponíveis na revista semanal Veja. A revista Veja foi lançada no Brasil em setembro de 1968, a partir de projeto inspirado na Time, revista americana de informação semanal. Dados do ano de 2003 informam que Veja está entre as quatro maiores revistas semanais de informação do mundo, contando com 900.547 assinantes e com venda de 1.093.813 milhão de exemplares semanais (GRUPO ABRIL, 2003).
Investigamos os períodos de 1968 a 1974 (Primeiro Período) e de 1996 a 2002 (Segundo Período) e selecionamos duas edições de cada um dos meses de todos os anos incluídos nestes períodos, totalizando um volume de 208 textos para o Primeiro Período e de 445 textos para o Segundo Período. A seleção do material para análise foi realizada considerando a presença das palavras: adolescente(s), jovem(ns), adolescência, juventude e estudante(s). Sempre que necessário considerou-se de forma complementar o critério de idade (entre 14 e 21 anos).
Utilizamos um programa informatizado para análise de dados textuais - o ALCESTE (Analyse Lexicale par Contexte d’um Ensemble de Segments de Texte) & que identifica co-ocorrências de palavras (ou radicais) em segmentos de texto, calcula o grau da associação entre tais palavras, realiza procedimentos de Classificação Hierárquica Descendente, e organiza classes de palavras no corpus sob análise. Para cada classe são ressaltadas as palavras mais características, e a força de associação de cada uma com a classe, valendo-se de cálculo do qui-quadrado. Estas operações permitem visualizar os contextos lexicais formados pelas classes, exemplificados pelos conjuntos de expressões que representam diferentes formas e conteúdos de discurso sobre o objeto analisado.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Primeiro período
O corpus do Primeiro Período (1968 & 1974) foi dividido em dois grandes grupamentos, cada um deles contendo três classes. Apresentamos abaixo o Dendrograma 1 com a distribuição das classes, o percentual representado por cada uma delas no conteúdo analisado e os índices de associação entre as mesmas. Incluímos a informação sobre quais anos são mais tipicamente representados em cada classe.
Para a descrição das Classes geradas listamos as palavras com qui-quadrado mais elevados, consideradas as mais características das mesmas.
Classe 1 (coisa, gente, quero, fazer, acho) - Projetos de Futuro concentra conteúdos sobre o que o jovem planeja para seu futuro. A principal referência de futuro é a escolha profissional, ou seja, a idéia é que o jovem encontra-se num momento de sua vida no qual tem que decidir ‘o que vai ser quando crescer’. Certamente a base para a concretização de seus projetos está na família, responsável pela socialização dos jovens.
Classe 3 (política, governo, melhores, reforma, povo) & Em Eleitor os jovens aparecem como eleitores com direito a voto adquirido a partir dos 18 anos. Os jovens em foco neste contexto chamam atenção pelo peso numérico que representam nas eleições e cujas preocupações estão voltadas para a melhoria das condições de vida da população.
Juventude: Futuro da Nação é o subgrupamento formado por Projetos de Futuro e Eleitor. Os jovens são representados como a esperança no futuro, como aqueles que darão seguimento ao que já foi construído. São seres em desenvolvimento cuja tarefa principal é amadurecer e entrar no mundo adulto, o que não ocorre sem o aparecimento de conflitos. Como internaliza expectativas sociais e familiares, tem que conjugar também seu desejo por realização profissional e satisfação material (dinheiro) com a necessidade de atuação em favor da sociedade. O jovem, altruísta, sonha com um futuro melhor para si e para os outros.
Ao atingir 18 anos, passa à condição de eleitor. O jovem é urbano, incluído no sistema escolar e vive num ambiente familiar que é a base de sua socialização e o caminho para a concretização das expectativas que nele se depositam.
Classe 2 (jovens, sexualidade, velhos, juventude, década) - Rebelde traz referências a uma das facetas da rebeldia associada à juventude: cabelos, modo de vestir e gestualidade são usados como marcas de sua insatisfação, também indicada pelos ídolos que cultuam, pela preferência musical, por seu comportamento sexual e pela adesão ao consumo de drogas. Ao mesmo tempo enfatiza-se o caráter mercadológico representado por esta nova categoria, com a produção e difusão de uma série de bens de consumo direcionados aos jovens.
Estão presentes interpretações de natureza mais psicológica sobre os mesmos, sendo a rebeldia encarada como natural da idade, algo que é esperado que aconteça.
Classe 4 (praia, moça, rapaz, delegado, hippie) - Em Irreverente/Descompromissado os jovens aparecem como moças e rapazes cujo estilo de vida é marcado pela irreverência. São hippies, surfistas, integram os numerosos movimentos power (flower, gay), e têm uma maneira de ser descompromissada com o mundo: sua preocupação é não se preocupar. São jovens urbanos, freqüentam bares e boates em bairros conhecidos de grandes cidades brasileiras.
Muitos jovens acabam assumindo estilos de vida e consumindo artigos (principalmente roupas) identificados com os hippies. Percebe-se novamente o movimento de apropriação e comercialização daquilo que originalmente era um estilo ‘alternativo’ de viver e vestir.
