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Arquivos Brasileiros de Psicologia

versão On-line ISSN 1809-5267

Arq. bras. psicol. vol.69 no.2 Rio de Janeiro  2017

 

ARTIGOS

 

Coping religioso/espiritual: uma revisão sistemática de literatura (2003-2013)

 

Spiritual/Religious Coping: A systematic literature review (2003-2013)

 

Coping religioso/espiritual: Una revisión de la literatura (2003-2013)

 

 

Gisele Fernandes de Lima FochI; Andressa Melina Becker SilvaII; Sônia Regina Fiorim EnumoIII

IPsicóloga. Mestre em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Campinas. Estado de São Paulo. Brasil
IIEducadora física. Docente nos cursos de Psicologia e Educação Física da Universidade de Sorocaba (UNISO). Doutora em Psicologia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas. Sorocaba. Estado de São Paulo. Brasil
IIIProfessora Emérita da Universidade Federal do Espírito Santo. Docente. Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas). Campinas. Estado de São Paulo. Brasil

Endereço para correspondência

 

 


RESUMO

O coping religioso/espiritual (CRE) para lidar com o estresse inclui estratégias de enfrentamento apresentadas por pessoas de diversas culturas e se relaciona com melhores preditores de saúde física e mental e qualidade de vida. Analisou-se este conceito nos estudos na área da saúde, por revisão sistemática da literatura (2003-2013), nas bases eletrônicas SciELO, BVS, PePSIC e PubMed, utilizando os descritores "coping religioso" e "saúde", em português e inglês. Localizou-se 1.092 artigos, mas, aplicando-se os critérios de exclusão, foram analisados na íntegra 31 artigos. Os resultados mostram uma crescente publicação sobre o tema depois de 2010, uma menor produção brasileira sobre o tema, a associação do CRE positivo com melhores desfechos em doenças crônicas, em especial o câncer, e nos transtornos mentais, como a depressão, em geral avaliadas por instrumentos padronizados. Destaca-se a importância de capacitar os profissionais para lidar com as questões de religiosidade/espiritualidade na área da Saúde.

Palavras-chave: Religião; Espiritualidade; Coping; Saúde; Estresse psicológico.


ABSTRACT

The "spiritual/religious coping" (SRC) to deal with stress includes ways of coping widely presented by people of different cultures and it is related to better predictors of mental and physical health, and quality of life. This concept was analyzed in studies of health, by systematic literature review (2003-2013), in the electronic databases SciELO, BVS, PePSIC and PubMed, using the keywords "religious coping", in Portuguese and in English. It were collected 1.092 articles; but applying the exclusion criteria, 31 articles were fully analyzed. The results show the growing publication on the subject after 2010; the lower production in Brazil; the relationship between positive SRC and better outcomes in chronic diseases, particularly in cancer, and mental disorders as depression, which were evaluated by standardized instruments. It is important to enable professionals to deal with issues of spirituality/religiosity in the area of health.

Keywords: Religion; Spirituality; Coping; Health; Psychological stress.


RESUMEN

El "coping religioso/espiritual" (CRE) para afrontar el estrés contiene estrategias de enfrentamiento presentadas por personas de diversas culturas y se relaciona con mejores predictores de salud física y mental, y calidad de vida. Se analizó este concepto en los estudios del campo de la salud, mediante revisión sistemática (2003-2013) en las bases electrónicas SciELO, BVS, PePsic y PubMed, utilizando los descriptores "coping religioso" y "salud", en portugués e inglés. Fueron localizados 1.092 artículos; pero, con la aplicación de los criterios de exclusión, fueron analizados en su totalidad 31 artículos. Los resultados muestran una publicación creciente sobre el tema después de 2010, una pequeña producción brasileña sobre el tema, la asociación del CRE positivo con mejores resultados en las enfermedades crónicas, especialmente el cáncer, y en los trastornos mentales, como la depresión, por lo general evaluado por instrumentos estandarizados. Se destaca la importancia de la formación de profesionales para hacer frente a las cuestiones religiosas/espirituales en el área de la Salud.

PalabrasClave: Religión; Espiritualidad; Coping; Salud; Estrés psicológico.


