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Revista da Abordagem Gestáltica

versão impressa ISSN 1809-6867

Rev. abordagem gestalt. vol.19 no.1 Goiânia jul. 2013

 

ARTIGOS - ESTUDOS TEÓRICOS OU HISTÓRICOS

 

Expressando vivências: o ensaio vivencial como escrita, unidade de sentido e aprendizagem significativa

 

Expressing experiences: the experiential essay as writing, meaning unity and meaningful learning

 

Expresando experiencias: el ensayo vivencial como escrito, unidad de sentido y el aprendizaje significativo

 

 

Carlos Roger Sales da Ponte

Psicólogo, Mestre em Filosofia e Mestre em Psicologia pela Universidade Federal do Ceará (UFC); Professor de Fundamentos Epistemológicos e Históricos: Fenomenologia-Existencialismo e Humanismo do Curso de Psicologia da UFC/ Campus Sobral; e coordenador do VEREDAS (Círculo de Estudos em Fenomenologia, Existencialismo e Psicologia Humanista). E-mail: jardimphilo@yahoo.com.br

 

 


RESUMO

Inspirado pelas ideias pedagógicas de Carl Rogers acerca da Aprendizagem Significativa, este estudo pretende descrever uma forma avaliativa diferenciada para os estudantes de graduação de Psicologia quando estes estão cursando disciplinas que versam sobre as psicologias existenciais-humanistas. Este tipo de avaliação foi chamado de Ensaio Vivencial e consiste na expressão escrita do estudante onde ele articulará os conceitos e teorias das psicologias existenciais-humanistas com suas próprias vivências pessoais. Ele é convidado a dissertar tudo que ressoou em seu ser a partir dos conhecimentos advindos daquelas psicologias. O presente estudo pretende assim mostrar a potencialidade do Ensaio Vivencial, como forma ímpar do estudante vislumbrar seu processo de aprendizagem do arcabouço teórico das psicologias existenciais-humanistas, tendo como fio condutor as próprias vivências. O feitio do Ensaio Vivencial pelo estudante é, sobretudo, um modo de aproximá-lo de si mesmo, refletindo e constituindo uma Unidade de Sentido às suas experiências a partir e com o suporte conceitual das psicologias existenciais-humanistas.

Palavras-chave: Aprendizagem significativa; Vivência; Avaliação; Ensaio escrito; Unidade de sentido.


ABSTRACT

Inspired by the ideas of Carl Rogers on teaching of Meaningful Learning, this study aims to describe a form evaluative differentiated for graduate students of psychology when they are studying disciplines that deal with the existential-humanistic psychologies. This type of assessment called an Experiential Essay writing is the expression of the student where he will articulate the concepts and theories of existential-humanistic psychologies with their own personal experiences. He's invited to lecture all that resonated with his being from the knowledge coming from those psychologies. This study therefore aims to show the potential of Experiential Essay as a way unique glimpse of the student learning process of the theoretical framework of existential-humanistic psychologies, with the thread's own experiences. The shape of Experiential Essay by the student is primarily a way to bring you closer to himself, reflecting and constituting a unit direction from their experiences and support concept of existential-humanistic psychologies.

Keywords: Meaningful learning; Experiences; Assessment; Essay writing; Meaning unity.


RESUMEN

Inspirado por las ideas de Carl Rogers sobre la enseñanza del aprendizaje significativo, este estudio tiene como objetivo describir una forma de evaluación diferenciada para los estudiantes de postgrado de psicología cuando se estudian las disciplinas que tienen que ver con la psicología existencial-humanistas. Este tipo de evaluación se llamaba de Ensayo Vivencial es la expresión del estudiante donde se articulan los conceptos y teorías de la psicología existencial-humanistas con sus propias experiencias personales. Es invitado a dar una conferencia todo lo que resonó con su ser del conocimiento que proceda de las psicologías. Este estudio por lo tanto, tiene como objetivo mostrar el potencial de Ensayo Experimental como una visión única manera de que el estudiante el proceso de aprendizaje del marco teórico de la psicología humanista-existencial, con experiencias propias del subproceso. La forma del ensayo experimental por el estudiante es ante todo una manera de traer más cerca de sí mismo, lo que refleja y que constituyen una unidad dirección de sus experiencias y el apoyo de las psicologías concepto existencial-humanistas.

Palabras-clave: Aprendizaje significativo; Experiencias; Evaluación; Redacción de ensayo; Unidad de sentido.


 

 

De tudo o que se escreve,
aprecio somente o que alguém escreve com seu próprio sangue.
como Prefácio aos seus Ensaios diz que tudo aquilo está
Escreve com sangue; e aprenderás que o sangue é espírito.