Classe 5 (diretório, alunos, faculdade, estudo, universidade) - Em Estudantes os jovens são universitários ou secundaristas inseridos no sistema educacional. A noção de jovens como estudantes está associada à descrição de suas práticas relacionadas ao cotidiano escolar e às políticas educacionais do governo.
Classe 6 (ferido, prisão, ocupação, ex-UNE, polícia) - Militância reúne conteúdos que expressam uma faceta mais radical da rebeldia atribuída aos jovens, aqui também caracterizados como estudantes. Diferentemente do contexto anterior que se refere aos estudantes relacionando-os à contextura brasileira, Militância refere-se às ações dos jovens também em nível internacional.
Juventude e Nova Consciência é o subgrupamento formado por Estudantes e Militância. O que percebemos em Juventude e Nova Consciência é um jovem que toma consciência do poder que sua ação política pode significar. Em uma sociedade que passa por grandes transformações, com forte presença e influência dos meios de comunicação de massa, os jovens vivenciam uma realidade marcada por desigualdades. A percepção das desigualdades raciais, sexuais, econômicas, e políticas, entre outras, gera insatisfação e vontade de transformação.
Neste contexto o jovem se pretende transformador da realidade presente, não esperando que isto aconteça no futuro. E luta por isto. Têm visibilidade, sobretudo, como estudantes politizados, em lutas por causas que ultrapassaram o âmbito da educação e fronteiras de países. Porém, o caráter radical de suas ações muitas vezes gerou confrontos tendo como conseqüências prisões, ferimentos e mortes.
Aspectos contextuais e temporais do primeiro período
A compreensão dos resultados referentes a esse período requer uma exposição da contextura em que aparecem. Entretanto, a recuperação e análise de todos os fatos históricos da época é tarefa que foge aos nossos propósitos. Assim, focalizamos alguns acontecimentos importantes para o entendimento do que os nossos dados refletem.
A década de 60 foi marcada por transformações tecnológicas em diversas áreas. Conquista do espaço, transmissão de imagens via satélite, realização de transplantes e desenvolvimento da pílula anticoncepcional exemplificam o que queremos dizer. A evolução dos meios de comunicação de massa permitiu a disseminação de informação que tornou possível a universalização de interesses.
Paralelamente, ocorreu uma crescente politização dos jovens em diferentes países do mundo. As lutas nas quais se engajaram eram diferentes, de acordo com as particularidades de cada país: movimentos contra guerras, regimes ditatoriais, valorização excessiva do consumo, e a favor de igualdades em diferentes aspectos. A insatisfação crescente com os valores vigentes gerou movimentos de contracultura, que se tornaram forma de expressão do seu descontentamento, tendo na música um forte canal de expressão.
Estudantes no mundo inteiro manifestaram-se de diversas formas sobre questões relacionadas à educação, que muitas vezes eram acompanhadas de reivindicações de outra natureza e associadas a outros segmentos sociais. Episódio marcante ocorreu em maio de 1968 na França, no qual estudantes franceses se mobilizaram contra a reforma universitária proposta pelo governo do país.
No Brasil, através de sucessivos atos institucionais os governos militares foram aumentando seu poder. Nesse cenário, os estudantes assumiram papel importante na luta contra o regime militar. No ano de 1968 houve a tentativa de realização do 30º congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes, decretada ilegal em 1964). A prisão de centenas de estudantes e dos líderes mais expressivos do movimento estudantil contribuiu para sua desarticulação e muitos jovens, a partir de 1969, aderiram a grupos mais radicais e à luta armada.
Ocorria um processo de intensificação da repressão, com censura à imprensa, proibida de noticiar fatos que não fossem do interesse do regime. Com a assinatura do Decreto Lei nº 477 em 1969, prevendo punições para os estudantes considerados subversivos, se impôs o silêncio nas universidades.
As manifestações estudantis ocorreram em conjunto com outras lutas contra o regime e contaram com a simpatia de importante parcela da população, a classe média insatisfeita com a política econômica recessiva do governo. A partir de então, além do endurecimento da repressão, começaram a aparecer sinais de recuperação econômica, iniciando-se o que se costuma chamar de "milagre brasileiro". Com isso, sendo uma de suas maiores beneficiárias, a classe média já não dava tantos sinais de simpatia ao movimento dos estudantes, redefinindo assim os seus valores em relação a eles (CARMO, 2001). No aspecto cultural, este período foi marcado pelo fortalecimento da indústria cultural. Com o surgimento da "Jovem Guarda" com sua "rebeldia pop" no início da década, a música entrou na era do que se chama cultura de massa e foi associada à TV. Vale destacar ainda que, no ano de 1970, foi inaugurado o marco inicial da construção da rodovia Transamazônica, a seleção brasileira de futebol tornou-se tricampeã mundial. Em 1970 e em 1974 ocorreram eleições para representantes do legislativo.
