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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.67 no.3 Rio de Janeiro  2015

 

ARTIGOS

 

Qualidade de vida e bem-estar psicológico no climatério

 

Quality of life and psychological well-being in the climacteric

 

Calidad de vida y bienestar psicológico en el climaterio

 

 

Eduarda Rezende FreitasI; Altemir José Gonçalves BarbosaII

IDoutoranda. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Juiz de Fora. Estado de Minas Gerais. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Juiz de Fora. Estado de Minas Gerais. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O climatério é caracterizado por mudanças biopsicossociais expressivas que, conduzidas de maneira inadequada, podem prejudicar a qualidade de vida (QV) e o bem-estar psicológico (BEP). Para analisar a QV e o BEP de mulheres climatéricas e a relação dessas variáveis com características demográficas e ginecológicas, 59 participantes responderam o WHOQOL-Bref e a PGCMS. Uma análise de Cluster com esses instrumentos formou dois grupos: níveis superiores e níveis inferiores de QV e BEP. Somente a terapia hormonal (TH) se associou positivamente a níveis superiores de QV e BEP. Isso ocorreu especificamente com o domínio Meio Ambiente do WHOQOL-Bref e com o fator Atitude frente ao Próprio Envelhecimento e o escore geral da PGCMS. É possível afirmar que a amostra pesquisada possui níveis de QV e BEP compatíveis com os observados em outras pesquisas e que a relação da TH com essas variáveis é indireta.

Palavras-chave: Climatério; Qualidade de vida; Bem-estar psicológico; Terapia hormonal.


ABSTRACT

Climacteric is characterized by significant biopsychosocial changes that, if handled improperly, can harm quality of life (QOL) and psychological well-being (PWB). In order to analyze QOL and PWE in climacteric women and the relationship between these variables with demographic and gynecological features, 59 participants completed the WHOQOL-Bref and the PGCMS. A Cluster analysis with these instruments formed two groups: higher levels and lower levels of QOL and PWB. Only hormone therapy (HT) was positively associated with higher levels of QOL and PWB. This occurred specifically with the Environment domain of WHOQOL-Bref and the Attitude toward Own Aging and with the general score of PGCMS. It can be argued that researched sample has levels of QOL and PWB consistent with those observed in other studies and the relationship between these variables and HT is indirect.

Keywords: Climacteric; Quality of life; Psychological well-being; Hormonal therapy.


RESUMEN

El climaterio se caracteriza por cambios biopsicosociales significativos que, si manejados inadecuadamente, pueden dañar la calidad de vida (CDV) y el bienestar psicológico (BP). Para analizar la CDV y el BP de las mujeres climatéricas y la relación de estas variables con características demográficas y ginecológicas, 59 participantes respondieron el WHOQOL-Bref y la PGCMS. Un análisis de Cluster con estos instrumentos formó dos grupos: niveles más altos y niveles menores de CDV y BP. Sólo la Terapia Hormonal (TH) se asoció positivamente con los niveles más altos de CDV y BP. Esto ocurrió específicamente con el dominio de Medio Ambiente de la WHOQOL-Bref y con el factor Actitud delante el Propio Envejecimiento y la puntuación general de la PGCMS. Se puede afirmar que la muestra estudiada tiene los niveles de CDV y BP compatibles a los encontrados en otros estudios y que la relación da TH con estas variables es indirecta.

Palabras clave: Climaterio; Calidad de vida; Bienestar psicológico; Terapia hormonal.


 

 

Introdução

Envelhecer é uma experiência diferenciada entre os gêneros (Poli, Schwanke, & Cruz, 2010). No caso das mulheres, há um processo biopsicossocial relacionado ao envelhecimento que merece atenção especial por parte dos pesquisadores, uma vez que tem repercussões para a qualidade de vida (QV) e para o bem-estar psicológico (BEP) delas, bem como para seu desenvolvimento posterior, ou seja, para a velhice: trata-se do climatério.

