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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.69 no.1 Rio de Janeiro 2017
ARTIGOS
Sintomatologia depressiva e ansiosa em utilizadores portugueses do Facebook
Anxious and depressive symptoms in Portuguese Facebook users
La sintomatología depresiva y ansiosa en los usuarios portugueses del Facebook
Susana AmorimI; Ângela LeiteII; Teresa SoutoIII
ILicenciatura em Psicologia. Licenciatura em Psicopedagogia Clínica. Porto. Portugal
IIFaculdade de Psicologia. Universidade Lusófona do Porto. Porto. Portugal
IIIFaculdade de Psicologia. Universidade Lusófona do Porto. Porto. Portugal
RESUMO
O Facebook tornou-se uma das ferramentas mais importantes de comunicação da atualidade. Esta rede social permite aos seus utilizadores a inter-relação, intercâmbio de informação e sentido de pertença a um grupo ou estilo social. Neste estudo, avaliou-se a sintomatologia depressiva e ansiosa em utilizadores portugueses do Facebook. A amostra foi constituída por 201 utilizadores portugueses do Facebook (123 do sexo feminino e 78 do sexo masculino), com idades compreendidas entre os 18 e os 73 anos. Para o efeito, utilizaram-se dois questionários (um sociodemográfico e outro relativo à utilização do Facebook), o Inventário de Depressão de Beck e a Escala de Autoavaliação da Ansiedade de Zung. Os resultados confirmam que os valores de ansiedade e depressão diferem em função das variáveis sociodemográficas, mas infirmam um aumento dos valores de ansiedade e depressão nos utilizadores portugueses do Facebook.
Palavras-chave: Facebook; Utilizadores portugueses; Ansiedade; Depressão.
ABSTRACT
Facebook has become one of the most important tools of communication nowadays. This social network allows its users to exchange information and to feel part of a group or a social style. This study assessed the depressive and anxious symptomatology of Portuguese Facebook users. The sample was constituted by 201 users (123 female users and 73 male users) with ages between 18 and 73 years old. For this purpose, two questionnaires were made (one social demographic and another one related to the Facebook usage), Beck Depression Inventory and Zung Self-Rating Depression Scale. The results confirmed that the anxiety and depression values vary according to demographic diversity, but they set aside the rising of levels of anxiety and depression on Portuguese Facebook users.
Keywords: Facebook; Portuguese users; Anxiety; Depression.
RESUMEN
El Facebook se ha convertido en una de las herramientas más importantes de comunicación actual. Esta red social permite a los usuarios la interrelación, el intercambio de información y el sentido de pertenencia a un grupo o estilo social. En este estudio, se ha evaluado la sintomatología depresiva y ansiosa en los usuarios portugueses del Facebook. La muestra está compuesta de 201 usuarios portugueses del Facebook (123 del sexo femenino y 78 del sexo masculino) con edades entre los 18 y los 73 años. Para llevar a cabo este trabajo, fueron hechos dos cuestionarios (uno sociodemográfico y el otro relativo al uso del Facebook), el Inventario de Depresión de Beck y la Escala de Autoevaluación de Ansiedad de Zung. Los resultados confirman que los valores de ansiedad y depresión varían de acuerdo con las variables sociodemográficas, pero invalidan un aumento en los valores de ansiedad y depresión en los usuarios portugueses del Facebook.
Palabras claves: Facebook; Usuarios portugueses; Ansiedad; Depresión.
Introdução
Na perspectiva cognitivista, a depressão é entendida como o resultado de uma interpretação errónea dos acontecimentos e situações que o indivíduo tem de enfrentar (Beck, Rush, Shaw, & Emery, 1979). Beck et al. (1979) propuseram que as nossas emoções e comportamentos não só são influenciados por experiências e situações passadas, como também pela forma como processamos, percebemos e atribuímos significados às mesmas. Este processo foi designado por Beck (1967) como tríade cognitiva, referindo-se à visão negativa do indivíduo deprimido sobre si mesmo, como indigno, incapaz e indesejável, sobre o mundo cheio de obstáculos e problemas impossíveis de resolver e perspetivando o futuro com total desesperança.
A abordagem cognitiva propõe que os transtornos de ansiedade derivam de cognições imprecisas e inadequadas sobre situações do mundo do indivíduo que se vê afetado. Nesta abordagem, distingue-se a ansiedade do medo, considerando-se que a ansiedade é um processo emocional e o medo é um processo cognitivo. Este último corresponde à avaliação intelectual de um estímulo ameaçador enquanto a ansiedade corresponde a uma resposta emocional a essa avaliação (Beck, & Emery, 1985).
A depressão e a ansiedade são sintomas psicopatológicos que, hoje em dia, afectam um grande número de pessoas. É, pois, importante conhecer que acontecimentos/circunstâncias podem contribuir para o agravamento ou não destes sintomas. A utilização da internet, sobretudo das redes sociais, é uma actividade cujo impacto psicológico está pouco estudado, em todo o mundo e nada estudado em Portugal.
