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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.69 no.2 Rio de Janeiro 2017
ARTIGOS
O luto do idoso diante das perdas da doença e do envelhecimento - Revisão Sistemática de Literatura
The mourning/grief of the elderly on the losses of the disease and aging - Systematic Literature
El luto del anciano frente a las pérdidas de la enfermedad y del envejecimiento - Revisión Sistemática de Literatura
Giovana KreuzI; Maria Helena Pereira FrancoII
IDoutora em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo. Estado de São Paulo. Brasil
IIDocente. Programa de Estudos Pós-Graduados em Psicologia Clínica. Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). São Paulo. Estado de São Paulo. Brasil
RESUMO
O envelhecimento é um processo natural, sequencial, individual, acumulativo, universal, que pode ou não, concomitantemente, incluir adoecimentos. O processo de envelhecimento culmina em perdas, assim, gerando lutos. O presente estudo tem como objetivo apresentar uma revisão sistemática da literatura sobre os lutos do idoso no processo de envelhecimento e adoecimento, realizada por meio de buscas de artigos científicos em língua Portuguesa, acesso irrestrito, publicados nas bases de dados BVS. Os artigos analisados buscam discutir a multiplicidade de valores e visões acerca do envelhecimento e colaboram para a reinterpretação do conceito de velhice e do modelo assistencial, mostrando que a doença e o envelhecimento são perdas significativas, com ênfase para que tais lutos sejam verdadeiramente reconhecidos e acolhidos pelos profissionais da saúde e pela sociedade.
Palavras-chave: Idoso; Luto; Envelhecimento; Adoecimento; Revisão sistemática de literatura.
ABSTRACT
Aging is a natural, sequential, individual, cumulative, universal process that may or may not concurrently include illness. The aging process culminates in losses, thus generating grief. This study aims to present a systematic review of the literature on the elderly grief in the aging and disease process, conducted through search of scientific articles published in the VHL (BVS-Bireme). The analyzed articles seek to discuss the multiplicity of values and views about aging and collaborate for the reinterpretation of the concept of old age and the care model, showing that disease and aging are significant losses, with an emphasis on ensuring that such grievances are truly acknowledged and welcomed by health professionals and society.
Keywords: Elderly; Mourning/grief; Aging; Illness; Systematic review of literature.
RESUMEN
El envejecimiento es un proceso natural, secuencial, individual, acumulativo, universal, que puede o no, concomitantemente, incluir enfermedades. El proceso de envejecimiento culmina en pérdidas, y genera, de este modo, lutos. Este estudio tiene como objetivo presentar una revisión sistemática de la literatura sobre los lutos del anciano en el proceso de envejecimiento y la enfermedad, llevada a cabo a través de la búsqueda de artículos científicos en lengua Portuguesa, acceso irrestricto, publicados en las bases de datos de la BVS. Los artículos analizados tratan de discutir la multiplicidad de valores y puntos de vista sobre el envejecimiento y colaboran para la reinterpretación del concepto de la vejez y del modelo de atención, lo que demuestra que la enfermedad y el envejecimiento son pérdidas significativas, con énfasis para que tales lutos sean verdaderamente reconocidos y acogidos por los profesionales de la salud y por la sociedad.
Palabras clave: Anciano; Luto; Envejecimiento; Enfermedad; Revisión sistemática de literatura.
Introdução
A Organização Mundial da Saúde (OMS) define a população idosa como sendo aquela constituída por pessoas com 60 anos de idade ou mais, sendo este um limite válido para os países em desenvolvimento. O limiar de 65 anos de idade ou mais, é adotado quando se trata de países desenvolvidos, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística, 2002). Tal critério leva em conta a cronologia, ou seja, é um marco etário, no qual a idade demarca a existência de direitos, acessos e classificações na classificação àqueles que envelhecem. No entanto, definir velhice é uma tarefa complexa, pois envolve fatores biológicos, emocionais, existenciais, socioculturais e também um autoconceito relativo ao ser e sentir-se velho. Como complicador, as chamadas terceira e quarta idades englobam indivíduos diferentes entre si do ponto de vista socioeconômico, demográfico e epidemiológico, portanto, definir o envelhecimento somente pelo critério da idade não é suficiente (IBGE, 2002). A longevidade estendida é realidade cada vez mais presente no Brasil, assim, a multiplicidade de conceitos sobre envelhecimento tenta incluir os sentidos atribuídos à passagem do tempo versus a realidade biológica objetivada nas transições físicas.
O envelhecimento humano é um processo gradativo que engloba aprendizagem, desenvolvimento e amadurecimento, no entanto o avanço progressivo do tempo pode culminar em diversas perdas físicas, sociais, cognitivas e exige intensa elaboração emocional do sujeito que envelhece visando uma adaptação saudável às mudanças desta fase que avança. A sociedade ocidental não oferece um lugar de destaque aos seus idosos e estes precisam enfrentar mais perdas do envelhecimento do que ganhos da maturidade (Bromberg, 2000). Neste contexto, seus lutos podem decorrer de perdas nos âmbitos social, financeiro, fisiológico e simbólico.
É impactante quando o idoso se depara com eventos como: a saída dos filhos, impondo muitas vezes restrições no convívio social e de lazer; a aposentadoria compulsória, com a qual pode haver afastamento de suas atividades laborais e produtivas e consequentes redução de renda e do convívio, assim como abalos no senso de utilidade; a constatação de que os pares estão morrendo ou ainda, o enfrentamento da viuvez e da solidão; a ausência de papéis sociais valorizados; o aparecimento de doenças ou comorbidades; o declínio da beleza e do vigor físico; a perda do exercício pleno da sexualidade; a perda da perspectiva de futuro (Bromberg, 2000; Kovács, & Vaiciunas, 2008; Silva, Carvalho, Santos, & Menezes, 2007). Com isso, cabe ao idoso organizar-se para empreender mudanças no estilo de vida e fazer uso efetivo de seus recursos emocionais para atuar sobre a realidade de perdas concretas e simbólicas.
