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Arquivos Brasileiros de Psicologia
versão On-line ISSN 1809-5267
Arq. bras. psicol. vol.72 no.spe Rio de Janeiro 2020
https://doi.org/10.36482/1809-5267.arbp2020v72s1p.48-65
ARTIGOS
Cheiro de alfazema: Neusa Souza, Virgínia e racismo na psicologia
Lavender scent: Neusa Souza, Virginia and racism in psychology
Aroma de lavanda: Neusa Souza, Virginia y el racismo en la psicología
Regina Marques de Souza Oliveira
Docente. Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Cruz das Almas. Estado da Bahia. Brasil
RESUMO
O artigo retrata aspectos da vida da médica psiquiatra Neusa Santos Souza e elementos biográficos de Virgínia Leone Bicudo. Ambas psicanalistas, negras e de vanguardas pioneiras na psicologia e psicanálise e calculadamente invisibilizadas nas academias científicas. O objetivo é organizar em forma de ensaio poético psicológico o contexto cultural existente na infância e adolescência da psicanalista negra nascida na Bahia, antes de radicar-se no Rio de Janeiro. Observa-se a importância de cientistas negras para a construção psicológica e psicanálise da saúde mental nas relações étnicas. Neusa é a pensadora central do texto, porém, Virgínia e outras pensadoras negras e negros importantes para a ciência da saúde mental são apresentados no percurso da narrativa. O resultado converge para a superação do epistemicídio que a academia eurocêntrica, na psicologia, insiste em realizar.
Palavras-chave: Cientistas negras; Psicanálise; Racismo; Psicologia; Ancestralidade.
ABSTRACT
The article portrays aspects of the life of the medical psychiatrist Neusa Santos Souza and biographical elements of Virgínia Leone Bicudo. Both psychoanalysts, black and avant-garde pioneers in psychology and psychoanalysis and calculatedly invisible in scientific academies. The objective is to organize, in the form of a psychological poetic essay, the cultural context existing in the childhood and adolescence of the black psychoanalyst born in Bahia, before settling in Rio de Janeiro. The importance of black scientists for the psychological construction and psychoanalysis of mental health in ethnic relations is observed. Neusa is the central thinker of the text. However, Virginia and other black male and female thinkers important to the science of mental health are presented in the course of the narrative. The result converges to overcoming the epistemicide that the Eurocentric academy in psychology insists on carrying out.
Keywords: Black scientists; Psychoanalysis; Racism; Psychology; Ancestry.
RESUMEN
El artículo retrata aspectos de la vida de la médica psiquiatra Neusa Santos Souza y elementos biográficos de Virgínia Leone Bicudo. Ambas psicoanalistas, negras y pioneras de las vanguardias en psicología y psicoanálisis y calculadamente invisibles en las academias científicas. El objetivo es organizar, en forma de ensayo psicológico poético, el contexto cultural existente en la infancia y adolescencia de la psicoanalista negra nacida en Bahía, antes de instalarse en Río de Janeiro. Señala la importancia de las científicas negras para la construcción psicológica y el psicoanálisis de la salud mental en las relaciones étnicas. Neusa es la pensadora central del texto. Sin embargo, Virginia y otras pensadoras negras y negros importantes para la ciencia de la salud mental se presentan en el curso de la narrativa. El resultado converge para la superación del epistemicidio que la academia eurocéntrica en psicología se empeña en llevar a cabo.
Palabras clave: Científicas negras; Psicoanálisis; Racismo; Psicología; Ascendencia.
Para falar e escutar Neusa, falaremos sobre corpos.
Neusa é psicanalista. Médica. Psiquiatra. Psicanalistas gostam de ouvir histórias. E mulheres negras anciãs gostam também de contar histórias.
Os corpos dos seres humanos possuem um enredo. Enredo e historicidade marcada pelo tempo de uma inscrição psíquica.
No Jardim da Aclimatação em Paris, em 1900, uma africana e seu filho são expostos, em um belo domingo, ao "zoológico humano" atrás das grades. Em companhia de animais e sob o olhar vigilante do guarda (Vigarello, 2006).
No Brasil, na Bahia, em 1900, Raimundo Nina Rodrigues, ao contrário de Juliano Moreira, enfatiza a inferioridade intelectual e o caráter degradado dos africanos e brasileiros negros (Oliveira, 2008). E Freud lança com sucesso o livro "A interpretação dos sonhos" e há milênios, civilizações africanas atestavam o valor dos sonhos na vida mental e social dos seres humanos (Hampaté Bâ, 2013; Oliveira, 2019).
Em 1911, João Batista de Lacerda, antropólogo e diretor do Museu Nacional, representa o governo brasileiro no I Congresso Internacional das Raças, em Londres, para afirmar que o Brasil mestiço estava em processo de branqueamento (Maio, 2006).
Os corpos são passíveis de serem considerados conforme designações de poder.
E as epistemologias são também redutos dos modos como a história dos corpos é construída.
Também em Paris, em 1887, no Hospital Salpetriére, Charcot, Freud e vários médicos observam nas instalações fechadas de uma sala, as manifestações físicas e psíquicas de uma mulher europeia branca considerada histérica.
As duas imagens de mulheres, africana negra e branca europeia, pertencem ao mesmo território geográfico; a Europa, e ao mesmo período histórico do processo de civilização humana, o final do século XIX e início do XX.
Isto foi há apenas um pouco mais de 100 anos. Muito próximo.
E comemoramos agora 72 anos de resistência de Neusa Santos Souza. E saudamos sua partida deste centro da Terra há apenas 12 anos, em 2008.
Os corpos, seus formatos e configurações estéticas, engendram sentidos psíquicos que marcam a história das formas de sociabilidades das pessoas no tempo de seu contexto. Estas estéticas e sociabilidades persistem para além do contexto objetivo e se transportam para universos temporais distintos de seus engendramentos psicossociais econômicos e culturais.
São transmissões psíquicas, processos de configurações subjetivas, alinhadas ao percurso civilizatório das sociedades humanas que portam expressões gigantescas de barbárie.
Neusa Santos Souza foi gigante em aprofundar a ótica da barbárie que assalta os corpos fisicos e psíquicos da população negra.
As duas imagens fotográficas e verídicas nos contam sobre como o olhar de Neusa compreendeu a lógica do poder na racialidade brasileira.
As duas imagens são também totalmente semelhantes, embora comportem sujeitos distintos naquela mesma época, as imagens revelam certa similiaridade entre uma e outra.
Elas demonstram o aprisionamento dos corpos - físicos e psíquicos. O corpo branco e o corpo negro. O corpo das mulheres. O corpo e violência contra alguns tipos de crianças. Mesmo quando ainda são pequenas, muito pequenas.
A mulher negra e a criança negra ainda mais encarcerada, no meio do parque, enjaulada. A branca, no privado centro da sala de estudos no hospital francês.
A observação dos transeuntes do Parque da Aclimatação diante da africana e seu bebê em nada difere da curiosidade considerada médica sob a atenção do objeto investigativo em relação à mulher branca.
A africana e sua criança estão ainda sob o olhar vigilante do guarda - autoridade dotada da capacidade do exercício de coerção e uso de violência se preciso for. Mais violência, se preciso for.