Considerando nossos resultados podemos observar que, quanto ao aspecto cronológico, o subgrupamento Juventude e Nova Consciência refere-se principalmente aos anos de 1968 e 1969, coerentemente com os acontecimentos expostos anteriormente. A representação de adolescentes como Estudantes tendo como referência principal a educação pode ser explicada pela contextura então vivida pelo país. Na década de 60 houve grande expansão do ensino superior, principalmente de instituições privadas de ensino, e estiveram em discussão questões relacionadas à garantia da continuidade do ensino gratuito, e ao ingresso dos alunos através de vestibular. Além disso, havia insatisfação geral dos estudantes com as condições de ensino e de preparação para o mercado de trabalho, e com a ingerência do governo nas universidades, impedindo sua participação através da representatividade nos órgãos decisórios ou até mesmo ocupando as universidades.
Os jovens são militantes quando mostrados em ações consideradas mais radicais. E foi justamente no período de 1968 e 1969 que isso ocorreu, não só no Brasil. É esse conjunto maior de estudantes, tanto brasileiros como de outros países, que está em foco no contexto Militância. A ênfase neste contexto é na ação política dos estudantes, caracterizada por seu radicalismo. Percebe-se valoração negativa ao caráter radical das ações quando se observa a ênfase nas conseqüências que delas decorreram.
Em Juventude e Nova Consciência os jovens representados não esperam por mudanças em um futuro que virá, mas consideram que as transformações devem ser realizadas no presente e percebem sua força para impulsioná-las. Eles formam a parcela que optou por um enfrentamento das condições em que viviam de forma politizada e com compromisso social.
Como parte do mesmo conjunto de elementos aparece a Classe Irreverente/Descompromissado, em que a representação de adolescência está vinculada às formas de lazer e divertimento assumidas pelos jovens, neste caso, urbanos e moradores de grandes centros. A irreverência retratada nesse contexto corresponde ao que Pederiva (2000) encontrou sobre juventude em análise do movimento "Jovem Guarda". Lembramos que esse movimento musical teve presença marcante no cenário cultural brasileiro na década de 60. Segundo Pederiva, a juventude era marcada pela vontade de curtir, de se divertir, de viver a vida intensamente.
Por outro lado, também aparecem aqueles que optaram por formas de viver consideradas "alternativas", buscando simplicidade e proximidade com a natureza, o que também era uma forma de reação aos valores sociais vigentes. Observa-se, neste caso, a associação dos jovens com o estilo de vida valorizado pelos hippies.
É interessante notar que, do ponto de vista cronológico, nesta Classe estão representados os anos de 1970, 1971 e 1973, justamente após o endurecimento do regime e a desarticulação do movimento estudantil. Não estamos concluindo que os militantes se transformaram em ‘alternativos’ (apesar dessa possibilidade não estar excluída para parte deles). A visibilidade dos jovens passou a se dar pelo seu jeito de viver alternativo, que excluía todo o conteúdo de caráter politizado. Mesmo essa faceta de negação do estabelecido, de virar as costas ou evadir-se ao invés do confronto direto como no caso dos Militantes, esteve vinculada à influência da indústria cultural de consumo que incorporou elementos dessa contracultura.
A representação de adolescência como o futuro da nação, que agrupa as Classes Eleitor e Projetos de Futuro, traz consigo a idéia de que esse segmento social será responsável, no futuro, pela continuidade do que já foi construído pela sociedade até então. Nesse sentido, cabe aos jovens, a partir do seu amadurecimento e preparação, a condução dos rumos do país. É através da educação por parte da família e da escola que se pode adaptar o jovem aos valores e normas sociais. Percebe-se assim a relação direta entre o contexto desse grupamento de classes e a educação. Segundo Soares (2000), quando se afirma que os jovens são o futuro o que se quer dizer é que não há alternativas para o presente, por causa da perda das capacidades governamentais de oferecerem solução para problemas como a garantia de educação, de saúde e de emprego. Esse discurso adia as expectativas dos jovens para quando chegarem à idade adulta. Considerando o aspecto cronológico do subgrupamento Juventude: Futuro da Nação percebe-se relação entre a colocação feita por Soares e a representação sobre adolescentes. Na vigência do chamado milagre econômico, ao lado do crescimento real de alguns índices econômicos, cresciam também as desigualdades sociais, e a maior parte da população empobrecia (ARRUDA & PILETTI, 2003).
Em relação aos anos representados nas Classes, a representação do jovem como Eleitor relaciona-se com 1970 e 1974, justamente anos em que ocorreram no país eleições para representantes no poder legislativo. E a Classe Projetos de Futuro, relaciona-se com o ano de 1974, em que já vigorava a lei que instituiu o ensino profissionalizante no segundo grau (Lei 5.692 & 1971).
A Classe Rebelde aparece como parte do mesmo conjunto de elementos das duas acima mencionadas e nela se observa mais claramente a idéia de ambigüidade, de crise do adolescente. Observa-se a naturalização da rebeldia como aspecto inerente à adolescência e sua expressão como necessária à superação de conflitos que são internos ao indivíduo. Percebe-se também o aprisionamento do sujeito adolescente em um tipo de explicação que é prescritiva de seu comportamento, já que essa rebeldia, mesmo que incômoda para quem com ela convive, é considerada "normal" e necessária, e sua ausência pode indicar a existência de problema.