 

 

Introdução

Religião, Medicina e cuidados com a saúde se entrelaçam em todos os povos desde os primórdios, separando-se no final do século XIX, com o incentivo da Psiquiatria, em especial com os estudos de Sigmund Freud (Koenig, 2012). Ciência e religião passaram, então, a traçar caminhos opostos, especialmente em países desenvolvidos, mas, em meados do século XX, voltaram a convergir, em especial pela ligação cientificamente fundamentada entre as funções cerebrais do lobo temporal e as experiências religiosas (Gobatto, & Araujo, 2010). Inicialmente, foram estudados os transtornos dessa região cerebral, como a epilepsia do lobo temporal, de forma que esses estudos tendiam a relacionar as experiências religiosas às patologias. Procurando confirmar esta hipótese, um grupo de pesquisadores suecos realizou um estudo de verificação, repetindo procedimentos dos estudos anteriores; mas os resultados não foram confirmados. Críticas às pesquisas baseadas nessa "hipótese do lobo temporal" foram crescendo, fundadas na ideia de que a experiência espiritual incluía elementos variados e de diferentes naturezas, que podem corresponder a atividades cerebrais de qualquer lobo cerebral ou área do encéfalo (Cescon, 2011).

Além das pesquisas neurológicas, a religiosidade/espiritualidade (R/S) tem sido estudada em termos de sua função para os desfechos de saúde física e mental (Cardoso, & Peres, 2011; George, Larson, Koenig, & McCullough, 2000; Koenig, 2001; Nolan et al., 2012; Santos, Giacomin, Pereira, & Firmo, 2013). Um dos conceitos aplicados no estudo da relação entre saúde e R/S é o coping religioso/espiritual (CRE) (coping, palavra inglesa que significa "lidar com"). O CRE se refere aos comportamentos e crenças religiosas apresentados pelas pessoas para facilitar a resolução de problemas e prevenir ou aliviar consequências emocionais negativas de situações estressantes (Faria, & Seidl, 2005; Gobatto, & Araujo, 2010; Haghighi, 2013; Koenig, Pargament, & Nielsen, 1998; Panzini, & Bandeira, 2007).

É comum observar, nos diferentes estudos, o uso apenas do conceito de coping religioso, sem referência à espiritualidade, que é entendida como "humanismo, valores, moralidade e saúde mental, por sua conexão com o que é sagrado, a transcendência" (Koenig, 2012, p. 3). Evidencia-se aqui a variedade de concepções sobre as funções da religiosidade no enfrentamento de estresse. Alguns autores entendem que a religiosidade já contempla os comportamentos de fé, incluindo os atos religiosos e espirituais concomitantes, aplicando, assim, o termo "coping religioso". Outros autores utilizam o termo "coping religioso/espiritual" por distinguirem os termos "religiosidade" e "espiritualidade" (Panzini, & Bandeira, 2007).

Na tentativa de melhor definir este conceito, a partir de 1997, iniciou-se um movimento para operacionalizar esses termos, buscando-se uma homogeneidade teórica (Panzini, & Bandeira, 2007). A religiosidade passou a ser entendida como uma relação pessoal com Deus, por meio de rituais, que ocorrem através de práticas sociais vinculadas a doutrinas coletivas e comportamentos morais e espirituais específicos. A espiritualidade, por sua vez, estaria relacionada a uma experiência mais pessoal, podendo ou não estar ligada à religião (Camboim, & Rique, 2010; Dalgalorrondo, 2008; George et al., 2000; Vandenberghe, 2005). Textos mais antigos usam somente o termo "coping religioso", embora estejam também se referindo ao uso da espiritualidade no processo de enfrentamento. Assim, esses termos são complementares e usualmente utilizados em conjunto nos estudos atuais (Koenig, 2012; Panzini, & Bandeira, 2007), posição também adotada neste estudo.

Pargament (1990), um autor de referência no estudo do CRE, esclarece que todas as pessoas têm um sistema de crenças e práticas que influenciam no modo como percebem e lidam com as situações difíceis da vida. A religião é parte desse sistema, de forma a se apresentar em todas as fases do processo de coping, com várias funções. Está presente em eventos de vida críticos e suas avaliações, nas estratégias de enfrentamento (EE) (ways of coping), e também nos resultados do coping (Pargament, 2011). Considera-se que o CRE tem cinco funções principais: busca por significado, controle, conforto espiritual, intimidade com Deus e com outras pessoas, e transformação da vida (Pargament, Koenig, & Peres, 2000).

