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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.69 no.2 Rio de Janeiro  2017

 

ARTIGOS

 

Similaridades entre o Walden de Thoreau e o de Skinner

 

Similarities between Thoreau and Skinner's Walden

 

Similaridades entre el Walden de Thoreau y el de Skinner

 

 

Waldir Monteiro SampaioI; Paulo Roberto dos Santos FerreiraII

IPsicólogo. Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Dourados. Estado do Mato Grosso do Sul. Brasil
IIDocente. Programa de Pós-Graduação em Psicologia. Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Dourados. Estado do Mato Grosso do Sul. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

Uma importante contribuição da Análise do Comportamento consiste na sua proposta de planejamento e interpretação da cultura. Skinner apresenta uma proposição de planejamento cultural com a utopia, Walden Two. O autor afirma que existem proximidades entre algumas ideias apresentadas em Walden Two e no Walden, de Henry David Thoreau. No entanto, essa suposta semelhança permanece pouco explicada por Skinner, o que sugere a produtividade de uma investigação que tenha como objetivo identificar sistematicamente o seu alcance. A esse respeito, foi produtivo buscar a identificação de aspectos considerados importantes em uma proposta do mesmo gênero, possivelmente subsidiando uma apreensão mais aprofundada da sua perspectiva. Apresenta-se uma discussão que busca compreender melhor a relação entre o pensamento utópico dos autores.

Palavras-chave: Utopia; Comportamentalismo Radical; Economia; Governo; Sociedade.


ABSTRACT

An important contribution of Behavior Analysis is the proposal of designing and interpreting culture. Skinner presents a proposal of cultural planning in the utopia: Walden Two. B. F. Skinner states that there are some related ideas in Walden Two and in Walden by Henry David Thoreau. However, this alleged similarity remains poorly explained, which suggests a production of an investigation that aimed to identify these statements. In this regard, it was productive to search and identify aspects considered important in a proposal of the same genre, possibly subsidizing a deeper apprehension of its perspective. We present a discussion that aims better understand about the relationship between the utopian thinking of both authors.

Keywords: Utopian; Radical Behaviorism; Economy; Government; Society.


RESUMEN

Una contribución importante del Análisis del Comportamiento es su propuesta para el planeamiento e interpretación de la cultura. Skinner presenta una propuesta de planeamiento cultural con la utopía Walden Two. El autor afirma que existen proximidades entre algunas ideas presentadas en Walden Two y el pensamiento del escritor Henry David Thoreau en Walden. Sin embargo, estas supuestas semejanzas permanecen poco explicadas, lo que sugiere la necesidad de una investigación que tenga por objeto identificar sistemáticamente dichas similitudes y su alcance. En este sentido, fue productivo buscar la identificación de aspectos considerados importantes en una propuesta del mismo género, posiblemente subsidiando una aprehensión más profunda de su perspectiva. Se presenta una discusión que busca entender mejor la relación entre el pensamiento utópico de los autores.

Palabras clave: Utopía; Conductismo Radical; Economía; Gobierno; Sociedad.


 

 

O planejamento cultural e a interpretação das culturas têm recebido atenção especial de estudiosos da Análise do Comportamento (por exemplo, Grant, 2011; Holland, 1978; Place, 1997; Skinner, 1986; Todorov, & Moreira, 2004). Esses temas estão relacionados com a aplicação do modelo de seleção pelas consequências aos fenômenos culturais (Skinner, 1981), mas representam também as aplicações da interpretação comportamental apresentada por Skinner ao tratar da sua proposta de organização da sociedade (Skinner, 1948/2005; 1971/1976)i. De fato, parte da produção na área concentra-se em questões teóricas e empíricas acerca de fenômenos econômicos, políticos e de organização social. Segundo Place (1997, p. 650-651), isso apenas se tornou possível após as publicações de duas obras de Skinner: a utopia Walden Two (1948/2005) e Science and Human Behavior (1953/1965).

Walden Two tem servido de fonte para análises comportamentalistas radicais que investiguem aspectos da organização social da própria utopia ou que a usem como modelo skinneriano para uma comparação com o modelo atual, com implicações importantes para uma análise das gestões econômicas e políticas (por exemplo, Dittrich, 2004; Melo, 2008; Olarte Rodriguez, 2005; Wolpert, 2005). Um exemplo do papel que Wanden II desempenhou no pensamento subsequente é o de Ardila (2008) que, inspirado pela obra de Skinner, escreveu Walden III (Ardila, 1979) enfatizando o papel das crianças, família, trabalho, reforma do calendário, educação, sexualidade, envelhecimento e velhice, o exército, a função da ciência na sociedade, religião, ecologia e política internacional. Ardila (2004) apresenta como objetivo comparar os três Walden. Infelizmente, o autor não consegue alcançar o objetivo proposto de forma clara e produtiva, uma vez que sua preocupação no texto é outra, a se considerar que em sua maior parte ocupa-se de sua própria obra, além de apresentar afirmações como: "Entusiasmei-me com Walden três quando o terminei. Considero Walden três uma de minhas obras principais, que irá despertar controvérsias e críticas. [...] Walden três vendeu bem desde o princípio. [...]". Apesar disso, é importante considerar que Ardila (2008) identifica positivamente uma importante demanda de investigação que é a de comparar as obras de Thoreau e de Skinner. A despeito isso, essa demanda de forma alguma foi atendida pela sua avaliação que, como foi sugerido, concentrou-se em um enaltecimento de sua própria obra Walden III (Ardila, 2004). Persevera, portanto, como uma importante lacuna de conhecimento científico a ser preenchida por outra investigação a de apresentar uma comparação sistemática e objetiva das obras Walden, de Thoreau, e Walden II, de Skinner.

Em uma análise bastante produtiva do Walden II, Altus e Morris (2009) sugerem que a obra busca meios para maximizar a justiça social e o bem-estar por meio do equilíbrio entre: (a) a habilidade dos membros da comunidade para obtenção consciente desse bem-estar e da justiça social e (b) a habilidade da comunidade buscar os mesmos objetivos como forma de garantir a sua sobrevivência. Um segundo e interessante ponto identificado em Altus e Morris (2009) é o modelo apresentado por Skinner da busca de soluções para problemas de importância individual, social e cultural e que seria, segundo os autores, realizado contemporaneamente pela Análise Comportamental Aplicada. Um exemplo interessante da aplicabilidade do paradigma de organização social que Skinner estabelece é a sociedade real de Los Horcones (Olarte Rodriguez, 2005) criada em 1971 no México e explicitamente inspirada no Walden II.