Segundo período
O corpus do Segundo Período foi dividido em dois grandes grupamentos, cada um deles contendo três classes. Apresentamos abaixo o Dendrograma 2 com a distribuição das classes, o percentual representado por cada uma delas no conteúdo analisado e os índices de associação entre as mesmas. Incluímos a informação sobre quais anos são mais tipicamente representados em cada classe.
Para a descrição das Classes geradas listamos as palavras com qui-quadrado mais elevados, consideradas as mais características das mesmas.
Classe 1 (filhos, pais, Rosely, psicólogos, sexualidade) & Criação é o contexto que se refere ao adolescente como um ser em formação cuja diferenciação como indivíduo e cujo desenvolvimento da identidade devem ocorrer sob tutela da família, segundo a opinião de profissionais (daí aparecer o nome de uma psicóloga).
Classe 2 (pesquisa, saúde, fumo. Droga, cigarro) & Prevenção refere-se aos comportamentos que colocam em risco a saúde e a vida dos adolescentes.
Da ligação entre Criação e Prevenção resulta o subgrupamento Adolescência: Necessidade de Proteção. Os adolescentes são representados como seres em desenvolvimento, que têm na família seu principal alicerce. Aos pais se atribui a responsabilidade direta de educá-los para que se tornem adultos com uma atitude responsável diante da vida. O desenvolvimento de sua sexualidade também se torna bastante visível e é uma das características dos adolescentes que mais gera dúvidas entre os pais.
Considera-se normal a presença de sentimentos de angústia, insegurança e ansiedade. Diante das escolhas e das responsabilidades que precisam assumir na caminhada em direção à vida adulta, é comum que os adolescentes sintam-se confusos. A partir desse momento da vida aumenta a diversidade de situações sociais a que são expostos, nas quais, muitas vezes, surgem oportunidades de contato com fumo, bebida alcoólica e outros tipos de drogas. Pesquisas realizadas em diferentes países apontam expansão do consumo de drogas e sua ocorrência precoce, configurando um problema de saúde pública. Por implicar graves conseqüências para a vida dos adolescentes, o consumo de drogas lícitas ou ilícitas é caracterizado como comportamento de risco.
Classe 6 (faculdade, estudante, universidade, curso, empresa) & Em Educação e Futuro os adolescentes são representados como aqueles que vivenciam a situação de escolha profissional para inserção no mercado de trabalho. Com a realização de um curso de nível superior o jovem pode concorrer a empregos mais qualificados e com melhores salários. Para muitos jovens a educação exerce papel de possibilitar elevação na escala social, apresentando-se como alternativa de melhoria de sua condição econômica.
Também se observa em Educação e Futuro a presença do discurso de profissionais, relacionado aos adolescentes e sua escolha profissional. Segundo o entendimento de sociólogos, psicólogos e pedagogos, os sentimentos de insegurança vividos nesse momento ocorrem, em parte, devido à precocidade com que se faz a opção profissional.
Classe 3 (mãe, irmãos, pai, amigos, casa) & Vulnerabilidade reúne conteúdos que podem ser interpretados como um conjunto de situações de vida em que fracassaram as regras de controle social ou familiar sobre o comportamento do adolescente. Da conjunção de circunstâncias pessoais e sociais decorrem comportamentos em cujas conseqüências se evidencia a vulnerabilidade dos adolescentes, mais precisamente sua vulnerabilidade social.
Classe 5 (polícia, crime, assassino, prisão, morte) & Violência é o contexto em que os adolescentes são representados como autores e vítimas de violência. Furtos, assaltos, assassinatos, ou agressões seguidas de morte, são exemplos de crimes cometidos ou sofridos.
A associação entre Vulnerabilidade e Violência forma o subgrupamento Adolescência e Ruptura. Os adolescentes são representados como aqueles que, a partir da conjunção de diversos fatores de ordem social, familiar e pessoal, encontram-se na condição de vulnerabilidade. Aqui estão materializados, através de exemplos, comportamentos que não respeitaram limites, que não observaram regras e que trazem o significado de ruptura. Aqueles que são menores de dezoito anos e que se comportam de forma a violar leis vigentes na sociedade estão sujeitos às medidas previstas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente. Em alguns casos ocorre internação em instituições para reeducação, realidade que no país envolve mais os adolescentes de classes empobrecidas. O mesmo se pode dizer sobre a violência policial, que atinge mais os adolescentes pobres de bairros de periferia.
Classe 4 (música, sucesso, moda, roupa, modelo) & Compromisso com o Prazer refere-se ao conjunto de comportamentos dos adolescentes ligados ao lazer e entretenimento, aos seus gostos e ao que lhes dá prazer. O conjunto de conteúdos incluídos neste contexto diz respeito à cultura de consumo, na qual os adolescentes são consumidores e consumistas.
Aspectos contextuais e temporais do segundo período
Como aspectos contextuais e temporais do período aqui enfocado podemos destacar que no Brasil, tomando como referência os indicadores sociais de 2000 divulgados pelo IBGE, a taxa de mortalidade por causas externas foi de 68% entre os jovens de 15 a 19 anos. Observa-se também, na população geral, aumento da taxa de desemprego, tendo ocorrido diminuição dos níveis de ocupação entre os jovens de 15 a 24 anos (IBGE, 2001). Em resumo, o período aqui enfocado caracteriza-se pela existência de grandes desigualdades sociais e econômicas no país.
