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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.65 no.1 Rio de Janeiro jun. 2013

 

ARTIGOS

 

As LER/DORT e os fatores psicossociaisi

 

The RSI/WMSD and the psychosocial factors

 

Las LER/ TME y los factores psicosociales

 

 

Paulo Wenderson Teixeira MoraesI; Antonio Virgílio Bittencourt BastosII

IDoutorando. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal da Bahia (UFBA). Salvador. Brasil

Endereços para correspondência

 

 


RESUMO

As Lesões por Esforço Repetitivo/Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (LER/DORT) provocam sequelas irreversíveis aos trabalhadores, podendo acarretar invalidez permanente. Além das despesas previdenciárias e do custo organizacional, os trabalhadores enfrentam um intenso sofrimento psíquico, estresse e insatisfação com o trabalho. O objetivo deste artigo, apoiado em uma revisão da literatura, é analisar a complexidade dos fatores psicossociais associados às LER/DORT e discutir a fragmentação das pesquisas na área. As LER/DORT são um fenômeno multifatorial (fatores: biomecânicos, organizacionais e psicossocais) e multidimensional (dimensões: individual, grupal e social). Um desafio para a pesquisa é compreender como os fatores e as dimensões interagem entre si para produzir ou potencializar os sintomas e como impactam na reabilitação e prevenção. As pesquisas indicam que o fator biomecânico, por si só, não é suficiente para a compreensão do fenômeno.

Palavras chave: LER; DORT; Fatores psicossociais; Estresse; coping.


ABSTRACT

The Repetitive Strain Injury/ Work Related Musculoskeletal Disorders (RSI/WMSD) cause irreversible consequences to workers and can result in permanent disability. In addition to the pension costs and organizational costs, workers face an intense psychological distress, stress and job dissatisfaction. The purpose of this article, which is supported by a literature review, is to analyze the complexity of the psychosocial factors associated with RSI/WMSD and to discuss the fragmentation of research in this area. RSI/WMSD is a multifactorial phenomenon (the factors are: biomechanical, organizational and psychosocial) and multidimensional (the dimensions are: individual, group and social). A challenge for research is to understand how these factors and dimensions interact with each other to bring on the symptoms and how they impact upon rehabilitation and prevention. Research indicates that the biomechanical factor by itself is not sufficient for understanding the phenomenon.

Keywords: RSI; WMSD; Psychosocial factors; Stress; coping.


RESUMEN

Las Lesiones por Esfuerzos Repetidos/ Trastornos Músculoesqueléticos Vinculados con el Trabajo (LER/TME) provocan secuelas irreversibles a los trabajadores, y pueden provocar discapacidad permanente. Además de los costos de la seguridad social y los costos de organización, los trabajadores enfrentan un sufrimiento psíquico intenso, el estrés y la insatisfacción con el trabajo. El objetivo de este artículo, basado en una revisión de la literatura, es analizar la complejidad de los factores psicosociales asociados a LER/TME y discutir la fragmentación de la investigación en el área. Las LER/TME son un fenómeno multifactorial envuelve factores biomecánicos, organizacionales y psicosocialesy multidimensional - de dimensiones individual, grupal y social. Un reto para la investigación es entender cómo los factores y las dimensiones interactúan entre sí para producir o potenciar los síntomas. La investigación indica que el factor biomecánico por sí solo no es suficiente para la comprensión del fenómeno.

Palabras clave: LER; TME; Factores psicosociales; Estrés; coping;


 

 

As Lesões por Esforço Repetitivo/Distúrbios Osteomusculares Relacionados com o Trabalho (LER/DORT) são uma síndrome que vem provocando sequelas irreversíveis aos trabalhadores que podem implicar invalidez permanente. A dor e a fragilidade nos membros ou na coluna podem tornarse crônicas e impossibilitar até mesmo a realização das tarefas mais simples e banais do cotidiano.

Em 2011, foram gastos no Brasil R$ 356.038.000 com 381.810 auxílios doença concedidos para trabalhadores com doenças do sistema osteomuscular e do tecido conjuntivo, sendo esta a segunda maior concessão de auxílio doença segundo os capítulos da CID10. Também é a segunda maior causa de aposentadoria por invalidez, com 23.485 aposentadorias no ano de 2011 que equivalem a um valor de R$ 24.073.000 (AEPS, 2011). Nos EUA, os custos com LER/DORT são em torno de U$ 50 bilhões por ano, segundo The U. S. Department of Labor (Coovert & Thompson, 2003). Além das despesas previdenciárias, há o custo organizacional, pela diminuição da produtividade e recolocação de funcionários, além de desencadear o aumento do absenteísmo, redução da lucratividade e da qualidade nos serviços. Já os trabalhadores enfrentam um intenso sofrimento psíquico, estresse e insatisfação com o trabalho, que afetam a capacidade de sentir prazer e a qualidade de vida.

O diagnóstico de LER/DORT, muitas vezes decorre de um quadro de queixa de dor intensa de uma pessoa que trabalha com movimentos repetitivos, mesmo que nos exames não sejam encontradas as lesões correspondentes. Toda dor deve ser considerada como real e legítima, independentemente de sua origem, seja psicológica ou física. Tanto uma dor física pode provocar impactos na dimensão psicológica, que reflexamente agrava o quadro da dor, quanto uma dor de origem psicológica pode impactar no corpo, também reflexamente agravando a situação. Tratandose de LER/DORT, ambos os caminhos são possíveis de acontecer (Merskey, 1996).

