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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.69 no.1 Rio de Janeiro 2017
ARTIGOS
Aleitamento materno: representações sociais de mães em um Distrito Sanitário da cidade do Recife
Breastfeeding: social representations of mothers in Recife
Lactancia Materna: las representaciones sociales de madres en Recife
Cecilia SalesI; Alessandra CastanhaII; Renata AléssioIII
IGerente. Serviço de Psicologia do Hospital Agamenon Magalhães. Recife. Estado de Pernambuco. Brasil
IIDocente. Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife. Estado de Pernambuco. Brasil
IIIDocente. Departamento de Psicologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Recife. Estado de Pernambuco. Brasil
RESUMO
O aleitamento materno (AM) é um tema de grande relevância social, especialmente, nas discussões no campo da saúde, por ser uma prática internacionalmente reconhecida como capaz de melhorar as condições de saúde materno-infantil. O presente trabalho tem como objetivo analisar as representações sociais do AM compartilhadas por mães adultas em um Distrito Sanitário da cidade do Recife. Para tanto, realizou-se um estudo qualitativo, do qual participaram 36 mães. Os dados foram produzidos por meio de entrevistas semiestruturadas e analisados através da análise de conteúdo. Os resultados obtidos indicam que as representações do AM se ancoram em concepções hegemônicas direcionadas às mulheres e à maternidade, como a dedicação e o sacrifício em prol dos filhos, bem como em elementos advindos do conhecimento científico referentes aos benefícios do AM para a saúde da criança. Algumas implicações para educação em saúde são apontadas, como a importância da compreensão e da discussão das possibilidades e limitações individuais e grupais em relação ao desenvolvimento do AM.
Palavras-chave: Psicologia; Amamentação; Maternidade; Representações Sociais.
ABSTRACT
Breastfeeding is a topic of great social importance, especially in the debates in the field of health, as it is internationally recognized as capable of improving maternal and children's health. This study aims to analyze the social representations of breastfeeding shared by adult mothers of a health district of the city of Recife. For this, a qualitative research was conducted with by 36 mothers. Data were collected through semi-structured interviews and analyzed by content analysis. The results indicate that the representations of breastfeeding are anchored in hegemonic conceptions aimed at women and motherhood, such as dedication and sacrifice for the benefit of the children, as well as elements derived from scientific knowledge regarding the benefits of breastfeeding for children's health. Some implications for health education are pointed out, such as the importance of understanding and discussing individual and group possibilities and limitations in relation to the development of breastfeeding.
Keywords: Psychology; Breastfeeding; Motherhood; Social representations.
RESUMEN
La lactancia materna (LM) es un tema de gran relevancia social, especialmente en los debates en el campo de la salud como una práctica internacionalmente reconocida como capaz de mejorar las condiciones de salud materno-infantiles. Este estudio objetiva analizar las representaciones sociales de LM compartidas por madres adultas en un distrito sanitario de la ciudad de Recife. Para esto fue realizada una investigación cualitativa, a la que asistieron 36 madres. Los datos fueron obtenidos a través de entrevistas semiestructuradas y analizados mediante el análisis de contenido.Los resultados indican que las representaciones de LM están ancladas en concepciones hegemónicas dirigidas a las mujeres y a la maternidad, como la dedicación y el sacrificio en favor de los hijos, así como en elementos que surgen del conocimiento científico referentes a los beneficios de la LM para la salud del niño. Se señalan algunas implicaciones a la educación en salud, como la importancia de la comprensión y discusión de las posibilidades y limitaciones individuales y grupales en relación al desarrollo de la LM, en vista de que la lactancia surge como vivencia compleja y modulada por actividades cotidianas de las mujeres.
Palabras claves: Psicología; Lactancia materna; Maternidad; Representaciones sociales.
Introdução
O aleitamento materno (AM) tem sofrido variações quanto a sua valorização ao longo da história. Transformações sociais e descobertas científicas influenciaram a vida das mulheres, possibilitando que ocupassem lugares anteriormente restritos aos homens, e levaram ao afastamento de algumas funções ditas maternas (Lima, Alcântera, Franco, & Leão, 2012). Neste contexto, a entrada da mulher no mercado de trabalho e a produção industrial de fórmulas lácteas são fenômenos que levaram à diminuição dos índices de AM (Caminha, 2009).
Até a década de 1970, não amamentar não representava um problema de saúde pública, os médicos prescreviam latas de leite nas maternidades. Contudo, nesta década foi descoberta a importância imunológica do leite materno e a amamentação passou a ser vista como uma solução prática e econômica para a desnutrição e a mortalidade infantil (Martins Filho, 2009). Iniciou-se uma verdadeira luta em prol do AM, o que demonstra que o AM vem ganhando diferentes contornos ao longo da história, não deixando dúvidas de que se trata de um fenômeno construído socialmente, embora isso não exclua suas bases biológicas (Amorim, 2008).