 

Introdução

A "advertência ao leitor" que Montaigne colocou como Prefácio aos seus Ensaios diz que tudo aquilo está ali escrito não fala de outra coisa senão dele mesmo. E não são poucos os percursos trilhados pelo filósofo para "dizer a si mesmo": a maneira de agir dos embaixadores; a ociosidade; a perseverança; a educação das crianças; a fuga das volúpias que podem nos custar a vida; o sono; o hábito de se vestir; os odores; o exercício; a presunção; os correios; a inconveniência em fingir estar doente; os livros; os polegares; os coches; a arte de conversar, etc. são alguns dos temas dissertados por este sério e divertido filósofo cético quinhentista que estava, somente, a falar de si. Poderia ter calado e nem mesmo nem ter se dado ao trabalho de pôr no papel as impressões, as vivências que os percursos de pessoas e coisas do mundo lhe impactavam. Todavia, penso que ele desejava que suas vivências precisavam ganhar corpo e uma permanência maior que ele mesmo, em que, depois de escritas, o próprio Montaigne podia perceber a si e as aprendizagens advindas do viver mesmo.

Certamente, Montaigne poderia ter dado às suas reflexões algum outro título mais pomposo. Contudo, crítico de qualquer tipo de presunção desnecessária, percebeu que aquilo que escrevia mostrava o inacabamento e finitude própria de seus pontos de vista em sua existência, também finita. Ele teve a sensibilidade e a necessidade de escrever o que o impactava e espantava em seu cotidiano; e o vislumbre de que tudo aquilo que ganhava corpo nas linhas não era, afinal de contas, somente sobre si mesmo (os Ensaios não são longas páginas de um diário, nem tampouco um conjunto de devaneios); mas algo de "verdadeiro", de verossimilhante aflorava. Algo que dizia respeito ao humano mesmo e que não importava somente ao filósofo e a pessoa de Montaigne. Não eram "verdades metafísicas", mas a desocultação de uma miríade de vivências transformadas em escrita.

Ao evocar Montaigne como inspirador, pretendo mostrar o quão o ensaio pode transformar-se em um tipo alternativo de avaliação se comparado com outros modelos escritos tradicionais realizados por professores a seus estudantes em sala de aula.

Isto posto, gostaria de descrever a que se pretende o que chamo de Ensaio Vivencial (doravante, EV), enquanto gesto de escrita do estudante quando a ele é apresentada a atmosfera própria das psicologias existenciais-humanistas - o termo é de Rollo May (1986) -, tendo como fio condutor uma aprendizagem que seja significativa para ele durante o percurso em que tiver contato com aquelas abordagens.

O EV será a materialidade meditada, pensada, gestada, tensionada, de um processo, simultaneamente, acadêmico, mas que antes tinha sido, sobretudo, vivencial-pessoal. O feitio de um EV não deixa de ser uma espécie de "via fenomenológica" onde o estudante empreende um resgate de algo da sua vivência, um retorno "da consciência para a vida, através da vivência" (Fernandes, 2010, p. 29). Longe de se pensar que o EV poderia se converter em uma forma de devaneio e perder seu caráter produtivo e avaliativo, como será mostrado a frente, trata-se de resgatar

O mundo, o mundo das coisas e o mundo das pessoas, o mundo do real e do ideal, enfim, o todo do ente só se nos faz acessível, só se nos dá, a partir de nossas vivências. O que, de início, chamamos de mundo é o mundo da vida, ou seja, o mundo no qual nós vivemos. (Fernandes, 2010, p. 29)

Este "mundo da vida" (a expressão originalmente é de Edmund Husserl) é o solo fecundo onde aquelas psicologias existenciais-humanistas exigem que floresçamos para uma compreensão mais lúcida e próxima acerca do humano. De um modo ou de outro, advogam elas que quem quiser caminhar por suas paragens, precisa desenvolver a sensibilidade pelo vivido, pelo pré-reflexivo da vivência humana, pelo antepredicativo da experiência para que, somente assim, façam sentido as teorias elaboradas e a compreensão plena de seus objetivos enquanto psicologias.

Antes, porém, cumpre esclarecer o que é um ensaio para, em seguida, descrever mais formalmente o que é um EV e como ele se estrutura como método avaliativo para fins de uma aprendizagem significativa nas disciplinas que versam sobre psicologias existenciais-humanistas. Após isso, quero mostrar que, mais do que uma mera confecção literária, o EV auxilia o estudante a configurar uma unidade de sentido ao seu próprio vivido. Por fim, mostro como todo este percurso realizado pelo discente lhe proporciona uma aprendizagem realmente significativa.