O objetivo deste artigo, apoiado em uma revisão da literatura, é analisar a complexidade dos fatores psicossociais associados às LER/DORT e, ao mesmo tempo, discutir a fragmentação das pesquisas na área. O texto estruturase em quatro segmentos: no primeiro, é apresentada uma breve descrição da história da terminologia do fenômeno e do paradigma hegemônico; no segundo, apresentase um mapa conceitual que estrutura a produção científica identificada no período de 1986 a 2011, abarcado pela revisão, mostrando as categorias nas quais os trabalhos foram organizados; no terceiro segmento, é feita uma síntese dos avanços no conhecimento dentro de cada categoria apresentada no segmento anterior. No quarto segmento (considerações finais), são apontados os problemas e desafios que cercam o campo de estudo sobre os impactos de fatores psicossociais no fenômeno LER/DORT.

 

A história do termo LER/DORT e o paradigma hegemônico

As LER/DORT são um fenômeno relativamente antigo, associado a trabalhos manuais repetitivos. Alguns autores apresentam um panorama histórico no qual aparecem muitos termos para denominar esse fenômeno (Antonalia, 2008; Gerr, Letz, & Landrigan, 1991; Higgs & Mackinnon, 1995; Ireland, 1995; Kiesler & Finholt, 1988; Reilly, 1995). Ramazzini, em 1713, por exemplo, denominou doença dos escreventes e caixas aquela que tem como causa o uso repetitivo, em posição estática, das mãos, produzindo tensão psicológica. Já em 1833 Charles Bell descreveu a câimbra dos escritores. Em 1882 era descrita a câimbra dos telegrafistas, e em 1888 surgiu a denominação neurose ocupacional, cunhada por Gower. Para este último, a câimbra dos escritores relacionavase com problemas no sistema nervoso central, em sujeitos que tinham um temperamento nervoso distinto, eram irritáveis, sensitivos, toleravam sobrecarga de trabalho, além de serem gravemente ansiosos. Em 1891 surgiu o termo tendinite, com DeQuervain. Em 1938 houve o reconhecimento previdenciário da doença nos EUA (Ireland, 1995; Gerr et al., 1991).

A denominação repetition strain injury (RSI) tornouse famosa apenas na década de 1980, devido, sobretudo, ao que ficou conhecido como "epidemia australiana" (Reilly, 1995). Na Austrália, houve um crescimento rápido da síndrome que acabou repercutindo em outros países. No Brasil, a primeira denominação, "lesão por esforço repetitivo" (LER), é praticamente a tradução direta de RSI e foi reconhecida pela Previdência Social em 1987 (Couto, 2000). O que se destaca na história desse fenômeno é que ele se intensifica com grandes mudanças da tecnologia e da organização do trabalho, fragilizando e desestabilizando um grande contingente de trabalhadores. Os termos têm ligação com a tecnologia subjacente ao momento histórico: a máquina de escrever, o telégrafo e o computador.

A aceitação do tratamento em relação aos casos nos quais são constatadas desordens inflamatórias já está bastante consolidada. Porém, quanto às queixas não específicas de formigamento, enfraquecimento e desconforto nos membros superiores, o dilema é assustador (Higgs & Mackinnon, 1995). O embaraço para a medicina é notável. Nesse contexto surgiu uma nova denominação: cumulative trauma disorder (CTD). Essa terminologia, entretanto, não especifica a relação com o trabalho e não garante que o diagnóstico aponte apenas para as causas físicas e palpáveis, como a Síndrome do Túnel de Carpo, Tendinites e Tenossinovites. O organismo foi o foco principal da maioria dos estudos biomédicos na década de 1980, sendo que na década de 1990 o paradigma biomecânico já não produzia explicações convincentes da origem da síndrome, abrindo espaço para o estudo da relação entre a organização do trabalho e os fatores psicossociais com os diversos sintomas (Couto, 2000), contribuindo para consolidar a ideia de uma predisposição orgânica à doença, ou seja, a predisposição de um organismo submetido a uma forma de funcionamento inadequado. Entretanto, mesmo nesse modelo, é possível observar que as causas não se resumem somente à repetição.

Na língua inglesa, encontramse as terminologias work related upper limb disorder (WRULD) e work related upper extremity disorder (WRUED), enquanto na França se usa troubles musculosquelettiques (TMS), termo que na tradução para o inglês equivale a musculoskeletal disorders (MSD). No Brasil, foi cunhada a expressão Distúrbios Osteomusculares Relacionados ao Trabalho (DORT), seguindo a tendência internacional de frisar a relação com o trabalho e buscando estabelecer o nexo causal para fins previdenciários, já que com a sigla LER o nexo causal com o trabalho fica apenas subentendido. Porém, como a sigla LER já era amplamente conhecida, optouse por mantêla, consolidandose assim a junção LER/DORT.

Os termos derivaram basicamente da medicina, e, portanto, o foco das pesquisas sobre LER/DORT e dos programas de prevenção e de intervenção, inicialmente, prestigiaram quase exclusivamente os fatores biomecânicos, como fisiologia, equipamentos ergonômicos, fisioterapia e medicalização da dor, dominando o campo de pesquisa e de atuação clínica e contribuindo significativamente para a construção do senso comum de um corpo que se desgasta pelo movimento repetitivo. O campo da biomecânica busca correlacionar as lesões a quatro fatores: carga de trabalho, esforço repetitivo, posturas inadequadas e vibração. Quanto mais fatores estiverem presentes na tarefa desempenhada, mais riscos existem de se desenvolver a doença. Portanto, os aspectos físicos são o foco dos estudos e pesquisas nesse paradigma. Entretanto, a cada dia fica mais difícil desconsiderar as dimensões psicossocial e organizacional, pois os problemas de saúde têm ganhado em complexidade e acabam demandando desenhos de pesquisa e soluções igualmente complexas.