Pesquisas que analisem QV e BEP no climatério são, cada vez mais, importantes, devido ao aumento da expectativa de vida, atualmente em torno de 77,5 anos (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, 2010), e à feminização da velhice. Assim, um número cada vez maior de mulheres vivenciará o climatério, fase que compreende cerca de 1/3 de suas vidas. Contudo, são poucos os estudos que investigam os construtos citados, nessa fase do curso de vida, sobretudo, na Psicologia e no Brasil. Desse modo, o presente estudo teve como objetivo analisar fatores associados à QV e ao BEP no climatério.

Climatério: conceito e sintomas

Climatério pode ser definido como a fase da vida da mulher na qual ocorre a transição do período reprodutivo para o não reprodutivo, tendo início próximo aos 40 anos e encerrando-se aos 65 (Galvão, Farias, Azevedo, Vilar, & Azevedo, 2007; Polisseni et al., 2008). É nesse espaço de tempo em que ocorre a menopausa. Geralmente, considera-se que ela ocorra 12 meses após o último ciclo menstrual.

É um período caracterizado pela diminuição da função ovariana, isto é, há uma redução significativa na produção de hormônios sexuais femininos pelos ovários, sobretudo, do estrogênio. O nível desse hormônio se torna tão reduzido que um conjunto de sinais e sintomas desagradáveis e característicos dessa fase pode aparecer (Silveira, 1997; Valença & Germano, 2010), influenciando negativamente o sono e diminuindo as energias (Poli et al., 2010). Os sintomas mais comuns são os vasomotores, a atrofia vaginal, as disfunções sexuais, os sintomas urinários, o aumento de risco para doença cardiovascular e a osteoporose (Polisseni et al., 2008).

Apesar da utilização recorrente do termo 'sintomas característicos da menopausa', acredita-se que esses não sejam universais. Há dúvidas acerca do quanto eles estariam realmente associados à menopausa e à queda estrogênica, e não a outros fatores como características pessoais, experiências anteriores, fatores culturais etc. (Dennerstein, Lehert, & Guthrie, 2002; Papalia, Olds, & Feldman, 2010). Estudos realizados com mulheres na fase do climatério com e sem antecedentes de síndrome pré-menstrual evidenciaram relação significativa entre história prévia de sintomas físicos e psicológicos pré-menstruais e um climatério mais sintomático, repercutindo em piora da QV dessas mulheres durante essa fase (Peyton, 2007).

Assim, além dos fatores já mencionados, como a diminuição estrogênica e a vulnerabilidade de certas mulheres a mudanças hormonais ao longo de toda a vida, essa sintomatologia pode estar fortemente associada, também, a fatores psicossociais e orgânicos relacionados ao próprio processo de envelhecer (De Lorenzi, Catan, Moreira, & Ártico, 2009). Papalia et al. (2010) afirmam serem poucos os problemas associados ao climatério em culturas nas quais as mulheres percebem esse evento de maneira positiva, ou naquelas em que as mulheres mais idosas adquirem poder social, religioso ou político. Como exemplo, os autores citam estudos que identificaram que a experiência das japonesas com a menopausa se mostra bem diferente daquela vivida pelas mulheres ocidentais. Ressalta-se que, no Japão, os idosos são considerados sábios, e o envelhecimento é encarado como um processo a ser vivenciado com bem menos receio do que no ocidente (Papalia et al., 2010).

Além da dificuldade que pode existir em aceitar o próprio envelhecimento, reforçada nas culturas ocidentais pela exaltação da beleza física e da juventude (De Lorenzi, 2008), o climatério coincide, frequentemente, com eventos significativos que podem interferir no estado emocional da mulher. Dentre outros, menciona-se a mudança nos papéis sociais, que está diretamente relacionada à sensação de valor produtivo, quer seja laboral, familiar ou comunitário, à autoimagem e à incerteza acerca da QV na velhice (Peyton, 2007).

O crescimento dos filhos e sua saída de casa, a sensação de que perderam grande parte da vida, no caso daquelas que optaram por focar em uma profissão ou na família, as mudanças no corpo, a velhice que se aproxima ante um futuro incerto (Peyton, 2007), as alterações funcionais do marido associadas à idade, a aposentadoria, o relacionamento com pais idosos, a perda de familiares, a mudança na vivência da sexualidade, entre outros (Poli et al., 2010), constituem mais alguns dos muitos desafios a serem enfrentados pela mulher climatérica. Esses eventos, quando vivenciados de maneira inadequada, podem comprometer a QV e o BEP.