Desse modo, fica clara a necessidade de um entendimento mais apurado do Walden II também pela sua importância como interpretação do programa skinneriano com implicações para a Análise Comportamental Aplicada. Assim, considera-se importante a investigação das proposições existentes na construção do pensamento skinneriano sobre os temas relacionados a economia, política e sociedade. Nota-se ainda haver produtividade em uma investigação que busque uma discussão sobre os diálogos possíveis entre o pensamento de B. F. Skinner e de H. D. Thoreau. Ponderando que a proposta comportamentalista radical é uma filosofia, ela está sujeita a estudos que busquem relacioná-la com outras filosofias e autores (Dittrich, 2011). No entanto, este tipo de investigação não se justifica apenas como uma especulação literária, mas pela possibilidade de identificar supostas proximidades existentes entre as ideias de Skinner e os textos de H. D. Thoreau. Isso porque o próprio Skinner (1948/1978 p. 1; 1973) considera a existência de similaridades entre suas ideias sobre os temas em questão e o pensamento do escritor americano do século XIX.

A justificativa mais facilmente identificável de um empreendimento de investigação como o que ora se apresenta é obtida do próprio Skinner, ao considerar explicitamente que sua proposição de utopia foi influenciada pela importante obra de Thoreau (Skinner, 1979, p. 299). A influência é consubstancializada por Skinner (1979, pp. 345-346), ao reproduzir cinco dos princípios citados por Thoreau em sua própria obra (Skinner, 1948/1978; Thoreau, 1854/1963). Não seria produtivo, portanto, realizar uma investigação para comprovar a influência da utopia de Thoreau sobre o autor de Walden II ao escrevê-lo. Mas há, é claro, uma multiplicidade de aspectos em ambas as obras e, possivelmente, das relações entre tais aspectos que poderiam ser explorados de forma sistemática e com grande potencialidade heurística para a área. No entanto, como foi demonstrado ao tratar de Ardila (1979, 2004), não há uma investigação suficientemente sistemática dessa relação entre o Walden e o Walden II. Evidencia-se, desse modo, a necessidade de uma investigação que busque uma interpretação, dentre as muitas possíveis, da relação entre as duas obras.

Henry David Thoreau (1817-1862) se ocupou de comentar vários temas, foi crítico do sistema baseado no lucro, do excesso de trabalho, da escravidão, além de feroz crítico do governo americano com suas tendências imperialistas e de defesa do consumismo desenfreado como base do sistema econômico. Em seu Walden, Thoreau (1854/1963) propõe um rompimento, mesmo que parcial, com a sociedade vigente e estabelece seu próprio modo de vida o que o aproxima do objetivo do gênero utópico.

Já Skinner, em Beyond Freedom and Dignity (1971/1976), afirma que apenas desenvolvendo uma tecnologia do comportamento o homem conseguirá conceber um modelo mais eficiente no combate aos problemas sociais e econômicos que o assola (p. 29). O autor ainda cita como problemas decorrentes do mau funcionamento da sociedade a poluição ambiental, a fome e a incapacidade sobre o controle de doenças etc. (p. 1). Diante de tais problemas, Skinner (1953/1965, pp. 11-22) considera que existe um avanço nas tecnologias capaz de possibilitar o controle efetivo do nosso mundo físico e biológico, mas pouco se tem avançando em relação aos modelos de educação, economia e política (p. 11), ou seja, pouco se avançou no desenvolvimento de uma ciência do comportamento.

Nesse sentido, ambos os autores se somam ao grupo daqueles que se puseram a questionar os problemas sociais e os colocaram em discussão em suas obras. Porém, duas delas permitem uma aproximação entre eles, pois, nelas, os autores se ocupam em discutir proposições sobre diversos pontos como economia política e sociedade. As propostas de Skinner e de Thoreau se apresentam como uma alternativa ao sistema capitalista que, segundo Wallerstein (1995/2001), se caracteriza por prezar o acúmulo e a maximização de bens que geram o capital que, por sua vez, move a economia. É também como um questionamento a esse modelo que Thoreau escreve Walden, or, Life in the Woods (1854/1963) e B. F. Skinner (1948/2005) constrói uma utopia comunitária baseada em uma perspectiva científica do comportamento humano.

Walden, or, life in the Woods (Thoreau, 1854/1963) tem sua primeira publicação no ano de 1854. Nele Thoreau descreve o tempo em que viveu afastado da sociedade, morando numa cabana à beira do Lago Walden. Nessa obra, Thoreau é incisivo em críticas à sociedade e faz importantes considerações acerca de temas como economia e modelo social. Já Skinner, quase um século depois, em 1948, escreveu um livro que empresta parte do título da obra de Thoreau. Walden Two (1948/2005) é a novela na qual o autor ilustra suas propostas de planejamento cultural tendo como base tecnologias comportamentais voltadas a produção de relações pessoais positivamente reforçadoras, e um modelo de educação e sociedade eficaz (Skinner, 1973, p. 2).

Considerando que a proposta skinneriana de planejamento cultural passa por uma perspectiva utópica, pelo menos em sua gênese, é interessante elucidar quais características presentes no gênero utópico são supostos essenciais para uma proposta social. A esse respeito, será produtivo buscar a identificação de aspectos considerados importantes em uma proposta do mesmo gênero, possivelmente subsidiando uma apreensão mais aprofundada da sua perspectiva. Sendo assim, a presente investigação teve como proposta identificar nas obras de ambos os autores, especialmente em Walden, or Life in The Woods e Walden Two, os aspectos considerados, respectivamente, por Thoreau e Skinner ao formular suas correspondentes propostas utópicas.