Para o National Institute for Occupational Safety and Health (NIOSH) (Menzel, 2007), o fator psicossocial é um termo guardachuva que engloba os fatores associados com o emprego, o ambiente de trabalho, o ambiente fora do trabalho e características do trabalhador individual. Presumese também que esses fatores interagem entre si, afetando a saúde e a performance no emprego. Fatores relacionados ao trabalho incluem satisfação com o emprego, tensão (desempenhar tarefas que demandam atividade mental sob pressão de tempo, enquanto se tem baixo controle sobre a tarefa), alta pressão mental, relacionamento com colegas, suporte no trabalho e estresse. Como exemplos de fatores de risco do ambiente fora do trabalho, temse o tempo de lazer dedicado a exercício físico, abuso no consumo de substâncias e alimentação. Já dentre os fatores do indivíduo, encontrase a habilidade de lidar com a dor, tensão prémenstrual, ter crianças e estados afetivos (depressão e ansiedade) (Menzel, 2007). Além das especificidades para se mensurarem os constructos psicossociais, que em sua maioria envolvem autorrelatos, a fragmentação conceitual dificulta a comparação dos achados de pesquisa. Já a escassez de estudos longitudinais dificulta o estabelecimento de relações causais. Wells (2009) e Marras, Cutlip, Burt e Waters (2009) indicam que as pesquisas devem avançar em interdisciplinaridade, para integrar a dimensão biomecânica com a organizacional e a psicossocial, e avançar na caracterização da causalidade da síndrome LER/DORT.

 

Revisão da literatura sobre LER/DORT

Esta revisão de literatura foi realizada principalmente nos periódicos que disponibilizam artigos completos através do Portal da Capes, porém foram incluídos alguns livros, teses e dissertações. Encontraramse 155 trabalhos que abordam os distintos fatores psicossociais, utilizando os diferentes termos usados para descrever o fenômeno LER/DORT em todo o mundo, entre os anos de 1986 e 2011. A partir da leitura dos resumos, foram excluídos 93 trabalhos que, apesar de abordarem alguns dos fatores psicossociais, tinham como principal foco contribuições advindas de outras áreas do conhecimento, como epidemiologia, medicina, fisioterapia e ergonomia. É um avanço em relação à carência de trabalhos de revisão desse tema em língua portuguesa na área de psicologia.

Para organizar os artigos, foram construídas categorias. Na categoria Antecedentes Psicossociais, encontramse os trabalhos empíricos que apresentaram resultados significativos da relação entre estresse, personalidade, suporte social e LER/DORT. Alguns trabalhos são uma análise crítica, principalmente de cunho sociológico, desses antecedentes, e foram reunidos na subcategoria Estudos Críticos. A categoria História do Conceito engloba os trabalhos que trataram mais detidamente do aspecto histórico. Já na categoria Conceitos e Modelos encontramse os trabalhos que propuseram modelos de pesquisa. Na categoria Cognição e Percepção do fenômeno LER/DORT foram elencados os trabalhos que destacaram o papel mediador dos processos cognitivos que impactam na percepção da dor e na atribuição de causalidade. Os trabalhos que abordaram algum tipo de manejo dos problemas de saúde acarretados pela síndrome LER/DORT foram agrupados na categoria Administração, Intervenção e Reabilitação. Por fim, existem algumas comorbidades associadas a essa síndrome que foram abordados nos trabalhos agrupados na categoria Consequentes e Comorbidades. A seguir, na Figura 1, encontrase uma representação dessa revisão de literatura.

 

Estudos críticos

Quatro estudos foram categorizados como estudos críticos, pois são uma análise de cunho sociológico que, em comum, questionam as implicações de priorizar os fatores individuais de risco. Hopkins (1989) analisa a construção social das LER (RSI, repetition strain injury), apontando para os aspectos ideológicos de se considerar a doença como uma neurose, uma vez que interessa para muitas seguradoras não se responsabilizarem pela compensação, atribuindo a responsabilidade ao indivíduo. Já Verthein e MinayoGomez (2000, 2001) questionam a negação do nexo causal das LER/DORT com o trabalho, como forma de proteger o capital e dividir os custos com toda a sociedade.

Além de corroborar essas críticas, Lima (1998) utiliza a fundamentação teórica do marxismo para analisar as contradições das lutas entre classes. Ela constata, a partir de estudos de caso, que os fatores da organização do trabalho, como ritmo de trabalho imposto, ausência de autonomia na produção e falta de apoio na organização, são fatores intimamente relacionados com os sintomas das LER/DORT, de acordo com os depoimentos dos próprios trabalhadores que adoeceram, seja na linha de produção industrial, seja em bancos comerciais. Já Ghisleni e Merlo (2005) analisaram o relato de 50 trabalhadores portadores de LER/DORT, em Porto Alegre, no qual eles apontaram os fatores organizacionais como um dos principais responsáveis pelo desenvolvimento da síndrome. A ausência de autonomia para determinar os ritmos e a organização do trabalho foi uma explicação predominante no discurso de tais trabalhadores. Este trabalho também aponta para a ideia de vivência de uma situação sem alternativa ou percebida como inevitável. Essa ênfase na organização do trabalho se alinha com outra crítica contundente que é dirigida aos estudos psicológicos em que há uma busca da "personalidade do acometido por LER/DORT", caindo facilmente numa "psicologização" do fenômeno. No próximo tópico, são apresentados alguns trabalhos que possivelmente são alvo dessa crítica.