Mesmo que o envelhecimento dependa de fatores como a percepção que o indivíduo e a sociedade detêm sobre o processo, é certo de que, em muitos casos, com o avanço do tempo, o corpo e a saúde sofrem o impacto das degenerações e envelhece, podendo apresentar maiores suscetibilidades ou vulnerabilidades e tornar-se cada vez mais propenso ao desenvolvimento de doenças e moléstias graves ou crônicas. Essa perda fisiológica do envelhecimento implica luto intenso, pois o corpo doente rompe a ilusão de imortalidade. Le Breton (2011, p. 236) deixa claro que o sentimento da velhice é uma mistura de "consciência de si", na qual podemos afirmar que o corpo muda, decai, adoece e uma "apreciação social e cultural", de acordo com o olhar do outro. Desta maneira, ao envelhecer somos levados a enfrentar todas essas perdas significativas, como o "surgimento ou agravamento de doenças crônicas que comprometem a saúde [...]. No entanto, a repercussão dessas perdas no indivíduo dependerá de seus fatores pessoais, sociais e iniciativas de enfrentamento" (Silva et al., 2007, p. 98).
O adoecimento grave ou crônico implica perda do status de/do ser saudável, culminando, muitas vezes, na perda de autonomia, no abalo na integridade física e em uma inevitável aproximação com a reflexão acerca da própria finitude. Essas perdas sucessivas decorrentes da doença promovem luto, somadas ao processo de envelhecimento do idoso que também implicam perdas e culminam lutos. No mesmo raciocínio, Suzuki, Almeida e Silva (2014, p.469) afirmam que "o enfrentamento de uma perda pode acelerar e potencializar a vivência de outras perdas", assim, justifica-se pensar acerca de como o idoso percebe e vivencia o luto diante de seu processo de envelhecimento.
Abordamos o processo de luto como algo dinâmico, compreendido como a reação ou resposta diante do rompimento de um vínculo significativo. Deste modo, o luto é vivido de maneira singular, assim como a relação que foi rompida, embora a manifestação de enlutamento esteja ancorada na cultura (Bowlby, 1990; Franco, 2010; Parkes, 1998; Worden, 2013). Compartilhamos da concepção de que não há duração determinada, nem fases preestabelecidas e que, para cada tipo de perda, devemos considerar os fatores e circunstâncias relacionados à perda e seus significados, dentre eles o contexto, a natureza do que foi perdido, a existência de rede de apoio, a personalidade do enlutado e estresses concomitantes (Franco, 2010; Worden, 2013).
Mesmo delimitando os aspectos relacionados ao processo de luto do idoso pelo envelhecimento e adoecimento, no presente artigo, cabe fazer menção ao importante movimento de ressignificação e reinvenção da velhice. Com a revolução da longevidade, vivenciamos modelos de velhice em transição e uma importante diversidade nas maneias de envelhecer. O velho não pode ser considerado como categoria estanque nem classificatória, pois há heterogeneidade tanto no processo de envelhecimento quanto no sujeito do envelhecimento. Para Debert (1999), há uma tendência contemporânea à revisão dos estereótipos associados à velhice, assim, a noção de perdas e de degenerescência daria lugar à nova concepção de que a velhice pode ser uma etapa que permite prazer, conquistas e realizações de sonhos, ou seja, há perspectiva de planos futuros na construção subjetiva e cronológica desta que antes era apenas a última etapa do ciclo vital.
Objetivo
Compreender os lutos do idoso diante do processo de envelhecimento e adoecimento.
Método
O método escolhido para a pesquisa foi a revisão sistemática de literatura (RSL), por caracterizar-se pelo emprego de métodos rigorosos e explícitos de identificação, avaliação e síntese de artigos científicos originais, recuperados nas principais fontes de informação científica pertinentes ao tema e por permitir que o resultado do estudo possa ser verificado, conferido e reproduzido (Nobre, & Bernardo, 2006). Desta maneira, a revisão sistemática de literatura permite "mapear o conhecimento sobre uma questão específica" (Castro, 2001, p. 4) e, no caso deste artigo, a questão trata do luto do idoso diante do próprio envelhecimento e adoecimento.
A busca foi realizada no segundo semestre de 2014 e totalmente atualizada no primeiro semestre de 2017, acessando artigos científicos publicados apenas em periódicos científicos, na base de dados da Biblioteca Virtual em Saúde BVS-Bireme (Lilacs, Ibecs, Medline, Biblioteca Cochrane, SciELO). As palavras-chave utilizadas para a pesquisa foram compostas por "adoecimento and idoso", "luto and idoso", "luto and adoecimento", "mortes simbólicas/perdas simbólicas".
Os critérios de inclusão utilizados foram: somente artigos empíricos e/ou teóricos, publicados no idioma português, disponíveis em texto completo e com acesso irrestrito, sem limite quanto a data de publicação (devido ao escasso número de publicações que atingiam o objetivo pretendido) e no caso de exceções, estas estão detalhadas no texto a cada busca.
Resultados
Um panorama geral com os resultados das pesquisas realizadas na base de dados da BVS - Biblioteca Virtual em Saúde e no site da SciELO pode ser visualizado na Tabela 1, na qual são apresentados os resultados obtidos em cada etapa das buscas.
Para a busca na base de dados BVS com as palavras "Adoecimento and Idoso", foram encontrados 110 trabalhos publicados. Os trabalhos encontrados abordam: as percepções e dificuldades dos cuidadores de pessoas idosas em diferentes tipos de patologias crônicas; ad necessidades próprias do envelhecimento relacionadas às atividades de vida diária; o acesso aos serviços de saúde; e os aspectos clínicos de doenças que acometem pessoas idosas, assim como, títulos que não abordam os descritores. Depois da leitura de todos os títulos, oito foram selecionados para leitura na íntegra, e destes, seis artigos foram incluídos para análise por abordarem o tema pretendido.