O Ministério da Saúde (MS), indica o aleitamento materno até os dois anos de idade da criança ou mais (Brasil, 2009). Embora grande parte da população tenha informações sobre os benefícios do leite materno, os índices de AM ainda estão aquém das metas desejadas pelas políticas públicas. Observa-se uma discrepância entre o reconhecimento da importância da amamentação e a concretização dessa prática (Caminha, Serva, Arruda, & Batista Filho, 2010).
Como um entrave para o aumento das taxas de AM destaca-se o foco unilateral e biologicamente embasado que predomina nas discussões sobre o tema, reforçando a amamentação como uma prática instintiva da mulher, baseando-se em premissas do tipo: naturalmente toda mulher deve ser mãe e amamentar, como se essa prática se desse através de uma lógica simples e linear (Caminha et al., 2010). É comum o direcionamento de fortes expectativas em relação ao AM, principalmente por parte dos profissionais da saúde cuja atuação deveria estar voltada para o acolhimento das mulheres e apoio em suas decisões em relação ao AM (Monteiro, Gomes, & Nakano, 2006). Se o AM é tido como uma regra universal, as mulheres que não conseguem e/ou não desejam amamentar passam a ser enquadradas em categorias fora da normalidade (Badinter, 2011). Assim, muitas mulheres silenciam suas dificuldades, pois sabe-se que o julgamento que elas, comumente recebem é a culpabilização pelo "comprometimento" da saúde dos filhos (Rocha, Leal, & Maroco, 2007). Teixeira e Ribeiro (2014, p. 60) mostram que experiência da amamentação é vista como maravilhosa e agradável devido aos benefícios psicológicos e biológicos do leite materno para a Saúde da Criança, mas, também, como uma experiência complicada permeada por dificuldades que podem ser evitadas, a exemplo, das fissuras, dor e rachaduras nas mamas.
O apoio psicológico é fundamental, uma vez que a culpabilização materna pode atrapalhar ainda mais a consolidação da amamentação causando sofrimento, o que desfavorece o envolvimento emocional da dupla mãe-criança (Utrilla, Ceruelo, & Marcos, 2010). Outro ponto de grande relevância é a compreensão do contexto e dos fatores sociais que influenciam o AM, o que aponta para a necessidade de uma abordagem interdisciplinar (Campos et al., 2011). A promoção, a proteção e o apoio ao AM provavelmente será mais eficaz quando forem direcionados, prioritariamente, às crianças, às mulheres e às famílias, o que implica a priorização dos sujeitos em relação à prática. Assim, destaca-se a importância de conhecer as perspectivas das mulheres, suas possibilidades e dificuldades em relação ao AM.
A presente pesquisa aborda o AM à luz da Teoria das Representações Sociais, cujo fator inovador foi valorizar no cenário científico, o conhecimento das pessoas comuns. Além de contribuírem para construção de realidades sociais compartilhadas, as representações sociais (RS) atuam na orientação das condutas adotadas frente ao mundo e garantem a comunicação, agilizando tomadas de posição diante de determinados objetos (Moscovici, 1961/2012).
As RS são formadas para facilitar a comunicação e a interação sociais, esse processo ocorre através de dois mecanismos baseados na memória social e nas conclusões passadas do grupo, a ancoragem e a objetivação, e é através deles que os objetos ganham concretude na realidade social (Moscovici, 2000/2009). A ancoragem pode ser entendida como uma produção de sentido enraizada na cultura. Através desse processo, para cada objeto novo vão sendo criados espaços para que ele se instaure sem gerar muito desconforto para o grupo, aos poucos o novo vai sendo atrelado às categorias preexistentes. Por sua vez a objetivação dá concretude aos objetos, transformando o novo em uma imagem significativa, as informações ou fragmentos de informações que circundam o novo objeto são reformulados pelo grupo, apoiando-se em concepções já conhecidas (Trindade, Santos, & Almeida, 2011). Objetivar é tornar a palavra palpável, se antes ela não tinha explicação, passa a fazer parte da realidade do grupo (Moscovici, 2000/2009).
As RS permitem abordar a pessoa em sua experiência singular, que é ao mesmo tempo individual e social, colocando em evidência o campo de relações que estrutura seus pensamentos e ações. Segundo Jodelet (2005, p. 23), o fenômeno da experiência é um conceito chave para a compreensão em "um exame mais circunscrito, circunstanciado e cuidadoso dos processos de produção de representações e de sua eficácia concreta no campo social". As formas de elaboração da experiência estão diretamente relacionadas aos saberes preexistentes, partilhados e percebidos pelos grupos sociais remetendo à importância das RS. Ao mesmo tempo que está calcado no compartilhamento, esse conjunto de saberes pode servir de base para imaginação de relações com objetos não familiares, deixando assim espaço para o novo.
Para a autora, a experiência é composta por uma dimensão de conhecimento e outra da ordem do experimentado e vivido. Essas dimensões estão imbricadas na experiência vivida que é o modo pelo "qual as pessoas sentem uma situação, em seu foro íntimo e no modo como elas elaboram, através do trabalho psíquico e cognitivo, as ressonâncias positivas e negativas dessas situações e das relações e ações que elas desenvolvem naquelas situações" (Jodelet, 2005, p. 29).