A importância dos estudos críticos é alertar para o fato de que determinados raciocínios na área médica tendem a descaracterizar o trabalho como componente fundamental no processo gerador dessa doença. Entretanto, a iatrogenia e fatores de humor, como o neuroticismo e a própria neurose, não devem ser descartados como fatores etiológicos de uma pequena percentagem dos casos. A psicologia é justamente o fator menos compreendido e que demanda mais pesquisas para esclarecer o seu papel no desencadeamento dessa síndrome. Os sujeitos acometidos sofrem também pela sutileza do fator psicológico, que muitas vezes é invisível para o outro.

 

Personalidade

Como um fator de risco para o desenvolvimento de LER/DORT, encontramse na literatura o neuroticismo e o perfeccionismo neurótico (Almeida, 1995; EijsdenBesseling, Peeters, Reijnen, & Bie, 2004). Em outro trabalho, pacientes com desordens não específicas de dor músculoesquelética foram submetidos a avaliação psicológica, sendo caracterizados como cautelosos, inseguros e pessimistas (MalmgrenOlsson & Bergdahl, 2006).

Para Allread (2000), a falta de adaptação da personalidade à tarefa manual está diretamente relacionada com fatores de risco para o desenvolvimento de desordens músculoesqueléticas. Para chegar a esse resultado, o autor fundamentouse em teorias da personalidade, cujo pressuposto é de que uma mesma situação pode ser interpretada por uma pessoa como estressante, enquanto para outra pessoa é desafiadora. Allread e Marras (2006) observaram que os empregados cuja personalidade se adaptava melhor à natureza de seu trabalho relataram menos ansiedade e desconforto físico, além de maior satisfação com o emprego e suporte social, do que aqueles cuja personalidade se encontrava pouco adaptada. A personalidade, para eles, influencia diretamente no desenvolvimento de desconforto músculoesquelético.

Sprigg, Stride, Wall e Holman (2007), estudando trabalhadores de call centers, através de análise de regressão e modelação de equação estrutural, acharam que desordens músculoesqueléticas na coluna e nos membros superiores do corpo são mediadas por pressão psicológica relacionada ao emprego e que pessoas ansiosas tendem a se manter tensas além do suportável pelo próprio corpo.

Lucire (1986) estudou LER através do conceito de neurose, da psicanálise. Ela foi intensamente criticada por levantar aspectos de personalidade para a compreensão do fenômeno e por considerar a hipótese de histeria coletiva. Já em um trabalho posterior, que possui também um histórico do surgimento da LER (RSI) na Austrália, Lucire (2003) aborda a fragilidade conceitual e científica do fenômeno LER, analisando a incompreensão da classe médica sobre os aspectos psicológicos na etiologia das doenças e a utilização pejorativa de termos como a histeria.

A própria personalidade possui diversas teorias e metodologias para ser estudada. No campo das LER/DORT, os diferentes modelos de Personalidade poderão fornecer instrumentos de tratamento e prevenção promissores, mas as pesquisas ainda não são suficientes para consolidar uma prática e fundamentar um conceito que desmistifique e compreenda o fator psicológico.

 

Estresse

Os pesquisadores têm utilizado, basicamente, três modelos de estresse no estudo dos fatores psicossociais associados às LER/DORT: o modelo da mediação cognitiva, de Lazarus, o modelo da demanda-autonomia-suporte social, de Karasek, e o modelo do desequilíbrio esforço-recompensa, de Siegrist.

Menzel (2007) afirma que o modelo de Lazarus vem sendo utilizado nas pesquisas sobre LER/DORT, indicando que as estratégias de buscar apoio social ou focar nas soluções para os problemas estressantes aliviam o impacto do estresse e dos sintomas de dor, enquanto estratégias de fuga estão relacionadas com o aumento da queixa de dor. Dorland e Hattie (1992) observaram que os trabalhadores que utilizaram estratégias de coping focadas na emoção tendiam a se resignar às LER/DORT, considerandoas como algo inevitável, foram mais negativos, apresentaram mais dificuldade em solicitar apoio social e eram mais jovens. Aqueles que focavam no problema consideravam a doença contornável, foram mais positivos e eram mais velhos.

Menzel (2007) também utilizou o modelo de estresse de Lazarus, acrescentando uma técnica terapêutica para desenvolver habilidades de coping. Na Figura 2, a seguir, a Terapia Cognitiva Comportamental (TCC) é utilizada para desenvolver as estratégias de coping, para diminuir o estresse e a dor, diminuindo os sintomas de LER/DORT.

Lanfranchi e Duveau (2008) fizeram uma combinação dos modelos de Karasek e de Siegrist, com o referencial da psicodinâmica do trabalho de Dejours. O modelo resultante aponta para um equilíbrio entre as demandas do trabalho, por um lado, e a autonomia no trabalho e o reconhecimento profissional, por outro. O desequilíbrio nesse modelo provoca LER/DORT. A margem de manobra, que é a diferença entre o trabalho real e o prescrito, e o reconhecimento profissional levam a uma apropriação mais ativa do trabalho e uma maior consciência dos fatores de risco, além da construção de soluções criativas para lidar com os riscos.

Entretanto, contrariando as expectativas, Sprigg et al. (2007) também utilizaram o modelo de Karasek, numa análise de regressão logística e modelagem de equação estrutural, e não encontraram nenhum efeito direto ou de moderação entre autonomia no trabalho e sintomas de LER/DORT, entre 936 empregados de 22 call centers. O estresse relacionado com o trabalho, porém, foi mediador entre carga de trabalho e sintomas de LER/DORT. Talvez esse resultado indique uma especificidade do call center ou uma consequência do desenho da pesquisa.