Neusa, do alto de sua negritude e ancestralidade étnica, é cientista da saúde mental. E é com grande lucidez que ela provavelmente observa o decoro dos médicos que investigam as manifestações histéricas de Blanche Wittman - a mulher madura e branca do continente europeu.
Blanche Wittman também porta a curiosidade da violência simbólica dos sentidos. Charcot não compreende o que Freud intuitivamente desconfia: o método de catarse não é suficiente porque não exime o sujeito dos sentidos de seu pertencimento.
Como Freud, Neusa Souza, quer avançar no ponto máximo da trama psicanalítica do gozo. Ela quer desvendar a lógica do sofrimento psíquico do racismo a partir da contemplação da suposta igualdade material do negro brasileiro em ascensão social.
Neusa sabe que os médicos, profissionais de saúde, são também guardas vigilantes, capazes de reduzir o sentido dos corpos, violar regras de horizontalidades discursivas e posicionarem-se verticalmente acima de qualquer possibilidade dialógica comunicacional.
Corpo e estética engendram o funcionamento do psíquico, no eu e no outro e, sob tal ótica, transmitem-se e perpassam-se, repassam-se no passar dos tempos, extrapolando contexto.
As duas imagens revelam a violência dos sentidos e a arrogância dos sujeitos que observam. Investigam. Curiosos e sedentos da destruição dos corpos, da expropriação dos corpos. Que olham e vasculham como se fossem os seus mesmos.
Neusa, sendo negra, médica, mulher e nascida no interior da Bahia, não caminha distante. Ela está atenta aos laços e esgarçamentos que a vida organiza nas alteridades dos caminhos. Neusa observa e investiga sentidos. Quais seriam estes sentidos?
Neusa Santos Souza soube por meio da escuta analítica desvendar os mistérios dos sentidos que encarnam a barbárie da violência. Ela traduziu primeiramente no Brasil a violência psíquica do racismo. O privilégio da branquitude, o desprezo a uma fala que não se transforma em diálogo. Como psicanalista, ao contrário da maioria deles, foi capaz de escutar as falas das pessoas negras e transformá-las em vozes ressoantes e potentes.
Ao escutar a dor do negro em sofrimento psíquico do racismo, ela potencializou as vozes da diáspora negra africana na psicanálise brasileira. Ecoou as vozes silenciadas - inalditas - porque preteridas, singular e socialmente.
O advento da psicanálise no mundo data de 120 anos. E Neusa Santos Souza tem agora 72 anos. Continuaremos a contar os passos de sua plena existência petrificada por palavras que edificam vidas que importam a todos: vidas negras. Seu corpo nos deixou - foi levado como um pássaro por uma águia linda, ao alto do cume de uma grande montanha, lugar dos deuses, no ano de 2008.
Quando seu corpo negro era próximo dos nossos, ela se questionava: por que existem práticas de violências e barbáries no contexto da humanidade? Por que as violências físicas e psíquicas continuam a ocorrer de formas semelhantes nos territórios e contextos distintos da geografia que registra as imagens que perscrutamos?
A noção de saúde, e a saúde mental em si, constrói-se a partir de valores simbólicos expressos na transmissão transgeracional da história dos corpos nos espaços sociais.
Em seus escritos e em sua vida no cotidiano dos hospitais em que trabalhou e dos pacientes que atendeu na cidade do Rio de Janeiro, Neusa nos ensina, assim como Foucault nos ensinou, a olhar para saber. Escutar para saber. E ensinando, nos mostra: "Mas olhar para saber, mostrar para ensinar, não é violência muda, tanto mais abusiva que se cala, sobre um corpo de sofrimento que pede para ser minorado e não manifestado? Pode a dor ser espetáculo?" (Foucault, 2004, p. 92).
Sim. Neusa responde que sim por meio de seus escritos. Sua fina escuta psicanalítica, de médica bem-sucedida e mulher negra, é capaz de ser empática com o clamor negro. Ao escutar a fala dos negros que sofrem a violência do racismo (físico e psíquico), transforma suas falas em diálogos. Que continuam falas surdas e inaudíveis para muitos não negros e, principalmente, psicanalistas e profissionais da saúde mental e psíquica - como psicólogos por exemplo.
Porém, a vida revolucionária de mulher negra, nascida no Recôncavo nas águas da Bahia, transforma a luta por uma psicanálise que se implique com a verdade de corpos e vidas que também importam, a despeito das escolhas pretéritas que este campo do conhecimento - a psicanálise - embala, Neusa, ao contrário de Charcot1, é capaz de observar como Freud, as dores psíquicas da humilhação do racismo e preconceito. Neusa, mulher negra, médica psiquiatra e psicanalista foi além, como Freud em seu tempo e em nosso tempo.
Neusa rompeu com a lógica burguesa dos psicanalistas de um Brasil que se pretendia embranquecido orgulhoso da ideia insana de "democracia racial", terra de igualdade e harmonia. Neusa, assim como Freud, tem a percepção de seu tempo. Ela observa os sentidos do seu espaço latino-americano e situado no mundo.
Neusa nasce em 1948, na Baía de Todos os Santos, em Cachoeira. As meninas ali nascidas nesses tempos, descem o Rio Paraguaçu. Elas descem com as legiões de quilombos e quilombolas que ainda hoje descem e sobem o Rio para a Baía do Iguape, também em Cachoeira. Neusa é filha das águas, ela é, sem dúvida, abençoada por Oxum nas corredeiras das cachoeiras, que não abandona sua luz e seu prestígio e a leva para os mares e oceanos da diáspora de todos os mundos, fixando-se na Baía de Guanabara no Rio de Janeiro.
Do Rio de Janeiro, Neusa Santos Souza é a médica que já era grande na Bahia. Pois formou-se na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a mais importante faculdade de medicina daquele estado e região, e uma das mais antigas e importantes do Brasil. Saída do Recôncavo, Neusa vai aprofundar sua construção e visão de mundo, para além-mar da Bahia. Na Baía de Guanabara, ela é capaz de ver tão alto como do cume do Pão de Açúcar, que ao redor de si, se amplia nas águas que circundam os mares de todos os mundos. No Rio de Janeiro, Neusa encontra parte da expressão de seu mundo: alguns amigos, médicos e psicanalistas. Ela inaugura a vanguarda da psicanálise em saúde mental que em seu apogeu acadêmico é capaz de bem observar a violência do racismo como cult, como "vanguarda intelectualista".
Este entusiamo com que as ideias de Neusa foram acolhidas a reposiciona nos desígnios de suas águas férteis, de seu pertencimento embriológico, que produz tantos nascimentos emblemáticos no campo técnico científico nas ciências humanas, na psicanálise e na psicologia.
Nas águas do Rio, na Baía de Guanabara, ela obtém riqueza material de seu trabalho, da fama e da fertilidade de suas ideias. Ascende como médica psiquiatra e psicanalista bem-sucedida, coleciona obras de arte, escreve artigos e é reconhecida profissionalmente (Oliveira, 2019).
Neusa é vanguarda. É a primeira psicanalista a abordar os impactos psíquicos da violência e barbárie contra corpos negros. Neusa, para a psicanálise e campos do conhecimento sobre o psiquismo e subjetividade, representa revolução que não se cala. Ela rompe com os muros do hospital de Salpetrière que apenas investiga o desmaio da histérica.