A busca na base de dados BVS com as palavras "Luto and Idoso" resultou em 45 trabalhos publicados, dos quais nove foram selecionados para leitura completa, resultando seis artigos que abordam o tema do luto para o idoso especificamente, portanto, incluídos neste estudo. Dos artigos não incluídos, os temas abordados referem-se: ao luto do cuidador; aos lutos acerca de amputações, hospitalizações e outros contextos e situações de perdas, no entanto, sem especificações para a população idosa.
Na pesquisa na BVS com as palavras "Luto and adoecimento", obteve-se oito trabalhos, porém, apenas uma monografia abordou o tema pesquisado e foi utilizada para leitura na íntegra, embora não tenha sido incluída na análise, pois não atende ao critério de seleção, sendo apenas artigos. Semelhantemente ocorreu com as expressões "Mortes simbólicas/perdas simbólicas" na base de dados BVS, na qual foram obtidos 13 trabalhos, no entanto, apenas uma dissertação de mestrado abordou o tema e foi lida na íntegra, embora não tenha sido incluída na análise devido ao critério.
A inclusão dos 12 artigos referidos para análise se deu por estes atenderem aos critérios e ao tema proposto (Tabela 2).
Especificamente devido ao fato de serem somente 12 artigos escolhidos para análise, estes foram todos descritos e comentados e, na sequência, realizamos a discussão com o enlace das questões que surgiram em concordância ou dissonância nos textos em relação à temática do luto do idoso acerca do envelhecimento e do adoecimento.
O artigo Idosos em cena: falas do adoecer (Garcia, Odoni, Souza, Frigério, & Merlin, 2005) contextualiza as falas dos idosos surge o envelhecer associado à perda ou incapacidade. Os participantes apresentam múltiplas comorbidades já na faixa dos 60 anos justificando o quadro de adoecimento que acelera a dependência e a perda de autonomia, assim, mesclam-se os relatos de incapacidade laboral ou para atividades diárias (varrer a casa, fazer faxina) e declínio da saúde/adoecimento (mobilidade, acuidade visual, força, esquecimento, tontura, dor), culminando no descontrole sobre o próprio corpo (a cronicidade das doenças passa a ser vista como natural, há prevalência de depressão, os idosos preferem morrer a dar trabalho). As condições socioeconômicas desfavoráveis acentuam as repercussões negativas do adoecer e do envelhecer e com consequência de se conceber o envelhecer e o adoecer como incapacidade, há no idoso um processo ainda mais profundo do que na população geral, de subjugação à doença, de "ser-paciente" e entregar-se nas mãos dos médicos e familiares (Gomes, & Mendonça, 2002; Alves & Rabelo, 1995 citados por Garcia et al., 2005). Os resultados, no entanto, apontam também para a heterogeneidade de idosos quando nos relatos surge o aprendizado sobre o funcionamento de suas doenças e condições de saúde, a manutenção do autocuidado e a preocupação dos idosos em manter a saúde com o uso dos recursos disponibilizados (remédios, dieta, suporte, atividade física, mudança de hábitos), como demonstrado pelos autores (Garcia et al., 2005), quando a maior parte dos idosos entrevistados relatam a apropriação e a expressão de seu quadro clínico, dando explicações amplas sobre o processo de adoecimento, no sentido da integralidade. Os idosos também fazem uso de metáforas para explicar as próprias doenças, indicando uma interseção entre aquilo que a doença significa para ele e a explicação médica. Neste quesito, as queixas dos idosos acerca de não compreenderem a linguagem técnica também apareceu mesclada com as posturas profissionais (os que não explicam nada, os que explicam, mas usam termos incompreensíveis, os que explicam com uma linguagem acessível). Esse quadro profissional soma-se como componente do contexto saúde, que engloba dificuldades para marcar consultas, filas de espera, problemas com o Sistema Único de Saúde (SUS), prescrição de medicamentos que não se ajustam à clientela, dificuldades de acesso e uso dos medicamentos. Há, nas falas dos participantes, uma ilusão de que os convênios de saúde resolveriam o problema. Os autores mencionam o acesso à saúde tendo melhorado após o programa saúde da família e a valorização da experiência do idoso somada ao acesso da informação fornecida pelas equipes. Essa mudança do modelo assistencial promove acolhimento e socialização que são mencionados pelos idosos (grupos educativos, práticas alternativas, equipe multiprofissional).
O artigo Envelhecimento e saúde nas palavras de idosos de Porto Alegre (Vilarino, & Lopes, 2008) aborda a dimensão biológica da saúde, identificada no relato dos idosos, englobando os hábitos e cuidados em saúde (exercícios físicos, alimentação e dieta, qualidade do sono, mobilidade. A saúde é vista como ausência de dor ou o mesmo que não ter doença grave). Para as autoras "essa visão biologicista é nitidamente influenciada pela predominância das práticas e políticas de saúde na sociedade brasileira, que privilegiam o modelo médico-curativo" (Vilarino, & Lopes, 2008, p. 68). A dimensão social aparece quando os idosos associam saúde com paz, felicidade, vida e trabalho, a saúde é a coisa mais importante da vida. Na dimensão bio-sociocultural aparece um entrelaçamento das dimensões anteriores onde "esses idosos constroem, ao longo de suas vidas, concepções dinâmicas e ampliadas dos eventos ligados à saúde e à doença" (Vilarino, & Lopes, 2008, p. 68). Nas subcategorias 1. Imagem do corpo - aparece o cuidado com a higiene e o autocuidado que serve para sentir-se bem e ser aceito (banho, preocupação com odores, escovação de dentes, imagem que o outro vê); 2. Dieta e mídia - aparece a preocupação com o tipo de comida ideal, ou seja, preceitos normativos preconizados pela mídia (e pelas equipes de saúde) que são burlados pelos idosos "de vez em quando". Idosos acima de 80 anos sentem prazer em comer as coisas que escolhem e abandonam/libertam-se das amarras sociais; 3. Medicalização do corpo - aparece no cuidado vigilante com a saúde e no uso contínuo de medicação; 4. Lazer e trabalho - aparecem associados (trabalhar por remuneração ou não, seja um trabalho artesanal ou doméstico, é considerado como fonte de realização. Lazer é visto nas atividades como dançar, passear, atividades sociais e intelectuais). Os idosos deste estudo foram considerados envolvidos com a manutenção da atividade física, intelectual ou laboral como parte do cotidiano, como garantia de um envelhecimento saudável; mostram-se preocupados com a imagem do corpo, higiene e peso, autoestima, cuidados com a alimentação e mudança de hábitos. No entanto, as autoras também consideram que "identificou-se a influência das práticas de educação em saúde de tendência normatizadora e normalizadora na tentativa de regrar e disciplinar a vida e os corpos das pessoas nos aspectos relacionados às práticas de prevenção em saúde". Essa tendência enfrenta a "resistência" de alguns sujeitos que nem sempre adotam o que é tido como "verdade" em seu cotidiano" (Vilarino & Lopes, 2008, p. 74). As autoras destacam que para os idosos em questão deixar de trabalhar é desistir da vida, então, a manutenção das atividades físicas e intelectuais é decisiva para um envelhecimento saudável, assim, compreendem que vale apontar a necessidade da implementação de políticas públicas que promovam atividades de lazer, de esportes, educacionais e laborais dirigidas aos idosos - proporcionando inclusão social, práticas de promoção à saúde e garantindo um envelhecimento com qualidade de vida.
