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Revista da Abordagem Gestáltica
versão impressa ISSN 1809-6867
Rev. abordagem gestalt. vol.24 no.3 Goiânia dset./ez. 2018
https://doi.org/10.18065/RAG.2018v24n3.3
ARTIGOS: RELATOS DE PESQUISA
Gestaltpedagogia e relação dialógica: contribuições para a formação de profissionais de saúde
Gestaltpedagogy and dialogical relationship: contributions for the training of health professional
Gestaltpedagogia y relación dialogica: contribuciones para la formación de profesionales de la salud
Graciana Sulino AssunçãoI; Elizabeth QueirozII
IGraduação em Psicologia pela PUC-GO, Mestrado em Processos de Desenvolvimento Humano e Saúde pela UnB, especialização em Gestalt-terapia e em Terapia de Criança, Casal e Família pelo Instituto de Treinamento e Pesquisa em Gestalt-terapia de Goiânia (ITGT). Formação em Orientação Profissional, Terapia de Grupo e Terapia de Curta-Duração. Psicóloga clínica e supervisora no SOLUS Instituto de Desenvolvimento Humano. Email: gracianasa@hotmail.com
IIPsicóloga, mestrado (1993) e doutorado em Psicologia pela Universidade de Brasília (2003). Professora adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase na área de saúde, reabilitação, atuação e formação profissional em saúde. Email: bethqueiroz@unb.br
RESUMO
A influência da qualidade da relação profissional de saúde-paciente no tratamento das doenças e na promoção de saúde tem indicado necessidade de assistência fundamentada na integração das competências técnicas e relacionais. A Gestaltpedagogia apresenta-se como possibilidade para ensino de ações que envolvam saúde e educação. Os elementos do interhumano, que caracterizam uma relação como dialógica para Buber, apresentam-se como proposta para formação de profissionais de saúde. Este artigo objetiva apresentar as contribuições de um programa de intervenção gestaltpedagógico, com enfoque na Relação Dialógica, para o ensino do tema "Relação profissional de saúde-paciente" em estudantes dos cursos de graduação em saúde da Universidade de Brasília, constituído por uma Oficina de 10 encontros. Participaram deste estudo cinco estudantes. Foi realizada análise compreensiva dos dados resultados desta pesquisa-ação. Constatou-se que a Oficina propiciou integração entre teoria e prática; incremento para formação humanizada e espaço de abertura para exposição de opiniões e discussão multiprofissional, tendo sido efetiva para ensino da relação profissional de saúde-paciente. Participantes avaliaram a intervenção como relevante e necessária para formação. Espera-se que seja reaplicada e contribua para formação dos profissionais de saúde, e em longo prazo, para possíveis transformações na qualidade da assistência integral à saúde dos pacientes.
Palavras-chave: Relação profissional de saúde-paciente; Formação em saúde; Gestaltpedagogia; Dialógica.
ABSTRACT
The influence of the quality of the healthcare professional-patient relationship in the treatment of diseases and in the health promotion has indicated the necessity of assistance based on the integration of the technical and relational competences. The Gestaltpedagogy presents itself as a possibility for teaching actions involving health and education. The interhuman elements, which characterize a relation as dialogical for Buber, are presented as a proposal for the training of health professionals. This article aims to present the contributions of a gestalt pedagogical intervention program, focusing on the Dialogical Relation, to teach the theme "Healthcare professional-patient relationship" in students of undergraduate health courses at the University of Brasília, constituted by a Workshop of 10 meetings. Five students participated in this study. A comprehensive analysis of the data from this research-action was performed. It was found that the Workshop provided an integration between theory and practice; increment for humanized training and made it possible to present opinions and multiprofessional discussion, having been effective for teaching the professional relation of health-patient. Participants assessed the intervention as relevant and necessary for their training. It is expected that it will be reapplied and contribute to the training of health professionals, and in the long term, to possible changes in the quality of integral assistance of patients.
Keywords: Healthcare professional-patient relationship; Health training; Gestaltpedagogy; Dialogical.
RESUMEN
La influencia de la calidad de la relación profesional de salud-paciente en el tratamiento de las enfermedades y en la promoción de la salud ha indicado necesidad de asistencia fundamentada en la integración de las competencias técnicas y relacionales. La Gestaltpedagogía se presenta como posibilidad para la enseñanza de acciones que involucran salud y educación. Los elementos del interhumano, que caracterizan una relación como dialógica para Buber, se presentan como propuesta para la formación de profesionales de la salud. Este artículo tiene como objetivo presentar las contribuciones de un programa de intervención gestaltpedagógico, con enfoque en la Relación Dialógica, para la enseñanza del tema "Relación profesional de salud-paciente" en estudiantes de los cursos de graduación en salud de la Universidad de Brasilia, constituido por un Taller de " 10 encuentros. En este estudio participaron cinco estudiantes. Se realizó un análisis comprensivo de los resultados de esta investigación-acción. Se constató que el Taller propició integración entre teoría y práctica; El incremento para la formación humanizada y el espacio de apertura para la exposición de opiniones y la discusión multiprofesional, habiendo sido efectiva para la enseñanza de la relación profesional de salud-paciente. Los participantes evaluaron la intervención como relevante y necesaria para la formación. Se espera que sea reaplicada y contribuya a la formación de los profesionales de la salud, ya largo plazo, para posibles transformaciones en la calidad de la asistencia integral a la salud de los pacientes.