Neusa, está localizada, como uma Deusa - Senhora de Montserrat2 - no alto do Pão de Açúcar na Baía de Guanabara. Do alto de sua visão, ela alcança todos os mares do mundo. Ela está no parque, no Jardim da Aclimatação em Paris; pois como a psicanálise e o inconsciente, Neusa é atemporal, ela atravessa o tempo e é sempre presente. Do alto, ela bem próxima, observa os transeuntes e os guardas. Que pensam encarcerar a mulher. Eles, de fato, mantém seu corpo enclausurado.
Mas Neusa, como as mulheres negras e intelectuais negras, não pode ser psiquicamente aprisionada; porque suas vozes, mesmo que sejam em torturantes gemidos, alcançam a profundidade dos oceanos, pois é de onde elas sobrevivem e nascem, renascem, da força que as fez brotar das grandes quedas das Cachoeiras. Neusa é de Cachoeira...
Em posição fetal, deitados do lado esquerdo, eles subsistem, cerrando os dentes aos gemidos e estampidos, acostumando-se com os humores do mar...
É assim, entre dores e sofrimentos, que eles conseguem distinguir a noite do dia, conforme as batidas das águas contra o casco do navio, bem como as mais sutis variações do vai e vem dos marinheiros no convés. Eles são capazes de perceber precisamente o momento quando a agitação cede, sucedendo-se assim à penumbra que jamais se altera, na canção dos tempos (Taubira, 2015, p. 6).
Neusa nasce no ventre mais negro do Brasil. Na pequena África fora do continente africano: que é no globo, o centro do mundo. Ela se banha no Paraguaçu. Nas correntezas desse rio, o calor é permanente no Recôncavo.
As crianças do Recôncavo, como Neusa Souza, cantam o novenário para Santo Antônio e transgridem a nova ordem: festejam suas velhas ancestralidades com suas famílias, comendo a feijoada de Ogum3, em 23 de abril.
A capoeira, o samba de roda e as roupas brancas do candomblé fazem parte da vivência no Recôncavo; assim como a maniçoba, o prato típico da culinária da cidade de Cachoeira e o caldo de cana à beira do Rio.
Em janeiro, em 1948, ano de nascimento de Neuza, as crianças vivem as preces ao Senhor do Bonfim, em Salvador, marcando os cortejos anteriores ao carnaval; e entregam em fevereiro o presente de Yemanjá no Rio Paraguaçu.
Em junho, Neusa brincou o novenário de Santo Antonio, São João e São Pedro. No inverno no dia 29 de junho, a Fogueira de Xangô é erguida nos terreiros de Cachoeira. De ponta a ponta, se vê bandeirinhas coloridas, é a Festa do Santo da decisão e da justiça. E os morros que circundam às margens do Paraguaçu ficam iluminados com luzes das fogueiras de São João e a Fogueira de Xangô.
As inscrições de Neusa Santos Souza trazem o carisma e a intimidade da alma diversificada e colorida do Recôncavo da Bahia. Ela encontra na intimidade do setting analítico a capacidade de adentrar o quintal do psiquismo humano. Percorre, com as imagens de sua infância, as narrativas do sofrimento psíquico de negros bem-sucedidos economicamente.
As casas do interior do Recôncavo da Bahia, em Cachoeira, são coloridas e pequenas. Portas estreitas com pequenas janelas. Mas a arquitetura se aprofunda e, ao fundo, um grande terreiro com plantas, ervas, raízes e árvores frutíferas são presentes.
Ela escreve em agradecimento na epígrafe do livro: aos amigos, ao pessoal de casa, à Ester. Com grande simplicidade e intimidade. Neusa traz as palavras na modulação precisa. Como prece e oração cotidiana, na compreensão dos ciclos da vida. Nesta epígrafe de seu livro, ela apresenta parte da Neusinha criança, que aprendeu a complexidade da diáspora. Ela será para seus amigos médicos do Rio de Janeiro, Neusinha. Assim será chamada4. E tornará brando e amoroso o insuportável sofrimento. Ela é suave, pois sabe de onde vem as revoltas, porque compreende os ciclos da existência.
As primeiras revoltas nasceram desta exímia capacidade de compreender o ciclo do dia e da noite.
E isto foram as mulheres que iniciaram.
Elas não podem mais abafar os gemidos que afligem suas gargantas. Mas elas os deixam úmidos e com frescor. Tornam o timbre suave e macio, apreendendo-os e transformando-os visceralmente em notas de blues e saudades (Taubira, 2015, p. 7).
Neusa na adolescência, por volta de 1960, aos 12 anos, teria pensado em estudar medicina? A década de sessenta foi de grandes revoluções para as mulheres negras. Ativistas e artistas importantes no cenário americano ganhavam o mundo na luta por direitos civis como Rosa Parks e Nina Simone. No Brasil, vivíamos o governo João Goulart que logo seria deposto com o golpe militar. Contestações e exílios marcaram esta década também em Cachoeira, primeira capital do Brasil. A Festa do Caboclo que representa o nativo brasileiro é cultuada em Cachoeira e em Salvador no 2 de julho como o símbolo máximo da resistência brasileira à colônia portuguesa. Estas ritualísticas de contestação e de empoderamento da população negra e indígena da Bahia é emblemática na cidade natal de Neusa. Com certeza, estas observações da vida social e produções subjetivas de seu entorno, povoaram os dias da menina Neusa. Também é importante considerar que, apesar dos jovens de pés descalços, o Recôncavo é terra rica, onde existe abundância de águae, portanto, fartura para se comer acarajé, mingau de milho ou tapioca, amendoim cozido, milho e canjiquinha, e, em junho, todos sentem o cheiro do licor de jenipapo. Na adolescência os jovens gostam de pescar no Paraguaçu, rio que banha os Quilombos de Santiago do Iguape e São Félix. Elas frequentam os Terreiros Tradicionais do Candomblé e as Irmandades Negras Católicas como a Nossa Senhora da Boa Morte. Muitas dessas negras e velhas senhoras da Irmandade católica são mães de Santo - Yalorixás - do Axé. Estes enredos de vida, de contestações, lutas, silêncios, enfrentamentos populares e alegrias, povoaram as forças de Neusa para inclinar-se à medicina. As velhas senhoras negras da Irmandade da Boa Morte e as Ialorixás do Candomblé, com certeza foram inspirações de empoderamento e resistência para Neusa ser a mulher vitoriosa que se tornou.
Ao nascer, é possível que Neusa tenha recebido o gesto das mães e avós baianas de colocar na àgua limpa do banho três gotas de alfazema. Todo menino5 pequeno na Bahia recebe por herança esta tradição. Quem diz que não recebeu é porque não se lembra ou nega. Mas a força da cabeça e pensamento de Neusa sobre a psicanálise e a dor humana diante do racismo, atesta que ela é portadora deste gesto cultural de valoroso signo: o valor e reverência ao ancestral. A ancestralidade protege, alimenta nossa cabeça e nos guarda. Banha nossa alma e retira nossas dores. Com as gotas de alfazema, a criança é banhada pelo bálsamo da vida, na abertura de caminhos, que as três gotas de alfazema representam. Como o brilho da vida e fogo eterno na alegria de Exu, o orixá transformador dos caminhos, o movimento que acompanha Ogum, o orixá da inovação e da tecnologia que abre estradas.