Devereux, Rydstedt, Kelly, Weston e Buckle (2004) realizaram uma ampla pesquisa na Inglaterra, com 3.139 trabalhadores de 20 organizações de 11 setores industriais, ao longo de 15 meses. Os fatores psicossociais de risco do ambiente de trabalho que impactaram no estresse relacionado com o emprego foram: conflito de papel, abuso verbal, confrontação com clientes e público em geral. Altos valores para estresse relacionado com o emprego foram um fator moderador entre a alta exposição aos fatores de risco físicos e psicossociais e o autorrelato de queixas de dor nas costas, nas mãos e nos pulsos. Sintomas psicossomáticos, depressão e estresse percebido na vida atuaram independentemente no aumento da probabilidade de desenvolver LER/DORT.

Lundberg et al. (1999) examinaram o estresse físico e psicológico entre 72 mulheres que trabalhavam em caixas de supermercado. Cerca de 70% das trabalhadoras sofriam de dor nos ombros e no pescoço, e foram registrados altos índices de estresse entre elas. A utilização de vários instrumentos para mensurar o estresse, seja através de diversas medições fisiológicas, como pressão sanguínea e batimento cardíaco, ou através de autorrelatos, agregou maior validade e confiabilidade aos achados. Já Greiner e Krause (2006) encontraram associações entre estressores observados e LER/DORT. Este trabalho apresenta uma alternativa ao estudo do estresse, que normalmente utiliza autorrelato.

Pransky, Robertson e Moon (2002) fizeram uma análise da problemática avaliação do estresse e das LER/DORT em um contexto de intervenção. Esse é um contexto extremamente vulnerável a variáveis confundidoras, como o Efeito Howthorne, e a problemas de confiabilidade e validade. Na maior parte das vezes o estudo é realizado depois que a intervenção foi feita, e muitas vezes não há grupo de controle.

Por fim, Armon, Melamed, Shirom e Shapira (2010) utilizaram o burnout para prever o surgimento de casos de LER/DORT, num estudo com 1.704 trabalhadores aparentemente saudáveis, durante três anos. Nenhum suporte foi encontrado na direção causal oposta, ou seja, LER/DORT produzindo burnout. Aqui se destaca a utilização de uma terminologia diferente para estresse, o que dificulta a comparação com os outros estudos. Burnout está relacionado com profissões que lidam com o público ou clientes exigentes. Foi justamente esse estressor o mais frequente entre trabalhadores de um estudo em call center, cujos resultados indicaram que os trabalhadores que perceberam um alto grau de estresse no emprego têm aumentado significativamente o risco de diversos problemas de saúde, entre eles, o desconforto musculoesquelético (Lin, Chen, Hong, & Lin, 2010).

 

Suporte social

Ahlberg-Hulten, Theorell e Sigala (1995) analisaram 90 enfermeiras e auxiliares de enfermagem na Suécia. Eles encontraram, através de análise de regressão univariada, que suporte social no trabalho tem efeito significativo sobre sintomas de LER/DORT. Já em um modelo de regressão logística multivariada, quanto maior o estresse, maiores as dores nas costas. Em relação aos ombros e pescoço, quanto menor o suporte social, mais severos são os sintomas nessas áreas do corpo. Podese observar nesse trabalho que as diversas áreas do corpo atingidas pela dor foram avaliadas individualmente. Corroborando esses achados, estudos investigando a associação entre suporte social e LER/DORT indicam que um pobre suporte social é fator de risco para desenvolver e relatar problemas de saúde e pode ser considerado importante fator no desenvolvimento de estratégias para lidar com as LER/DORT (Woods & Buckle, 2002; Woods, 2005; Parkes, 2008).

A idade é apontada como fator de risco para o desenvolvimento das LER/DORT. Entretanto, o suporte social pode ser uma ferramenta para contornar essa dificuldade. O papel do empregador e dos colegas de trabalho é fundamental para criar um ambiente apoiador e evitar o desenvolvimento dos sintomas (Okunribido & Wynn, 2010).

O suporte social pode ser decomposto em vários tipos e pode até ter um efeito negativo, aumentando a queixa de dor. Alguns colegas podem incentivar comportamentos de risco ou ser protetores em excesso. Há diferentes tipos de colegas, é possível avaliar diferentes suportes, e não apenas uma medida agregada. Por exemplo, a combinação de baixo suporte do superior com alto suporte de colega confidente revelou-se prejudicial (Elfering, Semmer, Schade, Grund, & Boos, 2002).

 

Consequentes e comorbidades

Gravina e Rocha (2006) analisam a dificuldade de reinserção de trabalhadores afastados por LER/DORT, justamente pelo preconceito em relação à doença e ausência de compreensão da empresa e, até mesmo, dos próprios colegas de trabalho. Essa negação da doença do outro pode ser considerada como indício da presença de mecanismo de defesa coletivo, tal qual é descrito pela Psicodinâmica do Trabalho. Rossi (2008) avaliou tal mecanismo de defesa entre bancários, em Brasília, e também constatou que a ausência de apoio social gera dificuldades e restrições no retorno ao trabalho. Já Shannon et al. (2001) observaram trabalhadores de hospitais, em um estudo longitudinal, e constataram que dificuldades na adaptação a mudanças organizacionais estavam relacionadas a dores nas costas e no pescoço.

Lima, Neves, Tironi, Nascimento e Magalhães (2008) construíram um instrumento de diagnóstico, a partir de uma abordagem interdisciplinar, viável à aplicação no processo de tratamento e reabilitação de trabalhadores com LER/DORT. Nesse instrumento são avaliadas comorbidades como a depressão. Já Lee, Chan & Berven (2007) avaliaram a depressão entre pacientes com LER/DORT a partir da utilização de equação de modelagem estrutural. O modelo encontrado sugere que o estresse, a severidade percebida da dor, interferências na atividade e ruminação contribuem para aumentar a depressão, enquanto habilidade em lidar com a dor e suporte social e familiar contribuem para diminuir a depressão.