Dessa forma, procurou-se estabelecer os diálogos possíveis entre o pensamento filosófico de Thoreau e o Comportamentalismo Radical de Skinner. Como nota Dittrich (2011), esse tipo de investigação é importante, pois permite um diálogo do Comportamentalismo Radical com outras linhas de pensamento a fim de que se aponte quais outras filosofias a caracterizam e tenham importância histórica no seu desenvolvimento.

Para uma melhor análise, selecionou-se aspectos que envolvem características da economia, sociedade e governo apresentados por Thoreau e por Skinner. Esses temas foram tomados para discussão nessa investigação, pois se considera que possuem forte expressão na obra de ambos os autores e destacam-se na história do pensamento utópico e distópico de outros escritores (por exemplo, Bacon, 1616/1976; Huxley, 1932/2004; Morus, 1516/1997), além de serem imprescindíveis em qualquer reflexão contemporânea a respeito do planejamento cultural almejado pelo Comportamentalismo Radical.

 

Método

Anteriormente ao início da análise, cabe um breve esclarecimento sobre o método de análise conceitual utilizado. Foi realizada a leitura e análise de textos selecionados de Thoreau (1849/1963; 1854/1963; 1863/2012) e Skinner (1948/2005; 1953/1965; 1967; 1969; 1971/1976; 1973) segundo o seguinte critério: textos que apresentam críticas e propostas referentes à organização social de um modo geral, incluindo discussões nos âmbitos econômico e político. Por se tratar de um estudo histórico-conceitual centrado nas obras dos dois autores, Thoreau e Skinner, em um primeiro momento foi dispensada uma análise de comentadores. Essa análise foi feita posteriormente para que pudessem auxiliar no entendimento de conceitos recorrentes nas obras - como economia, governo, ação política e utopia - e para que se pudesse considerar análises já realizadas sobre o assunto.

A partir da leitura cuidadosa e realização de fichamento dos textos selecionados, identificou-se as informações que pertencem às categorias que estruturam a argumentação a seguir, como as já citadas categorias "economia", "governo", "ação política" e "utopia". Com base nessas informações assim obtidas, realizou-se a organização de todo o corpo de texto que compreende o itinerário de argumentação do artigo: Entre ficção e a realidade; B. F. Skinner sobre o Walden de Thoreau; Economia, Trabalho e acúmulo de bens; Governo; Ação Política; Sobre o objetivo final da utopia e a definição de "boa vida"; Três princípios gerais para deliberar uma "boa vida"; e Considerações Finais.

Entre a ficção e a realidade

A escrita utópica é utilizada para descrever uma nova sociedade que pode romper completamente com o modelo vigente ou se referir a uma sociedade futura na qual os pontos considerados negativos da sociedade atual são eliminados (Chauí, 2008). O texto utópico serve como um divulgador de ideias para a sociedade. Santo Agostinho escreveu Cidade de Deus, uma utopia baseada sob a vontade de Deus; Thomas More, em Utopia, ansiava por uma sociedade perfeita baseada em leis; Skinner escreve seu Walden Two como uma sociedade baseada nos princípios da ciência do comportamento (Skinner, 1967; 1969). Já Thoreau (1854/1963) escreve um texto onde busca discutir características consideradas por ele como ruins no modelo social e propor um planejamento que envolva o rompimento com o modelo estabelecido onde essas características sejam futuramente abolidas.

Ao publicar sua utopia Walden Two, em 1948, Skinner ilustra, em caráter ficcional, como a tecnologia comportamental poderia se aplicar de modo satisfatório no planejamento e gestão de uma sociedade. Ademais, Skinner (1979, p. 346) tem clareza de uma importante diferença entre a obra de Thoreau e a sua proposta, qual seja, a busca por soluções tecnológicas que uma utopia de grupo, diferentemente de uma utopia individualista, deve demandar: "[] Walden described only a Walden for One. Thoreau asked only to be left alone as an individualist. The problems of society called for something more, and that was where a behavioral technology could make its contribution"ii (Skinner, 1979, p. 346).

Definido como uma comunidade imaginária, Walden Two tem cerca de mil pessoas sobrevivendo em um ambiente agradável onde possuem educação, arte e ciência e trabalham poucas horas por dia sem serem a isso compelidas (Skinner 1969, p. 29).

Skinner (1969, p. 30) afirma que utopias são ficções científicas, mas há formas de transformá-las em realidade. Com isso propõe que princípios estabelecidos em utopias podem ser aplicados à realidade, o que justifica utilizar-se dos conceitos e ideias apresentados em Walden Two para entender a aplicação das ideias do autor sobre as características estudadas neste trabalho.

B. F. Skinner sobre o Walden de Thoreau

Em dois trechos de suas obras, Skinner cita o Walden de Thoreau para tecer comentários sobre a sua novela utópica. No prefácio da edição americana de Walden Two (1948/1978 p. 01) Skinner afirma que os pontos a seguir são encontrados no seu Walden e no de Thoreau (1854/1963):

a) Nenhum modo de vida é inevitável. Examine o seu próprio de perto.

b) Se você não gosta dele, mude-o.

c) Mas não tente mudá-lo através da ação política. Mesmo que você consiga ganhar o poder, não poderá usá-lo mais sabiamente que seus predecessores.

d) Peça somente que o deixem em paz, para resolver os seus problemas a seu modo

e) Simplifique suas necessidades. Aprenda como ser feliz com menos posses (Skinner, 1948/1978, p. 1).

Ou seja, ao afirmar essas semelhanças Skinner está admitindo que essas características também existem no Walden de Thoreau e pode-se dizer que indicam de modo bastante direto a influência do autor sobre a utopia skinneriana.

Outro texto que nos indica a semelhança é Walden (one) and Walden two, no qual Skinner (1973) reconhece ter lido os escritos de Thoreau pela primeira vez na faculdade onde estudava literatura. Nesse mesmo texto, Skinner afirma que a diferença básica entre os dois waldens é que o de Thoreau é uma utopia para "um só" enquanto Walden Two é dedicado a uma vida social. Dessa forma considera-se possível e necessário promover um diálogo entre as ideias de Thoreau sobre os conceitos desenvolvidos por Skinner.