Qualidade de vida e bem-estar psicológico no climatério

A partir do exposto, é evidente que a atenção em saúde a mulheres climatéricas deve considerar tanto os sintomas físicos quanto os psicológicos. Nesse último conjunto, incluem-se os neuropsicológicos, como os problemas de concentração e de memória (Peyton, 2007), e as dificuldades emocionais, que surgem ou se intensificam nos anos que seguem à menopausa (De Lorenzi, 2008; De Lorenzi et al., 2009; Poli et al., 2010). Podem ser citados, como exemplos destas, o nervosismo, as mudanças de humor, a irritabilidade, a ansiedade e a depressão.

Esses sintomas influenciam negativamente a QV das mulheres (Poli et al., 2010) e, evidentemente, seu BEP. A expressão QV tem recebido várias definições ao longo do tempo, entretanto, dois aspectos são consensuais entre os estudiosos da área: a subjetividade e a multidimensionalidade. O primeiro, refere-se à percepção que o indivíduo possui em relação ao seu bem-estar físico, funcional, emocional e social, ou seja, considera a percepção da pessoa sobre o seu estado de saúde e sobre os aspectos não-médicos do seu contexto de vida (The WHOQOL Group, 1995).

O outro aspecto - multidimensionalidade - refere-se ao reconhecimento de que o construto é composto por diferentes facetas, incluindo o relacionamento com a família, a própria saúde, a saúde de pessoas próximas, as questões financeiras, a moradia, a independência, a religião, a vida social e as atividades de lazer (Seidl & Zannon, 2004). Desse modo, avaliar a QV implica considerar a interação de vários critérios de natureza biológica, psicológica e social.

Da mesma forma, como ocorre com a QV, também não há um consenso a respeito da definição de BEP. Existem vários conceitos, sendo que o construto tem sido considerado sinônimo de autoestima, de ânimo (Silva, 2009), de estado de espírito, de contentamento, de satisfação com a vida (Paschoal, 2000) e, inclusive, de QV. Dennerstein et al. (2002) e Lawton (1991) propõem que o BEP seja um dos quatro componentes da QV, convergindo, assim, para a visão multidimensional do construto. Lawton (1991) propõe, ainda, a existência de três aspectos centrais ao se avaliar o BEP: 1) pertencer ao âmbito da experiência privada; 2) incluir tanto uma avaliação global quanto avaliações de domínios específicos, como saúde física e cognitiva, sexualidade, relações sociais e familiares e; 3) incluir medidas cognitivas, como a satisfação, e emocionais, como afetos positivos e negativos.

Apesar da relevância, são escassas as pesquisas sobre QV e BEP no climatério. No primeiro caso, merecem destaque os estudos de Cunha Netto (2002), De Lorenzi, Bacarat, Saciloto e Padila Jr. (2006), Fleck et al. (2000) e İnceboz, Demirci, Özbaşaran, Çoban e Nehir (2010). Não foram encontradas investigações empíricas sobre BEP no climatério.

Cunha Netto (2002) desenvolveu um projeto de intervenção psicológica para mulheres no climatério, a fim de avaliar seu efeito sobre algumas variáveis, dentre elas a QV. Ao comparar essas médias com as médias de outro estudo realizado com mulheres da área ginecológica (Fleck et al., 2000), a autora verificou que as participantes obtiveram escores reduzidos nos domínios Psicológico e Relações Sociais. Destaca-se que o instrumento utilizado para avaliar a QV, nos dois estudos, foi o WHOQOL-Bref (World Health Organization of quality of life - versão abreviada).

Em um estudo realizado com 323 mulheres na pós-menopausa, usuárias de um serviço universitário de atenção ao climatério, avaliou-se a QV com o Women's Health Questionnaire (WHQ). Observou-se que a QV das participantes estava comprometida, sobretudo nos domínios relacionados ao humor deprimido, à ansiedade e aos sintomas somáticos. Os piores índices de QV foram associados à menor escolaridade (De Lorenzi et al., 2006).