Neste artigo, buscou-se observar essas ressonâncias no fenômeno da amamentação, questionando quais são os elementos da RS do AM mobilizados para dar sentido a experiência de amamentar. O objetivo deste estudo foi analisar as RS do AM para mulheres que são mães em um Distrito Sanitário da cidade do Recife, Pernambuco. Entende-se que o conhecimento das RS pode colaborar com o campo da saúde possibilitando a elaboração de novas bases de cuidado (Oliveira, 2011). Assim, almeja-se provocar tensionamentos na discussão acerca do tema, enfatizando a importância do encontro e, principalmente, das trocas de saberes para construção de estratégias de apoio mais adequadas às necessidades das mulheres.
Método
Participantes
Participaram da pesquisa 36 mães, adultas, com filhos com idade até 2 anos (período indicado pelo Mistério da Saúde para a prática do AM), assistidas por seis Unidades Básicas de Saúde (UBS) de um Distrito Sanitário da cidade do Recife, PE. As coletas foram realizadas no período de maio a julho de 2013. O número de participantes não foi delimitado previamente, uma vez que foi utilizado o critério de saturação (Minayo, 2017), assim a realização das entrevistas foi interrompida no momento em que as falas das entrevistadas começaram a apresentar repetições indicando certa uniformidade. A Tabela ilustra as características socioeconômicas das participantes deste estudo.
Instrumentos de coleta
Foi utilizado um questionário socioeconômico a fim de caracterizar as participantes da pesquisa e uma entrevista semiestruturada iniciada por uma questão bastante abrangente, a saber: Se você fosse falar sobre a amamentação para uma pessoa como eu que nunca amamentou, o que você diria? Tal questão foi elaborada no intuito de deixar as participantes falarem livremente, mostrando que o interesse da pesquisadora era direcionado ao saber que elas possuíam. Posteriormente foram realizadas questões abordando: a experiência da amamentação; as orientações recebidas sobre o assunto; as dificuldades enfrentadas; a percepção da amamentação praticada pelas mulheres da comunidade; os fatores que favorecem o aleitamento materno; a participação do pai da criança; e as expectativas em relação a prática do aleitamento materno.
Procedimentos de coleta de dados
Após a aprovação da pesquisa pelo Comitê de Ética (sob protocolo n° 257.947), as entrevistas foram realizadas nas UBS em sala reservada visando minimizar interferências. As participantes foram abordadas antes das consultas de puericultura sendo informadas acerca dos objetivos da pesquisa e aquelas que concordaram em participar assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), todas as entrevistas foram gravadas com a devida permissão das participantes.
Análise dos dados
Todas as entrevistas foram literalmente transcritas e submetidas à Análise de Conteúdo (Bardin, 1977/2009) a organização da análise dos dados se deu a partir três etapas: a pré-análise; a exploração do material e o tratamento dos resultados; e a inferência e a interpretação. Assim, inicialmente foi organizada a preparação do material que posteriormente foi analisado. Em seguida foram realizadas leituras flutuantes, feitas de uma forma mais livre permitindo que as pesquisadoras fossem tocadas pelo discurso das participantes e criassem impressões acerca dos temas mais relevantes. Em seguida foram elaboradas as codificações a partir dos objetivos da pesquisa, ou seja, foram codificados temas que possibilitassem a compreensão das RS do AM. Em seguida, foram organizadas as classes temáticas e categorias, ou seja, os temas análogos foram agrupados e analisados, quando então, chegou-se as inferências. A análise temática de conteúdo demanda estreita relação com a teoria utilizada para construção do objeto de pesquisa, neste sentido, a etapa de interpretação das classes temáticas e categorias buscou reconstituir as RS do aleitamento em suas relações com as experiências das mulheres.
Resultados e discussão
A partir das falas das mães foram observados elementos que remetem ao modo como o AM é compreendido, considerando um sistema que envolve a experiência de cada mulher bem como a negociação das expectativas e valores públicos e privados que ajudam a dar contornos ao vivido. Foram identificadas categorias temáticas cujos conteúdos representacionais concorrem para a construção de significados da experiência de amamentar. Conforme Jodelet (2005), as ressonâncias positivas e negativas das situações, relações e ações vividas são um produto de elaboração psíquica e cognitiva. Essas categorias se organizam em função das ressonâncias positivas (aspectos positivos da amamentação) e negativas (dificuldades vividas para amamentar). Na primeira são discutidas as representações de boa mãe e do leite materno como vacina e laço entre a mãe e o bebê, na segunda são abordadas dificuldades para amamentar relacionadas à dor e as dificuldades de conciliar o AM como outras atividades como o trabalho e o pudor.