Economia, trabalho e acúmulo de bens

Em um de seus escritos Thoreau (1863/2012) crítica, como aponta o trecho a seguir, a irracionalidade de se escolher um trabalho pelo dinheiro que se ganha com ele e não pelo prazer e aprendizado que o indivíduo teria exercendo a função: "[...] se optar por me dedicar a certas ocupações que me rendem mais proveito real, mas menos dinheiro, a tendência será que me vejam como um indolente" (p. 126).

Em certos pontos, a semelhança entre o pensamento de Thoreau e a utopia skinneriana são latentes. Thoreau (1863/2012, p. 128) afirma que o objetivo de um trabalhador não pode ser somente ter um bom emprego e "ganhar a vida", mas sim fazer bem seu trabalho. Em seguida, escreve que os trabalhadores deveriam ser tão bem pagos, de tal modo que não trabalhassem por mera subsistência, e sim, pelo o que o autor chama de "fins científicos e até mesmo morais" (1863/2012, p. 128).

A princípio, e sob uma leitura superficial, essa afirmação pode levar à crença de que Thoreau insinua que um bom salário - mesmo que puramente no sentido pecuniário - levaria o trabalhador a uma elevação de seus objetivos e o faria passar a trabalhar para fins melhores, o que seria incongruente com o pensamento do autor, contrário ao acúmulo de bens.

Esse engodo se desfaz quando se percebe que Thoreau na verdade critica o fato de o dinheiro na sociedade ser concomitante e pré-requisito para a boa vida, ou seja, independentemente do modelo de vida que se tenha ele só será bom se o indivíduo dispuser de uma alta remuneração. O problema é que, em uma sociedade onde a boa vida é estabelecida pelo "acúmulo de bens", o cidadão jamais ficará satisfeito com o seu trabalho.

Skinner afirmou em Walden Two (1948/2005): "The profit system is bad even when the worker gets the profits, because the strain of overwork isn't relieved by even a large reward" (p. 45)iii, ou seja, como nunca estarão saciados os trabalhadores sempre exercerão suas funções apenas em busca de dinheiro e bens.

Em Walden Two, os trabalhadores recebem créditos por cada afazer exercido e devem obter 1.200 desses créditos no ano, o que significa quatro créditos por dia de trabalho, para terem acesso a todos os benefícios que a comunidade oferece. Cada trabalho necessário para a manutenção da comunidade equivale a uma quantidade de créditos disponíveis pra quem os exerce. Dessa maneira, trabalhos desagradáveis concedem um maior número de créditos que trabalhos mais desejáveis (por exemplo, um trabalho de limpeza de esgoto possui uma remuneração de créditos/trabalho maior (1,5 crédito por hora) por ser um trabalho menos desejável pelos membros da comunidade. Enquanto outros trabalhos - mais desejáveis - possuem remuneração de 1,0 crédito/trabalho por hora).

Constata-se, portanto que com a ausência do lucro em Walden Two - uma vez que os seus membros precisam de apenas 1.200 créditos trabalho por ano e não há função nem possibilidade de acúmulo desses créditos - o trabalho é realizado para o bem-estar da comunidade e não para o acúmulo de bens.

O trabalho em Walden Two se caracteriza apenas pelas atividades essenciais para sobrevivência e manutenção da comunidade, garantindo assim a conservação do modo de vida da cultura. Dessa forma, os seus membros trabalhariam apenas quatro horas por dia o que faz com que mantenham a boa vida possuindo tempo para atividades de lazer e estudo. Ter tempo para outras atividades é um dos pontos que Thoreau considera que o indivíduo precisa garantir para obter uma boa vida, para que não se porte como uma máquina, já que reconhece na forma tradicional como os homens trabalham um obstáculo para a realização de uma vida plena: "Actually, the laboring man has not leisure for a true integrity day by day; he can not afford to sustain the manliest relations to men; his labor would be depreciated in the market. He has no time to be anything but a machine "(1854/1963, p. 9)iv.

Para Thoreau, o trabalho precisa ser algo planejado e as atividades laborais precisam ser exercidas com autonomia. O trabalhador deve fazer as coisas a seu tempo e a seu modo, o trabalho não deve causar estafa ou ocupar longas horas (Thomas, 2010, p. 5). Isso permite afirmar que, para o objetivo de Thoreau - de trabalhadores realizando suas funções estimuladas por "fins científicos e morais" -, a sociedade precisaria estar organizada de maneira tal que o objetivo primordial não fosse o acúmulo de bens. É possível afirmar aqui a necessidade de um planejamento cultural onde os fins "científicos e morais" sejam possíveis.

Ambos os autores convergem, portanto, no que diz respeito à contrariedade ao sistema de acumulação de bens. Thoreau (1854/1963) expõe sua posição afirmando que a busca por bens - que nunca são suficientes - torna o trabalhador uma máquina sem tempo para lazer e ainda defende que a posse de grandes bens traz mais problemas que soluções. Já Skinner abole o sistema de lucros em Walden Two, consequentemente extinguindo o caráter infindável que cerca o conceito de trabalho na civilização capitalista.

Governo

Talvez uma das mais conhecidas e divulgadas ideias de Thoreau seja seu pensamento anarquista. É dele a frase "o melhor governo é o que menos governa" (1963/2012, p. 7). Ou seja, Thoreau concebe que as pessoas não necessitam de um governo, acredita, como mostra o trecho a seguir, que é necessário que os homens estejam preparados para viverem dessa maneira:

I heartily accept the motto, "That government is best which governs least"; and I should like to see it acted up to more rapidly and systematically. Carried out, it finally amounts to this, which also I believe "That government is best which governs not at all"; and when men are prepared for it, that will be the kind of government which they will have (p. 7; grifo nosso)v.

Dessa forma, vemos que Thoreau deseja um governo que menos governe, o que significa um governo menos intervencionista na vida dos indivíduos e que não os obrigue a apoiar causas com as quais não concordam. Essa forma reduzida deveria ser mantida até que os homens estivessem então preparados para uma ausência total de controle estatal. Nota-se o caráter de total rechaço do autor ao controle e as funções exercidas pelo governo uma vez que as considera arbitrárias e injustas.