İnceboz et al. (2010) investigaram a QV de 268 mulheres turcas na fase do climatério, a fim de verificar quais fatores poderiam ser associados a ela. Observaram, dentre outros, que escolaridade, o conhecimento a respeito da menopausa e status econômico afetam a maioria dos domínios da QV, que foi avaliada com o WHOQOL-Bref.

Terapia Hormonal e seus impactos na qualidade de vida e bem-estar psicológico no climatério

A despeito das controvérsias relacionadas à sintomatologia do climatério, a Terapia Hormonal (TH) tem sido usada na atenção em saúde à mulher climatérica. Espera-se que a utilização de fármacos reduza os sintomas próprios do climatério e, consequentemente, promova a QV e o BEP nessa etapa do curso de vida.

A North American Menopause Society (NAMS) (Utian et al., 2008) elaborou um documento em que são apresentadas recomendações relativas à utilização da TH, bem como orientações sobre seus riscos, benefícios e formas de tratamento. A partir da análise de estudos publicados sobre a saúde da mulher, e da ajuda de clínicos especializados nessa área, a NAMS apoia a utilização da TH no tratamento de sintomas relacionados à menopausa. Salienta, ainda, que a relação risco-benefício é favorável àquelas mulheres que estão em períodos próximos aos da menopausa, mas alerta que o benefício diminui com o envelhecimento.

O que parece consensual a respeito da utilização da TH é a importância de se avaliar os possíveis riscos e benefícios do tratamento a partir do quadro clínico apresentado por cada mulher (Filippetto et al., 2009). Além da individualização na conduta clínica, a monitoração rigorosa do tratamento também é fundamental (Cezarino, Fonseca, Bagnoli, & Baracat, 2011).

A utilização da TH é, não raras vezes, associada à melhora da QV pelo senso comum. Nesse sentido, alguns estudos têm sido realizados com o objetivo de avaliar e analisar a relação entre essas variáveis. Zahar et al. (2005) desenvolveram pesquisa com 207 mulheres brasileiras (40-65 anos), usuárias e não usuárias de TH. Observaram, dentre outros resultados, boa QV em ambos os grupos, não havendo diferenças entre eles. A avaliação da QV foi realizada por meio do Short-Form Health Survey (SF-36). Utilizando esse mesmo instrumento, foi realizado, em 2008, um estudo com 1250 mulheres do leste asiático (43-77 anos) com o objetivo de verificar quais fatores influenciavam a QV das mulheres. A partir da análise de pares, observou-se que a TH teve efeito positivo nos componentes físico e mental da QV (Chiu et al., 2008).

Outro estudo (Martins et al., 2009), realizado com 250 mulheres brasileiras na pós-menopausa (45-70 anos), usuárias e não usuárias de TH, verificou que a utilização dessa forma de tratamento não implicava diferença significativa na QV global entre os dois grupos de mulheres. A QV foi avaliada com o WHQ.

Observam-se, assim, resultados díspares quanto à relação entre QV e TH. É preciso considerar que as divergências podem ser decorrentes das diferentes origens das amostras pesquisadas e dos distintos instrumentos usados para avaliar a QV. Żołnierczuk-Kieliszek, Kulik e Pacian (2011), por exemplo, ao realizarem um estudo a fim de verificar quais fatores influenciavam a QV de polonesas na peri e na pós-menopausa, utilizaram três questionários que avaliam o construto: WHOQOL-Bref, WHQ e SF-36. Dentre outros resultados, os autores observaram que a TH obteve impacto somente no domínio Problemas de Sono do WHQ.

A NAMS (Utian et al., 2008) esclarece que, embora não exista comprovação da relação direta entre o uso de TH e a melhora da QV, a diminuição dos sintomas menopausais (p.ex., fogacho) e a promoção de outros fatores com fármacos, como a melhora do humor, eleva indiretamente a QV. Há que se destacar, entretanto, que a NAMS acrescenta ser desconhecida a razão da melhora da QV relacionada à saúde em mulheres que não apresentam os sintomas da menopausa e fizeram uso de TH.