Frente a essas diferentes funções do coping religioso, Pargament (1997) classificou-o em coping religioso/espiritual positivo (CREP) e negativo (CREN). O CREP inclui buscar apoio/suporte espiritual, resolver problemas em colaboração com Deus, redefinir o estressor de forma benevolente, buscar ajuda/conforto na literatura religiosa, buscar perdoar e ser perdoado, orar pelo bem-estar dos outros, buscar ajuda do clero e membros da instituição religiosa, entre outras (Koenig et al., 1998; Pargament, Smith, Koenig, & Perez, 1998; Pargament et al., 2000). Já o CREN gera consequências prejudiciais ao indivíduo, como questionar a existência, bem como o amor e os atos de Deus; sentir insatisfação ou descontentamento em relação a Deus ou à instituição religiosa; presença de conflitos interpessoais com membros do grupo religioso; duvidar dos poderes de Deus para interferir na situação estressora; delegar a Deus a resolução dos problemas; a crença de um Deus punitivo (Koenig et al., 1998; Pargament et al., 2000).

Com base no modelo de avaliação cognitiva do estressor e as funções do coping, as EE podem ser classificadas em: a) focalizadas no problema - que inclui ações práticas frente ao estressor; b) focalizadas na emoção - por meio de ações que tendem a regulação da resposta emocional (Folkman, & Lazarus, 1980; Lazarus, 1984). As EE focalizadas no problema podem se apresentar a partir de três estilos de CRE: autodireção (selfdirecting) - em que o sujeito é ativo e percebe Deus como Aquele que dá liberdade e meios para que o sujeito tome controle sobre sua vida; delegação (deferring) - em que o sujeito é passivo, esperando que Deus solucione seus problemas; e colaboração (collaborative) - em que, tanto o sujeito, quanto Deus são ativos, havendo parceria na resolução dos problemas (Pargament et al., 1988). Posteriormente, Pargament (1997) sugeriu um quarto estilo de CRE: súplica (pleading), no qual o sujeito roga a Deus, tentando influenciá-lo para que Ele intervenha e resolva o problema. O autor afirma ainda que a religiosidade pode estar envolvida ao processo de coping por três meios: sendo parte deste; contribuir para que este ocorra; ou ser resultado deste processo.

Considerando a relevância do tema e a necessidade de pesquisas que contribuam para o entendimento sobre o papel da religião e da espiritualidade no processo de coping de situações estressantes, este estudo analisou como este conceito vem sendo discutido nas publicações científicas no período de 2003 a 2013. Apesar de já haver revisão bibliográfica nacional sobre a religiosidade e o coping no processo saúde-doença (Faria, & Seidl, 2005), esta pesquisa procurou atualizar a produção da área, contribuindo para a compreensão deste conceito, podendo subsidiar outras pesquisas sobre o tema.

 

Método

Foi feita uma revisão sistemática da literatura, utilizando como descritores "coping religioso" and "saúde", e seus correspondentes em inglês - "religious coping" and "health", para a busca das publicações feitas no período de 2003 a 2013, nas seguintes bases de dados: Scientific Eletronic Library On Line (SciELO), Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e Public Medline (PubMed). A busca se deu no mês de maio de 2013. Estudos anteriores a 2003 puderam contribuir significativamente para a compreensão do tema. Entre os autores, destacam-se Harold G. Koenig e Kenneth I. Pargament, os quais foram fundamentam a compreensão do tema.

Foram localizados 1.092 artigos, sendo 39 na SciELO, 80 na BVS, 5 no PePSIC e 968 no PubMed. Aplicando-se os critérios de exclusão: a) artigos que não se relacionavam diretamente com a temática (n = 1.017); b) artigos repetidos (n = 39); c) artigos não empíricos (n = 5), foram lidos na íntegra 31 estudos (Figura 1). Estes foram categorizados em relação ao ano de publicação, à região onde o estudo ocorreu, autores, temática abordada e tipo de instrumentos utilizados.