Palabras clave:Relaciónprofesionalde lasalud-paciente; Formación ensalud; Gestaltpedagogía; Dialógica.
Introdução
A interação com o paciente é reconhecida como valiosa e crucial na construção de uma assistência humanizada (Nakano, 2013). À medida que se avança nas pesquisas e reflexões sobre a temática da relação profissional de saúde-paciente, seja nos aspectos específicos de cada profissão da área da saúde, seja na humanização dessa relação ou nas habilidades interpessoais necessárias para uma relação de qualidade, depara-se com a discussão da formação dos recursos humanos em saúde (Abbad, Parreira, Pinho & Queiroz, 2016; Araújo, 2011; Batista & Batista, 2004; Costa & Pereira, 2015; Mitre et al., 2008; Sucupira, 2007).
Branch Jr. et al. (2001) apontam que apesar de repetidos apelos sobre a importância da humanização do cuidado em saúde durante a formação de profissionais, são pouco conhecidas técnicas realmente eficazes de se fazer isso. De acordo com esses autores, a formaque se supõe que a atitude humanizadaé aprendida pelos estudantes seria por meio da observação, tendo os membros do corpo docente de sua formação como modelos.
Para Muniz e Chazan (2010), a conduta que o professor demonstra no encontro professor-aluno1, tem muito mais alcance do que o que é dito. Branch Jr. et al. (2001) afirmam que encontrar um jeito de ser verdadeiro e humanizado nas interações com os estudantes, pode ser tão eficaz quanto tentar se expressar humanisticamente nas interações de cuidado com os pacientes. Portanto, uma maneira de embasar os futuros profissionais de saúde na construção de um relacionamento humano com o paciente é vivenciar a relação professor-aluno de forma significativa (Esperidião, 2003).
Assim, tanto na relação do profissional de saúde com seu paciente quanto na relação do professor com os estudantes de cursos da área de saúde, expressa-sea necessidade de focar no desenvolvimento tanto de competências técnicas quanto relacionais, cuidar tanto da competência interpessoal do aluno quanto do desenvolvimento das habilidades técnicas específicas de cada profissão, proporcionando uma formação integral desses estudantes-profissionais (Esperidião, 2001; Branco, 2003, Mello Filho & Burd, 2010).
Pensar na mudança dos modelos de assistência e no ensino na saúde implica em contemplar as pessoas que formam o sistema. Neste sentido, considerar a especificidade da relação profissional de saúde-paciente, tão criticada e debatida no contexto da saúde, é antes de tudo abordar questões relativas à relação humana (Canto, Machado, & Manfroi, 2011).
A base da existência humana é relacional, segundo a filosofia existencialista. Isso implica em uma mudança de paradigma do Eu como sistema fechado e individualizado para o Eu como realidade relacional, constituindo-se no face a face dialogal com um Tu, diferente desse Eu. Essa alteridade é condição necessária à constituição do Eu (Buber, 1923/2004; Mendonça, 1995). Para Martin Buber (2007), a existência humana só pode ser compreendida em relação, pois para que o homem exista como humano é necessário que exista também outro homem com quem ele possa se relacionar. Mendonça (1995) acrescenta que para Buber o distintivo do homem não é sua racionalidade e sim sua capacidade de ser dialógico, de constituir-se no "entre". O entre (Zwieschen) é entendido como o espaço ontológico, gerador do ser do homem (Zuben, 2003).
Buber (1923/2004, 2007) reconhece a dimensão ontológica no encontro entre pessoas e identifica alguns elementos que se manifestam neste encontro homem-homem, os quaisestão no domínio do interhumano e caracterizam uma relação como dialógica. Didaticamente, eles podem ser organizados como presença, comunicação genuína, confirmação e inclusão (Buber, 1923/2004, 2007; Hycner, 1995; Hycner & Jacobs, 1997; Zuben, 2003).
Presença é o elemento fundamental para uma relação dialógica. Estar presente é uma atitude que vai muito além da presença física, é estar disponível, ser autêntico, deixando-se tocar e mobilizar pelo que acontece na relação. Significa, pois, trazer para a relação a plenitude de nós mesmos (Buber, 1923/2004). Buber (1965, conforme citado por Hycner & Jacobs, 1997, p. 39) define presença como um "voltar-se para o outro". Essa atitude possibilita o encontro, a abertura ao diálogo e o contato pessoa a pessoa.
Comunicação genuína e sem reservas é a disposição para se envolver honestamente no diálogo e também criar condições para isso acontecer. Sem reservas, vale ressaltar, não significa sem discernimento. Palavras ditas impulsivamente, não relevantes à tarefa, podem atrapalhar o diálogo genuíno. O que deve ser sem reservas é a disponibilidade para um diálogo verdadeiro (Buber, 2007; Hycner, 1995; Hycner & Jacobs, 1997). Isso implica em dizer genuinamente o que for necessário para o desenvolvimento da relação já que "em geral os homens não falam realmente um-ao-outro, mas, cada um, embora esteja voltado para o outro, fala na verdade a uma instância fictícia, cuja existência se reduz ao fato de escutá-lo" (Buber, 2007, p. 145).
Outro elemento da essência da relação dialógica é a confirmação. O ser humano tem a necessidade de ser confirmado para se sentir visto e valorizado como pessoa. "Existimos enquanto pessoas que necessitam ser confirmadas em sua singularidade por pessoas que são essencialmente outras singularidades" (Friedman, 1985, p. 119). Tal confirmação não significa uma aprovação, mas uma aceitação do outro como parceiro de uma conversa genuína. "O que quer que eu seja contrário ao outro, eu disse Sim à sua pessoa" (Buber, 1923/2004, p. 154).