Podemos chegar a essa conclusão ao contextualizar o texto de Thoreau (1849/1963), nele, o autor se ocupa de desenvolver críticas ao modo com que o governo americano obriga seus cidadãos a pagar impostos a serem utilizados em causas com as quais eles não concordam. No caso específico desse texto, o autor tecia críticas por ter sido preso por não pagar os impostos, já que discordava da guerra que o governo realizava contra o México.

Existe, em Walden Two, uma agência governamental, mas que em muito difere das encontradas atualmente na sociedade. A principal diferença é que o governo em Walden Two é exercido pela chamada Junta de Planejadores e por administradores. A Junta de Planejadores é responsável pelo estabelecimento da política na comunidade. Os planejadores, que trabalham em conjunto com os administradores, são pessoas responsáveis por cada área da comunidade, e inclui seis indivíduos que podem permanecer no cargo por no máximo dez anos e que não estão livres dos trabalhos aos quais todos na comunidade fazem. Os planejadores e administradores não possuem qualquer benefício extra por exercerem tal função.

Em Walden Two, as regras que devem ser seguidas pela comunidade também são desenvolvidas pela Junta de Planejadores. Walden Two é uma comunidade experimental, por esse motivo suas regras não são imutáveis, mas sim mudadas conforme as experiências obtidas. O objetivo é que as práticas descritas pelas regras passem a ser seguidas pelas suas consequências, até que a regra se torne então desnecessária para os indivíduos (Skinner, 1948/2005, p. 117).

Tanto Skinner (1965) como Thoreau (1849/1963) demonstram em seus escritos que a agência governamental tem muitos pontos negativos e que deve, sempre que possível, ter sua presença e participação diminuída e, no caso de Thoreau, até mesmo extinta. A magnitude como cada um dos autores concebe essa possibilidade, no entanto, é diferente.

Thoreau (1849/1963, p. 07) deseja um governo "que menos governe" até que os homens estejam preparados para um governo que "absolutamente não governe". Ou seja, dessa forma o autor assume a ausência total de governo como uma alternativa possível e necessária.

Já Skinner propõe que o governo exercido em Walden Two possua um caráter apenas de administração de questões extraordinárias e não possua nenhum poder de obrigar seus cidadãos a algo (p. 218). Skinner (1948/2005) propõe uma diminuição gradual ao mínimo governo possível, mas não reconhece a ausência total de administração como uma possibilidade: "As governmental technology advances, less and less is left to the decisions of governors, anyway. () The Managers Will suffice" (p. 256, grifo nosso)vi. Ou seja, Skinner afirma que os administradores sempre serão necessários, mas os planejadores não.

Pela definição de Glenn (1986) o governo é responsável pelo estabelecimento de políticas, pela criação de leis, pela proteção de seus membros a grupos externos, por renegar membros de seu próprio grupo, coletar impostos e gastá-lo e o governo em Walden Two não exerce nenhuma dessas funções com exceção do estabelecimento de políticas e leis. Mas, como já afirmamos, o objetivo em Walden Two é que as leis sejam mantidas pelas suas consequências, e não simplesmente por imposição na forma de regras. Dessa forma, notamos que a presença de um governo é extremamente reduzida de modo que só sirva para implantação provisória de práticas que necessariamente deixarão de ser impostas por uma agência de controle e que passarão a ser controladas por suas próprias consequências, sem a intervenção de um governo.

Assim como em Walden Two, Thoreau não considera que os homens estejam preparados para a ausência de governo, ao afirmar que primeiro deseja um governo que governe menos até que os homens estejam preparados a obter um governo que não governe de forma alguma. Nesse sentido, a ideia de Thoreau se aproxima da de Skinner já que em Walden Two o governo se inicia com a presença de Planejadores e Administradores e com uma administração muito mais incisiva do que a almejada num futuro no qual só administradores serão necessários.

Se iniciando com uma forma de governo muito menor que o estabelecido na sociedade tradicional, que é a que recebe as críticas de Thoreau, Walden Two, se encaixa no ensejo de Thoreau de obter um governo menos intervencionista com os seus cidadãos. No entanto, é claro que para Thoreau a ausência de governo é possível, enquanto Skinner não cogita essa possibilidade radical, uma vez que não abre mão dos administradores. Essa é, portanto, a divergência entre ambos no que diz respeito à forma de governo.

Ação Política

Thoreau não usou de movimentos políticos para mudar seu próprio modo de vida. Seu livro Walden, or life in the Woods (1854/1963) possui críticas ao modelo e sociedade no qual vivia, no entanto, para se ver livre dele não usou nenhum artifício político. Ao se refugiar à beira do lago Walden, Thoreau desvencilhou-se do sistema econômico e social em que vivia e repudiava. Um exemplo disso é que, como apontou Lerner (1962, p. 21), Thoreau percebeu que o sistema econômico criava para ele demandas irracionais por certos produtos passando então a tentar sair do controle desse tipo de imposição governamental.

Em Walden Two, Skinner sugere, como aponta o trecho a seguir, que a ação política é algo inútil na construção de um mundo melhor:

Political action was of no use in building a better world, and men of good will had better turn to other measures as soon as possible. Any group of people could secure economic self-sufficiency with the help of modern technology, and the psychological problems of group living could be solved with available principles of behavioral engineering (Skinner, 1948/2005, p. 10)vii.

Ao delinear um modo de vida a ser constituído, os envolvidos na construção da comunidade não se envolveram em ações de caráter político. Skinner, no trecho citado a seguir, propõe em Walden Two que a boa vida não pode ser alcançada por meio da ação política. Para isso é preciso conceber um nível diferente de ação, que se mantenha longe da política e do governo.

You can't make progress toward the Good Life by political action! Not under any current form of government! You must operate upon another level entirely. What you need is a sort of Nonpolitical Action Committee: keep out of politics and away from government (Skinner 1948/2005, p.180)viii.

Essa rejeição que Skinner apresenta à política é muito parecida com as ideias apresentadas por Thoreau (1854/1963). O próprio Skinner (1948/1969) afirma que o aspecto de que não se deve mudar seu modo de vida através de uma ação política também está presente no Walden de Thoreau.