Na década de 1990 entrou em vigor a Lei do Estatuto da Criança e do Adolescente; houve aumento dos índices de criminalidade e violência e foram noticiados diversos crimes cometidos por jovens de classe média; ocorreram diversas rebeliões em instituições de reeducação de menores infratores, dando visibilidade ao drama de uma outra juventude que está à margem da sociedade; o governo veiculou campanhas de combate ao consumo de drogas, de prevenção às doenças sexualmente transmissíveis; surgiram novas drogas, como o ecstasy e o crack; no cenário musical, difundiram-se estilos diversos de música.
Com relação ao aspecto cronológico, duas classes se destacam como reflexo de contextura dos anos aos quais estão associadas. A primeira é Violência, que tem os anos de 1996, 1997 e 2000 como mais característicos. Isso se explica pela grande divulgação de notícias a respeito de crimes cometidos por jovens em Brasília (DF), no Rio de Janeiro (RJ) e em São Paulo (SP). A morte de um índio queimado por um grupo de adolescentes, mortes decorrentes de agressões de grupos de adolescentes, violência atribuída ao envolvimento com tráfico de drogas, e um seqüestro de ônibus urbano com final trágico exemplificam tais situações.
A segunda classe é Educação e Futuro, para a qual aparecem 4 anos como mais tipicamente relacionados: 1998, 2000, 2001 e 2002. Não é de se estranhar, já que esse período foi marcado por decréscimo nas taxas de emprego na população em geral. A escolarização formal, em geral, e a qualificação em nível superior, em particular, são exigências para a ocupação de postos de trabalho.
Considerando a configuração formada por Educação e Futuro e Adolescência: Necessidade de Proteção, podemos afirmar que a idéia de que os adolescentes necessitam de limites e que a família tem importante papel no estabelecimento destes é bastante generalizada, principalmente entre profissionais que lidam com adolescentes. Sant’Ana (2003), em trabalho com conselheiros tutelares verificou que entre as características atribuídas ao comportamento de adolescentes a ‘não aceitação de regras’ foi a mais mencionada, sendo atribuídos à família ou à própria fase de desenvolvimento os comportamentos dos adolescentes com os quais lidam.
A associação entre adolescência e sexualidade é bastante difundida entre profissionais e educadores. Cunha (2000) pesquisou o desenvolvimento humano para grupos de educadores de crianças, de adolescentes, de adultos e de idosos. Analisando as respostas do grupo de educadores de adolescentes separadamente, seus resultados indicaram descobertas sexuais, transformação no corpo, crises existenciais e rebeldia como parte do núcleo central das representações sociais de adolescência.
A atribuição à adolescência de uma certa irresponsabilidade e de imaturidade social, bem como de conflitos e de angústia muitas vezes acompanha explicações sobre seus comportamentos de risco. Günter (1991) lembra que comportamentos como beber e fumar, ao mesmo tempo em que são considerados de risco, são glamourizados no ambiente adulto. Talvez a dificuldade em encontrar solução esteja no conjunto: por gozarem de certo charme, por serem de certa forma ignorados pelas autoridades e porque são considerados como ritos de passagem, e como auxiliares no processo de lidar com angústia e timidez próprias à adolescência.
Em Educação e Futuro a ênfase é na qualificação para o trabalho, e a educação aparece mais como meio para se atingir este fim. A educação não é valorizada por si mesma, mas como uma forma de garantia de sobrevivência futura. O estudo de Bock & Liebesny (2003) sobre projetos de vida de adolescentes, revela que a realização da escolha profissional não vem acompanhada de projetos que considerem a coletividade, mas somente centrados no próprio indivíduo.
Em relação aos elementos da segunda configuração sob análise, Adolescência e Ruptura coloca em evidência a vulnerabilidade a que estão sujeitos os jovens a partir da conjunção de circunstâncias pessoais e sociais. Pesquisas de Minayo et al (1999) e Martins (2002) apontaram, respectivamente, ‘violência e criminalidade’ e ‘delinqüência’ como elementos centrais nas representações em jovens das diferentes inserções sociais investigadas.
Compromisso com o Prazer refere-se à representação da "adolescência como curtição", como uma fase em que a preocupação primeira é a diversão, através da música, dos shows, das festas. A esse respeito, Martins (2002) descreveu como um dos elementos de representação de adolescência entre seus sujeitos de pesquisa a "curtição". Percebe-se a forte presença dos meios de comunicação de massa na vida destes jovens difundindo estilos, modas, ídolos e desejos. Como forma de afirmar sua própria condição os adolescentes usam determinadas roupas, freqüentam determinados lugares, ouvem determinados tipos de música e assumem estilos de comportamento de determinados grupos ou tribos.