A inclusão significa dar "um impulso audacioso, que exige uma agitação muito intensa de nosso ser, para dentro da vida do outro" (Buber, 1923/2004, p. 81). É uma forma de sentir o que o outro está vivenciando, em um determinado momento, sem perder sua própria identidade; é tentar experienciar o que o outro está experienciando e simultaneamente se manter centrado em si mesmo. É o movimento de ir e vir, de estar centrado na própria existência e ainda assim ser capaz de passar para o outro lado. Ao realizar esse movimento, tornamo-nos verdadeiros companheiros de viagem pela vida do outro e esse outro se sente profundamente compreendido. Significa ver o mundo pelos olhos do outro, imaginar concretamente a realidade do outro em si mesmo de maneira tão completa quanto possível (Hycner, 1995; Hycner & Jacobs, 1997).
Ao enfatizar os elementos do interhumano, Buber (2007) realça a necessidade de cuidado com nossa competência interpessoal. Para ele toda existência real é relação, com o outro ou com o mundo. A proposta de estabelecer, entre as partes de uma relação,uma vivência de encontro, na qual os parceiros envolvidos podem (e devem) se manifestar de forma autêntica, também está presente no modelo de ensino denominado Gestaltpedagogia (Lilienthal, 1993, 1997; Costa, 2002; Woldt, 2009). A Gestaltpedagogia é uma proposta didática pensada por diversos autores, entre eles destaca-se Hilarion Petzold, nas décadas de 1960 e 1970 e mais amplamente divulgada pelo livro homônimo escrito por Olaf-Axel Burow e Karheinz Scherpp, publicado no Brasil em 1985. Essa proposta sugere uma metodologia de ensino-aprendizagem que inclui a educação dos professores, a educação da pessoa como um todo, a integração de conhecimentos, a integração intercultural e o equilíbrio entre teoria e prática, e propõe que o aprendizado ocorra pelo experienciar de si mesmo, do mundo, dos recursos pessoais, conduzindo à conscientização e autoconhecimento (Burow & Scherpp, 1985; Lilienthal, 2004).
Burow e Scherpp (1985) destacam que para o ensino gestatpedagógico é importante levar em consideração três pontos:
1) a Gestaltpedagogia exige um comportamento diferente por parte do professor: a base dessa metodologia é a modificação da relação interpessoal entre estudante e professor, focando na relação intersubjetiva. Para o professor deve ser prioridade a relação com o aluno e depois o tema da aula. Além disso, deve existir coerência entre as verbalizações e as ações do professor;
2) a Gestatpedagogia objetiva o desenvolvimento da personalidade dos estudantes: na intersubjetividade o estudante é visto, aceito e compreendido como um ser humano total, como sendo uma unidade orgânica de sentir, pensar e agir, em relação com o ambiente em que vive. Deve-se desenvolver uma situação horizontal de ensino ao contrário da usual verticalidade;
3) métodos e princípios gestálticos podem ser utilizados para alcançar, tanto objetivos tradicionais, quanto novos: as possibilidades dessa metodologia alcançam os conteúdos intelectuais comumente ensinados e também atingem objetivos emocionais e sociais de ensino.
O objetivo central da Gestaltpedagogia descrito por Burow e Scherpp (1985) é possibilitar ao indivíduo o desenvolvimento completo de suas capacidades e de todo seu potencial, criando condições necessárias para que isso aconteça. Um dos aspectos que difere a Gestaltpedagogia de outros meios pedagógicos é que ela leva em conta o aspecto emocional no processo de aprendizagem, estimulando o aluno como um organismo integral.
Vale ressaltar que esse estímulo do aspecto emocional visa acessar o estudante na sua totalidade e, por meio de vivência dos conteúdos, deixar marcas de aprendizagem. O processo de ensino parte das possibilidades, necessidades e experiências dos estudantes pelo método da vivência. Começa das necessidades dos indivíduos para desencadear um processo de crescimento que tem como meta a modificação do indivíduo e do meio. Branch Jr. et al. (2001) incentivam o uso de diferentes estratégias educacionais, atentando-se para o fato que devem ser especificamente escolhidas para coincidir com as necessidades de uma situação de aprendizagem, seu conteúdo e as necessidades e preferências dos alunos. A Gestaltpedagogia elenca alguns princípios orientados pelas ideias teóricas e práticas da Gestalt-terapia (Burow & Scherpp, 1985; Pierre-Carl, 2016). Dentre estes princípios, Lilienthal (1993) enfatiza que o tripé fundamental formado pelos princípios da concentração sobre o contato, do estímulo à consciência e do aqui-e-agora, é essencial porque todos os outros princípios gestaltpedagógicos se baseiam nele. Esses três conceitos se encontram intimamente relacionados e a ausência de um deles implica na impossibilidade de sustentação desse tripé. Portanto, toda metodologia gestaltpedagógica procura ensinar no tempo e espaço presente, estimulando o contato do aluno consigo mesmo, com os outros e com o mundo que o cerca, auxiliando na tomada de consciência para promover mudanças, incentivando escolhas responsáveis e impulsionando o desenvolvimento do autossuporte (Burow&Scherpp, 1985; Lilienthal, 1993).