Skinner (1948/1978, p. 1) pode ser acusado, como o foi por Villalobos (1981, p. 60) de leviandade ao afirmar que o princípio de "não tentar mudar seu modo de vida através da ação política" também é visto no Walden de Thoreau (1854/1963), pois, Skinner estaria desprezando o fato de Thoreau ser extremamente interessado por questões políticas inclusive por ter escrito o ensaio político A Desobediência Civil.

Há dois equívocos nessa afirmação. O primeiro deles é interpretar que Skinner insinuou que Thoreau não se interessasse por política. Skinner (1948/1978) afirmou que ambos concordavam com o seguinte mote "[...] não tente mudá-lo através da ação política". (p. 1). Em momento algum o autor atribui a Thoreau desinteresse por questões políticas. O segundo é que essa afirmação dá a entender que, por se interessar por temas políticos, Thoreau, então, não teria aberto mão da ação política em seu tempo à beira do Walden.

Há, nessa crítica, uma confusão de conceitos. Ao afirmar que Thoreau também abriu mão da ação política para mudar seu modo de vida, Skinner (1948/1978) se refere ao fato de, ao se refugiar à beira do lago Walden, Thoreau estabeleceu um modo de vida que o agradava e, para obtê-lo, não utilizou de nenhuma artimanha política, e não que Thoreau tentasse afirmar um rechaço a questões políticas. Aqui cabe uma distinção conceitual entre ambos os aspectos: ação política e pensamento político é tratado aqui como domínios diferentes. Apesar de desenvolvimentos contemporâneos buscarem entender o pensamento político como um tipo de ação política (por exemplo, Barker, 2000) tradicionalmente a ação política, o engajamento, sempre foi visto como distante daquele que é o pensamento político, sobre a forma como a sociedade e os sujeitos se organizam (Barker, 2000; Shepsle, 1985). Portanto, Thoreau nega o uso de uma ação política para a definição de um novo modo de vida o que não causa prejuízo para as discussões que o autor trata sobre o modo de administração do modelo governamental americano. Por tudo isso, formar uma crítica desconsiderando essa diferenciação soa, no mínimo, negligente. Sendo óbvio que Thoreau e Skinner pensavam sobre política e se interessavam por ela.

As ações de Thoreau bem como a proposta por Skinner em Walden Two são tomadas para alcançar aquilo que foi estabelecido como modo de vida ideal por ambos os autores, e para estabelecerem isso não passaram por nenhuma mediação política seja do Estado seja de instituições partidárias ou movimentos sociais. Ou seja, existe um consenso entre Skinner (1948/2005) e Thoreau (1854/1963) de que uma ação política envolvendo associações de pessoas em busca de mudanças em um nível de governo não é uma ação produtiva na busca do estabelecimento de seu modo de vida. Isso porque, como afirma Thoreau (1849/1963): "Quanto a adotar os métodos que o Estado propicia para remediar o mal, não sei nada sobre eles. Levam muito tempo, e a vida de um homem pode acabar antes de eles vingarem"(p. 18). Portanto a opção de não utilizar a ação política para estabelecer seu próprio modo de vida diz respeito principalmente a incapacidade do Estado em fazê-lo. Já para Skinner também existe um segundo motivo, o de considerar que nem todas as pessoas devem ser obrigadas a se interessar por política (Skinner, 1948/2005 p. 256).

Sobre o objetivo final da utopia e a definição de "boa vida"

É notável que as críticas de Thoreau são destinadas ao caráter aversivo do Estado e da Economia. Thoreau é contrário ao modelo corrente de trabalho, pois obriga os indivíduos a trabalharem horas por dia, e se não o fazem são punidos, seja com a fome seja com a cobrança de suas dívidas e dos impostos. Já o modelo econômico é considerado ruim, pois obriga seus cidadãos a sempre buscar mais acúmulo e não os apresenta um reforço que os sacie. E, por fim, é crítico do Estado principalmente nos pontos onde este exerce controle aversivo, como o não pagamento de impostos, escravidão e guerras.

Em diversos textos, Skinner aponta para a necessidade da construção de uma sociedade que não se baseie em punição como forma de controle de seus cidadãos. Em Walden Two não há o uso de punição como alternativa para um controle de seus habitantes. Skinner (1948/2005) considera, como aponta o trecho a seguir, que a punição é incapaz de coibir comportamentos indesejáveis (p. 244-245) do indivíduo e considera que, em Walden Two, existe um processo de mudança de uma sociedade baseada em punição como forma de controle onde o reforço de um indivíduo é a punição de outra pessoa para uma sociedade cooperativa.

Now, early forms of government are naturally based on punishment. It's the obvious technique when the physically strong control the weak. But we're in the throes of a great change to positive reinforcement from a competitive society in which one man's rewards another man's punishment, to a cooperative society in which no one gains at the expense of anyone else (Skinner 1948/2005, p. 245)ix.

Dessa maneira, nota-se que o objetivo da utopia skinneriana é a construção de uma sociedade positivamente reforçadora, ideia que também é vista em outros textos de Skinner (1953/1963; 1990).

De certa forma, o rechaço de ambos os autores ao modelo econômico e de Estado se dá principalmente pela dificuldade destes em se manter sem um controle coercitivo. Já sobre a ação política seu problema é que não importa o que os indivíduos façam pela política, ela pode mudar governantes e patrões, mas dificilmente mudará o sistema e, se o fizer, este não agradará a todos os sujeitos. A definição de boa vida, portanto, segue como parâmetro principal para ambos os autores a ausência de controle aversivo que contribua, por óbvio, para a sobrevivência da cultura e seus membros. A ausência de controle aversivo proporciona, e soma-se, às características já discutidas anteriormente como a diminuição de atividades desagradáveis ocasionando momentos de lazer e estudos, por exemplo.

Três princípios gerais para deliberar uma "boa vida"

Como em toda utopia, e nos Waldens não seria diferente, há a apresentação de ideias e conceitos novos sobre a forma de funcionamento da vida dos indivíduos que a compõe. A descrição desses conceitos é fundamental no texto utópico, pois caracteriza a forma de vida idealizada pelo autor. Foram algumas dessas novas propostas de modelo social que se analisou nas seções anteriores.