Tomando os dados dos dois períodos conjuntamente, observamos algumas regularidades na forma como se apresentam e no seu conteúdo, guardadas as especificidades das contexturas nas quais foram produzidos. Em ambos os casos os conteúdos se organizam em dois eixos, com grupos de classes, ou elementos de representações que parecem se opor. Essa oposição se dá pelo caráter mais adaptativo do primeiro eixo e pelo caráter mais transgressor do segundo. Isso não impede a convivência de ambos os grupos de elementos, formando um conjunto maior de conhecimentos marcados por sua diversidade.
É preciso enfatizar a possibilidade de apreensão do aparentemente contraditório, do ambíguo e da convivência de opostos que nos é dada pela Teoria das Representações Sociais. Conforme Trindade (2002):
"A Teoria das Representações Sociais (TRS) tem se mostrado uma ferramenta indicada para o entendimento de objetos sociais relevantes porque é uma teoria que contém os elementos necessários para contemplar os objetos sociais em sua complexidade, permitindo tanto a compreensão de significados hegemônicos, ainda que heteromórficos, como o desvendamento de suas degenerações e antíteses, considerando ainda suas articulações com as práticas sociais desenvolvidas para e pelos homens" (p. 1).
Nos dois períodos observamos elementos de representações que interpretamos como ligadas às expectativas sociais positivas e mais tradicionais a respeito da adolescência/juventude, que se apóiam em sistemas de pensamento construídos sobre o que normalmente é esperado, ou considerado como característica própria desta fase: subgrupamento Projetos de Futuro e Rebelde (Primeiro Período); e subgrupamento Adolescência: Necessidade de Proteção e Educação e Futuro (Segundo Período).
De outro lado, aparecem elementos valorados mais negativamente pelo conjunto social que os elaborou, significando a adolescência que foge ao que se espera como normal. Foge porque, de acordo com Arce (1997), sai do "roteiro estabelecido" de docilidade e aceitação de projetos hegemônicos da sociedade: Irreverente/Descompromissado e subgrupamento Juventude e Nova Consciência (Primeiro Período); e Compromisso com o Prazer e subgrupamento Adolescência e Ruptura (Segundo Período).
Pensamos que o conjunto de representações sociais de adolescência/juventude ou de adolescente/jovem apóia-se em sistema de crenças e valores presentes na sociedade, ancorados em conhecimento científico produzido há muito tempo atrás. Identificamos como âncoras destas representações sociais, parte das proposições da teoria de Hall sobre a adolescência. A teoria de Hall concebe a adolescência como um período complexo e associado ao desenvolvimento da individualidade, caracterizado por instabilidade e turbulência, características relacionadas diretamente ao desenvolvimento sexual. Ao mesmo tempo foi considerado como período aberto a influências culturais.
A comparação entre os dois períodos estudados possibilitou a constatação de permanências e mudanças na forma como adolescentes/jovens são representados. Analisamos conteúdos de representações sociais sobre adolescência/juventude veiculadas em material da imprensa em dois momentos específicos, portanto devemos tentar compreendê-los de acordo com os contextos nos quais foram produzidos. Afirmamos isso porque têm sido comuns avaliações desqualificadoras, ou pelo menos contraditórias, a respeito do que são os jovens hoje, tomando como referência positiva os jovens da década de 60 (ABRAMO, 1997; e SCHMIDT, 2001).
Isso fica claro nas referências ao pouco senso de rebeldia, ou ausência do mesmo, atribuído aos jovens de hoje. É possível que nestas comparações se considere a positividade deste senso de rebeldia como processo de revitalização das práticas sociais. Talvez um certo período de afastamento no tempo tenha gerado esse tipo de avaliação do fenômeno como um todo e do que ele representou naquele momento. Conforme Abramo (1997), nas décadas de 60 e de 70 era comum a visão de adolescência como problema. Os jovens apareceram como uma geração que ameaçava a ordem social por apresentarem atitudes e práticas críticas e transformadoras, através dos movimentos estudantis, movimentos pacifistas e movimento hippie. Ao longo do tempo, houve uma re-elaboração e assimilação da imagem da juventude a partir da ótica de uma minoria que os encarava como esperança, sendo generalizada como uma geração idealista e comprometida com mudanças sociais. Tal re-elaboração de certa forma fixou as características de idealismo e rebeldia como essenciais no modelo de juventude.
A análise dos resultados do Primeiro Período confirma as afirmações de Abramo (1997). Como já indicado, o subgrupamento Juventude e Nova Consciência encontra-se entre os elementos que interpretamos como valorados mais negativamente por seu caráter transgressor, ou que fogem àquilo que socialmente é esperado.
Chama a atenção a presença da idéia de jovem como estudante nos dois períodos, o que revela seu caráter de permanência. É possível apontar semelhanças e diferenças que caracterizam tal idéia. Nos dois períodos se faz referência a estudantes secundaristas (ou de ensino médio) e universitários e a ênfase na importância do vestibular como forma de ingresso no sistema universitário. Há semelhança ainda no fato de que ambas as classes tem o maior número de anos a elas associados, conforme os Dendrogramas 1 e 2.