Com a expansão da internet, surgiram diferentes formas de entretenimento e de comunicação. Uma das grandes mudanças na forma de socializar e comunicar ocorreu graças às redes sociais, sendo atualmente o Facebook considerado o maior fenómeno social, que conta já com mais de 400 milhões de utilizadores e em permanente expansão. Esta comunidade foi criada a 4 de fevereiro de 2004, por um estudante da Universidade de Harvard chamado Mark Zuckerberg (Mezrich, 2010). Pela sua importância na sociedade actual, têm vindo a ser desenvolvidos estudos acerca do impacto da utilização do Facebook, nomeadamente, no âmbito da psicopatologia dos utilizadores.
Alguns investigadores falam de um novo fenómeno chamado "depressão do Facebook", definida como a depressão que se desenvolve quando pré-adolescentes e adolescentes passam uma grande quantidade de tempo em sites como o Facebook e começam a apresentar os sintomas clássicos da depressão (Davila, Stroud, Starr, Miller, Yoneda, & Hershenberg, 2009; Herr, 2007; Irvine, 2010; Melville, 2010; Selfhout, Branje, Delsing, ter Bogt, & Meeu, 2009; Sturm, 2010). Ser aceite pelos pares e ter contacto com eles é um importante elemento da vida adolescente. A intensidade do mundo on-line poderá assim desencadear depressão em alguns adolescentes. Tal como acontece com a depressão off-line, pré-adolescentes e adolescentes que sofrem de depressão do Facebook estão em risco de isolamento social e às vezes procuram na internet sites e blogs para "ajuda" que podem promover o abuso de substâncias, práticas sexuais de risco ou comportamentos agressivos e autodestrutivos (O'Keeffe, Clarke-Pearson, & Council on Communications and Media, 2011).
Também Jelenchick, Eickhoff e Moreno (2012) estudaram a relação entre a depressão clínica e a utilização de redes sociais em adolescentes mais velhos, tendo concluído que não havia evidência da existência desta relação. Por outro lado, Tran (2012) encontrou uma relação entre a utilização do Facebook e uma má adaptação emocional aos acontecimentos de vida.
Kraut et al. (1998) revelaram que a utilização da internet por um tempo elevado está associada a um aumento da depressão e uma ligeira, mas significativa, diminuição no envolvimento social. Estes autores defendem que o tempo dedicado ao uso da internet pode substituir o envolvimento em atividades sociais, podendo levar ao isolamento social e à diminuição do bem-estar psicológico. No entanto, deve ter-se em conta que uma grande parte da utilização desta tecnologia é explicitamente social e que é através deste meio que mantém contacto com a família e os amigos.
Steinfield, Ellison, e Lempe (2008) reportaram que o uso das redes sociais aumenta a comunicação, diminuindo assim a solidão e a depressão. Segundo estes investigadores, as redes sociais facilitam a manutenção de amizades próximas e de relacionamentos distantes. A capacidade de articular os amigos das redes sociais off-line permite ao utilizador do Facebook manter contacto com um conjunto de conhecidos.
Os autores Muise, Christofides e Desmarais (2009) defendem que a utilização do Facebook permite aos seus utilizadores aceder a informações sobre os seus parceiros que de outra forma não seria possível, estimulando assim cada vez mais a sua utilização e desenvolvendo fenómenos como o ciúme (com origem na ansiedade) que poderão originar depressão. Segundo os mesmos autores, o estado civil explica parcialmente a ansiedade motora e vegetativa.
Um outro estudo, realizado na Salford University Business School pela Anxiety UK (2012), teve como objetivo perceber se a utilização de redes sociais como o Facebook e o Twitter aumentaria a ansiedade dos utilizadores. A amostra foi constituída por 298 participantes; 53% consideraram que o aparecimento das redes sociais mudou as suas vidas e, desses utilizadores, a maioria afirma que essas mudanças foram negativas. O mesmo estudo demonstra que 55% dos participantes já se haviam sentido "preocupados ou desconfortáveis" por, num determinado momento, não conseguirem aceder ao Facebook ou ao correio eletrónico. A maioria dos participantes afirmou já ter tido a necessidade de desligar os seus aparelhos eletrónicos para fazer uma pausa da internet. O estudo concluiu, ainda, que dois em cada três participantes admitiram ser-lhes difícil relaxar, e mesmo dormir, depois de permanecerem algum tempo conectados às redes sociais. Desses participantes, um quarto afirma sentir dificuldades nos seus relacionamentos diretos e no trabalho (Anxiety UK, 2012).
Uma investigação realizada por Kross et al. (2013), nas Universidades de Michigan e Belgium, teve como objetivo verificar se a utilização do Facebook influenciava os dois componentes do bem-estar subjetivo dos jovens adultos: como se sentem de momento a momento e o nível de satisfação com a sua vida. Para este estudo foram selecionados 82 jovens adultos utilizadores do Facebook com acesso a um smartphone. Este estudo concluiu que o sentimento de bem-estar e o nível de satisfação com a vida decresce conforme o utilizador passa mais tempo no Facebook; em contrapartida, as interações diretas melhoram a forma como as pessoas se sentem. Em relação às outras variáveis, como a motivação pessoal para a utilização da rede social, o número de amigos nessa mesma rede, os níveis de solidão, depressão ou autoestima, o estudo concluiu que não tiveram influência no sentimento de bem-estar dos participantes, embora se tenha constatado que quanto mais sós as pessoas se sentem, mais tendem a utilizar o Facebook (Kross et al., 2013).