 

Resultados

Localizando temporalmente e avaliando a frequência da produção, observa-se que esta aumentou na década de 2010, com destaque anterior para o ano de 2006. Observa-se também que, em 2003 e 2008, nenhum estudo foi localizado (Figura 2).

Os 31 artigos selecionados foram desenvolvidos a maior parte no exterior (n = 24; 77,42%): Estados Unidos da América (n = 17); Irã (n = 2), Colômbia, Venezuela, Polônia, Croácia e Inglaterra (n = 1, de cada país); de forma que somente sete (22,58%) são estudos nacionais.

Essas publicações têm, em geral, múltipla autoria, somando 130 autores. Um autor foi responsável por três estudos distintos (Maciejewski et al., 2012; Phelps et al., 2009; Tarakeshwar, 2006) e 11 autores tiveram duas publicações aqui analisadas. Nos estudos nacionais, destacam-se a adaptação e validação do RCOPE (Pargament et al, 2000) por Panzini e Bandeira (2005), criando a Escala de Coping Religioso-Espiritual (Escala CRE). A Tabela 1 apresenta as temáticas desses 31 estudos.

A maioria dos estudos (n = 18) analisa o CRE no contexto de doenças crônicas, como na prevenção do HIV, como preditor de saúde em quadros clínicos de artrite, anemia falciforme, doença renal e enfisema pulmonar, com destaque para o coping do câncer (29,03%). Foram identificados três estudos sobre tradução e levantamento de evidências psicométricas de validade de escalas, sendo - Escala CRE (Panzini, & Bandeira, 2005); Escala de Estratégias de Enfrentamento Espiritual (SCS) (Hawthorne, et al., 2011); e Questionário de coping religioso (RCOPE) (Talik, 2013). Outros artigos discutem doenças mentais severas, moderador de apoio social, incluindo-se o caso da institucionalização de idosos (Tabela 1).

Apesar de muitos estudos apontarem para a importância da religiosidade/espiritualidade no enfrentamento de problemas de saúde, Hill e Pargament (2003) destacaram o pouco conhecimento por parte de pesquisadores da saúde em relação aos estudos psicológicos sobre a função da religião. A hipótese desses autores para esta condição decorre do fato de muitas pesquisas serem publicadas em revistas especializadas no estudo da religiosidade. Estas, por sua vez, estão fora do campo da Psiquiatria, como ressalta Koenig (2012), em revisão da área de 1872 até 2010 - estão nos periódicos de Medicina, Enfermagem, Fisioterapia e Terapia Ocupacional, Serviço Social, Saúde Pública, Sociologia, Psicologia, Religião, Cuidados pastorais, Estudos populacionais, Economia e Direito. Mesmo diante da informatização, que viabiliza acesso rápido e fácil as produções científicas, ver o sujeito de modo integrado ainda parece ser uma proposta distante das ações de saúde, sendo, portanto, a religiosidade/espiritualidade um aspecto pouco valorizado nesse contexto (Koenig, 2012).

Oito estudos aplicaram mais de um instrumento na coleta de dados, variando de um a sete instrumentos, somando 88 citações de técnicas ou instrumentos (Tabela 2).

Houve predominância do uso de instrumentos padronizados (68,18%), seguido de entrevistas e questionários (18,16%). Para a avaliação do CRE, o instrumento mais utilizado foi o RCOPE, utilizado em nove estudos (Pargament et al., 2000), seguido do - Brief COPE Scale, em sete estudos (Carver, Scheier, & Weintraub, 1989) (Tabela 2). Os estudos nacionais aplicaram Escala CRE (n = 3) (Martins, Ribeiro, Feital, Baracho, & Ribeiro, 2012; Valcanti et al., 2012; Vitorino, & Viana, 2012), Escala breve de Enfrentamento Religioso (n = 2) (Faria & Seidl, 2006; Mesquita et al., 2013), Escala Modos de Enfrentamento de Problemas (EMEP) (n = 1) (Faria, & Seidl, 2006), entrevista (n = 1) (Santos et al., 2013), enfoque naturalístico - descrição de relatos que ocorreram no grupo de apoio (n = 1) (Cardoso, & Peres, 2011). Os estudos usaram outros instrumentos para avaliar outras variáveis relacionadas ao CRE, como a depressão, a percepção de autoeficácia, a dor, a desesperança, o nível de estresse, a qualidade de vida e as EE do estresse.