Afirmou-se que Thoreau e Skinner propuseram um novo modelo de economia, política e sociedade, na prática isso poderia significar então, que os autores apresentam em sua proposta, um modo fechado, uma receita para o estabelecimento de uma vida ideal. No entanto, vimos que, para ambos, a boa vida precisa ser planejada pelos indivíduos. Porém, as propostas apresentadas pelos autores não buscam delinear a maneira ou forma como cada indivíduo deve considerar uma boa vida, mas sim alertar para princípios básicos que permitam deliberá-la. Elencou-se três desses princípios presentes em ambas as utopias, são eles: a) economia e, conseguintemente o trabalho, sendo não baseados no acúmulo, mas na necessidade exigida para manutenção do modo de vida ideal estabelecido; b) ausência total (ou parcial) de um Estado e governo, valorizando a consciência individual; c) não utilização da ação política como forma para estabelecer o modelo de vida definida como ideal.

As propostas de Skinner e Thoreau são distintas em sua configuração (coletiva/individual), no entanto, ambas seguem padrões no que diz respeito a problemas de ordem econômica e social. Para ambos não há maneiras de se estabelecer uma boa vida baseando-se no trabalho pelo lucro, vivendo sobre a influência de um governo autoritário e não há, ainda, formas de estabelecimento da boa vida por meio de ação política. Há ainda ideais que podem ser encontrados em ambas as obras, mas que não foram objeto desta investigação, como o estabelecimento de um modo de vida sustentável ao meio-ambiente e que valorize um desenvolvimento intelectual.

O conceito de vida "satisfatória" se encaixa na visão de "boa vida", uma vez que o satisfatório para o indivíduo precisa ser a sobrevivência de sua cultura além do estabelecimento dos princípios acima citados.

Um questionamento pode ser levantado diante dos fatos discutidos nessa seção. Poderia o indivíduo estabelecer um modo de vida ideal, sem realizar os três princípios acima citados? A resposta deve surgir quando se levanta a seguinte discussão: existe possibilidade de, se mantendo na sociedade atual, o indivíduo trabalhar apenas para a manutenção de seu modo de vida e não pelo acúmulo? É possível se desvencilhar das imposições do Estado? Há outra forma de mudança senão pela ação política com sua morosidade e ineficiência?!

Uma resposta totalmente satisfatória a esses questionamentos demanda investigações específicas, no entanto, pode-se afirmar que dificilmente um indivíduo conseguirá estabelecer um padrão de trabalho que exija dele apenas o esforço suficiente para manter seu modo de vida desejado e enfrentará intempéries legais caso não cumpra obrigações exigidas pelo Estado como pagamentos de impostos e taxas.

Dessa maneira, os três princípios acima citados, mesmo que possuam natureza utópica, possibilitam o estabelecimento de um modo de vida deliberado pelos indivíduos. A discussão desses princípios justifica-se devido à possibilidade de princípios utópicos tornarem-se úteis e praticáveis na realidade ainda que de maneira parcial (Skinner, 1969).

Há uma divergência entre os autores que remete à raiz filosófica de suas ideias. Thoreau (1863/2012) realiza uma ode a consciência individual para que essa desperte e aja como agente precursora de uma mudança para um modelo de vida melhor. Nesse sentido, Thoreau atribui um importante papel a noções como as de livre arbítrio e de autogoverno internalista em sua interpretação e proposta utópica. Em contraposição, Skinner (1945, 1974) é crítico fervoroso da literatura da liberdade e de concepções internalistas de interpretação do comportamento humano. Nesse aspecto em particular, Skinner (1981) distancia-se bastante de perspectivas como a de Thoreau, apelando à seleção pelas consequências de aspectos filogenéticos, ontogenéticos e culturais dos comportamentos para explicar o agir dos indivíduos.

 

Considerações Finais

Os resultados da investigação demonstram as semelhanças e divergências existentes entre as ideias de H. D. Thoreau e B. F. Skinner com o objetivo de promover um diálogo entre os autores e esclarecer as possíveis divergências e convergências que possam ser estabelecidas entre eles na formulação de determinados conceitos presentes em suas obras.

O gênero utópico tem papel ímpar na história do conhecimento. Sua função corresponde à divulgação de propostas políticas e econômicas de um autor a respeito de aspectos da sociedade, seus valores e seu funcionamento. Grandes pensadores escreveram na forma de utopia como, por exemplo, Platão (A República), Francis Bacon (A Nova Atlântida), Thomas More (A Utopia) e, obviamente, o próprio Thoreau. Por sua vez, Skinner encontrou no gênero utópico uma forma de expor sua teoria comportamentalista radical de planejamento cultural no que diz respeito a sua aplicabilidade. Seu Walden II se integra em pontos cruciais, no que diz respeito ao funcionamento da sociedade, ao Walden de Thoreau. Ambos discordam, com a mesma intensidade, em critérios de natureza filosófica como aquela que diz respeito ao papel primordial da consciência individual na perspectiva de Thoreau (1849/1963; 1863/2012), em contraposição à importância indisputável do modelo de variação e seleção pelas conseqüências na interpretação de Skinner (1981).

A administração governamental, como demonstrado, possui um caráter de constrangimento para os autores. Thoreau (1849/1963) assumiu uma posição anárquica frente a esse tipo de controle governamental, sugerindo sua total abolição decorrente de um processo constante de diminuição de seu poder e de preparação dos homens para conviver na ausência desse controle. Já Skinner (1948/2005) atenuou bruscamente a agência governamental, também mediante um processo de diminuição gradual e, por fim, eliminou o caráter aversivo e atribuiu a ele apenas decisões de cunho administrativo. Embora outros autores (por exemplo, Martins, Carvalho Neto, & Mayer, 2013) sugiram que exista controle aversivo no Walden II, é fundamental considerar que a citação que fundamenta a conclusão dos autores reside no fato do autor descrever pontualmente o emprego de controle aversivo como medida de luta territorial em relação a outras sociedades. Não se trata, portanto, do emprego de controle aversivo entre os membros da comunidade Walden II. É possível dizer de forma bastante conclusiva que Skinner não descreve o uso de controle aversivo entre os membros de Walden II. Sobre a economia, que exerce papel fundamental em qualquer sistema que envolva consumo - seja para a subsistência ou mesmo para o acúmulo irracional - Thoreau e Skinner propõem um sistema que minimize as razões que tradicionalmente fortalecem as práticas de acúmulo, mas a sobrevivência. O modelo de economia proposto por ambos os autores é fundamental e garante os demais aspectos eleitos como fundamentais às suas correspondentes utopias. Diante da análise realizada notou-se que sem uma economia que não buscasse o acúmulo seria impossível o estabelecimento dos demais aspectos propostos por ambos os autores, como a diminuição/ausência de Estado e a instalação de um modelo trabalhista que não ocupe os cidadãos por muito tempo e que seja realizado buscando apenas sua sobrevivência.