O artigo Ensinando psicoterapia com idosos: desafios e impasses (Dourado, Sousa, & Santos, 2008) discute o processo de ensino da psicoterapia realizada com idosos usuários do Serviço de Psicoterapia do Instituto de Psiquiatria da Universidade Federal do Rio de Janeiro, referindo-se ao trabalho de supervisão acadêmica. A Psicoterapia com idosos objetivava um suporte para aumentar a adesão dos idosos à medicação e, atualmente, conta com objetivos mais amplos, como o aumento da adesão ao tratamento, a redução dos sintomas, a identificação de quadros sindrômicos, a prevenção de recaídas/recorrências, a elaboração de trabalho de luto relacionado às perdas decorrentes das modificações nos papéis sociais e familiares, e a melhora na qualidade de vida dos pacientes e de seus familiares. As intervenções psicológicas podem melhorar o manejo de situações estressantes e visa "trabalhar o sentimento de desamparo relacionado à perda da própria imagem e da consciência de si, aumentar a capacidade de reação, estimular a autoestima e a expressão dos afetos" (Dourado et al., 2008, p. 95). A velhice apresenta as perdas em toda sua radicalidade e a psicoterapia com idosos implica uma clínica que trabalhe o luto (pelas perdas acumuladas, expectativa de vida reduzida, questões e fases advindas da doença Alzheimer).
O artigo A Velhice e a morte: reflexões sobre o processo de luto (Cocentino, & Viana, 2011) aponta para as perdas vividas na velhice englobando a morte real de amigos e companheiros, o corpo, o fim das relações de trabalho, o relacionamento social e familiar. Nas palavras das autoras, as "perdas perpassam tanto a dimensão do físico, em sua concretude, como os universos profissional, social e familiar processo de luto vivenciado nas sucessivas experiências de perdas na velhice" (Cocentino & Viana, 2011, p. 591). A associação simbólica entre velhice e morte é confirmada na cultura e intensifica quando o corpo dá sinais claros de declínio ou doenças. O objeto perdido na velhice, no tocante às perdas orgânicas (a acuidade visual e auditiva, o vigor físico, a beleza juvenil, a memória, a elasticidade e a potência sexual). Essas perdas evidenciam o estado de desamparo do idoso e demandam um sucessivo trabalho de luto na velhice.
O artigo Significados do vivido pela pessoa idosa longeva no processo de morte/morrer e luto (Menezes, & Lopes, 2014) parte da questão "Como o senhor(a) tem vivido seu envelhecimento até os dias atuais?", trazendo para este estudo os significados atribuídos, assim, percebeu-se que a pessoa idosa longeva vivencia o luto quando pessoas próximas começam a adoecer e morrer; os discursos dos idosos são ambíguos em relação a morte. As autoras concluem que "a pessoa idosa longeva frente ao processo de morte/morrer e luto desvela-se e vela-se de acordo com o momento que ela vive e as oportunidades que se apresentam, ou seja, é muito influenciada por sua historicidade" (Menezes, & Lopes, 2014, p. 3309). Nos relatos aparece o medo de morrer, mas também a tranquilidade de saber que vai morrer um dia; a percepção de que os amigos estão morrendo deixa a certeza da morte mais próxima, mas essa constatação é interessante na medida que associada ao sentido de vivência antecipada, uma vez que a própria morte só pode ser vivida antecipadamente, o que para as autoras, desencadeia medo (da solidão, das doenças e do sofrimento), fuga e negação; mencionados em parte no relato da entrevistada longeva: "Eu sou muito medrosa. Eu tenho medo de morrer. E tem horas que, quando eu me lembro! Estou passando o tempo e uns amigos morreram, daqui a pouco sou eu. Ninguém pode fugir, de jeito nenhum" (Menezes, & Lopes, 2014, p. 3311). No entanto, a antecipação da morte também é a realização de possibilidades, assim, o perceber-se na temporalidade, o estar-presente, o ser-finito e o ser-toda que a morte certifica, também abre o vislumbre de uma negociação na medida do possível. O antecipar permite essa presença da morte como possibilidade (poder-ser), assim "pode ser que a privação da saúde, o padecimento, forneça ocasião para que se abra a potencialidade do modo próprio, autêntico" (Menezes, & Lopes, 2014, p.3312). O luto é tratado com a devida importância neste texto e as autoras entendem que é um processo não linear que acaba por permitir a possibilidade de dar um sentido pleno à existência.