 

Objetivos

Uma vez constatada a carência de estudos que associam climatério, QV, BEP e TH, o objetivo geral deste estudo foi analisar a QV e o BEP de mulheres climatéricas, enfatizando o uso de TH. Especificamente, almejou-se analisar isoladamente as variáveis QV, BEP e TH e realizar associação entre estas e variáveis demográficas (p.ex., idade) e ginecológicas (p.ex., uso de TH).

 

Método

Participantes

Participaram da pesquisa 59 mulheres, com idade entre 39 e 63 anos, atendidas no ambulatório de climatério de um hospital universitário entre os meses de março e maio de 2012. A amostra acidental é composta predominantemente por participantes casadas ou com situação conjugal assemelhada, brancas, com ensino fundamental completo ou incompleto e com nível econômico C1 ou B2 (Tabela 1).

Materiais

Para avaliação da QV, utilizou-se o WHOQOL-Bref (Fleck et al., 2000), que constitui a versão abreviada do instrumento original, desenvolvido pelo Grupo de Qualidade de Vida da Organização Mundial de Saúde (1998), WHOQOL-100. Esse instrumento contém 26 questões que medem os domínios Físico, Psicológico, Relações Sociais e Meio Ambiente, sendo que, para cada item, as respostas variam de um a cinco pontos. Apesar do WHOQOL-Bref não ser um instrumento desenvolvido especificamente para a população de mulheres no climatério, permite avaliar a QV de maneira geral e apresenta, ainda, evidências de validade convergente com outros instrumentos específicos para mulheres nessa fase (Lima, Palacios, & Wender, 2012).

A fim de avaliar o BEP, foi utilizada uma versão brasileira (Barbosa & Freitas, 2012) da Philadelphia Geriatric Center Morale Scale (PGCMS) (Lawton, 2003). Essa escala é composta por 17 itens, divididos em três fatores: 1) Apreensão; 2) Atitude frente ao Próprio Envelhecimento e; 3) Insatisfação com a Solidão. A escala permite, ainda, a avaliação do BEP total a partir da soma desses três fatores. Cada item apresenta respostas dicotômicas, como 'sim' e 'não' ou 'satisfeito' e 'insatisfeito', com pontuação total variando entre zero e 17. Para que escores mais altos reflitam maior BEP, seis itens devem ser espelhados. A versão brasileira do instrumento está em processo de obtenção de evidências de validade, mas já é possível afirmar que apresenta propriedades psicométricas satisfatórias (Barbosa & Freitas, 2012). Acrescenta-se que, apesar de ter sido criada para idosos, mostra-se ela também adequada para o uso com pessoas em outras fases do curso de vida. Além disso, foram utilizados o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) e, para caracterização da amostra, um questionário, com questões sobre variáveis demográficas (p.ex., idade, escolaridade e estado civil), sobre a fase menopausal e sobre a utilização de TH.

Procedimento

Após a aprovação por um comitê de ética em pesquisa (CAAE: 0292.0.180.000-11) e a realização dos demais requisitos éticos, foram convidadas a participar da pesquisa mulheres atendidas pelo ambulatório de climatério do hospital universitário entre os meses de março e maio de 2012. As participantes foram abordadas na sala de espera, sendo que, àquelas que concordavam em participar, entregava-se, inicialmente, o TCLE e, após a assinatura, o questionário e as escalas. Os instrumentos são autoaplicáveis, no entanto, foram preenchidos em entrevistas estruturadas no caso de participantes (n = 12; 20,34%) que não podiam preenchê-los sozinhas (p. ex., não haviam levado os óculos para a consulta).

Para análise quantitativa, utilizaram-se estatísticas descritivas e inferenciais, sendo que, no último caso, adotou-se o nível de significância de 5% por omissão. Foram empregadas provas paramétricas (p.ex., Test t) e não paramétricas (p. ex., Teste U de Mann-Whitney), dependendo da distribuição dos dados e da natureza das variáveis.