Parkes, Carnell e Farmer (2005) avaliaram, em estudo longitudinal, a prevalência e a severidade das LER/DORT entre empregados da indústria do petróleo e gás na Inglaterra. A maior prevalência, ao longo de 12 meses, foi de dor na região lombar (51% dos trabalhadores). A saúde mental, a carga de trabalho, os estressores físicos e o índice de massa corporal foram preditores de LER/DORT, apesar de o poder preditivo ter apresentado diferenças quando a análise foi separada de acordo com a região do corpo. A relação entre LER/DORT e fatores psicossociais foi mediada pelo sofrimento psicológico, apesar de o nível da atividade e os estressores físicos permanecerem como preditores diretos. O efeito do "afeto negativo" também foi mediado pelo sofrimento psicológico, particularmente pela ansiedade. Em uma análise longitudinal, a ansiedade e o suporte social foram fatores preditores significativos de mudança nas LER/DORT, depois de um período de cinco anos.

 

Administração, intervenção e reabilitação

Entre os estudos sobre administração, intervenção e reabilitação encontramse desde aqueles sobre exercícios físicos para redução do desconforto músculoesquelético (Leah, 2011) até programas amplos de intervenção em medicina do trabalho (Couto, 2007). Hepburn, Kelloway e Franche (2010) pesquisaram estratégias de retorno ao trabalho de pessoas acometidas por LER/DORT e descobriram que o contato precoce e as reações dos supervisores são preditores significativos de lealdade e justiça organizacional, que por sua vez são moderadores do comprometimento afetivo e de sintomas depressivos. Burton, Kendall, Pearce, Birrell e Bainbridge (2008) constataram que nem tratamento médico ou intervenções ergonômicas no local de trabalho sozinhos oferecem uma solução ideal. Ao invés disso, eles apontam que intervenções nas três dimensões - biomecânica, organização do trabalho e psicossocial - são mais promissoras, sendo que as estratégias de administração demandam a coordenação e participação de diversos atores, desde os empregados até os empregadores.

Lillefjell e Jakobsen (2007) avaliaram o senso de coerência, em um programa multidisciplinar de reabilitação funcional para indivíduos com dor músculoesquelética crônica, como preditor da diminuição da dor, da ansiedade e da depressão e alcançaram resultados significativos.

Ainda em relação à reabilitação, os achados de Burton, Polatin e Gatchel (1997) indicam que as variáveis psicossociais influenciam no sucesso do tratamento de pacientes com LER/DORT. Esses resultados sugerem que as disfunções psicossociais, como depressão e distúrbios de humor, devem ser avaliadas e tratadas em conjunção com a reabilitação física para otimizar os resultados após o tratamento.

Em trabalho com grupos de pessoas acometidas por LER/DORT, Hoefel, Jacques, Amazarray, Mendes e Netz (2004) designaram como função de tais grupos de ajuda a promoção de uma "redefinição dos comportamentos de dependência e passividade". O objetivo foi facilitar a apropriação de um conhecimento coletivamente construído e desenvolver posturas alternativas, em relação às situações associadas ao adoecimento do trabalhador. Já Sato (2001) ressalta a importância da assistência psicossocial a esses trabalhadores, oferecendo um espaço para ressignificação, objetivando a qualidade de vida, apesar da doença. Em São Paulo, os Centros de Referência em Saúde do Trabalhador (CERESTs) foram pioneiros na implantação de tal assistência. Segundo Sato, Lacaz e Bernardo (2006), os trabalhos em grupo podem ser categorizados em informativos, terapêuticos e de resgate da cidadania, sendo que para eles o papel do psicólogo é o de pesquisador social, que valoriza o saber e o poder dos trabalhadores organizados.

Pransky et al. (2002) definiram três níveis de combate ao estresse que impactam nas LER/DORT: individual, grupal ou organizacional e social. Eles constataram que intervenções na tecnologia, na organização do trabalho, na ergonomia e no indivíduo podem diminuir o estresse e os sintomas de LER/DORT. Diferentes intervenções individuais que têm demonstrado efetividade na clínica têm sido adotadas em programas no ambiente de trabalho, como melhora das habilidades de coping, relaxamento, meditação, biofeedback, treinamento cognitivo, exercício de desenvolvimento da resiliência e aconselhamento individual. Intervenções individuais são mais eficazes em curto prazo, mas a longo prazo as intervenções na organização são mais eficazes. A junção das duas produz os melhores resultados. Entretanto, há dificuldades em avaliar a profundidade das intervenções, pois não é tão simples mensurar o nível de estresse e o nível dos sintomas de LER/DORT. Novamente, salientase a importância da participação dos trabalhadores, assumindo um papel mais ativo, seja no planejamento para a percepção do problema, na identificação dos fatores de risco, na implementação de comportamentos mais adequados à promoção da saúde e reconhecimento das possíveis soluções. Por outro lado, as mudanças, para se manterem, dependem do suporte da administração e de um amplo programa de supervisão dos sintomas.

Um exemplo de projeto de supervisão foi relatado por N. Warren, Dillon, Morse, Hall e A. Warren (2000), no qual os fatores biomecânicos se revelaram os mais fortes, porém os fatores psicossociais também foram significativos. Os autores destacaram que a redução dos riscos biomecânicos, juntamente com os psicossociais, pode resultar em maior efetividade no combate às LER/DORT do que focar apenas nos controles de engenharia.