Contudo, outros autores estudaram aspectos diversos da psicopatologia, nomeadamente, a psicose. Nitzan, Shoshan, Lev-Ran, e Fennig (2011) descreveram três indivíduos, sem transtorno psiquiátrico prévio, que procuraram ajuda psiquiátrica devido à manifestação de sintomatologia psicótica que surgiu enquanto estavam imersos na comunicação mediada por computador (CMC). Todos os pacientes apontaram a CMC como o principal factor desencadeador da sintomatologia psicótica. Os pacientes reportaram ter experienciado um relacionamento "hiperpessoal" com um estranho, desconfiança dos objectivos e da identidade da outra parte, invasão dos limites, má interpretação de informações e exposição pessoal indesejável no ciberespaço. É de salientar que os pacientes tinham pouca experiência anterior com computadores ou com a internet e que a sua vulnerabilidade foi intensificada devido a dificuldades em decifrar o significado dos vários elementos da CMC. Para Nitzan et al. (2011), os casos apresentados suportam a suposição de que as características originais da CMC podem contribuir para a vivência de experiências psicóticas.
Também Garcia e Sikström (2013), recorrendo à técnica de análise semântica latente, quantificaram as representações semânticas das atualizações do status do Facebook de 304 indivíduos, tendo em vista prever a personalidade através do autorrelato. Para além do neuroticismo e extroversão, os autores focaram-se na tríade negra da personalidade (psicopatia, narcisismo e maquiavelismo), sendo que o conteúdo semântico das atualizações do Facebook conseguiu prever essa tríade. As atualizações dos sujeitos com pontuações mais elevadas nestas dimensões tinham um conteúdo mais estranho e negativo. Além disso, o neuroticismo, o número de amigos do Facebook, e a frequência de atualizações de status eram previsíveis a partir das atualizações dos mesmos. Os autores concluíram que a tríade negra da personalidade envolve um comportamento socialmente maléfico, como a autopromoção, a frieza emocional, a duplicidade e agressividade, manifestando-se em atualizações de status do Facebook.
Contudo, em Portugal não existem estudos realizados neste âmbito. Encontramos apenas estudos que caracterizam os utilizadores do Facebook de um ponto de vista sociodemográfico e dos seus hábitos de utilização. Em Portugal, o primeiro estudo sobre o Facebook foi realizado pela Netsonda, em 2010, com o título Face to Facebook, tendo como objetivo dar a conhecer e analisar a rede social com maior crescimento no nosso país. O Facebook, na altura do estudo, contava já com mais de dois milhões de utilizadores. Para a realização do mesmo, a Netsonda disponibilizou um inquérito on-line no qual participaram mais de 65 mil pessoas. A amostra final foi constituída por 1077 indivíduos portugueses utilizadores do Facebook, apresentando, entre outros, os seguintes resultados: uma grande parte dos participantes (63%) despende uma hora por dia no Facebook; os participantes do sexo feminino passam mais de três horas por dia neste site; a maioria dos inquiridos utiliza o Facebook como fonte de informação; a maior parte dos utilizadores (90%) que respondeu a este inquérito e que "gosta" de páginas neste site, considera-as credíveis; aproximadamente 50% dos participantes está constantemente ligado, ou liga-se várias vezes por dia ao Facebook através de computadores ou dispositivos móveis; as páginas preferidas dos inquiridos são: 72% causas sociais; 44% associações; 37% empresas, marcas ou produtos (Netsonda, 2010).
Assim, é nosso objectivo contribuir para o estudo do impacto psicopatológico da utilização do Facebook, especificamente, no que diz respeito à depressão e ansiedade. As nossas hipóteses preveem que a ansiedade e a depressão se encontrem mais elevadas nos utilizadores portugueses do Facebook do que os valores normativos encontrados pelos autores dos instrumentos que avaliam as respectivas dimensões.
Método
Delineamento
Trata-se de um estudo empírico de carácter retrospectivo com recurso a metodologia quantitativa, realizado através de dois questionários (sociodemográfico e de utilização do Facebook) e dois instrumentos de avaliação psicológica: Escala de Autoavaliação da Ansiedade de Zung (SAS) e Inventário de Depressão de Beck (BDI).
Amostra
A amostra é constituída por 201 participantes, dos quais 123 pertencem ao sexo feminino e 78 ao sexo masculino. A média de idades da amostra é de 30.19 anos (DP = 10.54 anos), tendo o participante mais velho 73 e o mais novo 18 anos de idade. No que diz respeito ao estado civil, 82 participantes são solteiros, 49 têm namorado(a), 53 são casados ou vivem em união de facto, e, por fim, 17 são divorciados ou separados. Maioritariamente, a amostra (145 participantes) não tem filhos. Relativamente às habilitações literárias, três participantes têm a escolaridade básica; 17 participantes têm a escolaridade obrigatória; 91 participantes têm o ensino secundário; 71 participantes têm uma licenciatura; 18 participantes têm um mestrado; por fim, um participante tem um doutoramento. No que diz respeito à profissão, 30 participantes pertencem ao 1º grau das profissões de acordo com a classificação de Graffar (classificação social internacional estabelecida por Graffar); 27 participantes pertencem ao 2º grau; 39 participantes pertencem ao 3º grau; 10 participantes pertencem ao 4º grau; 17 participantes pertencem ao 5º grau; três participantes são reformados; 15 participantes estão desempregados; 59 participantes são estudantes e um participante não respondeu a esta questão.