As três gotas de Alfazema ou a água de flor de laranjeira a banhar nossa cabeça e nosso corpo, é um ritual que nos reposiciona - na tradição negra, baiana e africana - na territorialidade de nosso corpo banido de uma única Terra. Somos seres da diáspora, e, portanto, seres do mundo. Assim, Neusa revela sobre nosso psiquismo herdado, capaz de nos reconectar com um passado distante, inconsciente e, ao mesmo tempo, presente em nossa temporalidade imediata. Neusa, banhada em alfazema, podia observar profundamente o mar da diáspora, o trânsito do caminho e sentir, e estudar, como psicanalista, as dores profundas do sofrimento psíquico do racismo.
O pensamento vanguardista de Neusa é um legado. Não é apenas riqueza para o povo negro brasileiro. Neusa rompe com as fronteiras dos territórios circunscritos. Ela, como a diáspora, rompe e navega por grandes mares. O valor de seus escritos e contribuições são para o mundo um bálsamo de reconhecimento e elevação da consciência negra, na medida em que aborda as dores cruéis do sofrimento do exílio, do estigma, do banimento social, do desejo da inexistência do corpo negro - a antinegritude - como nos informa João da Costa Vargas (2016) e nos atestam os acontecimentos neste início da terceira década do século XXI com o assassinato de George Floyd6 nos Estados Unidos que culminou em ondas de protestos por todo o mundo, inclusive no Brasil.
Os trabalhos de Neusa, como pensadora e psicanalista, convergem para a necessária tomada de consciência moral e atitude pessoal por parte dos pensadores pertencentes às academias científicas mundiais no âmbito da saúde mental e as violências racializadas.
A direção de seus estudos clínicos psicanalíticos pode ser comparada ao também negro, médico e psiquiatra francês, Frantz Fanon; que com uma carreira brilhante no campo clínico e acadêmico na França, foi um influente pensador do século XX e protagonista dos estudos sobre os impactos políticos, sociais e psíquicos do colonialismo e psicopatologia da colonização no mundo africano e europeu (Oliveira, 2018). Ele, como Neusa, escreveu sobre as influências do racismo na saúde mental humana, a partir de suas observações dos pacientes nos hospitais psiquiátricos em que trabalhou na França, na Argélia e na Tunísia, além do ativismo que exerceu em vida em prol da libertação da Argélia do jugo colonialista francês (Oliveira, 2018).
O protagonismo de Neusa Santos Souza, sua vivência profissional e seus escritos a aproximam das ideias de Fanon por sua compreensão arguta, como ele, dos sentimentos da diáspora africana. Pela contundente sagacidade e profundidade da compreensão clínica do sofrimento psíquico, das implicações decorrentes na psique humana diante das atrocidades do escravismo e colonialismo europeu no Brasil e no mundo. No mesmo sentido, seus escritos observam o problema da mestiçagem, a força da desigualdade na experiência cotidiana afro-brasileira e a segregação racial distinta do contexto americano, porém presente na historicidade do povo negro em nossa sociedade.
A partir de um pensamento sustentado por conceitos psicanalíticos e do campo da saúde mental na medicina, Neusa possui também uma forte intuição que desvenda em seus escritos e atuação como médica psicanalista, a multiplicidade das singularidades individuais a partir de uma unidade cultural e política. Neste ponto, ela é tão grandiosa como Willian Edward Burghardt Du Bois, um importante ícone negro americano que originou as primeiras pesquisas sociológicas sobre a comunidade afro-americana. Ele foi um dos primeiros negros a obter um doutorado em Harvard (Bessone, 2007, p. 5).
O principal escrito de D. W. E. du Bois, The Souls of Black Folk, foi escrito em 1993. No último capítulo ele apresenta passagens autobiográficas (Du Bois, 2007, p. 237). A aproximação da grandiosidade da envergadura do trabalho de Neuza Santos Souza a Du Bois deve-se ao fato de trazer este mesmo pioneirismo nas ciências médicas e psicológicas - a psicanálise - para abordar as vicissitudes da identidade do negro brasileiro em ascensão social.
Neusa, ao abordar com perspicácia as correlações do sofrimento psíquico do racismo em pessoas que conseguiram romper as barreiras do racismo, sem, contudo, deixar de dilacerar suas almas, faz recomposições de sua própria singularidade, a qual poderíamos dizer, em certo sentido, ser autobiográfica. A empatia clínica de Neusa diante do sofrimento do racismo é, também, aspecto da qualidade clínica de seu trabalho de analista. O manejo transferencial e contratransferencial permite observar a qualidade de seu profissionalismo e manejo psicossocial.
Também observamos esta faceta nos escritos de Du Bois. Ele envolve as canções negras em sua história de vida, para narrar o sentimento e a alma das pessoas negras e os aspectos psicossociais formadores da psique e subjetividades negras diante do racialismo estrutural da sociedade americana.
Os inúmeros casos que Neusa relatou em sua pesquisa de cunho psicológico e psicanalítico demonstram a riqueza do trabalho minucioso da coleta e interpretação da narrativa de vidas e identidades das pessoas negras. Ao cuidar do outro, escutar a narrativa e enredo de seu paciente, Neusa também cuidava de si, lembrava da pequena Neusa, simples, que aprendeu a cantar os gemidos de dor transformados pelas vozes doces das mulheres negras às margens do Rio Paraguaçu, ao pessoal de casa - como ela com respeito e simplicidade nos recorda na epígrafe de seu livro.
Também nos escritos de Neusa, podemos ouvir nos relatos de Luíza, sua paciente, a força da juventude negra, explosiva, alegre, jovial como possivelmente foi Santos Souza nos explosivos e transformadores anos da década de 1960.
Em Neusa também podemos vislumbrar a genialidade de Freud, o qual, também, ao elaborar a noção do complexo de édipo, como Neusa Souza, Fanon e Du Bois, desenvolve os conceitos psicanalíticos a partir de sua íntima experiência de vida. Parte das investigações freudianas originam-se da sensação de ser filho de um pai bastante idoso, mais próximo da figura de um avô, e sua mãe mais próxima à idade de seu meio-irmão mais velho (Gay, 1999; Roudinesco, 2017). Estes dados da vida do criador da psicanálise são contados e recontados em inúmeros escritos e filmes sobre a importância da psicanálise para o século XX.
Du Bois é próximo de Freud em termos cronológicos, eles são contemporâneos. Freud é europeu. Du Bois é negro e norte-americano. Incrivelmente, Freud é um grande conhecido dos estudiosos em saúde mental no Brasil, enquanto que Du Bois, um afro-americano importante para a identidade do povo negro das Américas e Neusa Santos Souza, valiosa referência para a identidade e psiquismo da população brasileira negra, são provavelmente desconhecidos por estes profissionais e estudiosos em saúde. Incrível, também, é o fato de que, tanto Du Bois, como Neusa estudaram as correlações entre negros e brancos no contexto de suas realidades investigadas. Freud era um judeu. Todo biógrafo e estudioso da obra freudiana atesta este fato como determinante dos caminhos do mestre psicanalista. No entanto, Freud, jamais abordou formalmente as correlações étnicas e raciais implicadas na dimensão afetiva/emocional que ele mesmo, indiretamente, protagonizava, como confirmam as inúmeras biografias que lhe sucederam sob o "peso" do judaismo sob sua vida.