Como forma de confirmar minhas palavras, sempre que possível, intercalarei alguns depoimentos dos meus próprios estudantes afetados pelos EV e que atenderam ao meu pedido de manifestar, se assim o desejassem, algo a respeito desta forma avaliativa. Como bem expressou taxativamente uma estudante, "o ensaio vivencial é angustiante e libertador".

Minha intenção é mostrar o EV como um exercício filosófico de expressão/interpretação do vivido do estudante, não só como um modo de aferir a aprendizagem dos modelos psicológicos existenciais-humanistas, mas uma via de percepção do professor em como aquelas abordagens psicológicas afetam este mesmo estudante. Ou, como gosto de chamar, uma "epistemologia existencial": misto de objetividade e subjetividade numa tensa tentativa de adentrar em si mesmo, perpassada pela indestrutível relação com o mundo, tendo como ambiência o conhecimento advindo daquelas psicologias.

 

1. O Que é um Ensaio?

De acordo com o "Aurélio", o verbete Ensaio significa basicamente "tentativa, experiência, treino". Se compreendido como estilo de escrita, pretende ser um "estudo sobre determinado assunto, porém menos aprofundado e/ou menor que um tratado formal e acabado" (Ferreira, 1986, p. 659). Tais definições dicionarizadas, mesmo em sua concisão já fornecem uma abertura interpretativa para elucidarmos o que é o EV.

Certamente, o ensaio é muito mais breve do que uma longa dissertação de rigor acadêmico, a qual, por definição, preza por ser bem mais elaborada e amparada conceitualmente. Essa brevidade do ensaio exige do autor um poder de síntese maior do que aquele visto nos "tratados acadêmicos" e, por isso, ele percebe que precisa "se arriscar" ao dizer a que veio. No ensaio é a experiência mesma do escrever que está em jogo: uma experiência de treino de expressão, delineamento leve, esboço, desenho, contorno de prazeres e/ou dores que a "coisa" - objeto do ensaio -, provoca naquele que o escreve.

Estilística mais solta, o ensaio possui a métrica que o autor escolher neste treino que já é um fazer, de certo modo, "pronto". Eis que surge um paradoxo: o ensaio é uma tentativa (que pode errar) cujo acerto já se encontra potencialmente em seu cerne: mesmo que o autor já tenha delineado sua temática (ou ela tenha se insinuado a ele a partir de suas vivências ou da memória destas), ele mesmo não sabe em que redundará seu texto até o momento em que o inicie... e termine. É certo que o autor sempre se doa nesta tentativa sempre retomada de encontrar a "palavra certa" que caiba ou abarque aquilo de que fala. Porém, ele não pode esquecer: o ensaio é algo que retorna; paradoxalmente, é finito e nunca findo. Somam-se os ensaios e esta "pulsão de escrever" reaparece ao espírito daquele que escreve. A título de exemplos, são modos ensaísticos de expressão as crônicas publicadas em jornais e revistas, ou mesmo a forma literária do conto, onde verdadeiros mestres aí habitam e nos "ensinam" o traçado inacabado do ensaio: Tchekhov, Clarice Lispector, Machado de Assis, Caio Fernando Abreu, Moreira Campos, só para citar alguns.

Se o ensaio é uma abertura que pretende ir para qualquer lugar que se queira dizer/escrever, qual seria o diferencial do que batizei de Ensaio Vivencial?

 

2. O Ensaio Vivencial

Como docente de um Curso de Psicologia, onde sou responsável por algumas disciplinas ligadas às psicologias existenciais-humanistas, pensei em uma forma alternativa que fugisse da tradicional avaliação escrita realizada em sala de aula e também da elaboração (às vezes excruciante para o estudante mais ou menos novato) de um artigo científico. O uso repetitivo destas formas de produção acadêmica, às vezes, pode ser enfadonho para o docente e um fantasma de algo difícil e torturante para alguns estudantes, ainda que a escrita formal no ambiente universitário seja algo perfeitamente esperado.

Meditando constantemente, veio-me então, o esboço de algo intermediário e assim elaborei o EV como forma de aferir a aprendizagem dos discentes acerca das ideias centrais das psicologias existenciais-humanistas, mais condizente com a tessitura própria destas abordagens, não recaindo em mero recenseamento de conceitos e categorias, mas trazendo para bem perto a força das vivências humanas em sua intensidade.

O EV é um tipo de avaliação que consiste na expressão de um momento vivido específico do estudante (aqui, em particular, é um instrumento que direcionei ao estudante de psicologia) quando a ele são apresentadas as ideias, os objetos, as atitudes e os contornos da compreensão do humano empreendida pelas psicologias existenciais-humanistas.