Instrumentos
O questionário sociodemográfico é constituído por questões relacionadas com o sexo, idade, estado civil, descendência, escolaridade e profissão. O questionário relativo à utilização do Facebook é constituído por questões relativas à utilização do Facebook como: há quantos anos os participantes utilizam o Facebook; quantos dias por semana acedem ao Facebook; quantas horas por dia passam no Facebook; se utilizam o Facebook no telemóvel e no Ipad; se utilizam o chat do Facebook, quanto tempo passam nesse chat e com quantas pessoas interagem através do mesmo; se existe alguma pessoa com quem falem nesse chat todos os dias; se algumas das pessoas que conheceram no Facebook se tornou seu amigo e, por fim, se com alguma dessas pessoas conhecidas através deste mesmo meio veio a manter uma relação amorosa.
O Inventário de Depressão de Beck (Beck, Ward, Mendelson, Mock, & Erbaugh, 1961; versão portuguesa de Serra & Abreu, 1973) é composto por 21 itens, sendo que 11 se relacionam com aspetos cognitivos, cinco com sintomas somáticos, dois com comportamentos observáveis, dois com o afeto e um com sintomas interpessoais (Serra, 1994). Os autores da versão portuguesa, para a sua aferição, procederam à tradução e retrotradução dos itens originais. Os itens agrupam-se em duas subescalas: cognitivo-afetiva e somática e de desempenho. Cada item comporta quatro, cinco ou seis afirmações, ordenadas segundo a intensidade do sintoma (inexistente, leve, moderado ou grave) e é cotado numa escala crescente de gravidade da depressão, com valores que variam entre uma intensidade de um a três pontos. Para este estudo, serão utilizados os pontos de corte propostos por Serra e Abreu, em 1973, ponderados na validação do BDI para a população portuguesa, onde podemos considerar: entre 0 e 12 - ausência de depressão; entre 12 e 18 -depressão leve; entre 18 e 24 - depressão média ou moderada e mais de 24 - depressão grave (Diegas, & Cardoso, 1986).
A Escala de Autoavaliação da Ansiedade de Zung (Zung, 1975; versão portuguesa de Ponciano, Serra e Relvas, 1982) é composta por 20 itens. Os autores da versão portuguesa, para a sua aferição, procederam à tradução e retrotradução dos itens originais. Cada indivíduo deve avaliar quantitativamente e assinalar o sintoma mais próximo da forma como se sente no momento, pontuando entre um e quatro, com opções de resposta que oscilam entre "nenhumas ou raras vezes" até "a totalidade do tempo". Esta escala está desenvolvida para avaliar quatro componentes da ansiedade, nomeadamente: cognitiva, motora, vegetativa e sistema nervoso central (SNC), pelas quais se distribuem os 20 itens.
Procedimentos de recolha de dados
Os participantes preencheram individualmente o protocolo (questionários e escalas) na presença de uma psicóloga da equipa deste estudo, tendo sido o tempo médio de preenchimento de 45 minutos. A ordem de aplicação dos instrumentos foi a seguinte: questionário sociodemográfico e relativo à utilização do Facebook, BDI e SAS.
Análise dos dados
Utilizou-se o programa estatístico SPSS, versão 21, no qual foram realizados cálculos de estatística descritiva (média, desvio-padrão e percentagens das variáveis sociodemográficas e relativas à utilização do Facebook, e das sintomatologias depressiva e ansiosa dos utilizadores portugueses do Facebook) e de estatística inferencial (análises de variância).
Resultados
Em relação à utilização do Facebook, a maioria da amostra (129 participantes ou 64%) utiliza o Facebook há 2-4 anos; 35 participantes (17%) utilizam o Facebook há um ano; 33 participantes (16%) utilizam o Facebook há 5-8 anos; e, por fim, quatro participantes (2%) utilizam o Facebook há mais de oito anos. A maioria da amostra utiliza diariamente o Facebook; 9% da amostra utiliza o Facebook cinco vezes por semana; 10% utiliza quatro vezes por semana; 9% utiliza o Facebook três vezes por semana; 4% utiliza o Facebook duas vezes por semana; e, por fim, 14% utiliza o Facebook uma vez por semana.
Maioritariamente, a amostra (155 participantes ou 77%) passa uma hora por dia no Facebook; 34 participantes (17%) passam entre duas a quatro horas por dia no Facebook; e 12 participantes (6%) passam entre 5 e 10 horas por dia no Facebook. A maior parte da amostra não utiliza o Facebook no telemóvel (105 participantes ou 52%) nem no tablet (153 participantes ou 76%). Contudo, 96 participantes (48%) utilizam o Facebook no telemóvel e 48 participantes (24%) utilizam o Facebook no tablet. Grande parte da amostra utiliza o chat do Facebook; só 87 participantes referiram não o utilizar. Efectivamente, 58% da amostra respondeu à questão acerca do tempo que passa no chat do Facebook; a grande maioria (85%) passa diariamente uma hora; 14% passa entre duas a quatro horas por dia e 2% passa entre 5 e 10 horas por dia.