No estudo O significado da velhice e da experiência de envelhecer para os idosos (Freitas, Queiroz, & Sousa, 2010), as autoras identificaram que o envelhecimento, para estes idosos, traz muitas perdas, principalmente quando acometidos pelo adoecimento (que traz dor, sofrimento e perda da capacidade funcional). A partir da pergunta norteadora "O que significa a velhice e como foi envelhecer para o senhor(a)?", as autoras levantaram que a experiência de envelhecer trouxe perdas e dependência, mas que os idosos avaliam positivamente o processo dando ênfase para as conquistas pessoais e materiais e para a formação de uma família. Para os idosos, a religião é preponderante na construção de um conceito sobre velhice, uma vez que envelhecer com saúde é uma dádiva de Deus e, ainda, envelhecer com qualidade de vida significa autonomia e independência, uma vez que as atividades de agricultura e participação social devem ser mantidas e usufruídas; não se preocupam com a beleza física e sim com o exercício diário de seu trabalho. Se estão doentes, então podem estar impedidos de "trabalhar, dançar, brincar, relacionar-se e/ou manter laços mais fortalecidos com os amigos, como outrora" (Freitas et al., 2010, p. 410).
No artigo Representações sociais e crenças normativas sobre envelhecimento (Torres et al., 2015), aspectos como sabedoria, experiência e aposentadoria aparecem como representações compartilhadas entre os participantes acerca do envelhecimento, sendo sabedoria e experiência apontadas como estereótipos etários positivos. No entanto, a aposentadoria, como categoria, revela que o trabalho e os elementos a ele relacionados (atividade, capacidade, saúde, sexo, amigos, utilidade) significa que o momento máximo de sabedoria e experiência foi alcançado, mas também indica uma espécie de decadência, quando se chega ao ápice e depois se espera o declínio. Para os homens, o envelhecimento é representado "através de uma perspectiva patológica e negativa (doença, solidão e incapacidade) que se relaciona com o elemento 'aposentadoria', indicando o quanto a 'perda' do trabalho está vinculada às perdas da saúde, dos contatos sociais e da capacidade física" (p. 3628). Embora as representações sociais tenham se dividido entre ganhos e perdas, além dos estereótipos positivos atribuídos aos idosos, percebe-se que ao falar em nome do grupo e não por si mesmo, uma perspectiva negativa do envelhecimento emerge entre os participantes e se sobressai diante dos estereótipos positivos (p. 3629).
O artigo Envelhecer adoecendo: relatos de pacientes idosos internados no hospital universitário Júlio Muller, Cuiabá, MT (Campos, & Pecora, 2015) trata das representações e elaborações que os idosos com comprometimentos cardiovasculares, pertencentes a uma classe socioeconômica pouco favorecida e no contexto de internação de um hospital universitário de atendimento exclusivo do SUS; apresentam o envelhecimento atravessado pelo adoecimento, apontando suas perdas e dificuldades relativas, mas também reconhecendo, de forma positiva, o que constitui seu mecanismo de enfrentamento. Este perpassa pela força interior alcançada pelas experiências vivenciadas, pelo apoio familiar, pelo cuidado recebido e o acesso aos serviços de saúde. Envelhecer adoecendo, assim, é um processo construído ao longo da vida, que explicita perdas, em que a mais notada dela é a perda da saúde pela eclosão da doença. Quanto aos ganhos, estes aparecem em relação ao enfrentamento da doença, no autocuidado que passam a desenvolver quando a enfermidade é explicitada e também no confronto com a visão natural do envelhecer adoecendo que adotaram ao longo de suas trajetórias, podendo, no momento presente, questionarem e lamentarem por não terem se cuidado.
O artigo Ócio e cultura na (Re)construção identitária de pessoas idosas institucionalizadas (Sous,a & Baptista, 2015) trata a velhice como uma etapa da vida marcada por múltiplas perdas simbólicas e/ou concretas que, embora se apresentem inelutáveis e façam parte integrante do ciclo de vida, são, para o sujeito que as vivencia, experiências penosas, que obrigam a uma adaptação à nova realidade, ou seja, a novas formas de existir. Este estudo entende que em contextos de institucionalização, tanto o género, como as condições socioeconômicas, mas principalmente, a participação, ou não, em atividades culturais têm tendência a influenciar o processo de (re)construção da identidade na velhice, após uma perda emocional profunda. As narrativas dos sujeitos entrevistados revelam que a realização de atividades culturais, transformadas em momentos privilegiados de experiências de ócio, parecem influir de forma tendencialmente positiva nas estratégias fundamentais de manutenção de papéis sociais e de ligações às redes de apoio, impedindo o sentimento de ruptura social e de corte das relações sociais e comunitárias. Nesta linha de argumentação, as experiências de ócio, proporcionadas pelas atividades culturais, parecem salientar-se enquanto contextos fecundos de estratégias de adaptação à perda, influindo na capacidade de resiliência e de bem-estar do sujeito. As autoras concluem que pessoas idosas devem ter a oportunidade de (re)elaborar os seus tempos, de (re)construir a sua temporalidade, pois somente sob a condição de manter a sua autonomia conseguirão uma nova apropriação da sua identidade e da sua narrativa pessoal. Assim sendo, a adaptação à perda parece passar pela transformação dos tempos desocupados em experiências de ócio, tempos de solidão e alienação em tempos de autonomia pessoal e de (re)construção da própria identidade pessoal, cultural e social (p. 283).
O estudo Sobre a velhice e lutos difíceis: "eu não faço falta" (Castilho, & Bastos, 2015) aborda as teorias psicanalíticas para fundamentar o trabalho de luto e apontar as falas de idosos em análise que marcam o isolamento de não fazer falta, a angústia e a presença ou permanência de lutos realmente muito difíceis. As autoras diferenciam solidão de isolamento e apontam a importância do laço que o idoso, ao reconhecer a falta, pode viabilizar com o social, com o trabalho e com o outro na relação, para uma possibilidade de velhice saudável ou desejante. Assim, o trabalho com os lutos dos idosos é ancorado no necessário manejo da angústia (sustentada pelo analista), para que possa "ganhar direção e permita aceder à falta simbólica compatível com a circulação própria ao desejo" (p. 11).