Este novo conhecimento repercute de vários modos no discente. O EV torna-se a "caixa de ressonância" das vivências suscitadas por esta novidade. Isso significa que o estudante, objetivamente falando, com seu EV, elaborará um conjunto de comentários acerca dos assuntos estudados em determinado momento da disciplina, porém, com o diferencial de que ele articulará conceitos e teorias estudados com suas próprias vivências pessoais repercutidas nele a partir do que ele tomou contato.

Ele é convidado a falar tudo aquilo que ressoou em seu ser a partir destes novos conhecimentos, posto que é um trabalho individual. Pode até falar, a título ilustração, de situações mais pessoais se for lhe conveniente e se sentir à vontade para tanto. Relata um estudante que o EV "cria uma oportunidade de a gente escrever sobre um assunto pertinente à disciplina e ao mesmo tempo parar um pouquinho pra pensar sobre o que estamos fazendo da vida". Todavia, (e é interessante que fique claro) a intenção não é fazer o estudante expor sua vida íntima a alguém praticamente desconhecido (o professor). O que se pretende é fazer mostrar que nas psicologias existenciais-humanistas, as vivências humanas e os conceitos que tentam dar conta delas, convivem muito próximos, numa intimidade difícil de discernir entre uns e outros. O feitio do EV pelo estudante é, sobretudo, um modo de aproximá-lo de si mesmo, refletindo-as a partir e com o suporte conceitual das psicologias existenciais-humanistas. Uma estudante confirma tal proposta quando diz "o que mais me agrada é o fato de podermos falar das nossas experiências, compartilhar nossas angústias sem abrir mão da teoria. É uma dialética".

Vivência e conceito transformam-se em algo singular e significativo para o estudante na sua formação e como futuro profissional, sobretudo se ele encaminhar suas escolhas para as psicologias existenciais-humanistas. Isso é realmente importante para o discente, como nos informa uma estudante, "porque ao mesmo tempo em que estou lendo sobre o assunto posso equiparar com as minhas vivências e isso além de ajudar a fixar o conhecimento, mostra-me uma relação mais próxima da universidade com o meio social".

Se o estudante tiver compreendido bem, ele perceberá que o EV, como um todo, é uma elaboração teórica das temáticas estudadas que fazem vibrar suas vivências pessoais mobilizadas pelos assuntos discutidos em sala de aula. Isso permite afirmar que este texto é uma elaboração teórico-vivencial, refletindo aspectos da existência vivida do estudante, e não um mero resumo dos textos estudados. Confirmando isso, um estudante relata que o EV "tem sido um instrumento bastante impactante na forma como eu me vejo como discente em formação à medida que temos de relacionar nossas vivências ao contexto teórico que estamos discutindo em sala. E isso faz com que não somente tateemos essas teorias, mas possamos ver como elas têm forte impacto na nossa formação como psicólogos. De outro lado, em minha vida pessoal tenho a oportunidade de voltar os olhos pra mim mesmo de uma forma mais intensa".

Cuidando com atenção do conteúdo, que poderá trazer, como foi dito, assuntos de ordem pessoal, do EV, deixo claro a todos os estudantes que comprometo-me em prezar pela ética e sigilo dos assuntos trazidos em seus textos, devolvendo os mesmos somente aos respectivos autores. Se o autor não procurar seu EV, destruo-o no início do semestre seguinte.

Do ponto de vista do processo avaliativo, cada EV tem uma pontuação particular. A soma dos pontos constitui a nota final de cada estudante na conclusão do semestre. Embora cada EV relacione-se com algum conteúdo específico durante a disciplina, a maneira como cada discente lida com este conteúdo é criado livremente observando a coerência dos conceitos estudados, articulando com as vivências particulares dele, seguindo algumas orientações e provocações propostas por mim. As "provocações", bem entendido, se dão na forma de perguntas de partida que mobilizam o estudante em termos teóricos e vivenciais. Exemplos: "Como você compreende Deus na perspectiva de Kierkegaard, relacionando-a com sua forma pessoal de compreender este mesmo Deus?" (questão referente ao estudo da filosofia de Sören Kierkegaard); "Você se vê como alguém que goza de liberdade experiencial do modo como Rogers a compreende e descreve? Sim ou não, descreva como se percebe." (questão referente ao estudo de algumas categorias centrais na Abordagem Centrada na Pessoa).