As mesmas 117 pessoas que referiram utilizar o chat do Facebook, responderam à pergunta "com quantas pessoas interage no Facebook?". Destas, 20 participantes (17%) referiram uma pessoa; 22 participantes (19%) referiram duas pessoas; 33 participantes (28%) referiram três pessoas; oito participantes (7%) referiram quatro pessoas e 34 participantes (29%) referiram mais de cinco pessoas. Em relação à questão "com quantas pessoas fala no chat todos os dias?", 63 participantes (34%) referiram não o fazer; 84 participantes (46%) referiram uma pessoa; 13 participantes (7%) referiram duas pessoas; três participantes (2%) referiram três pessoas e 21 participantes (11%) referiram mais de quatro pessoas.
Apesar de 67% da amostra afirmar não ter desenvolvido uma amizade com pessoas com quem interagem apenas no Facebook, 33% afirma tê-lo feito. Só um participante não respondeu a esta questão. A esmagadora maioria da amostra (89%) afirmou não ter desenvolvido relações amorosas com pessoas com quem interagia apenas no Facebook; contudo, 22 participantes (11%) fizeram-no. Também, nesta questão, houve um participante que não respondeu.
Em seguida, apresentamos as frequências das subescalas e do total do BDI, o valor de alfa de Cronbach e as correlações entre as três dimensões (Tabela 1). A subescala cognitivo-afetiva apresenta a média (3,64) mais elevada, bem como o valor superior de alpha de Cronbach. Todas as correlações entre as subescalas e o total do BDI são altamente significativas, contudo, a correlação mais elevada (r = 0,94) observa-se entre o total e a subescala cognitivo-afetiva.
Seguem-se as frequências das subescalas e do total da escala SAS, o valor de alfa de Cronbach e as correlações entre as cinco dimensões (Tabela 2). A subescala com a média mais elevada (14,15) é a da ansiedade vegetativa e a subescala com a média mais baixa (3,79) é a da ansiedade SNC. O alpha mais elevado é o da subescala ansiedade cognitiva e o mais baixo é o da subescala ansiedade SNC. Todas as correlações são estatisticamente significativas. Contudo, a correlação mais elevada (r = 0,86) acontece entre o total da SAS e a subescala ansiedade motora. A correlação mais baixa (r = 0,53) verifica-se entre a subescala ansiedade vegetativa e a subescala ansiedade cognitiva.
Encontramos correlações significativas entre todas as subescalas e o total da SAS e todas as subescalas e o total do BDI. A correlação mais elevada (r = 0,61) verifica-se entre o total da SAS e o total do BDI, isto é, entre a ansiedade e a depressão. A correlação mais baixa (r = 0,35) verifica-se entre a subescala somática do BDI e a subescala ansiedade vegetativa da SAS, o que não deixa de ser curioso, na medida em que estas duas subescalas avaliam dimensões muito próximas.
Quando comparamos as médias das variáveis relacionadas com o Facebook relativamente ao sexo, verificamos que, de uma forma geral, os homens apresentam valores mais elevados em todas as variáveis do que as mulheres, exceto no que diz respeito à variável "quantas horas por dia passa no Facebook?" (as mulheres [M = 1,30, DP = 0,56] passam mais tempo do que os homens [M = 1,30, DP = 0,60] no Facebook [t (199) = 0,38, p = 0,703; d = 1,21]). Os homens utilizam o Facebook há mais anos; vão mais vezes por semana ao Facebook; utilizam mais o Facebook no telemóvel e no tablet; utilizam mais o chat do Facebook e passam mais tempo nesse chat; interagem com mais pessoas no Facebook e no chat diariamente. Além disso, transformaram mais relações iniciadas no Facebook em relações amorosas. Contudo, só uma destas diferenças é estatisticamente significativa: "quanto tempo passado no chat do Facebook?" (os homens [M = 1,28, DP = 0,54] passam significativamente mais tempo neste chat do que as mulheres [M = 1,10, DP = 0,30], [t (115) = -2,26; p = 0,026; d = 2,03]).
Quando comparamos as variáveis do Facebook com as categorias de idade (1 = 18-25 anos; 2 = 26-40 anos; 3 = mais de 40 anos), encontramos diferenças estatisticamente significativas em relação à variável vezes por semana no Facebook [F (2,186) = 9,81; p < 0,001; h2 = 0,10] O teste de Tukey mostrou que os participantes mais velhos vão menos vezes por semana ao Facebook do que as outras faixas etárias. Analisando a distribuição de variáveis relacionadas com o Facebook pelas diferentes categorias de idade, verificamos que existem diferenças significativas em relação à utilização do chat (os mais novos utilizam mais o chat do Facebook [X2 (2) = 23,089; p < 0,001] e em relação ao estabelecimento de relações de amizade com pessoas que conheceram através do Facebook (os mais novos e os mais velhos ficam amigos das pessoas que conhecem no Facebook mais frequentemente do que os participantes do grupo etário intermédio [X2 (2) = 12,338; p = 0,002].