Podemos apontar diferenças nos conteúdos associados a essas duas Classes e nas ligações por elas estabelecidas, que definiram sua posição em um ou outro dos eixos formados nos dois períodos. Em Estudantes (Primeiro Período) os conteúdos referem-se às suas práticas políticas e às conseqüências desse engajamento. Do caráter político de sua atuação e da ligação desta Classe com Militância decorre sua valoração negativa e o estranhamento que representou. Em Educação e Futuro (Segundo Período) fica clara a associação entre trabalho e educação, e a importância da adequação desta às exigências do mercado. Aparecem referências à escolha profissional dos jovens e sua dificuldade em fazê-la. Observa-se a presença do discurso de profissionais que atribuem à imaturidade dos jovens as dificuldades encontradas no momento de escolher uma carreira.
A representação de adolescência como um período para se divertir, aproveitar a vida e viver intensamente, em que é permitida a irresponsabilidade, também é comum aos dois períodos estudados. Neste caso, tanto Irreverente/Descompromissado (Primeiro Período) quanto Compromisso com o Prazer (Segundo Período) estão localizadas entre as Classes valoradas negativamente, se bem que com vínculo frágil com Juventude e Nova Consciência e Adolescência e Ruptura, respectivamente, o que pode indicar ambigüidade na valoração destas classes, produzida pela positivação do consumo, considerado fundamental para a manutenção do status quo, e pela negatividade atribuída à irresponsabilidade (ainda que permitida), característica predominante nas duas classes.
Merece atenção a presença de idéias de adolescência como fase de dependência, imaturidade e adaptabilidade, em Projetos de Futuro (Primeiro Período), e Adolescência: Necessidade de Proteção (Segundo Período). A família aparece como referência importante dos jovens no Primeiro Período principalmente no que diz respeito à sua escolha profissional. Mas em Adolescência: Necessidade de Proteção há a presença marcante de um discurso profissional/especializado a respeito dos adolescentes, além da atribuição acentuada de imaturidade e necessidade de proteção por parte da família.
Atribui-se ao processo de modernização nas sociedades as transformações ocorridas na vida familiar e nas práticas educativas. Bilac (2002) assinalou que o crescimento de profissões assistenciais, educacionais e de saúde, ao longo do tempo contribuiu para tirar da família a autoridade na condução da educação de crianças e jovens. Ao mesmo tempo, o discurso profissional não ‘economiza’ nas prescrições, e estas têm sido cada vez mais direcionadas para o aspecto preventivo do comportamento de risco dos jovens, ressaltando cada vez mais seu caráter de imaturidade. Tudo isso deixa claro que o adolescente/jovem deve ser controlado e disciplinado.
Nota-se que Violência (Segundo Período) representa um percentual pequeno do corpus se considerada individualmente. Isto parece contrariar a opinião corrente de que há um exagero nos relatos de violência relacionada a jovens nos meios de comunicação. Porém, considerando sua forte relação com Vulnerabilidade, em cujos conteúdos estão presentes histórias de exclusão e violência, concordamos com os autores que apontam a predominância da associação de conteúdos negativos relacionados a jovens nos meios de comunicação. Concordamos também com a posição de que ao enfocar os jovens somente pelo prisma de problemas sociais não conseguimos sair de uma postura de desqualificação da atuação dos mesmos como sujeitos (ABRAMO, 1997).
A análise do conteúdo de Violência revela a concentração de episódios que retratam a presença de jovens do sexo masculino, o que pode ser explicado pela naturalização da violência como atributo da masculinidade. Nolasco (2001) evidenciou, a partir da análise de dados disponibilizados por fontes governamentais, que a violência não se restringe a qualquer classe social ou idade, mas está relacionada principalmente com o sexo masculino. Os nossos resultados corroboram as colocações do autor.
Há uma ênfase em retratar jovens urbanos. Quanto à diversidade social, fica clara a inclusão de jovens de diferentes classes sociais nos textos examinados do Segundo Período. Isso reflete aspectos da contextura social, caracterizada pelo aumento das desigualdades sociais e pela concentração da população em grandes centros urbanos. Diante dessa realidade, fica difícil ignorar a presença dessas outras adolescências ou juventudes que compõem nosso cenário social.
Pensamos que os conteúdos aqui evidenciados não esgotam todos os sentidos e significados de adolescência que circularam no pensamento social nos períodos examinados. Reconhecemos que nosso conhecimento destas representações está limitado pelo veículo que tomamos como fonte de dados, que prioriza temas ou enfoques do fenômeno estudado. Pode-se argumentar que, pelo fato de se dirigir a um público com determinadas características, a revista escolhida análise limita o alcance do objeto que nos propusemos a investigar. Entretanto, pelo fato de atingir principalmente leitores de classes A e B, público tradicionalmente considerado como formador de opinião, e pelo alcance de sua distribuição em nível nacional, é possível afirmar que a fonte que escolhemos é representativa do pensamento social.
Merece destaque a apropriação seletiva por parte do pensamento social de alguns aspectos relacionados à adolescência muito mais do que outros. A forma pela qual esses conhecimentos são apropriados e ressignificados está em estreita ligação com a contextura social na qual acontece. Além disso, já indicamos que a produção científica atual sobre adolescência e fenômenos a ela relacionados tem se caracterizado por sua diversidade e por incluir explicações que se afastam da visão tradicional, considerada patologizante. Tanto a diversidade quanto a mudança de enfoque ainda estão ausentes ou muito apagadas no conteúdo em análise na presente pesquisa. Isso revela a força do pensamento tradicional a respeito da adolescência presente em nossa sociedade, e indica que a produção acadêmica atual ainda não foi incorporada nas representações sociais que circulam no meio social.