Há que se ressaltar também que a Gestaltpedagogia considera um ensino que visa a unidade indivíduo-meio para que as ações promovidas na escola tenham reflexo direto no meio social. O professor orientado gestaltpedagogicamente deve ter em mente que os objetivos, os meios e os conteúdos de ensino possuem uma dependência recíproca e necessitam se harmonizar proporcionando um ensino significativo à vida (Burow & Scherpp, 1985). Tem-se observado iniciativas de transformação nos processos de formação profissional em saúde principalmente fundamentadas nas metodologias ativas, as quais surgem em contraposição às metodologias tradicionais de ensino-aprendizagem (Costa & Pereira, 2015). Essas metodologias pretendem suprir a necessidade atual de "formar profissionais como sujeitos sociais com competências éticas, políticas e técnicas e dotados de conhecimento, raciocínio, crítica, responsabilidade e sensibilidade para as questões da vida e da sociedade, capacitando-os para intervirem em contextos de incertezas e complexidades" (Mitre et al., 2008, p. 2135).
Essa modalidade de ensino possui como principais aspectos a aprendizagem significativa, a indissociabilidade entre teoria e prática, o respeito à autonomia do estudante, o trabalho em pequenos grupos, a educação permanente e a avaliação formativa (Siqueira-Batista & Siqueira-Batista, 2009). Outro aspecto da educação ativa é que se fundamenta na relação dialógica entre educador e educando, possibilitando o aprendizado conjunto (Pereira, 2007; Vignochi, Benetti, Machado, & Manfroi, 2009).
Os avanços sobre o tema relação profissional de saúde-paciente podem, cada vez mais, serem observados na literatura nacional e internacional (Campos, Minayo, Akerman, Júnior, & Carvalho, 2009; Kickbush, 2003; Schiavo, 2007; Wright, Sparks, & O'Hair, 2008). No entanto, ao olhar para o contexto educacional das ciências da saúde na atualidade, apesar de tentativas em algumas universidades de promover um ensino mais humanizado compreendendo o homem em sua totalidade (Branco, 2003; Costa, Canela, Drumond, Dias, & Santa, 2010; Mello Filho & Burd, 2010), observam-se estudos que apontam uma priorização da educação teórica e técnica (Caprara & Rodrigues, 2004; Rocco, 2010; Sucupira, 2007; Traverso-Yépez & Morais, 2004). Araújo (2011) afirma que "parece haver uma distância entre a concepção de conhecimento dominante nas escolas e os atuais requerimentos exigidos dos profissionais, caracterizando um abismo entre teoria e prática" (p. 63).
Amâncio Filho (2004) assegura que é necessário aprofundar a reflexão sobre os meios e os modos como a formação profissional na área da saúde vem ocorrendo, isto é, verificar "se os conteúdos curriculares e as metodologias de ensino utilizadas permitem ao aluno apreender tanto os procedimentos técnicos indispensáveis ao exercício profissional como, também, desenvolver visão crítica em relação ao processo de trabalho e ao mundo que o circunda" (p. 379).
Nessa perspectiva, o uso de metodologias voltadas para a formação dos estudantes na sua totalidade, como a Gestaltpedagogia, converge com a preocupação na assistência integral ao paciente. Sobre o uso da metodologia gestaltpedagógica, Lilienthal (1998) esclarece:
Vejo a Gestalt como um excelente e fascinante instrumento para pensar o indivíduo e a questão social. Em seu bojo estão uma sólida visão de homem e um sólido posicionamento político. (...) Com ela não fico restrito somente a intervenções terapêuticas na assepsia do meu consultório. Ela me dá liberdade de intervir numa gama enorme de situações. Posso trabalhar onde quer que haja relações humanas. Psicólogos, Pedagogos, Médicos, enfim, todos os profissionais de saúde/educação são, em minha opinião, por excelência os profissionais das relações humanas. Saúde/educação é para mim uma unidade, não um binômio; uma unidade que visa um cidadão saudável. (pp. 40-41)
Objetivo
Apresentar as contribuições de um programa de intervenção gestaltpedagógico, com enfoque na Relação Dialógica, para o ensino do tema"Relação profissional de saúde-paciente" em estudantes dos cursos de graduação em saúde da Universidade de Brasília (UnB).
Metodologia
O programa de intervenção proposto foi uma Oficina com 10 encontros em grupo, os quais foram construídos e aplicados fundamentados na proposta metodológica de ensino-aprendizagem da Gestaltpedagogia tendo como conteúdo conceitos da Relação Dialógica de Martin Buber. Cada encontro teve duração de uma hora e meia, e aconteceu duas vezes por semana. Houve entrevista pré e pós-intervenção, preenchimento de Instrumento de Autoavaliação e de Formulário de Feedback. A descrição detalhada da Oficina, os instrumentos usados, assim como todos os resultados da pesquisa, podem ser conferidos na dissertação de mestrado da primeira autora deste artigo.
O critério de inclusão para a Oficina foram: 1) estar devidamente matriculado nos cursos de graduação de Ciências Farmacêuticas, Enfermagem, Medicina, Nutrição, Odontologia e Psicologia do campus Darcy Ribeiro da Universidade de Brasília (UnB); 2) não estar no primeiro semestre do curso; 3) ter disponibilidade para participação de pelo menos oito encontros, sendo obrigatória a presença no primeiro e segundo encontros; 4) não ter duas faltas consecutivas ou três alternadas; 5) concordar em participar do estudo e assinar o Termo de Consentimento Livre Esclarecido (TCLE). Foram excluídos, automaticamente, os estudantes que não atendiam a esses critérios.