Quando comparamos as médias das variáveis referentes ao Facebook com o estado civil (Tabela 3), verificamos que os solteiros e os namorados vão significativamente mais vezes por semana ao Facebook do que os casados ou em união de facto e os divorciados ou separados. Os casados ou em união de facto passam significativamente menos horas por dia no Facebook do que os solteiros, os namorados e os divorciados ou separados. Os solteiros e divorciados interagem com mais pessoas através do chat do Facebook. Avaliamos ainda a existência de diferenças na distribuição da amostra em relação ao estado civil e às seguintes variáveis: os solteiros utilizam significativamente mais o Facebook no telemóvel [X2 (3) = 9,457; p = 0,024] e o chat do Facebook [X2 (3) = 19,883; p < 0,001] do que todos os outros estados civis; além disso, os solteiros desenvolveram mais relações amorosas a partir de conhecimentos feitos no Facebook [X2 (3) = 10,405; p = 0,015] do que qualquer outro estado civil.
Ao compararmos as médias das variáveis referentes ao Facebook com a variável ter filhos, encontramos várias variáveis estatisticamente significativas: "quantas vezes por semana vai ao Facebook" [F (1,199) = 16,896; p < 0,001; h2 = 0,08], sendo que o teste de Tukey mostrou que quem não tem filhos vai significativamente mais vezes por semana ao Facebook; "quantas horas por dia passa no Facebook?" [F (1,199) = 6,540; p = 0,011; h2 = 0,03], na qual quem não tem filhos passa mais horas por dia no Facebook. Avaliamos ainda a existência de diferenças na distribuição da amostra em relação ao estado civil e às seguintes variáveis: "utiliza o Facebook no telemóvel?" [X2 (1) = 9,424; p = 0,002], onde quem não tem filhos utiliza mais o Facebook no telemóvel; "utiliza o Facebook no tablet?" [X2(1) = 3,931; p = 0,047], em que quem não tem filhos utiliza mais o Facebook no tablet; "utiliza o chat do Facebook?" [X2 (1) = 21,971; p < 0,001], na qual quem não tem filhos utiliza mais o chat do Facebook; "alguma das pessoas que conheceu através do Facebook é hoje seu amigo?" [X2 (1) = 5,088; p = 0,024], onde quem não tem filhos fez mais amizades através de pessoas que conheceu no Facebook; "alguma das pessoas que conheceu através do Facebook veio a manter consigo uma relação amorosa?" [X2(1) = 4,384; p = 0,036] em que quem não tem filhos manteve mais relações amorosas com essas pessoas do que quem tem filhos.
Quando comparamos as médias das variáveis referentes ao Facebook relativamente à profissão encontramos diferenças estatisticamente significativas: "quantas vezes por semana vai ao Facebook?" [F (7, 192) = 2,762; p = 0,009; h2 = 0,02], sendo que o teste de Tukey mostrou que que os estudantes, os desempregados e os participantes pertencentes ao 4º e 5º grau de Graffar; são os que vão mais vezes por semana ao Facebook. Avaliamos ainda a existência de diferenças na distribuição da amostra em relação ao estado civil e às seguintes variáveis: "utiliza o chat do Facebook?" [X2(7) = 21,616; p = 0,003], na qual são também os estudantes, os desempregados e os participantes pertencentes ao 4º e 5º grau de Graffar que utilizam mais o chat do Facebook; "alguma das pessoas que conheceu através do Facebook é hoje seu amigo?" [X2(7) = 18,816; p = 0,009] , em que os estudantes, os desempregados e os participantes pertencentes ao 4º e 5º grau de Graffar fazem mais amigos através do Facebook.
Comparando as médias dos dois totais e das subescalas referentes à BDI e à SAS, em função das variáveis sociodemográficas, verifica-se que não existem diferenças estatisticamente significativas em relação à idade e a ter ou não filhos. Contudo, encontram-se diferenças estatisticamente significativas em relação ao sexo, no que diz respeito às subescalas ansiedade motora e ansiedade vegetativa e ao total da SAS (Tabela 4). Os participantes de sexo feminino apresentam valores mais elevados nas subescalas ansiedade motora, ansiedade vegetativa e SAS total do que os homens.
Verificamos, ainda, diferenças estatisticamente significativas em relação à subescala ansiedade vegetativa, no que diz respeito às categorias idade [F (2,186) = 4,41; p = 0,013; h2 = 0,05]. O teste de Tukey mostrou que o grupo 2 (idades compreendidas entre os 26 e os 40) apresenta uma média significativamente mais baixa do que as duas outras categorias.
Constata-se a existência de diferenças estatisticamente significativas em relação ao estado civil quanto à subescala somática do BDI [F (3,197) = 4.13; p = 0,007; h2 = 0,06]. O teste de Tukey mostrou que os divorciados apresentam um valor significativamente mais elevado nesta subescala do que os restantes estados civis. Encontram-se diferenças estatisticamente significativas em relação ao total e às subescalas do BDI, no que diz respeito às habilitações literárias (Tabela 5).