O artigo O simbólico do idoso hospitalizado em enfermaria geriátrica: um estudo de caso (Zampieri et al., 2013) faz um estudo de caso de idoso internado, abordando seu processo de hospitalização, as dificuldades encontradas para adaptação à rotina e exigências do tratamento, incluindo o sofrimento psíquico gerado pela doença, como os medos, dúvidas, ansiedade e anseios em relação à condição de adoecimento. Os impactos do adoecimento e hospitalização, o afastamento da habitualidade e de alguns familiares, as angústias diante do medo da morte apontam para a necessidade de um acompanhamento e escuta psicológica na elaboração de conflitos e das perdas simbólicas e reais deste idoso.
O artigo As representações da morte e do luto no ciclo de vida (Salmazo-Silva et al., 2012) traz a representação de morte e luto para 22 participantes com idades classificadas como: 1. crianças, para as quais a morte caracterizou-se como um evento não normativo, representados por elementos que remetiam à violência urbana e punição frente ao desvio de normas sociais, presentes no cotidiano que vivenciavam, mas ao mesmo tempo distantes da própria realidade individual. 2. adultos jovens, que conceberam a morte como algo transcendente e o luto como a expressão da perda; 3. adultos de meia-idade, que sinalizaram o respeito ao processo de luto e se referiram à morte como finitude, perda de esperança. 4. Idosos, para quem a dimensão da própria finitude se expressou com maior clareza nas narrativas concedidas. Os autores verificaram que a reflexão sobre a morte e o luto recebe, entre outros atributos, a presença de elementos socioculturais, individuais e do ciclo de vida. Aprimorar os conhecimentos sobre como diferentes grupos etários compreendem a complexidade da morte e do luto ajuda-nos a aprimorar os achados sobre as representações desses eventos e sobre como intervir de forma positiva nos contextos da perda e do processo de morrer (p. 203).
Discussão
De maneira a englobar todos os artigos incluídos para esta análise, destacamos que o envelhecimento populacional e o aumento da longevidade são mencionados de maneira recorrente para apresentar a problemática da transição demográfica, com suas vantagens e desafios, justificando o recente interesse das áreas da saúde em estudos com idosos e doenças geriátricas; assim como um significativo interesse para estudos sobre as perdas reais e simbólicas do idoso em 2015 (Campos, & Pecora, 2015; Castilho, & Bastos, 2015; Cocentino, & Viana, 2011; Dourado et al., 2008; Freitas et al., 2010; Garcia et al., 2005; Menezes, & Lopes, 2014; Salmazo-Silva et al., 2012; Sousa, & Baptista, 2015; Torres et al., 2015; Vilarino, & Lopes, 2008; Zampieri et al., 2013).
A velhice associada a doenças e improdutividade ainda é um conceito frequente no discurso dos idosos. A velhice associada à saúde e à qualidade de vida aparece nos relatos quando os idosos podem continuar ativos e trabalhando, ou seja, executando suas atividades diárias sejam elas remuneradas ou não, assim, a aposentadoria - vista como declínio, também está associada negativamente à velhice (Dourado et al., 2008; Cocentino & Viana, 2011; Freitas et al., 2010; Garcia et al., 2005; Torres et al., 2015; Vilarino & Lopes, 2008). Isso ocorre, segundo Leme (1999) devido ao fato de vivermos em uma sociedade utilitarista na qual são valorizadas as condições materiais de ter, saber ou de poder, subestimando-se o ser - nestas condições o idoso fica em desvantagem. Essa condição fica ainda pior quando coexiste adoecimento, principalmente incapacitante, grave ou terminal.
A velhice aparece associada à morte, ao desgaste, ao declínio e a crescentes limitações físicas e no exercício de papéis e funções sociais; vigora no imaginário social e é constatado no discurso dos idosos que a morte está mais próxima do que nunca, pois sentem a morte dos colegas, cônjuges e companheiros de instituição como uma certeza da finitude derradeira (Campos, & Pecora, 2015; Freitas et al., 2010; Menezes, & Lopes, 2014; Torres et al., 2015).
Os artigos buscam discutir os conceitos sobre envelhecimento e velhice, indicando novas formas de pensar o envelhecimento e os valores atribuídos ao idoso na sociedade. Quando as sociedades extremizam os valores de competitividade, produtividade e independência, o estar doente significa não poder mais trabalhar e ser produtivo, logo, ser velho é condição de desvalorização (Freitas et al., 2010). Artigos discutem que, na velhice, o ser humano fica mais sujeito às perdas evolutivas em vários domínios, inclusive atentam para a questão biológica e a programação genética para envelhecer, no entanto, apresentam a velhice em sua totalidade, em suas múltiplas dimensões, como sendo também um fato cultural. Este é um ponto de inovação que estes artigos representam, mesmo não sendo o foco principal de suas pesquisas, eles trazem o contexto da cultura, a ideia dos múltiplos fatores do envelhecimento. Segundo Oliveira, Pedrosa e Santos (2009), neste século a velhice se impôs como um marcador importante. Antes, os estudos sobre idosos estavam habitualmente ligados à área da medicina e da saúde pública, sendo pouco o envelhecimento do ponto de vista psicossocial. Assim, questões ligadas à depressão, à aposentadoria, à sexualidade e à morte eram pouco exploradas. Os artigos concordam que o conceito de velhice é difícil e complexo de ser definido, e que deve levar em conta tanto o indivíduo como seu contexto social, pois os valores que a sociedade atribui ao envelhecimento e as influências sofridas por cada pessoa fazem parte dessa abrangência (Freitas et al., 2010; Menezes & Lopes, 2014; Vilarino & Lopes, 2008;).
Tanto o processo de envelhecimento como o de adoecimento são percebidos como perdas significativas pelos idosos (Campos, & Pecora, 2015; Castilho, & Bastos, 2015; Salmazo-Silva et al., 2012;Torres et al., 2015; Zampieri et al., 2013). No artigo que enfoca as falas do adoecer (Garcia et al., 2005), envelhecer está associado à perda e à incapacidade, piorando quando se constata a dependência e a perda de autonomia. A doença grave incapacitante é um apontamento frequente nos relatos de idosos e está associada à perda da capacidade de realizar as atividades cotidianas e de trabalhar, impedindo escolhas e obtenção de prazer. A saúde é vista como ausência de dor enquanto a doença implica dor.