Este fato nos é interessante, pois aponta o quão é importante o pertencimento étnico cultural. Estes aspectos, Neusa Santos Souza, Fanon, Virgínia Bicudo e Du Bois apontam em seus dados de pesquisa e escritos. Embora também o façam como Freud, de maneira indireta. Sem apresentarem-se diretamente sobre os fatos, à excessão de Du Bois, que no último capítulo de seu principal livro (The souls of black folk, 1903) tece correlações diretas à sua própria vida.
Portanto, a vida de Neusa Santos Souza, em sua trajetória invisibilizada para o grande público acadêmico das ciências médicas, da saúde e da psicanálise - além da psicologia, obviamente -, é algo que macula o desenvolvimento do próprio campo científico. Que reproduz a lógica de uma epistemologia branca e eurocêntrica que é limitada em criatividade, é acrítica e monocromática em relação as questões fundamentais.
A frente de seu tempo, os escritos de Neusa Santos Souza não encontram paralelos no Brasil antes da década de noventa. Apesar de Juliano Moreira, no final do século XIX, tecer estudos inaugurais sobre a psicanálise no Brasil e defender considerações sobre a humanidade e igualdade intelectual entre brancos e negros escravizados (Oda & Dalgallarronda, 2000). Na década de 1950, o sociólogo, Guerreiro Ramos estuda e escreve sobre a patologia social do branco brasileiro. Como Neusa, ele é nascido no Recôncavo da Bahia, em Santo Amaro da Purificação. Neusa nasce na fertilidade de pensadores importantes sobre o contexto social brasileiro e isto produz efeitos significativos em sua expressão e maturidade intelectual na análise arguta das vicissitudes da violência do racismo a partir do enfoque psicanalítico.
Ao falarmos da psicanálise e racismo, devemos lembrar a socióloga e psicanalista paulista Virgínia Leone Bicudo, embora Neusa Santos seja mais jovem e, em certo sentido, contemporânea de Virgínia Leone Bicudo.
Virgínia, mulher negra e cientista, fundou a Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo (SBPSP), bem como a Associação Psicanalítica Internacional (IPA) em São Paulo e Brasília, além de ser a primeira cientista a defender pesquisa sobre relações raciais no Brasil e participante do projeto da Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura (Unesco) que financiou estudos sobre as formas do racismo no Brasil (Damaceno, 2013) - Neusa fala especificamente do campo médico e clínico psicanalítico. Virgínia Leone Bicudo, também como Neusa Souza, foi apagada da história dos grandes cientistas da saúde mental brasileira. E da psicanálise nos cursos de graduação em psicologia.
Neusa vive no século XX e chega ao século XXI e, por isso, nos é mais próxima cronologicamente. Além disto, Neusa foi resgatada por profissionais, pesquisadores e estudantes de diferentes campos científicos para compor as teses e dissertações desenvolvidas no período da redemocratização do Brasil por jovens pesquisadores negros das ciências sociais e da história prevalentemente. Nas décadas de oitenta aos anos 2000 e aos nossos dias, Neusa representa a vitória das lutas por cidadania para o conjunto da sociedade brasileira pós-queda do regime militar. Esta contextualização favoreceu de algum modo a fertilidade da voz de Neusa. Apesar de invisibilizada no campo acadêmico e formalmente científico da psicologia, saúde mental e psicanálise, foi difundida nas reuniões dos movimentos negros, nos cursinhos pré-vestibulares para negros, nas pastorais negras, enfim, nos espaços de fortalecimento democrático de um país recém-saído das opressões dos regimes totalitários, como foi o caso de grande parte do percurso da vida de Virgínia Leone Bicudo.
Por conta disto, Neusa é tão importante quanto Virgínia, pois se Virgínia inaugurou a discussão no Brasil sobre relações raciais e se destacou como psicanalista não médica, procurada por personalidades brasileiras do campo político (Gomes, 2013), Neusa foi igualmente capaz de projetar-se com tranquilidade no enredo profissional de seu tempo.
Ambas, Neusa e Virgínia, viveram com os frutos do trabalho com a psicologia e a psicanálise. Virgínia chegou a enriquecer e, na profissão, viveu episódios de maus tratos e desprezo por parte de médicos no contexto psicanalítico brasileiro. Mesmo tendo sido importante, não escapou ao desprezo e esquecimento social sobre a magnitude de sua vida e de seu trabalho e difusão da psicanálise brasileira no Brasil e mundo.
Neusa posiciona-se como importante médica, respeitada no campo clínico, enaltecida no campo acadêmico, porém, igualmente desprezada no âmbito da valorização efetiva e plena por seus pares e sociedades científicas.
Se Virgínia Leone Bicudo conheceu a fama, o prestígio e glamour da psicanálise no Brasil e no mundo, Neusa também o conheceu. No entanto, ambas morreram solitárias em seus feitos, ecoaram seus cantos para além de suas vidas. Transformaram seus contextos e o devir de muitos seres - negras e negros, principalmente. Mas, sem dúvida, contribuíram muito mais para a ciência e a humanidade em termos éticos, científicos, políticos e educacionais.
Neusa permite que o protagonismo de Virgínia, na psicanálise brasileira, não se apague e não se curve ao eurocentrismo branco europeu. Ela prossegue com as conquistas de Virgínia. É bem possível que Virgínia tenha conhecido os escritos de Neusa, por conta de Virgínia ser mais velha e ter se despedido deste mundo apenas cinco anos antes de Neusa, que era 38 anos mais jovem que Virgínia. Simbolicamente e em termos de ancestralidade negra, Virgínia é, de certo modo, mãe intelectual de Neusa. Ambas irmãs da diáspora africana.
Os escritos de Neusa Souza foram difundidos como artigos científicos em revistas psicológicas e médicas, além disso, sua dissertação de mestrado defendida na Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), no Instituto de Medicina Social (IMS), em 1982, foi publicada em vida, em 1983, pela Editora Graal. Editora conhecida por publicar obras de pensadores famosos e importantes nos campos científico, filosófico e acadêmico nacionais e estrangeiros.
Embora Virgínia Leone Bicudo tenha defendido a primeira pesquisa de relações raciais no Brasil, na Escola de Sociologia e Política (FESPSP) em São Paulo, na Rua General Jardim, 522, e exercido a função de docente desta mesma Escola, bem como na Universidade de São Paulo (USP) (Abrahão, 2010), os escritos de Virgínia não foram amplamente difundidos como os de Neusa Souza.
Neusa foi efusivamente saudada em seus escritos pelo movimento negro. Ao contrário de Virgínia, ela obteve a preservação de suas ideias com maior facilidade. Embora, assim como Virgínia, tenha sido majestosa em vida, com conquistas materiais e reconhecimento social e profissional, Neusa também não se casou e não teve filhos. Não há notícias de que elas tenham tido companheiros, namorados ou parceiros afetivos.
Cabe-nos perguntar: por que teriam sido estas mulheres, extraordinárias nas ciências médicas da saúde, psicológicas e psicanalíticas, esquecidas pelos seus pares de profissão? E mais, por que teria sido Virgínia Leone Bicudo apagada do apogeu e glórias das reverências que receberam seus colegas masculinos e brancos no cenário brasileiro em sua participação no memorável e importante projeto Unesco, o qual descortina o mito da democracia racial no Brasil?