Globalmente, quanto mais escolaridade os participantes têm menor índice de depressão apresentam. Verificamos a existência de diferenças estatisticamente significativas em relação à profissão no que diz respeito à subescala somática do BDI [F (7,192) = 2,26; p = 0,031; h2 = 0,08]. O teste de Tukey mostrou que os participantes que têm profissões pertencentes ao 4º grau de Graffar apresentam valores significativamente mais elevados do que os restantes.
Comparando as médias dos dois totais e das subescalas da BDI e da SAS, em função das variáveis do Facebook, verifica-se que não existem diferenças estatisticamente significativas em relação ao número de vezes por semana que vão ao Facebook, à utilização do Facebook no telemóvel e no tablet, à utilização do chat do Facebook, ao tempo passado no mesmo chat, ao número de pessoas com que interagem no Facebook.
Contudo, encontramos diferenças estatisticamente significativas em relação à subescala ansiedade SNC relativamente ao número de anos que utiliza o Facebook [F (3,197) = 2,82; p = 0,040; h2 = 0,04]: o teste de Tukey mostrou que os participantes que utilizam o Facebook há mais de oito anos apresentam valores significativamente mais elevados.
Os participantes que passam entre cinco a dez horas por dia no Facebook apresentam valores significativamente mais elevados no BDI total, nas subescalas ansiedade vegetativa e ansiedade SNC e no total da SAS (Tabela 6).
Os participantes que falam no chat do Facebook com mais de quatro pessoas diariamente apresentam valores mais elevados na SAS total e na subescala ansiedade motora (Tabela 7).
Os participantes que desenvolveram relações amorosas na sequência de contactos estabelecidos através do Facebook apresentam valores significativamente mais elevados em relação à subescala somática do BDI, SAS total, subescala ansiedade vegetativa e subescala ansiedade motora (Tabela 8).
Quando se comparam os valores médios e o desvio padrão da depressão dos utilizadores do Facebook com os valores médios da depressão na população geral portuguesa (Serra & Abreu, 1973), verifica-se que os valores da nossa amostra são mais baixos [t(2) = 3,363, p = 0,078; d = 0,52] (Tabela 9).
Na Tabela 10, encontra-se a distribuição da amostra pelos diferentes níveis de depressão determinados pelos autores. Dividiu-se, a amostra em não deprimidos (79% da amostra) e deprimidos (21% da amostra) e calculou-se as médias respectivas para cada uma destas categorias. Apesar de 21% da amostra (41 sujeitos) apresentar depressão, apenas 3% apresenta depressão grave e 6% depressão moderada.
Ao comparar os valores médios e desvio-padrão da ansiedade dos utilizadores do Facebook com os valores da média da ansiedade na população geral portuguesa (Ponciano et al., 1982), verifica-se que os valores obtidos são muito aproximados [t (4) = 0,65, p = 0,554; d = 0,03] (Tabela 11).
Discussão
Começamos por traçar um perfil médio do utilizador do Facebook da nossa amostra, que é predominantemente do sexo feminino (o que vai ao encontro dos dados do estudo realizado pela Netsonda, em 2010), com idade média de 30,19 anos (DP = 10,54 anos), numa relação afetiva, sem filhos, com estudos ao nível do 12º ano e superior, com emprego; utiliza o Facebook desde há dois a quatro anos, diariamente durante uma hora, no telemóvel mas não no tablet. Utiliza o chat do Facebook por meio do qual interage com algumas pessoas, não faz novos amigos a partir do Facebook e não estabelece relações amorosas a partir dele.
Os participantes mais novos utilizam mais o Facebook e o seu chat do que os outros e vão mais vezes por semana ao Facebook. São os participantes mais novos e os mais velhos, em detrimento das idades médias, que fazem mais facilmente amigos através do Facebook, o que está de acordo com os resultados encontrados por Liébana-Cabanillas e Alonso-dos-Santos (2017). Uma possível explicação para este facto será uma eventual maior disponibilidade destas faixas etárias.
Os solteiros e os namorados vão mais vezes por semana ao Facebook, utilizam mais o chat do Facebook e vieram a manter mais relações amorosas com alguém que conheceram através do Facebook do que os casados ou em união de facto e os divorciados ou separados. Estes dados podem ser explicados pelo fator idade e pela disponibilidade psicológica dos participantes que ainda não estão numa relação, por contraposição àqueles que estão ou já estiveram numa relação (Soron, & Tarafder, 2015).
Quem não tem filhos vai mais vezes por semana ao Facebook, passa mais horas diariamente no Facebook, utiliza mais o Facebook no telemóvel e no tablet, utiliza mais o chat do Facebook, fez mais amizades através de pessoas que conheceu no Facebook e manteve mais relações amorosas com essas pessoas do que quem tem filhos. A presença de filhos na vida dos participantes limita a sua disponibilidade, ocupados que estão com questões relacionadas com a parentalidade; além disso, muitas vezes têm que se assumir como exemplo na utilização das redes sociais (Ozgur, & Ucar, 2016)
Os estudantes, os desempregados e os participantes pertencentes aos 4º e 5º grau de Graffar são os que vão mais vezes por semana ao Facebook, que utilizam mais o chat do Facebook e fazem mais amigos através do Facebook. Os estudantes, desempregados e o 5º grau de Graffar falam significativamente mais com pessoas no chat do Facebook diariamente do que as outras profissões. Em suma, os participantes mais novos, os desempregados e os menos qualificados utilizam mais o Facebook, sendo que este resultado pode traduzir a resposta a necessidades diferentes: os mais novos procuram novas amizades; os desempregados e os pouco qualificados podem utilizar a rede social para procurar emprego ou encontrar um emprego melhor (Robertson, & Kee, 2017).