Mediante a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências da Saúde (CEP-FS) da UnB, com número de registro 038/12, as coordenações dos cursos foram contatadas para colaborar na divulgação da pesquisa. Também foram realizadas como estratégias de divulgação: cartazes espalhados na universidade, solicitações a professores de acesso à lista de e-mail dos estudantes matriculados, ida da pesquisadora às salas de aulas dos cursos para divulgar diretamente aos estudantes, e divulgação por meio dos centros acadêmicos. Além disso, alguns estudantes tiveram a iniciativa de publicar a pesquisa em redes sociais na internet.
Participaram da Oficina: um estudante de Enfermagem, um de Medicina, um de Nutrição e dois de Psicologia. O tamanho da amostra impediu a caracterização de cada um dos participantes, sob risco de identificação. Assim, optou-se pela apresentação global do perfil sociodemográfico do grupo: idade variou entre 18 e 20 anos, apontando um perfil jovem; apenas um homem fez parte da intervenção, dado não surpreendente levando-se em conta a prevalência de mulheres nos cursos de saúde; todos eram solteiros, sem filhos e não possuíam outra graduação; apenas um participante estava trabalhando no momento da pesquisa, como estagiário; em relação à religião, três se definiram cristãos, um protestante e um respondeu não praticar nenhuma religião.
Os dados coletados na íntegra da pesquisa foram analisados utilizando-se métodos quantitativos e qualitativos. Neste artigo, serão apresentados os resultados da análise compreensiva de alguns aspectos desta pesquisa-ação, eleitos pela relevância para alcançar o objetivo aqui proposto.
Resultados e discussão
Pautada no princípio gestaltpedagógico da exigência de um comportamento diferente por parte do professor, foram explicados para os participantes no primeiro encontro a forma como se trabalharia na Oficina, a metodologia da Gestaltpedagogia, e o conteúdo que seria trabalhado, a Relação Dialógica. O oferecimento dessas informações objetivou uma comunicação direta e clara, e incentivar a modificação da relação interpessoal entre os participantes. Desde esse primeiro encontro, a pesquisadora estimulou a fala dos participantes, enfatizando a importância da troca de informações e opiniões entre todos os participantes, promovendo uma relação intersubjetiva (Burow & Scherpp, 1985).
Pesquisadora e estudantes agruparam, então, essas palavras por significados semelhantes e depois sintetizaram a ideia principal de cada grupo de palavras transformando-o em uma só palavra. Ao serem listadas as palavras finais, os estudantes verificaram se elas realmente identificavam o que entendiam por "relação humana de qualidade". As palavras finais foram: respeito, reciprocidade, paciência, empatia, cortesia, atenção, responsabilidade e segurança.
A seguir, foi pedido que os estudantes avaliassem se a forma como vivenciaram a atividade teve ou não relação com as palavras identificadas. P1, P3 e P4 sinalizaram afirmativamente com a cabeça. P5 disse que sim, que "foi bem aberto para nos colocarmos, teve empatia na forma como entramos em um consenso com as palavras". P2 disse que "teve relação sim". A vinculação entre teoria e prática foi prioridade da pesquisadora na execução da intervenção, tendo em vista que esse também é um ponto de destaque na Gestaltpedagogia. A relação horizontal professor-aluno foi foco na postura assumida na condução da Oficina, coerente com os pressupostos da proposta gestaltpedagógica (Burow & Scherpp, 1985).
A composição do grupo, com estudantes de diferentes cursos, possibilitou a discussão da relevância do trabalho em equipe multiprofissional para atingir as metas da assistência integral à saúde.Foi uma preocupação constante da pesquisadora, criar um espaço de abertura e receptividade para as falas, incentivando a formação de grupos de discussão, atribuindo o mesmo nível de importância em relação aos participantes, numa relação de diálogo conforme preconizado na literatura (Burow & Scherpp, 1985; Freire, 1968/2012; Pereira, 2007).
Os objetivos do primeiro encontro foram desenvolver um clima de confiança entre os participantes, estabelecer princípios para o funcionamento do grupo, promover o contato dos estudantes com a relação entre teoria. Para atingir esses objetivos, foi propostoum exercício no qual os estudantes foram convidados a evocar palavras associadas à expressão "relação humana de qualidade". Essas palavras foram anotadas em um programa de edição de texto em um notebook e projetadas por um aparelho de datashow (Figura 1).
Do segundo ao nono encontro foram apresentados os conceitos buberianos de presença, comunicação genuína, confirmação e inclusão, sendo reservados dois encontros para cada conceito. A definição de dois encontros para cada um dos elementos se deu em função da dificuldade de constituição do grupo e prazo para conclusão do mestrado. Apesar dessas dificuldades, a programação da Oficina respeitou a necessidade de um tempo mínimo para que os estudantes entrassem em contato com um referencial não abordado diretamente nos cursos da UnB (este dado pode ser consultado na íntegra da pesquisa).