Como o EV não se trata de ficar devaneando acerca da própria vida, é aqui que o estudo dos textos da disciplina torna-se uma condição fundamental para se ter uma visão de conjunto não só das teorias, mas, inclusive, das próprias vivências. Afinal, percebemos os fenômenos do mundo pela teoria que advogamos e vivemos; por meio de nossa visão de mundo. De minha parte existe o incentivo constante pela leitura detida dos textos, os quais fornecerão a ponte e a coerência entre a teoria e vivência. Acerca deste aspecto, diz-nos um estudante que o EV "é um instrumento que tem uma potencialidade incrível, pois não só aprendemos a como usar os conceitos em nosso dia-a-dia, como aprendemos a parar para pensar sobre o que fazemos quanto nossa vida [...]. Vale lembrar que estes conceitos deixam de ser tão abstratos e passam a ser mais práticos".

Como ainda se trata de um trabalho acadêmico, outras condições são exigidas ao estudante: todos os EV devem ser entregues digitados (exijo de 3 a 4 laudas), não sendo aceitos trabalhos feitos à mão. Ao solicitar um número mínimo de páginas, penso que os discentes podem se doar mais no feitio, além de retirar qualquer ilusão de que 2 ou 3 parágrafos ou incontáveis folhas de papel podem dar conta do que foi mobilizado pelas questões provocadoras. Peço, enfim, que eles devem observar as regras da formatação de textos acadêmicos (em geral, a ABNT) vigentes para artigos científicos na formatação final de seus ensaios.

O corpo do texto é totalmente dissertativo. Mesmo assim, vejo que isso ainda é problema para os estudantes recém saídos do Ensino Médio. Porém, não vejo como contornar esta dificuldade senão no próprio ato de escrever. Se algum estudante ainda tem dúvidas do que é e como se faz uma dissertação, remeto-os aos manuais de Redação do Ensino Médio e trago exemplos de escritas ensaísticas para que eles mesmos visualizem mais ou menos como devem proceder. Fazendo isso, deixo bem claro que não serão aceitos resumos e/ou fichamentos como compensação ao EV solicitado por não crer que eles possibilitem a aprendizagem que se pretende suscitar.

No que concerne a fazer as devidas Referências às fontes utilizadas como sustentação para as afirmações elaboradas na sua escrita, o estudante é esclarecido que ele deverá, de alguma forma, citar os textos por ele utilizados. Estas referências aparecerão, conforme as regras para o feitio de um artigo, ao final do EV, onde constarão as informações completas das obras e/ou textos usados.

Os critérios de avaliação do EV para que se produza uma nota são: a articulação interna e a coerência entre os conceitos/teorias abordados na disciplina com as vivências pessoais descritas pelo estudante, além do respeito pela formatação exigida. O prazo médio é de 2 semanas para a devolução de cada EV.

Pelos abusos cometidos por alguns estudantes ansiosos e que se julgam "incapazes" de realizar um ensaio, faço uma recomendação explícita que usem parcimoniosamente e com cuidado textos retirados da Internet. Os textos da disciplina podem cumprir bem o papel de auxiliar o estudante na empreitada de escrever seu EV. No entanto, se o estudante utilizar-se de outras de fontes da web, que seja criterioso com o material utilizado (recomendo sempre qualquer base de dados de caráter acadêmico, como o Scielo, por exemplo) e, é claro, que faça a devida citação dos mesmos no EV e coloque-os nas Referências ao final do trabalho. Todavia (e esta é uma postura muito particular), qualquer EV que tiver seu conteúdo copiado no todo ou em parte da Internet (ou de qualquer outra fonte que for possível identificar) terá, automaticamente, nota ZERO, sem quaisquer outras chances.

Provavelmente alguns estudantes ou docentes podem ver nisso um posicionamento muito duro. Em minha defesa digo o seguinte: em primeiro lugar, em média peço 5 (cinco) EV's durante a disciplina; logo, o estudante pode recuperar sua nota. Em segundo lugar, copiar descaradamente uma produção alheia merece uma resposta dura à altura de um hábito tão arraigado em nossa cultura escolar (que já vem vindo de antes do estudante ingressar na Universidade) de que "qualquer coisa, de qualquer jeito, tá bom e pode ser aceita"; ou de que "com qualquer jeitinho sempre dá um jeito". Um docente que compactua com tal ato, a meu ver, tenta cobrir o sol com a peneira das dificuldades dos estudantes (e das próprias), além de repetir o hábito de "passar" os discentes de um semestre a outro; reflexo do mesmo costume que, tristemente, ocorre na vida estudantil nos Ensinos Fundamental e Médio. Por último, mas não menos importante (e mais delicado ainda por se tratar de uma Graduação em Psicologia), penso que, como educador, sou corresponsável (junto com meus colegas de Colegiado) pela formação destes estudantes em futuros profissionais competentes e éticos. Se eu percebo que um estudante não tem condições de seguir para outro semestre, não sinto o menor peso em minha consciência ao não aprová-lo, seja por ele estar passando por dificuldades pessoais (e por conta disso, a meu ver, ele precisa de nova oportunidade em outro semestre para realizar algo bem feito), seja por não ter se dedicado o suficiente ou porque agiu de má-fé. Se eu proceder de modo diferente, penso que minha tarefa como docente ficaria seriamente comprometida.