 

Resultados

A Tabela 2 apresenta as médias e os desvios padrão das medidas de QV e BEP de mulheres climatéricas. Reitera-se que tanto a PGCMS quanto o WHOQOL-Bref não possuem pontos de corte. Assim, os resultados devem ser analisados considerando os obtidos em outros estudos que utilizaram esses instrumentos. No caso da PGCMS, esse procedimento é praticamente inviável, pois a escala tem sido usada quase exclusivamente com idosos. Optou-se, assim, por efetuar uma Análise de Cluster Two Step, considerando todas as medidas de BEP e QV.

Como apresentado na Tabela 2, a Análise de Cluster formou dois grupos, que, devido aos seus resultados, foram denominados Níveis Superiores de BEP e QV (NS) e Níveis Inferiores de BEP e QV (NI). O primeiro agrupamento possui médias mais altas em todas as medidas consideradas e abrange 77,97% (n = 46) das mulheres pesquisadas. O segundo, evidentemente, incluiu as demais participantes, que tiveram escores inferiores de BEP e QV.

A Tabela 3 apresenta associações entre os níveis de QV e BEP - NS e NI - e variáveis demográficas - idade etc. - e variáveis ginecológicas - fase da menopausa e uso de TH. Somente a utilização de TH apresentou associação estatisticamente significativa com os dois grupos formados pela Análise de Cluster. Mulheres climatéricas que não fazem uso de TH (83,33%; n=10) possuem níveis mais baixos de QV e BEP.

Para identificar se a TH se associa à QV e ao BEP como um todo ou a dimensões específicas desses construtos, compararam-se os escores das participantes que fazem e das que não fazem uso dessa modalidade de atenção em saúde a mulheres climatéricas em todas as medidas do WHOQOL-Bref e da PGCMS (Tabela 4). No caso do último instrumento, foram observadas diferenças estatisticamente significativas para Atitude frente ao Próprio Envelhecimento e no Total, sendo que, evidentemente, a TH se associa a níveis mais elevados de BEP. As usuárias dessa terapia apresentaram melhor QV que as não usuárias somente no domínio Meio Ambiente do WHOQOL-Bref.

 

Discussão

Os escores médios gerais de QV das participantes dessa pesquisa são semelhantes aos obtidos por Cunha Netto (2002) na fase de pré-intervenção, por Lai, H. J. Chen, C. M. Chen, P. C. Chen e Wang (2006) e por Fleck et al. (2000) (Tabela 5). Ao considerar os grupos formados pela Análise de Cluster, verifica-se que somente NI apresenta escores de QV que tendem a divergir dos observados na literatura. As mulheres desse agrupamento apresentam níveis inferiores de QV nos domínios Relações Sociais e Meio Ambiente, quando comparadas às participantes do estudo de Fleck et al. (2000).

Essas comparações devem ser consideradas com cautela, uma vez que as características das amostras dessas investigações não são necessariamente as mesmas das participantes deste estudo. No caso específico da pesquisa de Fleck et al. (2000), apesar de certas convergências, como, por exemplo, serem mulheres brasileiras, a amostra foi composta por mulheres com idades que variavam em um espectro mais amplo - acima de 18 anos - e esta pesquisa contou com a participação de voluntárias com idades superiores a 38 anos.

Com relação ao BEP, reitera-se que essa comparação é, ainda, mais limitada, uma vez que a PGCMS está em processo de obtenção de evidências de validade para o contexto brasileiro (Barbosa & Freitas, 2012) e é utilizada predominantemente com idosos, conforme já afirmado. Não obstante, menciona-se, como exemplo, que as médias geral e dos grupos NI e NS deste estudo são semelhantes às encontradas por Silva (2009) com idosos - idade média de 76,29 anos - de ambos os sexos.

Uma das dimensões do BEP - Atitude frente ao Próprio Envelhecimento - foi avaliada por Kavirajan et al. (2011) em uma amostra de 1151 mulheres na pós-menopausa com média etária de 72 anos. O escore médio dessa amostra foi semelhante às médias geral e de NS encontradas na presente investigação. As mulheres do agrupamento de NI, no entanto, possuem níveis mais baixos desse fator, caracterizando, assim, atitudes mais negativas frente ao envelhecimento pessoal.