Para essas mudanças, a ação política não deve ser usada como meio, pois, nesse caso, o indivíduo fica à mercê de um Estado e consegue poucas mudanças efetivas em sua vida. Todas essas críticas e propostas caminham em direção a um conceito de boa vida que, segundo os autores, precisa ser planejado, deliberado de acordo não somente com suas necessidades primárias, de sobrevivência individual, mas também da própria cultura incluindo tais práticas.

De modo geral, em ambos os autores há o reconhecimento de que o sistema que guia as práticas sociais no mundo capitalista - a crítica pode ser estendida a outros sistemas econômicos já desenvolvidos, mas aqui se concentra no capitalismo por ser o sistema sob o qual os autores redigiram suas críticas - não é produtivo e beneficia práticas injustas e não sustentáveis. Apesar de existir algumas características no Walden Two que possam se coadunar a características do sistema capitalista, como a possibilidade de comércio entre comunidades por exemplo, tais semelhanças não permitem categorizar de forma absoluta o texto skinneriano como a descrição de uma pequena comunidade capitalista, tal definição demandaria um grau de relativização indesejável a uma análise que se pretenda consistente.

Há diversas publicações científicas na análise do comportamento que usam Walden Two para discutir o pensamento skinneriano sobre questões sociais, econômicas, políticas entre outras. Mas percebe-se que pouco se fala de Thoreau sobre a construção da utopia de Skinner. Talvez porque essas semelhanças sejam consideradas como superficiais pelos comentadores ou ainda porque se considera que a análise da relação entre as duas utopias seja pouco produtiva.

A presente investigação permitiu considerar que a proposta skinneriana de Walden Two é congruente com as ideias de Thoreau para muito além dos pontos apresentados por Skinner (1948/1978 p. 1). Isso porque se viu que ambos apelam ao planejamento para a boa vida, contestando o direcionamento automático ao sistema socialmente estabelecido. Concluiu-se que o caráter experimental proposto por Skinner (1948/2005) e o poder decisório decorrente da liberdade individual proposta por Thoreau (1849/1963; 1854/1963; 1863/2012) possibilitam mudanças no modelo econômico e político outrora estabelecido. A grande contribuição e proposta dos autores consiste no planejamento delineado para a boa vida bem como para a manutenção da cultura e da própria sobrevivência. O fato é que como afirmou o próprio Skinner (1973, p. 3), "Thoreau's advice is still sound: the good life is to be reached by deliberate planning"x.

 

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Endereço para correspondência:
Waldir Monteiro Sampaio
waldirsampaio@outlook.com

Paulo Roberto dos Santos Ferreira
paulorobertosantosferreira@gmail.com

Submetido em: 04/05/2015
Revisto em: 04/05/2017
Aceito em: 06/06/2017

 

 

i Utilizou-se dupla referência para obras clássicas republicadas utilizadas no estudo com o fito de facilitar a consulta do leitor.
ii "Walden (de Thoreau) descreveu apenas o Walden para um sujeito. Thoreau pediu apenas para ser deixado sozinho, como um individualista. A tecnologia poderia contribuir (para uma proposta coletiva)".
iii "O sistema de lucro é ruim, mesmo quando o trabalhador recebe diretamente os lucros, isso porque a tensão do excesso de trabalho não é aliviada nem mesmo por uma grande recompensa".
iv "Na verdade, o trabalhador não tem tempo livre para lazer e para um dia a dia integro; ele não pode ter o luxo de sustentar uma relação humana com os homens; seu trabalho seria depreciado no mercado. Ele não tem tempo para ser outra coisa senão uma máquina."
v "Eu, profundamente, aceito o mote 'o melhor governo é o que menos governa'; e eu gostaria de vê-lo se tornar realidade rápida e sistematicamente. Tornando-se realidade, optaria a este outro lema, que também acredito 'o melhor governo é o que absolutamente não governa'; e quando os homens estiverem preparados, esse será o tipo de governo que terão".
vi "A medida que as tecnologias de administração avançam, menos é deixado para decisões dos governantes. (...) Os administradores serão suficientes".
vii "A ação política não foi útil na construção de um mundo melhor, e os homens com boa vontade tiveram que recorrer a melhores medidas o mais rápido possível. Qualquer grupo de pessoas poderia garantir a auto-suficiência econômica com a ajuda da tecnologia moderna, e os problemas psicológicos do grupo poderiam ser revolvidos com os princípios disponíveis da engenharia comportamental".
viii "Você não pode fazer nenhum progresso em direção a boa vida tendo como via a ação política! Nem se submetendo a qualquer forma atual de governo! Você deve operar em um nível completamente diferente. O que você precisa é um tipo de Comitê de Ação Não Política: mantenha-se fora da política e longe do governo".
ix "Agora, as formas mais primitivas de governo são, naturalmente, baseadas em punição. Isso é óbvio quando o fisicamente mais forte controla o mais fraco. Mas estamos em meio a uma grande mudança em direção ao reforço positivo, saindo de uma sociedade competitiva onde a recompensa dos homens é castigo para outros e para uma sociedade cooperativa onde ninguém é recompensado à custa de outra pessoa".
x "O aviso de Thoreau continua a ser ouvido: a boa vida deve ser alcançada por um planejamento deliberado".

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