Ainda que com todos estes detalhes, pode-se perguntar se também eu não estaria exigindo algo além da conta. Não vejo deste modo, pois, afinal, (e qualquer professor que se importe com seus estudantes pode se fazer esta pergunta) o que eu quero dos meus estudantes? Que sejam autores, que superem a si mesmos! E que reconheçam que este não é um atributo de alguns "privilegiados" supostamente "mais capazes" ou "mais inteligentes" ou qualquer coisa deste tipo.

Bem sei que ser um autor é uma atividade difícil de se cultivar e de encontrar incentivo dentro da academia, tanto pelos moldes formais do feitio de um texto científico, como, em geral, pela ausência de apoio docente para tanto. Não são todos os professores que apóiam tal independência de seus discentes. Como penso que "retribui-se mal um mestre quando se permanece sempre e somente discípulo" (Nietzsche, 2007, p. 105), não canso de mostrar-lhes (aos estudantes) que podem expressar-se livremente, mesmo com as regras de formatação acadêmica, as quais explico com a metáfora da moldura: é dentro dela que a liberdade da tela proporciona a cada um dos estudantes pintar (escrever) suas impressões; vivências; um esboço de si mesmo. Penso que neste trabalho continuado, eles possam vir a ser aquele tipo de autor que Schopenhauer (2007) considera como "raros": os que pensaram e ruminaram bastante antes de se colocarem para escrever. Mais ainda, o filósofo alemão afirma que os verdadeiros autores são aqueles que meditam sobre "as próprias coisas" porque eles

(...) têm seu pensamento voltados para eles de modo direto. Apenas entre eles encontram-se os que permanecerão e serão imortalizados. - Evidentemente, trata-se aqui de assuntos elevados, não de escritores que falam sobre a destilação de aguardente (Schopenhauer, 2007, p. 58).

Não quero que eles sejam estudante "copistas" dos textos ou façam resumos, mas compreendam as ideias pilares das psicologias existenciais-humanistas não apenas cognitivamente, mas afetivamente; experiencialmente. E saibam que são escutados por mostrarem esta compreensão na escrita. Sobre isso nos informa uma estudante que "a experiência de ser avaliada através do ensaio vivencial é muito interessante, porque é uma forma de avaliação em que não há tanta pressão, deixando-nos mais a vontade para aprendermos durante todo o semestre e no decorrer da elaboração do ensaio. É interessante ainda porque podemos associar os conteúdos aprendidos às nossas próprias vivências, o que, para mim, facilita a aprendizagem". Mais incisivamente, uma estudante relata que "muitas vezes [estamos] num ambiente onde sufocamos por não ser permitido a nós nos expressarmos, caso contrário seremos severamente punidos academicamente, ou o que temos para falar é tido como insignificante. Também somos sujeitos desejosos de sermos ouvidos, ouvidos de verdade".

 

3. O Ensaio Vivencial como Unidade de Sentido

Todavia, apesar da descrição objetiva do EV como instrumento de junção teórico-vivencial e como modo avaliativo, ele ganha maior compreensão de seus propósitos se for percebido como uma possibilidade do estudante conferir às suas vivências uma unidade de sentido que antes não estava constituída. Isso decorre, como já havia apontado Amatuzzi (2008), justamente porque o humano, para ser compreendido e para compreender-se, tem de lidar com questões de sentido. Escreve ele:

A decifração do sentido só será um discurso no presente se for vivencial, experiencial, uma vivência do próprio sentido criando novos sentidos. É enfrentando os desafios que vou decifrando os sentidos e criando novos sentidos. A decifração dos sentidos que permanece no atual identifica-se com o enfrentamento dos desafios, e não é apenas um estudo deles. (Amatuzzi, 2008, p. 11-12. Os itálicos são do autor)

A fim de que ele possa perceber em si a possibilidade de ver-se como um autor, ao discente é pedido que reflita, dê coesão a aspectos vividos de sua existência, os quais antes, provavelmente, não dispunham de uma boa atenção e de uma palavra mais próxima. De algum modo, o estudante pode (e, na verdade, consegue) se colocar como que "externo" às suas vivências como se estas fossem um "objeto exterior". Vivência e palavra aqui são co-pertecentes; correspondidos um ao outro. Como autor, ele é "levado para fora de si". Contudo, isso nunca acontece de fato, imerso como estamos na existência e na linguagem em que ela se expressa.