 

Cognição e percepção

Ao desconsiderar os fatores psicossociais, as pessoas afetadas por essa síndrome podem ser duplamente vitimizadas, pois, além da dor que sentem, elas podem ser desacreditadas em suas queixas, devido aos aspectos psicológicos envolvidos. No modelo médico ocidental, os sintomas decorrem de causas físicas ou de causas psicológicas, sendo estas últimas consideradas menos reais e relacionadas com a personalidade da pessoa. Skelton (1996) conduziu um experimento sobre a credibilidade de um relato de uma pessoa acometida por LER/DORT. Para um grupo de avaliação, havia menção direta aos fatores psicossociais, enquanto para outro grupo havia apenas menção aos fatores relacionados ao trabalho. Ele usou a explicação de Kelly sobre a atribuição de causalidade para interpretar os resultados. Quando existe uma causa inequívoca, o processo de atribuição de causalidade é facilitado. Entretanto, quando existem múltiplas causas, há uma tendência de buscar uma causa mais provável e excluir as demais. No estudo em questão, foi constatada uma tendência geral a eleger fatores psicológicos como responsáveis pela doença, no grupo que leu o relato que continha uma descrição dos fatores psicossociais. Nesse mesmo grupo houve também uma tendência a desacreditar as queixas apresentadas como oriundas da percepção subjetiva, e não das condições reais do local de trabalho.

Robertson e Stewart (2004) fizeram um levantamento com trabalhadores ingleses e descobriram que menos da metade dos 200 participantes da pesquisa tinha ouvido falar das LER/DORT. A falta de conhecimento ou informações incorretas estão relacionados com a não percepção dos fatores de risco. Já Weevers et al. (2009) estudaram a comunicação entre pacientes com LER/DORT e médicos e descobriram que muito pouco se fala sobre o trabalho. Eles recomendam que a consulta médica comece justamente pelo trabalho, que é onde provavelmente se concentram os maiores fatores de risco.

As intervenções apenas nos aspectos biomecânicos são apontadas como mais perigosas do que nada fazer (Couto, 2007; Cioffi, 1996), tendo em vista que, atuando apenas no que é visível, as causas menos aparentes podem continuar gerando sintomas e a organização ficaria com a consciência limpa, forçando a culpabilização do indivíduo. Por outro lado, há um impacto indireto na produtividade e na satisfação com o trabalho quando a organização intervém nos aspectos psicossociais. Alguns poderiam interpretar a eficácia de tal atuação como efeito placebo, ou até mesmo efeito Howthorne. Tais efeitos, entretanto, impactam na dinâmica social de acordo com princípios que nada têm de ilusórios, podendo até evitar sintomas psicossomáticos de dor (Cioffi, 1996).

A análise da cognição social alerta que o processo de percepção é muito mais complexo do que se imagina. Desde as sensações somáticas até o diagnóstico de LER/DORT, há um processo cognitivo que é atravessado por esquemas sociais férteis em crenças e valores partilhados. A automatização de esquemas cognitivos leva a pressupostos tidos como verdadeiros, como oriundos de uma realidade objetiva dada, e não construída. Levantar a realidade psicológica do fenômeno, entretanto, não é diminuílo como invenção da cabeça das pessoas, mas buscar equacionar a subjetividade como elemento fundamental para o entendimento e a atuação perante esse fenômeno chamado LER/DORT.

 

Conceitos e modelos

O modelo de Armstrong et al. (1993) traz a ideia de efeito cascata, na qual as respostas a determinado fator de risco vão se acumulando com outras respostas e impacta na capacidade do organismo de funcionar de forma saudável. Os fatores psicossociais, nesse modelo, são misturados com os demais, sendo que a preocupação maior é com o impacto físico oriundo do paradigma biomédico.

O modelo proposto por Cioffi (1996) vai além dos fatores biomecânicos e agrega a personalidade e o humor. Na base são elencados também fatores associados ao contexto, como estilo de supervisão, estresse no trabalho e estresse na vida. Todas essas variáveis podem se associar e gerar uma variável latente, como ambiente de trabalho ou padrão de LER/DORT, que poderiam influenciar diretamente nos sintomas da doença. Portanto, muitas variáveis atuam conjuntamente para produzir o que se denomina ambiente de trabalho. Também o padrão de LER/DORT está associado a diferentes variáveis. O constructo de mediação ambiente de trabalho, juntamente com o padrão de LER/DORT, produz o sintoma e finalmente os sinais que levam ao diagnóstico da doença. Esse modelo hipotético foi construído na perspectiva de mensuração, mas não foi encontrado nenhum estudo de sua validação.

Para Lanfranchi e Duveau (2008), as LER/DORT são um fenômeno multidimensional e possuem diferentes antecedentes que concorrem como fatores explicativos. Em seu modelo, os fatores psicossociais e a carga biomecânica podem ser considerados fatores de risco que refletem as dimensões organizacionais subjacentes ao trabalho. Os fatores psicológicos, que orientam a percepção individual das características do trabalho, podem tanto resultar em uma ação positiva na atividade (aumentando a motivação, a satisfação e o bemestar) como também constituir um estressor da profissão, dependendo entretanto da margem de manobra que possui o trabalhador. Relações multivariadas como essa podem impactar nas respostas biológicas ao estresse que aumentam o tônus muscular, diminuem a irrigação dos músculos e eliminam substâncias na corrente sanguínea, podendo provocar inflamações nos tendões. "A persistência dessas ativações biológicas devido à impossibilidade de achar um resultado final adequado para as pressões de trabalho percebidas pode resultar em LER/DORT, dependendo do que o indivíduo já tentou fazer e de suas capacidades funcionais" (Lanfranchi & Duveau, 2008, p. 205, grifo dos autores).