Os passos de Neusa Santos Souza nos levam com grande lucidez aos negritos necessários - não podemos passar em branco - para compreender as narrativas do apagamento da memória da academia científica psicológica e da saúde mental da sociedade brasileira e os silenciamentos no mundo sobre racismo, violência psíquica e invisibilidade das vozes das mulheres negras cientistas nos contextos globais.
Neusa, apesar de viver bem e com recursos vindos de seu trabalho, assim como Virgínia Bicudo, foi menos considerada pelo campo do conhecimento em saúde mental e psicanálise que as mulheres brancas e homens brancos do campo acadêmico e profissional de seu tempo. Na psicanálise e sociedade brasileira, muitos estudiosos do campo e pessoas comuns reconhecem os nomes de Joel Birman e Jurandir Freire Costa. No entanto, raros serão aqueles psicanalistas, psicólogos e médicos psiquiatras que já ouviram falar de Neusa Santos Souza. Muito embora, Neusa, Neusinha, como era chamada por seus colegas médicos, incluindo Jurandir, Joel e sua esposa Patrícia, convivesse com estas pessoas em seu restrito e reservado núcleo de amigos. Observamos que Neusa faz referências de agradecimentos a estas seletas pessoas, que denomina "amigos": Agradeço aqueles que, além da amizade, deram-me contribuições decisivas, na elaboração deste trabalho (Souza, 1990), e escreve os nomes destes acima.
Por que Neusa Santos Souza, mesmo tendo brilhado muito, foi invisibilizada, esquecida ou preterida socialmente e academicamente?
As psicanalistas Neusa Santos Souza e Virgínia Leone Bicudo, grandes expressões da psicanálise brasileira, estiveram à frente de seu tempo em importantes centros de desenvolvimento cultural e científico como Rio de Janeiro e São Paulo. Por que Virgínia, entre médicos psicanalistas, e Neusa, entre médicos amigos e professores psiquiatras em universidades, não tiveram o reconhecimento acadêmico e social que aparentemente lhes seria acessível?
Por que, sendo o trabalho de Neusa e também o de Virgínia tão importantes e expressivos para a psicologia e medicina psiquiátrica no Brasil, não foram em pleno século XXI incorporadas nas literaturas e bibliografias dos cursos de formação médica e psicológica, assim como ocorre com Jurandir Freire Costa, no caso de Neusa, e Florestan Fernandes no projeto Unesco, e o psicanalista Durval Marcondes, no caso de Virgínia?
Por que os colegas, em geral homens, médicos e brancos, ganham a visibilidade das estrelas, enquanto as vozes e o perfume extraordinário destas magníficas mulheres negras, Pensadoras de estatura mundial, merecedoras de traduções em outras línguas, são preteridas em sua dignidade mais emblemática: a capacidade de pensar e transformar suas vidas e das pessoas dos ambientes em que atuam?
Parece-nos que, no silêncio da psicanálise e da ciência psicológica no divã, revela-se o óbvio: Mulheres Negras Falam. Suas Canções, Suas Vozes são Fortes e Afinadas - possivelmente afiadas também - como as Grandes Águias. Elas sobrevoam mundos, chegam ao cume e topo das mais altas montanhas. Elas sobrevivem ao vento, ao deserto, ao frio, ao calor e ao gelo.
A sensibilidade do poeta nos une e reata o laço com estas mulheres.
Em circunstâncias como estas, é preciso chorar. Não para manter o lamento, mas para exorcizar a dor.
As vozes e o perfume de Neusa Santos Souza e também de Virgínia Leone Bicudo molham o deserto. São vozes férteis, como a civilização africana do Nilo. Comandadas por mulheres, como Nefertiti e a rainha Anne Zingha, de Angola, que com extraordinária resistência impediu a invasão portuguesa até a sua morte aos oitenta e dois anos de idade (Serbin, 2018).
Parece-nos que as vozes e o odor (presença e gestos) potentes das mulheres negras são capazes de transformar os mundos. Proporcionar experiências de sentidos que alteram a injustiça, favorece o diálogo, cura o sofrimento desnecessário e favorece a divisão dos bens e aniquila a servidão passiva face à opressão totalitária.
Favorecer mulheres negras, torná-las visíveis e reconhecer sua potência humanizante e humanizadora é concordar - e lutar com elas - por um mundo novo, melhor e mais elevado humanamente e socialmente. Preterí-las, é perpetuar o status quo que se alimenta das dores das desigualdades e das injustiças e violências perpetradas contra os corpos físicos e psíquicos de todos os seres humanos, sejam negros ou não.
As mulheres negras são as portadoras da vida. Lembremo-nos de que Neusa nasceu na cidade de Oxum. Nascida na Cachoeira da Baía de Todos os Santos, no Recôncavo. Como toda Cachoeira se torna Rio, Neusa só poderia desaguar no Mar: "Iemanjá que no mar de seu ventre une filhos de todos os continentes" (Oliveira, 2008, p. 4).
Nem Virgínia e nem Neusa ganham importância na formação dos currículos de psicologia e psiquiatria nas universidades brasileiras.
A branquitude eurocêntrica e submissa das universidades brasileiras e estrangeiras investem em manter a história única. Simplificam a experiência da vida, as potencialidades das vidas de mulheres como Neusa e Virgínia, para que elas sejam menores do que são, estereotipá-las na incompletude das histórias que são necessariamente esquecidas, obliteradas, apagadas (Adichie, 2009, p. 22).
A história única investe em estruturas de poder, que requerem a imobilidade dos corpos, o domínio e a opressão destes corpos físicos e psíquicos.
Não é uma simples fatalidade do destino o que se passou com Neusa e Virgínia. Mulheres negras pensadoras abalam estruturas de poder. Subvertem a base de manutenção do sistema. Elas fazem nascer vida onde existe a morte, elas fazem como diz o poeta, molhar o deserto, fazem brotar água no deserto. Elas podem criar qualquer coisa. Por isso seus escritos são apagados, queimados, assim como seus corpos, como feiticeiras de magias negras, nas fogueiras atirados. Assim as condenam os opressores e autoritários, os perseguidores da emancipação da consciência e da liberdade.
Como David Macey (2001) informa, na biografia de Frantz Fanon, enquanto homem e intelectual negro, ele é esquecido no contexto francês no campo médico e psiquiátrico. Embora fortemente difundido nos Estados Unidos nas faculdades de sociologia e também na medicina, poucos estudantes de medicina associem Fanon à psiquiatria.
Parece ser este o destino das vozes negras que rompem fronteiras. Seres que o eurocentrismo faz questão de produzir o epistemicídio calculado, através do biopoder que emana do racismo e da necropolítica.
O cálculo do gozo do cientificismo de uma branquitude que investe - premeditadamente e patologicamente - na destruição dos corpos e epistemologias negras esquecidos. Para que seus irmãos da diáspora tenham a impressão e o peso de que estão começando sempre do zero. Despistando as estradas e rodovias que estes pioneiros, com grande tecnologia, construíram.