Resumos dos artigos analisados são apresentados na Tabela 3. Apresentam-se os dados sobre os autores e ano de publicação, objetivos, número de participantes do estudo, patologia ou condição clínica, instrumentos para avaliação do coping (geral ou R/S) e resultados.

 

Discussão

O objetivo deste trabalho foi analisar como o CRE vem sendo analisado nos estudos da área da Psicologia no período de 2003 a 2013. O incremento das publicações sobre o tema, a partir de 2010, acompanha a tendência geral dos estudos sobre a R/S no campo da saúde física e mental (Koenig, 2012). No geral, faz-se uma distinção entre o CREP, mais adaptativo, e o CREN, mal adaptativo.

O CREP e o CREN são analisados por seus resultados segundo a percepção da pessoa avaliada, sendo as EE positivas associadas a um relacionamento seguro com Deus, à crença de que há um sentido maior na vida e ao senso de conectividade espiritual com outras pessoas. Este é o caminho psicológico pelo qual a R/S afeta a saúde - por facilitar o coping e fornecer um significado e propósito para eventos negativos, estando relacionado a uma saúde mental melhor (menos depressão e ansiedade, menores níveis de estresse, maior bem-estar e mais emoções positivas) (Koenig, 2012). Já as EE do CREN representam uma relação oposta com Deus, gerando consequências prejudiciais à saúde física e mental (Koenig, 2012; Koenig et al., 1998; Pargament et al., 1998; 2000). Os estudos destacam os aspectos positivos do CRE, relacionando-o não somente à cura, mas também ao bem-estar, à qualidade de vida, à prevenção em saúde e à resiliência, enfatizando os aspectos culturais do CRE, seu papel nas intervenções em saúde (Faria, & Seidl, 2005; Gobatto, & Araujo, 2010; Koenig, 2012; Kuo, Arnold, & Rodriguez-Rubio, 2014). Os resultados dos estudos aqui analisados apontam que o CREP associa-se a uma melhora na qualidade de vida (Nolan et al., 2012; Panzini, & Bandeira, 2007; Tarakeshwar et al., 2006), ao bem-estar psicológico (Abraído-Lanza et al., 2004; Prado et al., 2004; Scandrett, & Mitchell, 2009), à diminuição da dor (Abraído-Lanza et al., 2004), da depressão (Haghighi, 2013) e do estresse pós-traumático (Mihaljevié et al., 2012), ao aumento da percepção de autoeficácia (Abraído-Lanza et al., 2004) e à busca por melhores técnicas para a manutenção do quadro clínico ou o prolongamento da vida em casos de doenças em estágios terminais (Maciejewski et al., 2012). Já o CREN apresenta resultados opostos (Puffer et al., 2012; Cardoso, & Peres, 2011; Faria, & Seidl, 2006; Hebert et al., 2009; Martins et al., 2012; Mihaljevicl et al., 2012; Nolan et al., 2012; Scandrett, & Michell, 2009; Vandecreek et al., 2004).

Apesar dos estudos destacarem a função da R/S das pessoas ao lidarem uma condição estressante, é relevante analisar também como as crenças religiosas e o conhecimento sobre o manejo religioso/espiritual por parte dos profissionais responsáveis pela assistência a essa população influenciam o processo de coping (Koenig, 2012). Como destacado por Paiva (2007), há profissionais de saúde e religiosos que consideram ser o pecado a raiz de toda doença, pautando assim o atendimento psicológico, o que pode não facilitar o uso de CREP. Pargament (1997) considera que o problema do CRE ocorre especialmente quando há o uso exclusivo de explicações religiosas para o enfrentamento de adversidades, em detrimento de outras. Destaca ainda que é importante a disponibilização de explicações médicas-científicas para as condições que acometem a saúde. Para tanto, é importante a inclusão, na formação de profissionais da saúde, do estudo científico da religiosidade-espiritualidade no processo de coping de doenças, instrumentalizando-os para lidar de modo mais funcional com as demandas de atendimento a esse público (Gobatto, & Araújo, 2013; Panzini, & Bandeira, 2007).