Classe Temática: Aspectos positivos da amamentação
Categoria: Aleitamento materno: um certificado de boa mãe
Ao longo da história é possível constatar a imbricação entre a maternidade e o AM (Badinter 1985; 2011). O que também foi observado nas falas das participantes:
[...] eu acho que é a realização. Não é só você ter o filho, é a espera, né? É longa, por mais dificuldade que você tenha é a realização de ser mãe. E, também, saber que você... que aquele bebê depende de você, depende muito de você, já nasce com aquela... depende do peito. Então eu acho que é pra se completar nessa realização de ser mãe... (Gilda).
Tem gente que acha ruim, né? Quando a criança chora de madrugada e vai dar de mamar, né? Eu fico alegre que eu me levanto, dou de mamar a ela, às vezes, boto ela deitada [...] porque é a saúde da criança (Manoela).
Pra mim, não amamentar é um ato de irresponsabilidade, porque você vai ter um filho, ele vai precisar daquilo que é o leite materno, ele vai precisar e se você não querer dar? E tipo leite materno pra mim é tipo você tá dando vida pro seu filho, se você não quer dar vida pro seu filho então, por que você tem filho? (Patrícia).
Observa-se a concepção de que a mulher se realiza enquanto mãe através do AM, visão ancorada nas normas social e historicamente impostas à mulher, que coloca o AM como um ato de responsabilidade e de amor às crianças. Desta maneira, a prática da amamentação dá sustentação à identidade materna, logo, "amamentar é ser mãe". O fato de ser capaz de amamentar, superando todas as dificuldades, é algo que proporciona alegria, felicidade e satisfação.
A literatura aponta evidências de que a RS da mulher se ancora, prioritariamente, no discurso tradicional relacionado à função materna (Santos, Novelino, & Nascimento, 2001). Por sua vez, a RS do AM ancora-se em elementos que definem uma boa mãe e é objetivado como algo belo e motivo de orgulho. É comum que as mães expressarem sentimentos positivos em relação ao AM, pois isto demonstra uma adequação ao "mito do amor materno" (Moreira, Nascimento & Paiva, 2013).
As participantes deste estudo representam o AM como uma prova de amor para os filhos, um certificado de boa mãe conferido àquelas que atendem aos parâmetros impostos pelas regras sociais. Em contrapartida, não querer amamentar é julgado como um ato de irresponsabilidade e falta de amor, capaz de desqualificar a mulher enquanto mãe. Assim, não praticar o AM pode desencadear conflitos em decorrência do distanciamento da maternidade idealizada.
O AM envolve aspectos científicos, RS e experiências subjetivas, sendo o equilíbrio entre essas diferentes lógicas que irá fabricar as representações do AM, direcionando as opiniões e atitudes das mulheres (Jodelet, 1987). Assim, se amamentar é algo que faz algumas mulheres se sentirem mães, essa prática pode ser compreendida como algo que diz do lugar que as mulheres ocupam em suas realidades sociais, ou seja, do modo como elas se percebem e são percebidas por seus pares.
Categoria: Aleitamento materno: uma vacina natural
O reconhecimento da importância do AM para a saúde das crianças foi uma das principais causas de atribuição de valor a essa prática. As entrevistadas representaram a amamentação como uma garantia para o desenvolvimento saudável da criança, uma verdadeira vacina natural. Essa representação aparece ancorada no discurso médico sanitarista que ressalta o alto poder imunológico do leite materno. Com isto, algumas mães que interromperam o AM precocemente referiram o sentimento de culpa, principalmente quando seus filhos ficaram doentes.
Mas, é por conta desse fato da imunidade, de não adoecer, e realmente é verdade, eu parei com 4 meses essa, aí tou vendo e a outra eu parei com 3 anos e ela não era doentinha, não vivia doentinha (Natália).
É porque assim, eu fico com medo né, porque eu já perdi já um menino já, aí fico com medo. Aí eu botei na cabeça já, que eu não dei de mamar e meu menino morreu por displicência minha, porque eu não cuidei em dar de mamar, amamentar até os 6 meses. Aí eu botei, eu fiquei com medo de eu parar e ela ficar doente, eu ficar internada (Carla).
As RS do AM também estão enraizadas no saber construído pela ciência. Porém, durante o processo de objetivação ocorre um ajustamento das informações, e o fator proteção à saúde da criança parece ganhar maior ênfase uma vez que ajuda as mulheres a entenderem e explicarem porque o AM é tão importante. Essa proeminência da proteção imunológica não surge desprovida de fundamentos científicos; pois não por acaso, foi principalmente a proteção contra enfermidades que fez com que os profissionais da saúde passassem a defender e promover o AM (Martins Filho, 2009). O que é ressaltado pelas mães corresponde ao que é realçado pelos profissionais da saúde, assim o papel da mãe como garantidora da saúde das crianças e da família é reforçado.