Atento e inspirado pela hermenêutica filosófica de Hans-Georg Gadamer (2002a), que afirma a pertença do humano à linguagem (e não o oposto), as vivências já estão sempre a caminho e não como um acontecimento casual e fortuito que vezemquando ocorre. Elas não poderiam ser "irracionais" a tal ponto que lhes fossem vedadas ganhar um discurso articulado. Mas tal qual a linguagem que nós utilizamos para nomear o vivido, em relação às nossas vivências mesmas já estamos sempre em casa.

Ao escrever nossas vivências, damos contorno e forma a uma parte da existência que julgávamos conhecer bem. A surpresa dos estudantes é quase uma constante quando confessam a ignorância e o consequente desvelamento daquilo que pensavam estar claro acerca do seu vivido (nós humanos somos muito opacos e o EV denuncia claramente que uma autoconsciência transparente a si mesma é uma ilusão). Aqui, uma unidade de sentido da vivência é constituída. Entretanto, como somos um perpétuo devir, esta interpretação é, como qualquer outra, parcial, imperfeita, incompleta, uma vez que para circunscrever nosso vivido, usamos da linguagem construída pelo humano: ao mesmo tempo abrangente e finita, posto que, mesmo usando de todo vocabulário possível, tem-se a viva impressão de que nunca se consegue dizer tudo. A unidade do vivido expressa no EV é um desvelamento do modo de ser finito do humano. O estudante dialoga, simultaneamente, com as ideias dos psicólogos humanistas e consigo mesmo. Bem entendido, com sua reação existencial àquelas ideias. A este respeito, confessa um estudante que é "realmente visceral, o modo como esses ensaios têm me tocado profundamente. Oportuniza um espaço para nos interrogar, nos questionarmos e pensarmos nossa própria condição".

Mais uma vez recorro a Gadamer (2002b) para quem o diálogo é um "atributo natural do homem" (p.243). Longe de ser um mero bate papo, o diálogo empreendido pelo estudante e que se transformou em um ensaio escrito, não é só literatura ou trabalho acadêmico de disciplina, mas possui "uma transparência singular, deixando entrever ao fundo a verdadeira realidade, o autêntico acontecer" (p.245). É um tipo de diálogo da alma consigo mesma, como nos diz Platão (1979) no Sofista.

Em certo sentido, não deixa de ser um embate, pois o estudante, espera-se, esclareça a si mesmo de sua própria experiência que o individualiza. E para isso o diálogo o coloca à força no encontro com o diferente numa busca pelo verdadeiro. Escreve Gadamer (2002b) que "o diálogo com os outros, suas objeções ou sua aprovação, sua compreensão ou seus mal entendidos, representam uma certa expansão de nossa individualidade e um experimento da possível comunidade a que nos convida a razão" (p. 246).

Esta "expansão da individualidade" é fruto de uma provisória unidade dialogal de sentido do vivido de si mesmo como se fosse um outro. Não fosse assim, Gadamer (2002b) não teria atestado com tanta veemência que o diálogo autêntico deixa marcas de algo que não estava ali antes "em nossa própria experiência do mundo" (p. 247), transformando os interlocutores. No caso aqui, o estudante que, mais do que conteúdos teóricos, aprendeu algo de si pelo diálogo com aqueles psicólogos existenciais-humanistas e consigo mesmo. Provocado por este diálogo, dá-se a experiência do educar a si mesmo: não um processo solitário, mas algo que o estudante só ele mesmo deve fazer; um movimento a realizar. (Hermann, 2002)

De uma perspectiva diferente ao que venho expondo, mas igualmente pertinente, Nietzsche anotou que aquele que "pensa muito e pensa objetivamente, esquece com facilidade as próprias vivências, mas não os pensamentos suscitados por elas" (Nietzsche, 2005. p. 244. Aforismo 526). Isto é, o EV é o fruto meditado, pensado daquilo que ficou na memória de vivências de outrora. Mesmo sendo algo a posteriori, este relato guarda sua riqueza se o estudante dispor-se a abrir os recantos de sua memória, de seu pensar, mobilizado pelos estudos existenciais-humanistas, desenhando os contornos de uma unidade de sentido que faz todo o sentido para ele mesmo.

Tal realização implica expor-se, doar-se, estar ciente dos riscos de ter de sair de sua zona de conforto dos próprios pré-conceitos e pré-juízos tão estimados por ele e por todos nós, os quais nem sempre estamos dispostos a abrir mão. Todavia, se o estudante encara o desafio que lhe coloca o diálogo, criando acordos (ou desacordos), a experiência desta aprendizagem significativa, no fim das contas, mediante a escrita ensaística, mostra um saldo positivo.