A sequência das atividades se constituíada seguinte forma: em um encontro era feito um experimento e depois apresentado o conceito por meio de slides, com discussão dos aspectos teóricos e a prática vivenciada; no outro era proposta uma atividade que associava o conceito apresentado à relação com o paciente. Ainda que os temas dos encontros tenham sido pré-definidos, a condutora da Oficina estava sempre atenta aos alunos procurando transmitir o conteúdo a partir de seus interesses, assumindo a postura de mediadora entre os conceitos buberianos e os participantes (Lilienthal, 1993). Portanto, levando em consideração o princípio gestaltpedagógico de que "partindo das necessidades dos indivíduos, tenta-se desencadear um processo de crescimento, que tem como meta a modificação do indivíduo e do meio" (Burow & Scherpp, 1985, p. 110), algumas atividades tiveram pequenas alterações visando uma aproximação com as necessidades dos estudantes.
Todos os encontros incluíram espaço de discussão com o objetivo de promover a reflexão do conceito apresentado e articulação com a situação de interação com os membros do próprio grupo e com futuros pacientes, objetivo final do processo de formação profissional. Além disso, a exploração da interdependência entre os elementos do interhumano foi recorrente entre os participantes.
A promoção constante da integração teoria e prática contribuiu na tentativa de promoção de um aprendizado integral. O ensino integral, valorizando competências técnicas e relacionais (Esperidião, 2001, 2003, 2005), pode ser mais eficazmente transmitido por meio de metodologias ativas (Branch Jr. et al., 2001). Essas metodologias possuem como principais aspectos a aprendizagem significativa, a indissociabilidade entre teoria e prática, o respeito à autonomia do estudante, o trabalho em pequenos grupos, a educação permanente e a avaliação formativa (Siqueira-Batista & Siqueira-Batista, 2009). Todos esses aspectos foram planejados e implementados na Oficina.
Atenta ao fato de que uma atitude humanizada é mais comumente é aprendida pelos estudantes é por meio da observação (Branch Jr. et al., 2001), a pesquisadora assumiu uma postura de valorização da relação entre seres humanos em todos os encontros da Oficina, tanto por meio do conteúdo que era ensinado quanto da sua relação com os estudantes, já que para Muniz e Chazan (2010) a conduta que o professor demonstra no encontro professor-aluno, tem muito mais alcance do que o que é dito. Esse aspecto não foi despercebido pelos estudantes, como evidenciado na verbalização a seguir:
"gostei também que deu abertura, né?! Lá, uma coisa que eu fiquei, assim, fascinado, que às vezes não acontece em sala de aula, e que eu achei muito bom, é que cada um podia falar realmente o que estava pensando e era valorizado" (P1 - pós2).
Essa fala também ilustra o incentivo à relação dialógica entre educador e educando, possibilitando o aprendizado conjunto (Pereira, 2007; Vignochi, Benetti, Machado, & Manfroi, 2009). No último encontro foi entregue uma folha contendo a transcrição da expectativa que os estudantes tinham do trabalho no 1º Encontro da Oficina. Foi pedido então que completassem essa folha verificando se a expectativa foi alcançada ou não. Todos os participantes afirmaram que sua expectativa foi alcançada, evidenciando comprometimento com a tarefa. A Tabela 1 apresenta as expectativas de cada um dos participantes e os comentários anotados no último encontro do grupo.
Os resultados sugerem que a Oficina teve boa aceitação dos participantes, tanto em relação ao conteúdo quanto à metodologia, inclusive superando suas expectativas o que pode indicar uma aproximação da integração entre teoria e prática preconizada por estudiosos da área (Branch Jr. et al., 2001; Esperidião, 2001, 2003, 2005).
Por meio dos comentários do 10º encontro compilados na Tabela 1, pode-se observar que houve ampliação do conhecimento por parte dos estudantes, reafirmação da importância da relação com o paciente, alargamento do entendimento da atuação dos profissionais de saúde, maior valorização das relações interpessoais, aprimoramento das suas atitudes, e maior preparação para se relacionar com o paciente, o que sugere uma mudança na visão de mundo e homem dos participantes da pesquisa a partir dessa experiência.
Quando questionados sobre o ensino do tema da pesquisa na universidade, os estudantes foram unânimes em comentar sua defasagem, relatando o enfoque prioritariamente teórico quando discutido em seus cursos:
"Ah... através da palavra do professor mesmo, explicando, (...) falando, mas é sempre uma coisa bem superficial, teórica" (P1 - pré).
"Do curso especificamente, (...) assim, quase nada. A parte que a gente aprende é a parte mais biológica, assim, das coisas, né?! Por exemplo, a gente trabalha muito (...) com caso clínico, eles falam que estão tentando aproximar a gente da realidade. Só que essa aproximação da realidade é assim: "mulher de 45 anos, 1,70, dor no abdomên". Eu não acho que isso seja realmente se aproximar da realidade, né?!" (P2 - pré).
"Eu julgo que eu ouvi muito pouco. (...) eu fiz uma pesquisa, (...) que eu tive contato, que eu pude ler algumas coisas também sobre alguns... (...) O que eu aprendi é mais autônomo mesmo, (...) eu quis estudar mais isso, mas ninguém nunca me falou mais sobre isso, entendeu? (...) Mas, assim, foram pouquíssimas vezes mesmo, mais em pesquisas, ou sei lá, uma palestra, uma coisa sem ser uma aula assim. Acho que foi mais os lugares que eu ouvi" (P5 - pré).
Esse dado corrobora com a literatura sobre a formação brasileira em saúde de que, apesar de tentativas em algumas universidades de promover um ensino mais humanizado (Branco, 2003; Costa et al., 2010; Mello Filho & Burd, 2010), estudos apontam uma priorização da educação teórica e técnica (Caprara & Rodrigues, 2004; Rocco, 2010; Sucupira, 2007; Traverso-Yépez & Morais, 2004).
