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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.70 no.2 Rio de Janeiro maio/ago. 2018
EDITORIAL
Construção coletiva do conhecimento e processo editorial de publicações acadêmicas seriadas
O número 2 do volume 70 de Arquivos Brasileiros de Psicologia publiciza 18 artigos inéditos em português envolvendo 55 autoras e autores e quase duas centenas de avaliadoras e avaliadores que colaboraram com quatro editoras e editores. Não menciono aqui as equipes de apoio da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e os profissionais envolvidos na produção técnica do periódico (revisoras e revisores, marcadoras e marcadores, diagramadoras e diagramadores, bibliotecárias e bibliotecários).
Participam deste número 52 autoras e autores de 12 das 27 unidades federativas do Brasil e três autoras portuguesas. Indicamos ainda a colaboração ao longo do ano na avaliação das submissões pesquisadoras e pesquisadores de 20 unidades federativas do país e de Portugal.
Estes números indicam o envolvimento de centenas de pesquisadoras e pesquisadores entre autoras e autores, avaliadoras e avaliadores, editoras e editores atuando para o enriquecimento dos textos e da pesquisa em Psicologia e áreas afins na etapa final de publicização das investigações. Nosso ponto central neste texto é o agenciamento editorial. Propomos dissertar brevemente sobre as articulações entre pesquisadoras e pesquisadoras com editoras e editores e avaliadoras e avaliadores. Esta tríade que representa apenas um segmento do processo editorial necessita de reflexões para que possamos intensificar e valorizar esta etapa da publicação e troca da produção acadêmica. Sabemos que o processo envolve aspectos muito variados e são frequentemente valorizados os dispositivos técnicos nas discussões em nossa área. As intensas avaliações de periódicos e dos programas de pós-graduação realizadas pela Capes evidenciam esta sobrevalorização (promovida certamente pela avaliação) de aspectos que servem ao ranqueamento. Assim, debatemos como comunidade preferencialmente sobre os indexadores, sobre o número de acessos, sobre o número de citações, sobre as hierarquizações que podem ser feitas a partir desses indicadores. Discorreremos aqui sobre outro aspecto, a colaboração da comunidade acadêmica para a produção e a circulação das investigações realizadas.
A dimensão coletiva é parte essencial do processo de produção do conhecimento acadêmico. Embora sobrevalorizemos, especialmente nas ciências humanas e sociais, a noção de autora e autor como fonte essencial da produção textual, ela corresponde à objetivação de um processo que envolve numerosos agentes e dimensões. Constitui ingenuidade pensar na produção textual sem conferir a devida relevância às formas correntes de sua produção e divulgação. A produção do conhecimento ultrapassa em muito a questão editorial e uma reflexão apropriada tem sido objeto de trabalhos consistentes. Reiteramos: queremos aqui, tão somente, indicar alguns aspectos da participação da comunidade acadêmica na produção editorial e do conhecimento.
Neste sentido, não é incomum que a relação entre as autoras e os autores com os periódicos seja assemelhada ao dos consumidores que demandam serviços de uma empresa comercial. Todo o processo editorial deste periódico (e isto ainda vale para a imensa maioria dos periódicos de Psicologia no Brasil) é financiado pelas universidades, associações e outras instituições mantenedoras das publicações. A ABP recebe com frequência fomento das agências governamentais voltadas à pesquisa e à tecnologia como as "Fapes" estaduais, a Capes e o CNPq. Além desta característica, o complexo trabalho de editoria envolve equipes nas diferentes universidades, associações e outras instituições que trabalham sem as condições apropriadas em termos de carga horária, capacitação, alocação de recursos e demais apoios para a realização da atividade. Acrescente-se a este quadro o crescimento da demanda de publicação por parte das pesquisadoras e dos pesquisadores e o interesse recente de gestão privada do ensino superior e das publicações seriadas e a cena que se forma é a de um funcionamento avaliativo pautado pela hierarquização das publicações, a de uma dinâmica profissional própria às relações comerciais de competição sem os ganhos financeiros próprios ao segmento superior do mercado e, por fim, a do empobrecimento das relações colaborativas e solidárias próprias às práticas docentes e de investigação da educação pública.
Elencamos estes aspectos para convidar a comunidade a refletir e a consolidar novas práticas colaborativas tanto na produção editorial como nas consequências desta publicização. Todos que trabalhamos em periódicos sabemos que submissões relativamente inacabadas são encaminhadas por pressão produtivista aumentando vertiginosamente o trabalho editorial, avaliadores fazem frequentemente considerações apressadas e colaboram pouco para o aprimoramento da submissão, colegas (algumas e alguns com publicações no próprio periódico) recusam colaborar como avaliadora ou avaliador, as revisões requeridas são frequentemente entendidas como críticas negativas pelo autor, o processo final de preparação do texto é alongado por falta de colaboração, pesquisas são fatiadas e publicadas em capítulos, modelos teóricos são aplicados em campos com pouquíssima relevância, mas elaborados com um certo formato aceitável de publicação. Enfim, o trabalho editorial que deveria ser momento intenso e celebratório da investigação acadêmica vai sendo transformado em algo corriqueiro e muitas vezes de pouca relevância. Às editoras e aos editores caberia a tarefa de selecionar a produção qualificada para apresentá-la à comunidade. Esta tarefa se torna impossível sem um novo enfoque da comunidade acadêmica quanto ao sentido da publicação.
O anúncio já bastante visível de uma política de ataques à educação pública deveria servir para revermos nossa prática acadêmica e valorizar dispositivos que nos fortaleçam como decorrência da relevância de nossas pesquisas e do espírito colaborativo, solidário e coletivo. Em lugar de uma corrida para inserção dos periódicos acadêmicos brasileiros nos indexadores das grandes empresas editoriais de publicações acadêmicas ganharemos a médio prazo ao fortalecer as bases de acesso aberto e a produção em redes qualificadas de apoio aos discursos universitários que não se satisfazem pelo alcance ao maior número de pessoas, mas por um compromisso com a consistência, o diálogo, a crítica, a qualidade e o respeito pelos procedimentos teóricos e metodológicos de nossa história.
Se desvelamos estes aspectos nada gloriosos do cotidiano editorial é para evidenciar a necessidade de uma reflexão sobre as práticas envolvidas em nossa produção seriada. Um debate mais consistente sobre a produção editorial precisa ser feito para unirmos esforços no sentido de difundir pesquisas de forma colaborativa e relevante.
Por fim, agradeço reiteradamente a colaboração dos colegas de editoria, Cláudia Henschel de Lima, Cristiana Carneiro e Pedro Paulo Gastalho de Bicalho pelo espírito coletivo com que realizam esta atividade. Faço também um agradecimento especial à Capes e ao CNPq pelo apoio que têm nos oferecido, sem o qual a qualidade do periódico seria certamente comprometida.
Francisco Teixeira Portugal
Editor