A escolaridade, que tem sido considerada preditora de melhor QV (De Lorenzi et al., 2006; İnceboz et al., 2010; Żołnierczuk-Kieliszek et al., 2011), não se associou, nesta investigação, à QV e nem ao BEP. Recomenda-se, uma vez mais, cautela ao considerar o resultado, pois a amostra pesquisada possui poucas mulheres com educação superior e não contou com a participação de mulheres analfabetas.

Dentre as variáveis analisadas nesta investigação, somente a utilização de TH apresentou associação significativa com níveis superiores de QV e BEP. Resultado análogo foi obtido por Chiu et al. (2008). Outros estudos (De Lorenzi et al., 2006; Martins et al., 2009), entretanto, não encontraram relação entre essas variáveis.

A associação positiva com a TH foi observada, mais especificamente, no domínio Meio ambiente da QV, no fator Atitude frente ao Próprio Envelhecimento do BEP e no BEP total e parece corroborar a proposição da NAMS (Utian et al., 2008), ou seja, a relação entre as variáveis é indireta. O combate aos sintomas menopausais com a administração de medicamentos eleva as sensações de contentamento, de satisfação com a vida e, indiretamente, o BEP total. No caso deste estudo, a presença de afetos mais positivos contribui para que as atitudes em relação ao envelhecimento pessoal se tornem mais positivas, bem como as percepções das condições de vida, ou seja, do meio ambiente em que se vive.

 

Considerações Finais

São muitas as mudanças vivenciadas pela mulher na fase do climatério, tanto físicas quanto psicossociais (De Lorenzi, 2008; De Lorenzi et al., 2009; Peyton, 2007; Poli et al., 2010; Polisseni et al., 2008), que podem ser acompanhadas por um conjunto de sinais e sintomas desagradáveis característico dessa fase (Silveira, 1997; Valença & Germano, 2010), prejudicando a QV e o BEP. Apesar disso, são poucos os estudos, sobretudo na Psicologia, que avaliam de fato como essas mudanças podem interferir na QV e no BEP de mulheres climatéricas.

Assim, a partir da literatura, este artigo, além de caracterizar essa fase de vida quanto à sintomatologia, às alterações sociais e psicológicas associadas a ela, investigou empiricamente associações entre climatério e QV e BEP, enfatizando o papel da TH. Observaram-se, de modo geral, níveis equivalentes de QV e BEP nas mulheres pesquisadas, quando comparadas às de outros estudos. Além disso, verificou-se que somente a utilização de TH apresentou associação significativa e positiva com essas duas variáveis.

Entretanto, algumas limitações da presente investigação devem ser consideradas. Como exemplos, citam-se o tamanho da amostra e sua escolha por conveniência e a utilização de um instrumento não específico para a coorte etária estudada. Além de investigações que superem essas circunscrições, recomenda-se a realização de pesquisas que incluam outras variáveis não consideradas nessa investigação, como as crenças a respeito da menopausa, os antecedentes de síndrome pré-menstrual e o tempo de utilização da TH. Recomendam-se, ainda, investigações que tenham delineamento longitudinal, experimental ou quase-experimental e que adotem medidas específicas de BEP e QV no climatério.

Apesar das limitações, os resultados deste estudo contribuem com evidências iniciais para o entendimento da QV e do BEP da mulher climatérica e, indiretamente, para a implantação de atenção em saúde, incluindo serviços psicológicos, que promova sucesso na concretização dessa etapa do desenvolvimento feminino. Um climatério bem sucedido é uma das pré-condições fundamentais para um envelhecimento saudável.

 

Referências

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Endereço para correspondência:
Eduarda Rezende Freitas
duda_2504@hotmail.com

Altemir José Gonçalves Barbosa
altgonc@gmail.com

Submetido em: 12/03/2013
Revisto em: 14/03/2015
Aceito em: 16/04/2015

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