Neste sentido, para corroborar com o encontrado nos artigos analisados, cito Le Breton (2011), que destaca com maestria essa redução progressiva do idoso ao corpo biológico, já que a velhice e a morte são os inomináveis da modernidade e escapam ao campo simbólico que dá sentido e valor às ações sociais, assim, encarnam o irredutível do corpo. Então, o velho fica reduzido ao seu mero corpo, sobretudo, nas instituições - é corpo velho, danificado, incapacitado, improdutivo que precisa ser alimentado, lavado. O velho já não é sua história, já não é sujeito, mas um corpo desfeito. Assim como um portador de deficiência, o velho é objeto de seu corpo e não mais completamente um sujeito. Para o autor, há uma dualidade que opõe o sujeito ao seu corpo e o torna dependente deste, desta forma, a doença e a dor são exemplos provisórios da dualidade inerente à condição do homem, enquanto o envelhecimento é associado a uma dualidade definitiva. Quando o idoso aponta a dor e a doença (que fazem da pessoa algo improdutivo ou incapacitado) como sinais claros da associação com a velhice e a morte; ele está justamente vivendo esse deixar de ser sujeito.
As práticas atuais em saúde caminham para a valorização dos múltiplos saberes e buscam a integração das experiências dos idosos (conhecimentos populares cotidianos) com as informações técnicas - educação em saúde é usada como uma ferramenta de apreensão e compreensão da realidade. As práticas educativas também são mencionadas, em alguns artigos, como instrumentos de controle e medicalização dos corpos, embora sejam admitidos os avanços benéficos que as mudanças de hábitos e o rigor médico tenham trazido à saúde de idosos (Vilarino, & Lopes, 2008). Cabe lembrar que os idosos ainda mesclam relatos de dificuldade de comunicação acessível com os profissionais da saúde, não compreensão das prescrições médicas na totalidade, dificuldades em marcar consultas e ter acesso aos medicamentos com relatos de valorização da relação profissional/usuário - dependendo do perfil profissional e dos serviços em questão (Garcia et al., 2005; Vilarino, & Lopes, 2008).
As doenças dos idosos têm características predominantemente crônico-degenerativas (também chamadas doenças de longa duração) sendo citadas nestes artigos as doenças demenciais como Alzheimer (Dourado et al., 2008; Garcia et al., 2005) e as crônicas como hipertensão, diabetes e câncer. As depressões e alterações do estado de ânimo são mencionadas como incapacitantes e recebem tanto explicações/justificativas religiosas quanto emocionais. Ainda, as doenças dos idosos podem ser consideradas como próprias da idade e não passiveis de tratamento, incluindo os transtornos psicossociais (Garcia et al., 2005). Doenças e adoecimento têm múltiplas representações, mas, de forma geral, representam perdas significativas para os idosos, eles temem as doenças e suas consequências como dores, sofrimento e perda da capacidade funcional/laboral - que resulta em inutilidade e descontrole sobre o corpo (Dourado et al., 2008; Freitas et al., 2010; Garcia et al., 2005). O idoso adoecido acaba por tornar-se subjugado, submisso ou subtratado em suas enfermidades, muitas vezes, entregando-se e submetendo-se aos cuidados institucionais ou familiares. No entanto, a apropriação do autocuidado construído no contato com os profissionais e na valorização do saber popular/comunidade, é um foco de destaque nos artigos (Garcia et al., 2005). Para reforçar as noções encontradas nestes artigos, cabe citar Leibing (2000) quando observa que nos modelos populares a velhice é continuidade, enquanto no modelo biomédico é ruptura e até esquecimento da pessoa idosa. Para a autora, é necessário pensar na falta de espaço público para se viver a velhice de forma valorizada, questionar a versão oficial de cordialidade e igualdade nas relações hierárquicas com os velhos, e finalmente poder intervir de maneira diferente numa doença do esquecimento (a exemplo do Alzheimer).
O luto do idoso, propriamente dito, em relação à perda da saúde e ao adoecimento não é tratado nestes três artigos (Freitas et al., 2010; Garcia et al., 2005; Vilarino & Lopes, 2008) de forma direta no que se refere ao conceito, compreensão e acolhimento do luto como processo, no entanto, mencionam os lutos como significativos e merecedores de atenção por parte dos envolvidos (serviços de assistência/cuidados e equipes de saúde), mas não trabalham a questão de forma efetiva no texto. Podemos inferir que os lutos não eram de fato o foco dos artigos mencionados, tendo sido apenas tocados de maneira ligeira, ou que provavelmente também sejam os lutos ainda negligenciados nas práticas clínicas e da saúde de maneira muito frequente, mesmo que ocorram grupos educativos ou terapêuticos, estes não trabalham com foco no luto. No entanto, três dos artigos trazem a temática do luto do idoso de forma articulada, esclarecendo o que é luto e com se dá o luto da pessoa idosa com suas perdas sucessivas seja no processo de envelhecimento seja no adoecimento; vale mencionar que o ponto mais relevante se faz quando tratam de abordar na prática o significado do idoso como ser para a morte (Menezes, & Lopes, 2014), assim como a preocupação em trabalhar os lutos do idoso na prática da psicoterapia (Dourado et al., 2008), ou ainda a constatação do desamparo do idoso frente a vivencia de suas perdas, demandado uma atenção genuína ao processo de luto (Cocentino, & Viana, 2011).
O artigo de Sousa e Baptista (2015) aborda uma estratégia para manejo da institucionalização de idosos e suas consequentes perdas gradativas ao longo do processo de envelhecimento; sendo o desenvolvimento de atividades culturais transformadas em ócio, ou seja, em possibilidade de autonomia pelos idosos, como importante ferramenta de (re)construção da identidade.