De acordo com a Organização Mundial de Saúde, o objetivo principal é eliminar fatores de risco que possam vir a prejudicar a saúde. Lanfranchi e Duveau (2008) defendem uma construção mais intersubjetiva e dinâmica do processo saúdedoença através do aumento da margem de manobra e do reconhecimento profissional. Esses dois fatores equilibram as demandas do trabalho e regulam o estresse. As LER/DORT são afetadas pelo reconhecimento profissional, sendo que a perda da identidade pode resultar em respostas somáticas, sinal de uma procura patológica por maior reconhecimento social do que aquele encontrado no grupo profissional (Lanfranchi & Duveau, 2008). Esse modelo, apesar do potencial heurístico, no entanto, possui uma dificuldade de validação e mensuração de suas variáveis, além de deixar de fora muitas outras variáveis.

Couto (2000) estudou duas agências bancárias de mesmo porte, sendo que em uma havia alta incidência de LER/DORT. Como os fatores biomecânicos eram os mesmos, eles não foram suficientes, por si só, para explicar a alta incidência. Foi constatado que os fatores psicossociais e da organização do trabalho eram diferentes entre as agências, e eles explicaram o surgimento de muitos casos em apenas uma delas. De acordo com seu modelo explicativo, na ausência dos fatores biomecânicos associados a LER/DORT, quais sejam, repetitividade, sobrecarga de trabalho, postura inadequada e vibração, possivelmente, o desequilíbrio nos fatores psicossociais e na organização do trabalho gera estresse, estafa, fadiga, queda de rendimento, entre outras formas de adoecimento. O modelo apresenta vários caminhos e interrelações entre os diversos fatores, sendo muito útil para adaptar se às especificidades dos contextos de trabalho. Entretanto, também é de difícil mensuração. Atreladas a perguntas binárias, como há algum fator individual de fragilização?, presentes no modelo, há toda uma problemática de constructos e mensuração que não se respondem com apenas sim ou não.

Por fim, Sauter e Swanson (1996) propõem um modelo ecológico para LER/DORT, centrado na interação entre a tensão biomecânica e a psicológica. Os fatores físicos são mediados pelos psicológicos, e a cognição impacta na percepção dos fatores físicos e da dor. O princípio básico da personalidade é que uma mesma situação pode ser considerada como desafio para uns e como pesadelo para outros. O estresse vivenciado nessa situação impacta diferentemente o corpo e tem consequências diametralmente opostas, a depender da personalidade da pessoa. Consequentemente, o impacto nas LER/DORT certamente é mediado por fatores psicológicos. Este modelo ecológico foi confrontado com outros modelos de LER/DORT e de estresse ocupacional, sendo necessárias mais investigações para examinalos e validálos, tendo em vista as dificuldades de conceituação e, consequentemente, de replicação dos estudos (Huang, Feuerstein, & Sauter, 2002).

 

Considerações finais

As LER/DORT são um fenômeno multifatorial (fatores biomecânicos, organizacionais e psicossociais) e multidimensional (dimensão individual, grupal e social). Um desafio para a pesquisa é compreender como os fatores interagem entre si para produzir ou potencializar os sintomas e todas as consequências dessa síndrome. A dimensão biomecânica deve ser pesquisada juntamente com a dimensão organizacional e a psicossocial. A pesquisa interdisciplinar pode ser uma solução para racionalizar os gastos e melhorar a transação de conhecimentos entre as áreas. Portanto, o movimento repetitivo é condição necessária para o surgimento de LER/DORT, mas não é uma condição suficiente. Esse termo já não compreende uma descrição apropriada do fenômeno. Com o desenvolvimento das pesquisas, poderá ser necessário inserir a dimensão psicossocial em uma nova definição dessa síndrome.

O foco na doença ainda é uma tendência marcante. Ainda está por surgir algum trabalho que focalize pessoas saudáveis que trabalham com movimento repetitivo ou pessoas que se curaram da síndrome. O movimento da Psicologia Positiva tem trazido uma contribuição para a ênfase na saúde que pode ser aproveitada e estimular pesquisas inovadoras. Ainda está por esclarecer o fato de que algumas pessoas não adoecem, apesar de ter os mesmos trabalhos repetitivos de outras pessoas que sucumbem. Existem recursos psicológicos que tornam as primeiras mais resilientes que as últimas? Tais recursos podem ser desenvolvidos? As atitudes frente à carreira delas são diferentes, impactando na satisfação com o trabalho e nos sintomas de dor? A resposta a tais perguntas, fundamental na construção de modelos que expliquem a interação entre os fatores e as dimensões, cabe à psicologia.

Os fatores psicossociais são um termo guardachuva para abrigar inúmeras metodologias e teorias, tornando a tarefa de síntese hercúlea. Ainda é necessário caracterizar o papel da psicologia na constituição de tais fatores, pois eles são conceitualmente imprecisos, tornando mais obscura sua compreensão. Existe uma fragmentação na área que é reflexo dos diferentes modelos adotados nas pesquisas e da impossibilidade de esforços isolados agregarem tantas variáveis aos desenhos de pesquisa. Tais fatores refletem a complexidade da própria natureza humana, que demanda um esforço integrado de diferentes agências de pesquisa, a elaboração de desenhos de pesquisa longitudinais e a utilização dos avanços das técnicas da estatística. Esse pode ser um caminho promissor no estudo simultâneo de múltiplas variáreis para compreender as singularidades de um corpo que foi capturado pela dor.

 

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Endereços para correspondência:
Paulo Wenderson Teixeira Moraes
pwmoraes@yahoo.com

Antonio Virgílio Bittencourt Bastos
antoniovirgiliobastos@gmail.com

Submetido em: 20/11/2012
Revisto em: 03/03/2013
Aceito em: 04/03/2013

 

 

i Os autores agradecem o apoio dado pelo CNPq às atividades e projetos do grupo de pesquisa no contexto do qual este artigo foi elaborado.