REFERÊNCIAS
ABRAMO, H. W. (1997) Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação. Vol. 5 e 6: 25-36. [ Links ]
ARCE, J. M. V. (1997). O funk carioca. In: M. Herschmann (Org.). Abalando os anos 90 & funk e hip-hop & globalização, violência e estilo cultural. Rio de Janeiro: Rocco. [ Links ]
ARRUDA, J. J. A. & PILETTI, N. (2003) Toda a História. São Paulo: Ática. [ Links ]
BILAC, E. D. (2002) Família: algumas inquietações. In: Carvalho, M.C.B. (Org.) A família contemporânea em debate. São Paulo: Educ/Cortez. [ Links ]
BOCK, A. M. B. & LIEBESNY, B. (2003) Quem eu quero ser quando crescer: um estudo sobre o projeto de vida de jovens em São Paulo. In: Ozella, S. (Org.) Adolescências construídas: a visão da psicologia sócio-histórica. São Paulo: Cortez. [ Links ]
CARMO, P. S. (2001) Culturas da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Senac. [ Links ]
CUNHA, G. G. (2000) Brincadeiras, sexualidade, trabalho e sabedoria, assim definem nosso desenvolvimento. Dissertação de Mestrado, Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, DF. [ Links ]
GALLATIN, J. E. (1978) Adolescência e Individualidade. São Paulo: Harper e Row do Brasil. [ Links ]
GÜNTHER, I. A. (1991) Prevenção na adolescência (resumo). In: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP), Anais do III Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico (264-265), Águas de São Pedro, SP. [ Links ]
GRUPO ABRIL (2003) Disponível em http://www.abril.com.br/aempresa/saladeimprensa/presskit.pdf. Acesso em 2004. [ Links ]
IBGE & Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2001) Síntese de Indicadores Sociais 2000. Rio de Janeiro: IBGE. [ Links ]
JODELET, D. (1986) La representación social: fenómenos, concepto y teoria. In Moscovici, S. (Org.). Psicologia Social II. Barcelona: Ediciones Paidós Ibérica S.A. [ Links ]
MARTINS, P. O. (2002) As expectativas do ter e o fracasso do ser: representações sociais de adolescência e suicídio entre adolescentes. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES. [ Links ]
MINAYO, M. C. S. et al (1999) Fala galera: juventude, violência e cidadania na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro/Brasília: Garamond/Unesco. [ Links ]
MENANDRO, M. C. S. (2004) Gente jovem reunida: um estudo de representações sociais da adolescência/juventude a partir de textos jornalísticos (1968/1974 e 1996/2002). Tese de Doutorado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES. [ Links ]
NOLASCO, S. (2000) De Tarzan a Homer Simpson: banalização e violência masculina em sociedades contemporâneas ocidentais. Rio de Janeiro: Rocco. [ Links ]
PEDERIVA, A. B. A. (2000) Jovem Guarda: cronistas sentimentais da juventude. São Paulo: Nacional. [ Links ]
SÁ, C. P. (1993) Representações sociais: o conceito e o estado atual da teoria. In: SPINK, M.J. (Org.) O conhecimento no cotidiano: as representações sociais na perspectiva da psicologia social. São Paulo: Brasiliense. [ Links ]
SANT’ANA, M. T. P. (2003) Representações sociais de conselheiros tutelares sobre o adolescente: relatos de uma prática. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, ES.
SCHMIDT, J. P. (2001) Juventude e política no Brasil: a socialização política dos jovens na virada do milênio. Santa Cruz do Sul: Edunisc. [ Links ]
SOARES, C. (2000) De juventudes, transiciones y el fin de las certidumbres. Revista Internacional de Ciencias Sociales. Vol. 164: 80-88. [ Links ]
STEINBERG, L. & MORRIS, A.S. (2001) Adolescent Development. Annual Review of Psychology. Vol. 52: 83-110. [ Links ]
TRINDADE, Z. A. (1996) Representação social: "modo de conhecer" no cenário da saúde. In: Trindade, Z. & Camino, C. (Orgs.). Cognição Social e Juízo Moral. Rio de Janeiro: Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia & ANPEPP. [ Links ]
TRINDADE, Z. A. (2002) Representações e práticas sociais: uma perspectiva sócio-histórica da masculinidade. Trabalho apresentado no IX Simpósio de Pesquisa e Intercâmbio Científico da ANPEPP, Águas de Lindóia, SP. [ Links ]
Maria Cristina Smith Menandro
E-mail: crismenandro@uol.com.br
Zeidi Araújo Trindade
E-mail: zeidi@uol.com.br
Angela Maria de Oliveira Almeida
E-mail: aalmeida@unb.br
Recebido em: 17/09/05
Revisado em: 03/10/05
Aprovado em: 05/10/05