Quando os temas saúde/adoecimento/envelhecimento/luto são abordados nos artigos de Garcia et al. (2005), Vilarino e Lopes (2008) e Freitas et al. (2010), estes referem-se ao adoecimento físico e às relações com a saúde na percepção do próprio idoso, estas ficam mais restritas aos hábitos educativos das dimensões biológicas - e certamente representam um novo modelo assistencial, focado na saúde do idoso, na aquisição do autocuidado em saúde, na criação de grupos educativos e de convivência que permitam uma construção de conhecimentos sobre e para o idoso engendrada na prática. As perdas pelo envelhecimento e adoecimento são reconhecidas, embora não exatamente como lutos, não são abordadas ou tratadas integralmente nestes artigos e tampouco devem representar uma preocupação efetiva na prática em saúde, as menções apenas complementam as leituras e indicam uma fonte de sofrimento por parte do idoso.
O reconhecimento da cronicidade das doenças graves (degenerativas, fatais, incapacitantes), das incapacidades físico-cognitivas e da desvinculação com as atividades produtivas (de trabalho, intelectuais, artesanais, de lazer ou domésticas) são consideradas fontes de frustração e representam perdas significativas para as pessoas que envelhecem, porém parecem naturalizadas no discurso dos idosos e da sociedade. O quadro é tratado muitas vezes como algo decorrente do envelhecimento. Merece destaque o campo das depressões e toda ordem de transtornos psicossociais, que aparecem vinculadas ao universo das doenças de velhos, ou seja, próprias da idade.
Um diferencial importante aparece quando a devida importância aos lutos do envelhecer e adoecer são postos em evidência no artigo sobre psicoterapia com idosos, mudando o foco dos atendimentos psicológicos. Se antes o atendimento servia para promover a adesão do idoso aos tratamentos médicos e ao uso da medicação; passa a ter "na elaboração de trabalho de luto relacionado às perdas decorrentes das modificações nos papéis sociais e familiares" (Dourado et al., 2008) uma visão ampliada que possibilita a reorganização do idoso como agente de sua história. A atenção psicoterapêutica promove espaço de escuta para a condição do idoso, trabalhando suas perdas e valorizando o processo de luto - mesmo que neste caso ligado a doença demencial especificamente. Cabe destacar que o artigo sobre os significados do vivido pela pessoa longeva aponta a escuta de uma antecipação no tocante ao relato de idosos que percebem a morte dos outros como uma aproximação para sua própria finitude, e este é um ponto que figura para a compressão do luto do idoso já que este é um ser para a morte e pode ser acolhido em suas possibilidades para a criação de sentidos plenos para a própria existência (Menezes, & Lopes, 2014). Sendo assim, no artigo sobre velhice e morte: reflexões sobre o processo de luto, o desamparo que toma o idoso que envelhece ou adoece precisa ser visto e priorizado atentamente, permitindo ao idoso trabalhar seu luto (Cocentino, & Viana, 2011).
Considerações finais
A velhice não é um fato estático; é o resultado e o prolongamento de um processo. Em que consiste este processo? Em outras palavras, o que é envelhecer? Esta ideia está ligada à ideia de mudança. Mas a vida do embrião, do recém-nascido, da criança, é uma mudança contínua. Caberia concluir daí, como fizeram alguns, que nossa existência é uma morte lenta? É evidente que não. Semelhante paradoxo desconhece a verdade essencial da vida: ela é um sistema instável no qual se perde e se reconquista o equilíbrio a cada instante; a inércia é que é o sinônimo de morte. A lei da vida é mudar (Beauvoir, 1990, p. 17).
A velhice é um tema complexo e importante, que necessita ser discutido de forma articulada ao contexto social, ou seja, não pode estar desvinculado. O envelhecimento é um processo bio-psico-sociofisiológico e cultural, vital, universal, multideterminado, que se faz ao longo da vida. É vivido de maneira única, muito particular, pois se processa de forma muito diferente para cada pessoa, mesmo que profundamente ancorado no modo da cultura. Nesse sentido, as palavras de Beauvoir (1990) são esclarecedoras quando destaca que as representações do velho e da velhice, que se refletem no modo como são tratados, resultam tanto das circunstâncias materiais de cada sociedade quanto de seu sistema de valores e crenças, sofrendo mudanças em sociedades diferentes e ao longo do tempo dentro de uma mesma sociedade.
Os artigos analisados discutem a multiplicidade de valores e visões acerca do envelhecimento e colaboram para a reinterpretação, cada vez mais necessária, do conceito de velhice e do modelo assistencial, mostrando que envelhecimento e adoecimento são perdas significativas e merecem ser trabalhadas/reconhecidas, permitindo seus respectivos processos de luto. Por isso, valorizar o empreendimento de profissionais na escuta e no acolhimento, assim mudando o foco do trabalho em saúde, também é uma prática mencionada e desejada.
Concordamos que velhice não é um processo unívoco, mesmo que o envelhecimento seja determinado também biologicamente e a existência humana seja limitada; a superestrutura é determinada culturalmente e está aberta a reinterpretações e reconstruções (Featherstone, & Hepworth, 2000). Assim, reconhecer e acolher o luto do idoso acerca de seu processo de envelhecimento e adoecimento faz eco ao recorte para as perdas efetivas relacionadas ao processo de envelhecimento, cabendo atentar-se para o fato de que envelhecer é entregar-se a um lento, constante e necessário trabalho de luto. Desta maneira, o processo, empreendido pelo próprio sujeito, consiste em despojar-se daquilo que foi sua vida, elaborar as marcas deixadas no real do corpo, desinvestir daquilo que não é mais possível realizar e admitir que possui apenas um controle restrito sobre a própria existência, tratando de encontrar maneiras para conduzir o real e suas possibilidades com o futuro - neste sentido, devendo existir prioridade no trabalho com estes enlutados (Kovács, & Vaicunas, 2008; Mucida, 2006).
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Endereço para correspondência:
Giovana Kreuz
giovana_k@yahoo.com.br
Maria Helena Pereira Franco
mhfranco@pucsp.br
Submetido em: 22/03/2015
Revisto em: 22/05/2017
Aceito em: 12/06/2017