O saber científico não é aceito de modo passivo, ele é testado, e encontra comprovação através das experiências das mães ao observarem diferenças positivas com relação à saúde das crianças que receberam o leite materno. No caso da fala de Carla, essa compreensão faz com que ela se sinta culpada pela morte de um de seus filhos e amamente o outro por medo de que tal situação se repita. Casos como esse são merecedores de atenção, pois embora a amamentação esteja sendo desenvolvida, os aspectos emocionais da mulher merecem ser cuidadosamente avaliados.
Os resultados desta pesquisa corroboram a literatura ao apontar que mães demonstraram conhecer as recomendações da saúde no que se refere ao AM, o que por si só não determina a amamentação (Araújo et al., 2008; Campos et al., 2011; Polido, Mello, Parada, Carvalhaes, & Pamplona, 2011). As pessoas não reagem à informação por excesso de exposição, mas pela ligação que elas estabelecem com as suas representações preexistentes (Moscovici, 1986). Logo, pouco pode adiantar as mulheres conhecerem quais são os benefícios do AM mencionados pelo discurso médico e reforçados pelas políticas, se tais informações não fazem sentido para seu grupo de pertença e se estas informações aparecem apartadas das práticas vivenciadas.
A comunicação só é possível quando há engajamento, quando valores e crenças são compartilhados (Moscovici, 1994). Assim, destaca-se a importância de uma aproximação legítima entre profissionais e mulheres, que não leve em conta apenas os argumentos da contribuição da amamentação para saúde materna-infantil. Mas que seja calcada na compreensão das crenças, emoções, valores e práticas de saúde que atravessam a experiência de cada mulher.
Categoria: O aleitamento materno: um laço entre mãe e filho
O AM também foi referido como um momento de trocas de olhares e carinhos entre a mãe e o bebê, sendo representado enquanto um laço afetivo entre a mãe o filho. As mães destacaram a importância do AM, descrevendo-o como um momento de prazer e admiração da beleza desse ato que retrata o tão valorado amor materno.
É essa ligação, a amamentação ela transforma, ela faz uma ligação entre o filho e a mãe um laço muito grande, é um conhecimento eu acho que muito além, a mãe que não amamenta o filho não tem esse laço com a mãe (Vitória).
Pra mim posso dizer que foi bom, foi bom pra mim acho que aquele tempo que ela tá no seu peito cara a cara com você ela olha pra você, você olha pra ela dali que é o amor né que ela sente diz: essa é minha mãe ela tá sempre aqui olhando pra minha cara, né? (Natália).
A dor e a alegria, né? É tão lindo aquela mãozinha passando, assim em você, chega dá vontade de chorar. Ela ficava assim, alisando e desde que ela nasceu ela tem o hábito de olhar fixo pra mim, ela olha muito fixo pra mim desde que ela nasceu, desde a primeira vez que a doutora colocou ela assim em cima de mim, ela ficou olhando fixo pra mim e é muito lindo (Amanda).
São identificados na literatura relatos de mães que descrevem o AM como algo que desperta um sentimento de ligação com a criança fazendo com que se sentam mais seguras (Carrascoza, Possobon, Costa-Junior, & Moraes, 2011). Assim, o AM é uma prática que ultrapassa o valor nutricional do alimento em si e que nutre a mãe e a criança de significados (Sales et al., 2004). Entende-se que esta concepção reflete a influência do conhecimento produzido pela psicologia, mais especificamente, pela psicanálise, no que se refere ao estabelecimento da relação precoce entre mãe e a criança (Jodelet, 1987).
Desta forma, destaca-se o valor da experiência, do que a mãe e o bebê estão sentindo naquele momento e do ambiente propício para que as mulheres amamentem (Winnicott, 2012). A troca de olhares enfaticamente destacada pelas mães, embora tenha sido expressada de uma forma tão natural que parece distante de um debate científico, é um tema caro às discussões da saúde mental infantil, especialmente no que se refere à prevenção de patologias graves (Cullere-Crespin, 2004). Embora a maioria das entrevistadas, certamente, não conheça as teorias psicanalíticas, é notória a forte influência desses conhecimentos na sociedade ocidental, assim direta ou indiretamente as pessoas acabam sendo afetadas por esses saberes que de certa forma norteiam as percepções sobre o desenvolvimento infantil e as relações parentais.
Os conteúdos representacionais relacionados aos aspectos positivos da amamentação que foram evidenciados nessa classe parecem ancorados em saberes científicos sobre os benefícios do AM para saúde da criança e para a consolidação do vínculo mãe-bebê e nas concepções socialmente partilhadas acerca do que é uma boa mãe. A segunda classe temática que se refere às ressonâncias negativas da experiência da mulher apresenta conteúdos menos abordados nas campanhas em prol do AM. São elementos que apontam para os possíveis obstáculos que se revelam na singularidade da prática e questionam a imagem romantizada do AM (Kalil, & Aguiar, 2017).
Classe temática: Dificuldades na amamentação
Categoria: Entre a dor e o desejo de amamentar.
A dor ao amamentar foi uma das dificuldades referidas pelas participantes, especialmente, no início da lactação. Esse problema foi frequentemente relacionado à anatomia dos seios, por conta de mamilos invertidos ou planos e questões decorrentes de ferimentos nos seios. Tais fatores dificultavam a pega da criança e provocavam fortes dores.