Aspectos sociais podem mediar o CRE, como o nível socioeconômico, uma vez que as pessoas com nível social mais baixo tendem a apresentar mais CREN (Quiceno, & Vinaccia, 2011; Valcanti et al., 2012). Outra variável é o gênero, com destaque para o fato das mulheres apresentarem mais CREP em relação aos homens (Haghighi, 2013). A idade é outro mediador - pessoas mais velhas apresentam maior religiosidade e espiritualidade e, portanto, tendem a apresentar mais CREP (Santos et al., 2013). Contudo, um fator que se destaca é a cultura de religiosidade. Afro-americanos, por exemplo, apresentam mais CRE quando comparados aos brancos (Greenawalt et al., 2011). Apesar de essas condições influenciarem as funções adaptativas do CRE, o conhecimento dos profissionais da saúde sobre as crenças e os recursos religiosos do paciente são essenciais para a promoção do CRE frente aos problemas de saúde. É importante que o profissional tenha uma atitude aberta em relação ao paciente e respeito aos seus recursos cognitivos e emocionais.

Outro ponto de interesse discutido nos artigos é o uso da Escala CRE (Panzini, & Bandeira, 2007), que se mostrou uma importante ferramenta para a pesquisa deste tema, sendo o instrumento mais aplicado nos trabalhos ora analisados. Como destacam seus autores, esta escala contribui também para a prática profissional do psicólogo, na medida em que pode viabilizar o conhecimento da área, orientar o planejamento de ações de saúde e implementar intervenções adequadas.

A importância de estudos sobre a religiosidade-espiritualidade no enfrentamento de problemas relacionados à saúde é destacada em todos os estudos, variando em alguma medida quanto à terminologia ou foco. Assim, a necessidade de uma linguagem mais uniforme e de um domínio maior e mais efetivo do profissional da área da saúde é importante, pois, saber manejar as crenças do paciente pode facilitar o uso do CREP, auxiliando também na diminuição da distância entre ciência, religião e fé.

 

Considerações finais

Esta revisão sistemática da literatura apontou um aumento de publicações sobre o CRE no contexto de saúde, especialmente a partir de 2010. Contudo, sua análise por profissionais da área tende a ser feita quando a religiosidade ou a espiritualidade fazem parte do sistema de valores da pessoa. Dessa forma, estudos sobre CRE no Brasil ganham mais importância por ser um país com diversas tradições religiosas, fato que faz com que a religiosidade e a espiritualidade componham o sistema de valores de milhões de pessoas. No entanto, apesar do aumento de estudos relacionados ao tema, ainda há poucos trabalhos no país quando comparado a estudos internacionais.

Os resultados dos estudos analisados indicam que a R/S é uma condição facilitadora para comportamentos mais saudáveis, bem como para a recuperação da saúde e para o enfrentamento de doenças crônicas e da terminalidade da vida. Tal condição não significa que se deve refutar os apontamentos sobre os efeitos negativos do CRE, mas compreender quais são as variáveis e o mecanismo pelo qual a R/S promove ou dificulta o processo de coping no contexto da saúde. Estudos sobre o tema podem contribuir para ações de saúde mais adequadas e humanizadas, na medida em que auxiliam na compreensão da dimensão espiritual e dos valores pessoais e culturais dos indivíduos.

Este estudo pode contribuir para a área, ao disponibilizar informações e reflexões sobre as funções do CRE em pessoas com problemas de saúde. Destaca-se a necessidade de mais estudos que possam integrar as diversas interfaces entre religião, espiritualidade e saúde, nos diferentes contextos culturais, subsidiando a capacitação de profissionais de saúde.

 

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Endereço para correspondência:
Gisele Fernandes de Lima Foch
gi_flima@yahoo.com.br

Andressa Melina Becker Silva
andressa_becker@hotmail.com

Sônia Regina Fiorim Enumo
sonia.enumo@puc-campinas.edu.br

Submetido em: 02/02/2015
Revisto em: 09/03/2017
Aceito em: 04/04/2017

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