Apesar de não existirem diferenças entre os valores normativos dos autores das escalas de depressão e ansiedade e os nossos (o que corrobora e contraria a literatura, uma vez que encontramos estudos que que justificam os dois resultados contrários), encontramos diferenças nos nossos valores relativamente às variáveis sociodemográficas e de utilização do Facebook.
Os participantes do sexo feminino apresentam valores mais elevados na subescala ansiedade motora, subescala ansiedade vegetativa e SAS total do que os homens. Os participantes com idades compreendidas entre os 26 e os 40 apresentam uma média significativamente mais baixa do que as duas outras categorias em relação à subescala ansiedade vegetativa; este resultado pode, eventualmente, ser explicado por razões fisiológicas associadas ao crescimento (18-25 anos) e à maturidade (mais de 40 anos) (Silverstein, Ajdacic-Gross, Rossler, & Angst, 2017).
Os divorciados apresentam um valor mais elevado do que os outros estados civis no que diz respeito à subescala somática do BDI. Estes dados são corroborados por Ye, DeMaris, e Longmore (2017), que também analisam a qualidade da relação marital e o seu impacto na depressão pós-divórcio. Segundo Beck (1976), a predisposição para a depressão adquire-se através das primeiras experiências, as quais vão modelando esquemas potencialmente depressivos. Ora, a experiência do divórcio pode ativar a memória das primeiras experiências desencadeadoras de depressão.
Quanto mais escolaridade os participantes têm, menos depressão apresentam, o que parece sugerir que quem tem mais escolaridade está melhor preparado para lidar com situações adversas. Os participantes que têm profissões pertencentes ao 4º grau de Graffar apresentam valores significativamente mais elevados do que os restantes em relação à subescala somática do BDI. As dificuldades da vida profissional refletem-se no bem-estar do sujeito que eventualmente as somatiza. Contudo, estes dados são contrariados pela literatura, nomeadamente por Titov, Andrews, Kemp e Robinson (2010) que estudaram a depressão em amostras obtidas através da internet.
Em relação à utilização do Facebook, os participantes que o utilizam há mais de oito anos apresentam valores mais elevados de ansiedade e depressão bem como os que passam entre 5 e 10 horas por dia no Facebook, os que falam com mais de quatro pessoas no chat, os que fazem amigos através do Facebook e os que estabelecem relações amorosas através dele. Se, por um lado, facilmente se compreende que esta atividade social intensa aumente os valores de ansiedade, por outro lado, é mais difícil explicar a depressão; a não ser que, à luz dos autores Muise et al. (2009), a inveja (relativa aos conteúdos que os utilizadores colocam no Facebook) possa estar na origem da depressão. Estes autores argumentam que este efeito pode ser o resultado de um ciclo de feedback em que, ao ser usado o Facebook, este expõe as pessoas a informações muitas vezes ambíguas sobre o seu parceiro, a que de outra forma não teriam acesso, e esta nova informação estimula ainda mais o uso do Facebook. Este estudo fornece evidências de contribuições únicas do Facebook para a experiência do ciúme nos relacionamentos amorosos. Também Kraut et al. (1998) afirmam que a utilização da internet por um tempo elevado está associada a um aumento da depressão. Por sua vez, Steinfield et al. (2008) concluíram que o uso das redes sociais aumenta a comunicação, diminuindo assim a solidão e a depressão, o que contraria os nossos resultados.
Considerações finais
Perante o permanente crescimento das relações interpessoais através da internet, surge a necessidade de percebermos o impacto que tal pode ter na saúde mental dos seus utilizadores que continuam em grande crescimento. Nesse sentido, o estudo das psicopatologias associadas a esta nova ferramenta de comunicação pode ser crucial para o trabalho de profissionais de diversas áreas, facilitando assim a adequação de métodos de intervenção e prevenção na saúde mental. Sabemos, no entanto, que este estudo apresenta algumas limitações, sobretudo no que diz respeito à dimensão amostral e respectiva representatividade, bem como à não utilização de instrumentos concorrentes para fins comparativos.
Não obstante os dados obtidos estarem de acordo com alguns dos estudos já realizados sobre o tema, a verdade é que também se encontraram resultados contraditórios relativamente ao estado de arte. Isto sugere a necessidade de estudos futuros, com amostras mais amplas e diversificadas relativamente aos mesmos temas e a outros que lhes são próximos, nomeadamente, a psicopatologia.
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Endereço para correspondência:
Susana Amorim
amorim.suzy@gmail.com
Ângela Leite
angelamtleite@gmail.com
Teresa Souto
teresassouto@gmail.com
Submetido em: 22/12/2014
Revisto em: 02/05/2017
Aceito em: 28/05/2017