Quando eu cheguei em casa, o peito ficou ferido, aí foi pior, porque doía eu ficava com medo de botar ela, porque sangrava. Mas tinha que botar, porque senão diz que pedra, né? O leite dentro (Laura).
Assim, logo no começo eu tive dificuldade, porque eu não tinha o mamilo pronto para a amamentação e uma vez chegou a sangrar, aí só pensar em mamar... Era ela chorando com fome e eu chorando pensando na dor, doía muito! (Amanda).
O início da lactação emergiu como algo difícil, que provocava medo e angústia, além de muita dor, fatores que muitas vezes levaram à introdução de outros alimentos ou mesmo à interrupção do AM. Esses dados corroboram a literatura que aponta problemas como mamilos planos e fissuras mamilares como fatores que dificultam o AM e indica que quando as dores são prolongadas durante as mamadas é comum a interrupção do AM (Araújo et al., 2008; Jungues et al., 2010).
Diante de tais questões, o MS apresenta recomendações sistematizadas para que as equipes de saúde lidem com esses e outros problemas que dificultam o AM (Brasil, 2009). Embora tais dificuldades sejam conhecidas pelos especialistas, o discurso que circula através das campanhas publicitárias em prol do AM, ainda transmite uma visão romântica do AM, enquanto um momento de plena harmonia e beleza, o que nem sempre é compatível com a realidade das mães. Estes problemas circulam como sendo inerentes ao ato de amamentar, especialmente as fissuras mamilares. Kalil e Costa (2012, p. 1373) afirma que no discurso dominante ou central, a amamentação é um ato natural, uma tarefa orgânica que faz parte da natureza feminina. Nele raramente são mencionados os problemas pelos quais muitas mulheres passam ao longo desse processo, tanto no âmbito do manejo propriamente dito (fissuras, mastite etc.), quanto em suas relações sociais (com o marido, com outros filhos, com o empregador e colegas de trabalho, por exemplo).
Assim, diante da experiência da maternidade as mulheres se deparam uma realidade desconhecida e embora tenham conhecimento dos benefícios do AM, a maneira que encontram para enfrentar os problemas vividos nem sempre é compatível o seu desenvolvimento. Desta forma, destaca-se a importância de que além das vantagens do AM suas possíveis dificuldades sejam divulgadas e discutidas a fim de serem conhecidas e superadas.
Categoria: Aleitamento materno e o trabalho doméstico
A maternidade e o trabalho doméstico são atividades culturalmente conferidas às mulheres, de modo que atender a tais atribuições coaduna com a manutenção dos papéis de gêneros vigentes. Desde bem pequenas, as mulheres aprendem como ocupar o trono de "rainha do lar", título que, segundo Badinter (1985; 2011), é cheio de atribuições, tais como: a dedicação extrema à família, a amamentação e o constante cuidado dos filhos. Essa dedicação constante às crianças é demonstrada nas falas das entrevistadas, como pode ser observado nos recortes a seguir:
É toda hora, todo tempo essa menina. Tá entendendo? É só ela, só ela, só ela, só ela... É boa a sensação, de vez em quando é chato né?! Porque toda hora a criança quer tá no peito. Vai fazer o quê, né? Ela quer, ela gosta (Gláucia).
Mudou o dia a dia, é ele quase o dia todo, é dedicação exclusiva, aí tudo fica pra depois, pra amanhã... A dificuldade era acordar de madrugada, porque a gente já passa o dia todo acordada, né? Aí quando vai dormir, quando engata no sono é hora de acordar pra dar peito. A gente fica durante o dia feito zumbi (Vera).
É possível identificar elementos que indicam o quanto é custoso desempenhar o papel de mãe nutriz, quando ao mesmo tempo a mulher assume a função de única responsável pelo cuidado do lar. No período do AM, a demanda constante da criança somada às inúmeras atividades relacionadas ao cuidado da casa e da família muitas vezes acaba limitando a mulher ao espaço doméstico. Além disso, as entrevistadas relataram priorizar os cuidados da criança em detrimento de outras funções, inclusive suas necessidades básicas, como a alimentação. Tal atitude é justificada pelo reconhecimento do AM como dever materno, logo, uma prioridade algo que deve ser realizado a qualquer custo. Nesse contexto de conflitos e privações, a ambiguidade torna-se a principal característica do AM. Este objeto passa a ser compreendido como algo bom porque traz benefícios a saúde da criança, mas, por outro lado, leva ao desgaste físico e psíquico da mulher.
O cuidado da criança se configura enquanto uma tarefa que demanda muito das mulheres, porém, além dessa atribuição, o trabalho doméstico normalmente é conciliado com o AM e os demais cuidados direcionados à família, ou seja, existe uma sobreposição de funções, que estende a jornada de trabalho feminina. As dificuldades aumentam por ser uma atividade que se estende durante a noite a depender da demanda da criança. Logo, ser mulher, mãe e nutriz, por vezes, parece superar o que é concebível para pessoas comuns.