Esse racialismo científico enquanto conduta profissional da branquitude7 - o apagamento da visibilidade negra de mulheres como Neusa e Virginia, assim como, em certo sentido, Fanon no contexto mundial - é o reverso das lutas que estes mesmos combateram. Eles defenderam a igualdade, a liberdade e a consciência.
Neusa, a partir de sua escuta psicanalítica, desembaraçou o emaranhado de vozes negras que clamam por justiça e amor. Este foi o título de seu último escrito por conta do dia 13 de maio de 2008 a pedido do jornal Correio da Baixada Fluminense: Contra o Racismo: com muito orgulho e amor.
A voz de Neusa ecoa-se nas vozes de clamor de seus pacientes. Neusa é a Ya-Mi8, a feiticeira que liberta o assobio dos pássaros. Ao alçarem voos, estas vozes são inaprisionáveis.
Neusa liberta o voo e o canto dos pássaros. Neusa não se aprisiona. Assim como a violência da mulher negra, na cela, na jaula do zoológico humano, Neusa insta em fala e transborda em reverberações de importantes significados. Talvez diria ela:
Não são os corpos negros os adoentados psiquicamente. São os martírios, abusos de mãos opressoras (historicamente brancas) que silenciam sobre seus crimes que ocorrem ilesos: seja no aprisionamento do corpo da mulher africana no zoológico humano, gozo de prazer para os transeuntes nas tardes ensolaradas de domingo, seja nas lavouras de café ou algodão no Brasil e nos Estados Unidos, mas também no Caribe, no Haiti, na África e em todo o mundo.
Para Neusa - sua epistemologia - o fundamental é perceber as amarras do aprisionamento para libertar-se e reagir à violência psíquica.
Ser negro é tomar consciência do processo ideológico [...]. Ser negro é tomar posse desta consciência e criar uma nova consciência que reassegure o respeito às diferenças e que reafirme uma dignidade alheia a qualquer nível de exploração (Souza, 1990, p. 77).
Neusa e Virgínia são as primeiras no Brasil a romperem no contexto psicanalítico brasileiro com a tradição - absurda por sinal - de dialogar e pensar apenas sobre os seus: brancos, nem sempre, mas em geral bem-nascidos, privilegiados.
Neusa é a Deusa Mãe da Psicanálise Brasileira, porque ela possibilita e inaugura o discernimento sobre o sofrimento psíquico do racismo. Neusa, como mulher negra da diáspora africana é capaz de transitar e navegar vários mundos. Não surpreende! Nossos corpos negros, nos reconectam com nossos ancestrais em Áfricas. Berço do mundo e de toda humanidade.
Virgínia e Neusa, ancestrais na psicanálise brasileira, não foram apenas as primeiras mulheres negras psicanalistas. Elas foram pioneiras no Brasil em suas ações a construir vanguardas para a psicanálise brasileira. Estiveram ambas à frente de homens de seu tempo, foram ousadas e protagonistas.
O legado de Virgínia e Neusa é vivo e ardente nas academias científicas. O desejo de queimar e estrangular os corpos negros, representado por inúmeros adventos na história das civilizações humanas é reiteradamente frustrado na resistência de pensadoras e cientistas negras como Neusa. O odor e o perfume de Neusa Santos Souza e Virgínia Leone Bicudo persevera. Exala. Alfazemas em flor que é cheiro e é bálsamo, pois o odor regenera as cicatrizes enquanto a flor nos presenteia com o milagre da vida, que permanece a despeito das violências sofridas.
A poesia, gênero feminino, nos enleva para além da aurora. Rompe a aurora. Ewá, a jovem virgem da floresta, desperta. Mesmo em morte, nossos ancestrais produzem vida. Portanto, Neusa, assim como Lélia Gonzalez, mulher afro-ameríndia e Virgínia Bicudo, estão renascendo nas vozes das jovens psicólogas negras e negros nas academias científicas.
A psicologia negra e indígena (Lélia Gonzalez era filha de uma mulher indígena com um homem negro) se inscreve desde muito tempo no contexto brasileiro e das Américas. Embora Lélia não seja específica do campo da psicologia, ela inova o pensamento em saúde mental a partir da perspectiva da saúde emocional e afetiva das mulheres afro-ameríndias. Seus estudos na psicologia brasileira são referências importantes e devem ser observados, assim como os de Neusa Santos Souza, como estudos aprofundados no campo psicológico da psicanálise e racismo no Brasil.
Falar do legado de Neusa é nos remeter à noção efetiva de que a psicologia das relações étnico-raciais não é recente. Ainda no final do século XIX, no Brasil, igualmente nascido na Bahia como Neusa, Juliano Moreira (1873-1933), médico, filho de trabalhadores livres, descendentes de africanos escravizados, muito antes de Basaglia, retirava grades de hospitais psiquiátricos e humanizava - vejam que genialidade para o século XIX e início do XX - a gestão do hospital com a formação qualificada de enfermeiros, com o protagonismo para aprovação de legislação de proteção e direitos a portadores de sofrimento psíquico e institui os laboratórios clínicos e as clínicas médicas dentro do hospital psiquiátrico.
Quando assumiu o Hospício Nacional, empreendeu um ambicioso projeto reformador, visando mudanças no funcionamento institucional: melhoria das instalações destinadas aos internos; separação entre adultos e crianças; instalação de laboratórios de patologia e de análises bioquímicas; ampliação expressiva do corpo clínico, com entrada de mais psiquiatras, além de neurologistas, clínicos, pediatras, oftalmologistas, ginecologistas e odontólogos; abolição do uso de coletes e camisas de força e a retirada de grades de ferro das janelas; uma escola para formação especializada de enfermeiros psiquiátricos; e estabelecimento de rotinas para os registros administrativos, estatísticos e clínicos (Oda, 2012).
Trazemos estas correlações entre Neusa Santos Souza e Juliano Moreira por serem ambos personalidades e cientistas importantes para o campo da psicologia e psicanálise brasileira. Juliano, de Salvador, Neusa, do Recôncavo da Bahia, ambos, em tempos diferentes, inauguram temas importantes para a psicologia da saúde mental da população negra.
Os avanços que Juliano promoveu nos modos de pensar o gerenciamento sanitário e em inovação tecnológica em saúde observam a diversidade da população brasileira. A importância da relevância social no processo de produção da ciência e do conhecimento. Sob este aspecto, a saúde mental, por meio de cientistas negras e negros, epistemologias pretas, traz contribuições exponenciais para o conjunto da coletividade brasileira em sua gama de cuidados e acesso à saúde - cidadania para todas as etnias presentes no território brasileiro indistintamente.
Por tal circunstância, o legado de epistemólogos e cientistas como Neusa Santos Souza precisa ser reafirmado sempre para novos cientistas e produtores da ciência psicológica, como constituinte de uma escola de psicologia que pensa e produz pensamentos de cientistas negras e negros, capazes de alterar, modificar e "transgredir" a lógica paradigmática de um pensamento acadêmico que é estruturalmente fundado na lógica hegemônica eurocêntrica e americanocêntrica.
Os cientistas da diáspora negra e os indígenas do Brasil possuem constructos civilizacionais que protegem o dom da vida, nos reconectando com os valores e pertencimentos da natureza, e favorecendo a relação com a terra, o cultivo das plantas, da relação com os animais, rios, mares, insetos e florestas.