Ao se comparar esses dados com os resultados do questionamento sobre as possíveis contribuições da Oficina para aprendizagem do tema, nota-se exatamente a contraposição ao ensino teórico na universidade. Os participantes relataram sobre a relação entre teoria e prática presente na intervenção:
"O que a gente ia aprendendo a gente colocava em prática, né. Você estava num ambiente que a pesquisadora falava uma coisa, e logo depois a gente já estava botando em prática, né?!" (P1 -pós).
"Melhorou também a questão de que eu vejo mais claro de como colocar em prática a humanização, assim, sabe?" (P3 - pós).
"Acho que as técnicas utilizadas, como eram muito práticas, a gente via a teoria e via a prática, isso proporcionou a gente a aprender a aplicar aquilo na realidade. (...) A gente fez umas simulações também de atendimento. Aí, a gente conseguiu ver todos os conceitos ali, aí eu acho que isso ajudou bastante mesmo" (P5-pós).
A segunda parte do 10º encontro foi reservada para conhecer a avaliação e o feedbackdos estudantes sobre o trabalho realizado e encerrar a Oficina. Inicialmente, os participantes foram estimulados a comentar a respeito do trabalho. Mesmo sendo anunciada a não obrigatoriedade da participação, todos fizeram comentários.É sabido que algumas propostas de mudança levam tempo para produzir efeitos, todavia a constante reflexão sobre a prática, impulsiona sua implementação. Práticas de saúde humanizadas e comprometidas socialmente são mais prováveis de surgirem em ambientes de ensino que incentivem o desenvolvimento da sensibilidade por parte de seus estudantes para uma ação mais participativa (Amâncio Filho, 2004; Traverso-Yépez & Morais, 2004). P2 e P3 comentam:
"Comecei a pensar na minha turma. Com todo mundo que você conversa ninguém é contra a humanização do atendimento, ninguém é contra conversar com o paciente, tratar ele bem. Aí comecei a pensar assim: então, por que às vezes não acontece, se todo sabe que deve ser feito? Estava conversando com um amigo sobre a Oficina (...) e ele disse: "o que você está falando é óbvio". (...) Não sei se é óbvio, acho que é simples, né, um pouquinho diferente. Porque se fosse óbvio todo mundo faria, se todo mundo tivesse certeza daquilo, todo mundo faria. Acho que é simples, é fácil. E acho que quando a gente para para esquematizar, isso é isso, isso não é aquilo, aí você começa a pensar de verdade no que você está fazendo, como você está fazendo, né?!" (P2).
"Esses conceitos se aplicam muito na prática. Todo mundo já viu e consegue lembrar de algum fato, mas ninguém parou para pensar a respeito. Esses conceitos ajudam a gente a colocar muita coisa em prática, coisas que às vezes são muito teóricas: tem que ser humanizado, tem que respeitar o paciente, tem que fazer isso. Mas, não falam como fazer" (P3).
O relato de P3 remete também à reflexão levantada por Amâncio Filho (2004) a respeito sobre os meios e os modos como a formação profissional na área da saúde vem ocorrendo.
"O curso foi excelente. Teve muita teoria que foi vinculada com a prática. A cada teoria criava uma expectativa para a aula prática. Isso tornou o aprender dinâmico e mais fácil, pois para lembrar dos conceitos, basta lembrar das experiências. Essa matéria é importante não só para cursos da saúde, mas para todo aquele curso que envolva relações interpessoais. Alternamos, a todo momento, entre paciente e curadores um dos outros" (relato colhido no formulário de feedback - anônimo).
Essa última verbalização exemplifica o princípio da Gestaltpedagogia de que se pode alcançar, com essa metodologia, tanto objetivos tradicionais quanto novos, ou seja, conteúdos tradicionais da formação em saúde relacionados a conteúdos técnicos/acadêmicos podem ser transmitidos conjugando a estimulação dos estudantes integralmente, visando acessá-los em sua totalidade, por meio de vivência dos conteúdos, deixando marcas de aprendizagem. O processo de ensino dessa metodologia parte das possibilidades, necessidades e experiências dos estudantes, pelo método da vivência. Começa das necessidades dos indivíduos para desencadear um processo de crescimento que tem como meta a modificação do indivíduo e do meio (Burow & Scherpp, 1985; Lilienthal, 1997, 2004).
Em todos os encontros foi pedido que os estudantes escrevessem uma palavra que traduzisse como estavam se sentindo antes do início das atividades e ao final das mesmas, visando estimular o contato dos participantes consigo mesmo, promover conscientização e estimular a atenção ao aqui-agora que é o tripé fundamental da Gestaltpedagogia (Lilienthal, 1993; Pierre-Carl, 2016). Essas palavras serviram também como um feedback processual para que a condutora pudesse adequar a condução das atividades às necessidades dos participantes (Burow & Scherpp, 1985).