A priorização do AM ancora-se em elementos que definem como função materna o sacrifício em prol dos filhos, assim o não cumprimento de tal função, entra em choque com as representações da "mulher-mãe idealizada" desencadeando críticas e, por vezes, sentimento de culpa e frustração. Assim, a tentativa de atender concomitantemente aos papéis de mãe e dona de casa pode acabar afetando a qualidade de vida dessas mulheres, como pôde ser observado nas entrevistas deste estudo.
É importante lembrar que tanto o papel de mãe quanto o de dona de casa são socialmente percebidos como essencialmente femininos, assim, estando dentro da esfera da "normalidade" pouco se questionam suas causas e consequências. No entanto, a sobrecarga de trabalho da mulher, faz com que o AM seja caracterizado como algo desgastante e gerador de desconforto emocional (Fujimori, Nakamura, Gomes, Jesus, & Rezende, 2010). Além disso, na literatura são encontradas evidências que apontam a existência de uma relação entre o excesso de atividades domésticas e o surgimento de problemas relacionados à saúde mental das mulheres, uma vez que estas atividades estão atreladas a uma falta de reconhecimento e sua importância para o bem-estar da família e ao mesmo tempo a um excesso de cobranças (Pinho, & Araújo, 2012).
Principalmente no início do puerpério, o cansaço e o estresse podem ser ainda maiores pela dificuldade de adaptação das mulheres à rotina do bebê o que demanda significativas mudanças no seu padrão de sono. Nesse período, as mulheres devem ser orientadas sobre a importância do descanso e da participação de outras pessoas no compartilhamento das tarefas (Abrão, Coca, & Abuchaim, 2015). Logo, a redução das demandas direcionadas às mulheres no puerpério, bem como o debate de gênero no contexto familiar podem fazer parte das propostas de educação em saúde, uma vez que são discussões que podem contribuir para o desenvolvimento do AM.
Categoria: O Aleitamento Materno e o Trabalho Remunerado
Muitas mulheres necessitam conciliar o AM com trabalho fora do lar, além disso, os trabalhos remunerados não têm implicado em uma substituição pelos trabalhos domésticos e familiares, pois a lógica social que vincula a figura da mulher a tais atividades ainda é predominante (Schmidt, 2012). Com a soma de atribuições, o trabalho remunerado emerge nas falas das entrevistadas como algo que impede ou limita o desenvolvimento do AM.
Rapaz, ele começou a comer... bem. Desde 2 meses eu introduzo, assim, um leitinho, uma papinha. Até porque eu trabalho, né? Ele precisava se adaptar. Apesar dele não aceitar muito bem, porque ele só queria mamar (Cristina).
As minhas filhas foi assim, porque eu trabalhava fazendo biscate, aí eu num tinha tempo de ter um tempinho pra dar de mamar por causa do trabalho (Carla).
Para as mães que trabalhavam ou pretendiam exercer funções fora do lar, a introdução de outros alimentos na dieta da criança se deu logo nos primeiros meses, com a justificativa de que as crianças precisavam se acostumar com outros alimentos. As dificuldades do desenvolvimento do AM pelas trabalhadoras podem ser associadas ao fato de muitas mulheres se inserirem no mercado de trabalho desassistidas de direitos essenciais como a licença-maternidade, o que dificulta ou mesmo impede o prolongamento do AM até o período recomendado (Demétrio, Pinto, & Assis, 2012).
O trabalho materno é frequentemente reconhecido como um fator impeditivo da continuidade do AM durante o período de retorno às atividades laborais (Baptista, Andrade, & Giolo, 2009; Brecailo, Corso, Almeida, & Schmitz, 2010; Rocha, Garbin, Garbin, & Moimaz, 2010; Salustiano, Diniz, Abdallah, & Pinto, 2012). Situação ainda mais difícil quando se trata de mulheres pobres em função do tipo de trabalho desenvolvido, pois muitas não possuem carteira assinada, o que as impede de usufruírem de direitos que colaboram com o desenvolvimento do AM (Araújo et al., 2008).
Essas dificuldades apontam para a complexidade do fenômeno estudado, que envolve, por exemplo, a perspectiva das mulheres e familiares, questões socioeconômicas, questões de gênero, as condições de trabalho das mulheres e companheiros e seus direitos. Tais questões interferem diretamente na duração do AM, no entanto, não são devidamente abordadas nos materiais informativos sobre AM no Brasil, cujo o foco tem se mantido no fornecimento de informações sobre os benéficos do AM (Kalil, & Aguiar, 2017).
Como pôde ser observado neste estudo, embora as mulheres tenham informações sobre o AM e o representem de forma compatível com o que é almejado pelo campo da saúde, ou seja, como algo de grande relevância para a saúde das crianças, muitas vezes se sentem impossibilitadas de praticá-lo, principalmente de maneira exclusiva até os seis meses de idade da criança devido às dificuldades reais que atravessam essa prática.