A psicologia das relações étnico-raciais rompe com os modelos hegemônicos civilizacionais que restringem as condições da vida em alteridade e diferença.
O sangue e a vida nas Américas foi derramado e ceifado pela ganância de povos ocidentais com extrema violência física e militar. A violência psíquica se inscreve no apagamento do pensamento de autores negros, cientistas importantes para a psicologia e psicanálise. O epistemicídio é o assassinato do pensamento que não converge para a lógica da dominação. Para Mbembe (2020, p. 18), o racismo é, acima de tudo, uma tecnologia destinada a permitir o exercício do biopoder; a função é regular a distribuição da morte e tornar possíveis as funções assassinas do Estado. Neste sentido, Juliano Moreira, Frantz Fanon, Guerreiro Ramos, Neusa Santos Souza, Lélia Gonzalez e Virgínia Bicudo, são epistemologias fundamentais para compreender processos da natureza psíquica do racismo e seus impactos na estruturação emocional do sujeito negro.
Estas cientistas e pensadoras negras e negros são assassinados reiteradamente pela academia psicológica branca, que não os inscrevem nos currículos dos componentes obrigatórios formativos da profissão do psicólogo. Pois estas literaturas e pensamentos negros recusam a hegemonia do pensamento branco eurocêntrico na saúde mental e psicologia.
Assim sendo, o "novo" direcionamento de uma psicologia brasileira interessada nos corpos e significações da negritude brasileira e contemporânea nada tem de inusitado. São constructos antigos, de pensadores respeitáveis e densos que trilharam em seu tempo histórico as marcas da resistência e do combate ao racismo epistemológico do pensamento negro indígena brasileiro e suas contribuições fundamentais para o processo de emancipação da civilização humana.
O bom disto tudo é que podemos observar de perto que a resistência dos corpos negros - pensamentos - na ciência prevalece a despeito das violências epistemicídas hegemônicas.
O cheiro de alfazema reverbera. Exalando o aroma que liberta da depressão os sentidos e emoções humanas, favorecendo o caminho de jovens cientistas e profissionais da psicologia preta indígena no cenário mundial e brasileiro.
Guerreiro Ramos, Juliano Moreira e Neusa Santos Souza, nascidos na Bahia, foram banhados nas águas de Oxum com as três gotas de alfazema. As três gotas de alfazema no banho do bebê simbolizam proteção, conforto e sucesso no futuro do caminho. As três gotas simbolizam a trindade - proteção para a cabeça, corpo e membros do bebê humano. O sagrado, o caminho e a glória.
Neusa, Guerreiro Ramos e Juliano tiveram em vida muitas glórias e honrarias por conta de seu extenuante trabalho e riqueza de seus pensamentos. Assim como grande parte de muitos pensadores negros, a maioria deles não teve filhos. No caso, nem Neusa e nem Juliano (e também Virgínia Bicudo).
Deixaram seus legados para os jovens psicólogos, médicos e psiquiatras. Pensadores e profissionais da saúde mental e as vicissitudes da violência do racismo. Deixaram importantes estradas de ferro, aeroportos e rodovias - rotas de tráfegos abertos - estradas prontas para os caminhos do entendimento do mundo.
Eles representam a ancestralidade negra da psicologia e da saúde mental da população negra. Reverenciar seus escritos, valorizando e visibilizando seus estudos no interior da ciência e profissão psicologia, é obrigação de psicólogos negros e não negros interessados em romper com a necropolítica do racismo contra os corpos da alteridade, contra o epistemicídio de ações e pensamentos que valorizam o dom da vida, da humanidade e das relações humanas.
Povos negros e indígenas são culturalmente assentados nos valores da vida, das relações comunitárias e dos cuidados e interação com o meio ambiente.
A vida e o bem-estar mental e físico dependem destes requisitos civilizacionais. Portanto, o pensamento de Neusa e cientistas negras e negros é vanguarda para a produção de inovações tecnológicas na ciência psicológica e no cuidado em saúde mental das populações humanas.
As águas que banharam Neusa, Guerreiro Ramos e Juliano são dos rios do Recôncavo e da Baía de Todos os Santos. São as águas dos mares da diáspora negra.
As águas que nos banham hoje recebem estes eflúvios em nossos corpos negros. Para os psicólogos brancos, ou não negros, também é preciso conhecer e reverenciar o odor do cheiro da alfazema. Todos nós nos beneficiamos e precisamos do aroma deste acolhimento que é o pensamento.
Preservar o dom e o cuidado com a vida é reverenciar a ancestralidade. Os que vieram antes nos emprestam a compreensão dos caminhos também no itinerário da construção do conhecimento científico.
Peçamos a benção aos nossos ancestrais e respeitemos as hierarquias dos que antes nos abriram as estradas do pensamento. Este é um dos pilares mais caros das civilizações negras africanas e indígenas. E enquanto pilar, insta ser preservado.
Peço a bênção, Mamãe Neusa! Peço a bênção, Papai Juliano.
- Salubá!9
As águas da diáspora negra e ameríndia sempre se inscreveram e se inscrevem na psicologia. O cheiro suave e agradável da proteção da alfazema nos abre, desde nossa ancestralidade, de folhas, ervas e banhos, importantes caminhos epistemológicos da ciência do cuidado com a vida mental humana. Esses são ensinamentos de cientistas negras e negros da psicologia. Estudá-los, citá-los e lê-los são indícios de que a barbárie do epistemicídio da ciência exclusivamente branca começa a perder o enredo.
Referências
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Endereço para correspondência:
Regina Marques de Souza Oliveira
regina@ufrb.edu.br
Submetido em: 29/09/2020
Revisado em: 02/11/2020
Aceito em: 02/11/2020
1 Neurocientista francês estudioso da hipnose que exerceu influência nos estudos da psicanálise de Sigmund Freud. Os estudos sobre histeria de Freud são o resultado de seus desenvolvimentos em Paris no Hospital Salpetrière com Jean-Martin Charcot, em 1885.
2 Santa negra encontrada nas grutas do monte de Montserrat em Barcelona.
3 Orixá do candomblé.
4 No Encontro Legado Neusa Santos Souza, na Universidade Federal Fluminense (UFF), alguns amigos de Neusa em roda de conversa sobre ela assim se expressaram, em 2018, no Programa de Pós-Graduaçâo em Psicologia.
5 No Recôncavo e em Salvador, menino significa criança. Não é um marcador de gênero masculino. As mulheres negras baianas referem: eu tenho menino pequeno. É o correspondente de "eu tenho uma criança pequena".
6 Homem negro de 46 anos morto por asfixia por um policial branco em Minneapolis, nos Estados Unidos da América (EUA). Durante a violência letal, ele dizia: eu não consigo respirar! Sua morte e os protestos que se seguiram são comparáveis aos protestos e marchas que ocorreram na morte de Martin Luther King Jr. (1968). Justamente no período em que Neusa Santos Souza era uma jovem moça negra de 20 anos.
7 Conceito que diz respeito aos privilégios de ser branco e conceber como naturalização estes privilégios.
8 Todas as ancestrais femininas.
9 Saudação à Nanã, Orixá da Vida e da Morte. A origem de tudo. Primeira mãe, a mais velha, a sábia, no Panteão dos Orixás.