Pôde ser observado, a partir da tabulação das palavras de cada encontro, que as palavras iniciais mais frequentes entre os estudantes eram: cansado, ansioso, tranquilo e curioso, que podem estar associadas ao que haviam vivenciado momentos antes do início da Oficina. Em relação às palavras finais, a maioria refletiu aspectos de motivação, tranquilidade, consciência e reflexão. Interessante perceber que esse exercício foi incorporado como um recurso cotidiano em situações adversas, ainda que não previsto como objetivo da Oficina, como relatado por uma das participantes:
"(...) nós também fizemos avaliação da palavra. "Você senta, para, pensa numa palavra". Isso eu achei muito bom, porque eu sou uma pessoa muito ansiosa, aí eu vou fazer uma prova, ou eu estou estudando, a minha cabeça está assim, a mil por hora, aí eu paro e falo: "Como foi que ela fez? Vou pensar numa palavra! Um minuto pra você respirar"! Isso eu aprendi também. Eu não sei nem se estava no cronograma, mas eu levei muito em consideração. (...) Meio que abriu os olhos, entendeu"? (P1 - pós).
Em relação às limitações da Oficina, as respostas sinalizaram que o grupo foi pequeno, que poderia ser expandido para mais estudantes na universidade, que o horário dificultou a participação, e que poderia ter tido uma duração mais longa. A assiduidade dos participantes aos encontros também sugere receptividade e aprovação da Oficina Relação Profissional de Saúde-paciente: dos 10 encontros realizados, todos estudantes participaram de no mínimo oito, como preconizado nos critérios de inclusão. Enfatiza-se que o grupo terminou com a mesma quantidade de componentes que começou, o que é diferente do que comumente se observa em atividades grupais, nas quais é comum a perda de participantes no decorrer do trabalho.
Assim, ao realizar uma análise geral da avaliação do programa de intervenção pelos participantes, bem como dos resultados obtidos ao final do estudo, é possível afirmar que, apesar das limitações da pesquisa, o estudo evidenciou contribuições para o ensino do tema "Relação profissional de saúde-paciente" em estudantes de graduação da área da saúde.
Considerações finais
Partiu-se da necessidade, verificada na literatura, de estudos com enfoque empírico para a formação integral dos futuros profissionais de saúde brasileiros uma vez que pensar na mudança dos modelos de assistência implica em contemplar as pessoas que formam esse sistema. Durante séculos os aspectos técnicos foram priorizados na formação do profissional de saúde. Contudo, cada vez mais a demanda é por um cuidado integral da pessoa e não da doença, explicitado em todas as políticas públicas mundiais. Nesse sentido, aspectos interpessoais passam a ser objetivos novos a serem incorporados pelos cursos, que tradicionalmente negligenciavam o desenvolvimento dessa competência.
Foi verificado que a Oficina Relação Profissional de Saúde-Paciente mostrou-se efetiva para o ensino desse tema a estudantes de graduaçãoprincipalmente, em relação à integração entre teoria e prática; ao incremento na formação humanizada, com o aprendizado dos conceitos buberianos, considerados pelos estudantes interessantes e de fácil entendimento e aplicação; e à abertura para exposição de opiniões e discussão multiprofissional.
Foram citadas muitas vantagens em contraposição a poucas limitações da Oficina. A esquematização didática dos conceitos, com aplicação prática da teoria apresentada, a abertura para participação dos componentes, o interessante assunto-tema da intervenção, proporcionando um diferencial na formação dos participantes, foram os principais benefícios enunciados. O tamanho da amostra foi percebido como uma desvantagem. Há que se considerar que o interesse prévio dos participantes no tema da pesquisa caracteriza um viés importante à receptividade para a Oficina o que traz a necessidade de cautela na consideração desses dados.
Os resultados apontam que existe uma sensibilização e demanda do estudante em busca de habilidades interpessoais que possam favorecer sua atuação profissional e que o uso de uma metodologia diferenciada, como a Gestaltpedagogia, pode contribuir na educação integral do estudante.
Ressalta-se, no entanto, que o desenvolvimento de habilidades interpessoais é uma competência processual, portanto, passível de modificação ao longo do tempo o que demanda uma avaliação em longo prazo. Assim, outros estudos devem ser realizados com um número maior de participantes, que contemplem os demais cursos da área da saúde e com possibilidades de followup, para verificar se o conteúdo aprendido é incorporado ou não nas atitudes dos estudantes.
As convergências percebidas pela pesquisadora puderam ser confirmadas no que se refere às contribuições da aplicabilidade da Gestaltpedagogia e da Relação Dialógica para o aprimoramento da qualidade das relações na área da saúde. Foi gratificante a percepção da receptividade dos estudantes à Oficina, o acompanhamento do desenvolvimento de cada um do primeiro para o último encontro, e a ampliação que fizeram dos conteúdos aprendidos para além da relação com o paciente.
A Oficina delineada é um modelo que pode ser reaplicado para o desenvolvimento de habilidades interpessoais, identificadas como carências na formação de recursos humanos em saúde, e imprescindíveis para as mudanças que garantirão a assistência integral ao paciente. Representa, por conseguinte, uma importante contribuição de um referencial teórico ainda pouco conhecido e difundido entre docentes responsáveis pelo desenvolvimento dos profissionais de saúde brasileiros.
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Recebido em 14.02.17
Primeira decisão editorial em 27.04.17
Segunda decisão editorial 01.09.2017
Aceito em 03.01.18
1 Apesar de discussões no campo da Pedagogia sobre os termos professor/educador e aluno/estudante, neste trabalho eles serão utilizados como sinônimos.
2 Para evitar a repetição de palavras ao longo do texto, serão usadas as abreviações "pré" e "pós", para designar relatos feitos antes e após a intervenção, respectivamente.