Categoria: Aleitamento Materno e Pudor
Praticar o AM é uma decisão que envolve preocupações referentes ao corpo, para algumas mulheres exibir os seios durante o AM era motivo de vergonha, pois são culturalmente sensualizados, e, portanto, amamentar em público gerava certo desconforto:
Num foi uma questão que eu decidi, o meu bebê ele não procurava o peito, e eu também não fazia questão de dar, porque eu tinha vergonha de tirar o seio na rua. Aí eu não fazia questão de dar, aí ao invés de dar o peito eu dava o suco, essas coisas assim, chá, o próprio leite (Nayana).
E eu sou índia pra ficar colocando o peito de fora? [...] Ah, é horrível, e eu sou tímida, só gosto de tá assim em casa, aí boto um paninho, aí ele puxa (Vera).
Os sentimentos de vergonha e estranhamento perpassam a experiência das mulheres. A fala de Vera indica um conflito com as normas culturais, pois entende que mostrar os seios é comum para outra cultura, não para a sua. Neste momento da vida das mulheres, o pudor é relativizado devido à condição de mãe. No entanto, as críticas e julgamentos morais direcionados as mulheres que amamentam em público ainda estão presentes, principalmente, em países com os Estados Unidos e o Brasil onde há forte sexualização dos seios femininos (Kalil, & Aguiar, 2017).
Já em 1987, Jodelet coloca que o seio feminino pertence a uma rede que inclui uma tripla normatividade. A princípio, ele está relacionado ao pecado de expor a carne; por outro lado, ele é foco da ostentação erótica, e, por fim, está atrelado ao dever materno. Assim, a mulher é inserida numa malha de questões ambíguas que envolve o ser mãe, figura santificada, e, ao mesmo tempo, expor o corpo, o que pode ser visto como uma postura associada ao pecado, ao erótico (Jodelet, 1987).
Na sociedade ocidental, ser mãe é assumir o papel de uma figura santificada, diante do qual priorizar o corpo, e mais precisamente o corpo erótico, não é uma postura avaliada positivamente. Assim, foi observado que as falas das entrevistadas apresentaram coerência com tal modelo. No entanto, deve ser enfatizado que os conflitos não se encerram quando a mulher atende às exigências sociais do papel de mãe, pois na atualidade o culto ao corpo e a busca pela manutenção da juventude assumem um caráter normativo.
As questões relacionadas à estética e a sexualidade feminina correspondam a um fator relevante quanto à decisão das mulheres de amamentar ou não, porém o debate acerca desse tema, tanto na assistência em saúde quanto na literatura ainda é escasso (Ferreira, & Souza, 2015; Junges et al., 2010; Kalil, & Aguiar, 2017). Alguns profissionais da saúde mesmo reconhecendo que a sexualidade faz parte da vida, acabam não abordando esse tema em suas práticas ou abordam de forma limitada e prescritiva, focando sua atuação no cuidado ao corpo da mulher para que esta seja capaz de amamentar (Florencio, Sand, Cabral, Colomé, & Girardon-Perlini, 2012). Observações como essas indicam o quanto a atenção dada às mulheres no período da amamentação tende a ser fundamentada no modelo idealizado de mãe, negligenciando o fato de que, além da maternidade, essas mulheres possuem outras funções, demandas e desejos, algumas vezes incompatíveis com o que é socialmente esperado.
Considerações finais
As RS do AM mostram-se ancoradas em concepções hegemônicas sobre as mulheres e a maternidade, como a dedicação e o sacrifício em prol dos filhos, bem como em elementos destacados pela ciência como aos benefícios do AM para a saúde da criança e para a relação mãe-bebê. Diante de questões de diferentes esferas como a econômica, social e psíquica, suas experiências mostram que o estabelecimento da amamentação envolve mais do que reconhecer a importância do AM. A carga de trabalho doméstico e fora do lar, as preocupações com o pudor, os problemas físicos e psicológicos ligados ao manejo do AM são situações vividas que pouco aparecem na esfera pública pois são mascaradas por um discurso romantizado acerca da maternidade.
Desta forma, compreende-se que os profissionais da saúde podem atingir resultados mais satisfatórios em relação ao desenvolvimento do AM a partir da inclusão do debate acerca das dificuldades individuais e grupais que atravessam essa prática, buscando junto as mulheres elaborar estratégias de prevenção e enfrentamento destas dificuldades. Cabe apontar como limitações desse estudo, a ausência: de escuta de outros atores implicados no AM como o companheiro e outras pessoas que dão suporte à mulher; de discussão das dimensões ligadas à sexualidade e ao corpo feminino e de considerações sobre as idades das crianças amamentadas. São elementos de pistas futuras de estudos a desenvolver.
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Cecilia Sales
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Alessandra Castanha
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Renata Aléssio
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Submetido em: 21/10/2015
Revisto em: 15/09/2017
Aceito em: 25/09/2017