 

4. Como Docente e numa Perspectiva Existencial-Humanista...

Penso que ficou bem evidente a fé que deposito no EV, tanto como modo sui generis de aferição de aprendizagem, como em seu aspecto formativo que inclui também a mim mesmo como professor e como pessoa. E amparado pela psicologia centrada na pessoa de Carl Rogers (1983) em relação à educação, sei e sinto que estou em um caminho que faz sentido, pois confio na capacidade pessoal do estudante de pensar, sentir e aprender por si mesmo; que a aprendizagem das psicologias existenciais-humanistas é algo que diz respeito a mim também, trazendo à baila minha co-responsabilidade como docente neste processo de aprender do discente. Tenho em meu ser a clareza de que o estudante, ao deparar-se com os conteúdos e consigo mesmo no diálogo que empreende, pode escolher como deve elaborar seu EV, responsabilizando-se por suas escolhas; que, no momento dos encontros em sala de aula, não só a exposição conceitual, mas a atenção, o interesse e a congruência do sentir-pensar-agir são uma forte moeda corrente entre docente e discente; que um e outro devem se autodisciplinar neste percurso de aprendizagem, sem recurso a exortações moralistas ou moralizantes. Existe aqui o cuidado de minha parte com o que relatam meus estudantes, com relação a dimensões de suas vidas pessoais. Na medida em que me é possível, os escuto. Um estudante escreve que "tal instrumento pode servir de meio de aproximação [do professor] para com os alunos e mesmo constatar se há necessidade de um "cuidado" diferenciado com este, posto que o desgaste sobre nós que estudamos o homem é imenso e nem sempre temos tempo para pensar sobre nós, que também precisamos de cuidado e apoio de outros".

Ao final do semestre, sempre peço aos estudantes uma autoavaliação acerca de seu percurso e o impacto deste modo diferente de avaliação que é o EV. Não desejo somente que o estudante saia da disciplina como detentor de um saber teórico a mais na dentro da sua caminhada na graduação. Todavia, que sua trajetória discente pode ainda ser sempre significativa, mesmo que sua escolha de interesse pessoal e profissional não percorra as psicologias existenciais-humanistas. Um estudante que já havia escolhido outra abordagem psicológica escreve que o EV "possibilita extravasar este espaço formal para uma escrita mais fluida e, diria, mais significativa para ciências humanas".

Só assim faz sentido, para mim, esta relação pessoal-profissional que cultivo entre mim e meus estudantes, a qual me autoriza a pedir deles o que penso que eles podem certamente dar e receber de si mesmos por uma escrita... por um ensaio. Ou mesmo poesia. Como resultado dos "efeitos" sentidos pelos EV's, um estudante escreveu um pequeno poema (e com ele finalizo) intitulado Instantes.

Descobri que viver é uma grande oportunidade, única e singular, de viver a finitude no infinito. Sou consciente que somos desafiados a cada segundo, de descobrir a beleza da vida na rotina do cotidiano, nos pequenos e sórdidos detalhes de existir. Oportunizados de experimentar as sensações mais puras e simples do amor, do ódio, do sexo e do corpo. De amedrontar-se. Trair e ser traído. Decepcionar-se, e, quando não, chorar. Apenas chorar.

Chorar por ter errado, ou novamente fracassado por não aprender. Aprender a dizer as palavras certas, no momento exato, a quem se ama ou não. Sentir a dor da saudade. Saudade dos afetos, dos amantes, do encontro e da partida. Partidas que deixam feridas, manchas e lembranças. Saudades do adeus, da despedida, dos soluços e das lágrimas perdidas. São instantes que se vão e não se repetiram. É ser passado, presente, e quem sabe, um adiante.

Não há dúvidas. Metaforicamente, viver é estar em um barco no meio do mar, cuja profundidade e extensão só se conhecem navegando para alcançar os horizontes. Horizontes estes não estão distantes. Talvez, estão tão pertos que não se conseguem se vê, e ver-se a si mesmo. Horizontes são ser-para-si e ser-em-si.

São laços, vínculos, afetos, sonhos e projetos. Caminhos descobertos. Histórias de vida inventadas e construídas. Prontas para serem reinventadas e nunca apagadas. Para isso, basta estar aqui e agora, vivenciando pequenos e únicos instantes.

 

Referências

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Schopenhauer, A. (2007). A arte de escrever. Porto Alegre: L&PM.         [ Links ]

 

 

Recebido em 19.12.12
Aceito em 01.07.13